2025/07/07

Ferreira Leite vai a Castelo de Vide quebrar o seu silêncio

Depois de um longo período de silêncio, que já dura desde Julho, Manuela Ferreira Leite vai à Universidade de Verão do PSD, em Castelo de Vide, anunciar o regresso de férias dos social-democratas e dizer ao País quais os temas que marcarão a agenda do partido em vésperas do calendário eleitoral. A intervenção da líder é aguardada com grande expectativa, mas já há quem vá dizendo que será um “flop”.

A universidade PSD, que tem início dia 1 de Setembro, é o evento que simboliza, actualmente, a rentrée política dos social-democratas. Tradicionalmente, era a Festa do Pontal – que agora é em Portimão – o palco da retoma da actividade política dos laranjas depois do verão. Porém, celebração do PSD/Algarve perdeu a importância de outros tempos. A Universidade social-democrata, da responsabilidade há alguns anos do eurodeputado Carlos Coelho, é aguardada com grande expectativa porque encerra um período de silêncio prolongado de Manuela Ferreira Leite.
A líder, desde que foi eleita, tem optado por uma estratégia de gestão muito cuidada das suas intervenções. Sendo, inclusivamente, acusada por algumas figuras do seu partido de um silêncio excessivo acerca das questões nacionais e até internacionais – como a guerra do Cáucaso.
Como escreveu esta semana Pedro Santana Lopes no semanário Sol “a opção tomada [por Ferreira Leite] significa subir muito as expectativas para quando falar”. Para além intervenção da líder, os alunos do PSD poderão ouvir Pedro Passos Coelho falar sobre questões relacionadas com a cidadania, António Vitorino sobre a Europa e Leonor Beleza sobre as fundações em Portugal. O comentador e militante do PS e o ex-candidato à liderança social-democrata, que defrontou a actual presidente do partido, vão ser os dois professores da iniciativa que tem por missão a formação de jovens quadros do partido.
A iniciativa, que terá lugar entre 1 e 7 de Setembro, em Castelo de Vide, contará com a presença de cem jovens, seleccionados entre trezentos candidatos, que constituem uma média de idades de 22 anos, “a mais baixa de sempre”, segundo a organização. “A selecção foi feita de forma a termos um equílibrio de idades, de sexos e regional”, afirmou Duarte Marques, garantindo que estarão representados “todos os distritos”. A Universidade de Verão do PSD/JSD estará dividida entre aulas, que ocuparão a manhã e a tarde, e jantares-conferência, que terminarão sempre com uma intervenção.|

A Universidade do desespero

Em vésperas da sua rentrée, na Universidade de Verão do PSD, depois de uma longa espera e um silêncio quase mortal durante o mês de Agosto, a líder laranja enfrenta tempos muito difíceis. A Universidade de Verão tem tudo para ser um grande “flop”, consequência de uma estratégia errante. O tempo estival de espera não serviu para criar suspense e só debilitou a líder. Por outro lado, Ferreira Leite não se pode dar ao luxo de tentar criar hiatos, suspense e dramatização, já que não tem trunfos para jogar. Até os oradores da Universidade de Verão a desfavorecem. Passos Coelho é um deles. O ex-candidato a líder escolheu a semana anterior ao início da Universidade de Verão para criticar a estratégia de a política de Ferreira Leite, sendo este homem que é apresentado pela direcção laranja para a rentrée laranja, onde Ferreira Leite tem de mostrar tudo o que vale. Outro dos oradores é, imagine-se, António Vitorino. Ferreira Leite deve ter achado que metia uma lança em África com o convite ao ex-comissário europeu, incomodando Sócrates e fomentando a divisão no seio do PS. O primeiro-ministro deu-lhe um primeiro sinal com os elogios feitos a Leonor Beleza. Só para a troca. Agora está perto de lhe aplicar o correctivo a sério. Vitorino vai primeiro participar na Universidade de Verão e depois, logo a seguir ao 7 de Setembro, quando Ferreira Leite fizer sua entrada triunfal na Universidade de Verão, a 8 de Setembro, há o perigo de António Vitorino pode vir a ser ser entronizado no papel todo-poderoso de presidente da Respublica, a nova estrutura que o PS vai formar para preparar o programa e a estratégia para as eleições legislativas de 2009. Ou, pelo memos, ter um papel de destaque na estrutura. Se Manuel Alegre tiver dito que não a Sócrates.Aos socialistas deve dar vontade de rir. Ao PSD de Ferreira Leite o que há a fazer é chorar e, enquanto não expiam os pecados do passado, aprender a ter mais humildade.
Por outro lado, Ferreira Leite não deve ter uma novidade ou uma ofensiva marcante para apresentar no seu discurso de rentrée, marcado para o final da Universidade de Verão. A cavalgada política, súbita e sem consistência, contra a criminalidade, pedindo mesmo a cabeça do ministro da Administração Interna, Rui Pereira, parece ter sido esvaziada pela promulgação de Cavaco Silva da Lei de Segurança Interna e da Lei de Investigação Criminal. O que deixa novas interrogações sobre o papel de Cavaco. Ferreira Leite bem tem dado sinais políticos prévios do que Cavaco vai fazer, de forma a colar-se ao Presidente da República. Foi assim tanto com o veto ao Estatuto dos Açores como com o veto da lei do divórcio. Recorde-se, porém, que Marques Mendes fez exactamente a mesma coisa, tentando colocar-se por baixo do esplendor presidencial e teve o fim que se sabe, até com uma condecoração no 10 de Junho para defuntos políticos. Ferreira Leite tem tudo para ser outra desiludida com Cavaco, como aconteceu com Eurico de Melo, Miguel Cadilhe e Fernando Nogueira.
Face ao aumento da criminalidade, o PS tem agora o argumento, e o álibi, de considerar que, com a promulgação das leis de segurança interna e de investigação criminal, tem as condições para inverter a situação ao nível da criminalidade que tem assolado o país . Invocando, aliás, como trunfo político, o facto de o PS ter sido o único partido a aprovar as leis referidas, que reforçam os poderes estatais no combate à criminalidade, tendo o PSD feito criticas às leis por poderem ferir o principio da separação de poderes e os direitos dos cidadãos. Perante esta situação, o líder parlamentar laranja, Paulo Rangel, veio terça-feira dizer o óbvio, que o PS deixa de ter desculpas para a luta contra o crime. O curioso é que para se defender, a direcção laranja abre brechas. Se para o futuro, fica com estes meios legislativos, parece óbvia a conclusão que os socialistas anteriormente não tinham esses meios. Então, se não tinham os meios, parece que o PSD pediu gratuitamente a demissão de Rui Pereira. Tantos pergaminhos que a direcção laranja gosta de carregar, de coerência e rectidão, e dá nisto, nestas contradições lógicas, o que mostra bem as dificuldades por que passa Ferreira Leite. Também esta semana, num artigo de opinião de José Pedro Aguiar Branco, mais uma prosa vinda do do staff de Ferreira Leite enquanto a líder parece amordaçada, o ex-ministro da Justiça caia na mesma esparrela. Escrevia que os inimigos de Ferreira Leite a atacavam por estar calada porque sabiam a importância da sua voz. Pois, se a voz de Ferreira Leite é tão importante por que é que a líder laranja já vai para dois meses que está calada. A falta de sensibilidade e perspicácia política do staff de Ferreira Leite começa a ser gritante.
De repente, Ferreira Leite parece ter ficado sem quaisquer armas para jogar. É certo que tem o Orçamento de Estado para 2009, que vai estar na agenda política já daqui a duas semanas. Marcelo Rebelo de Sousa já alertou que pode ser a oportunidade da líder, o que pode ser a confirmação de que a líder vai atravessar outro mau bocado. Ferreira Leite podia brilhar com António Guterres mas dificilmente faz farinha com um José Sócrates que, em muitos aspectos, é mais liberal e mais austero do que Ferreira Leite. Assim, também do debate do Orçamento não devem vir boas novas para Ferreira Leite. Sócrates, para além de respeitar a sua cartilha, é muito hábil e já fez saber que a contenção é para manter, esvaziando a estratégia de Ferreira Leite. A líder laranja pode, aliás, sair esmagada do debate orçamental. Sócrates joga em várias frentes. Deve aumentar as despesas educação, o que é politicamente correcto, neutralizando Ferreira Leite, curiosamente ex-ministra da Educação. Deve aumentar algumas despesas sociais, o que também é politicamente correcto e muito útil para o ano de todas as eleições, entrando no discurso ideológico do cavaquismo, que sempre teve um forte pendor social.|PG

“Admiro a determinação e a coragem com que a ministra da educação tem

Adopção, divórcio, educação, sexualidade e violência são temas que despertam até o mais desatento cidadão. Com Eduardo Sá, doutorado em Psicologia clínica pela Universidade de Coimbra viajámos por entre os problemas sociais que afectam Portugal.

Nos dias que correm são cada vez mais as reportagens, estudos e livros que abordam o tema do bullying. Considera que actualmente as crianças são mais agressivas que outrora?
Não. A agressividade é tão natural como a sede e faz bem à saúde. É, ao mesmo tempo, um ansiolítico e um anti-depressivo da maior utilidade para todos nós. Aliás, talvez todos tenhamos sido mal-educados para a agressividade: todos nós teremos aprendido a reprimi-la quando, no fundo, ganharíamos mais se aprendêssemos a brincar com a agressividade e a utilizá-la com maneiras. As crianças não são mais agressivas hoje do que seriam outrora. No entanto, trabalham horas demais todas as semanas, têm aulas cada vez mais longas, e recreios mais minúsculos. Se repararmos que, regra geral, as crianças têm as famílias mais democráticas que alguma vez elas tiveram e, ao mesmo tempo, vão crescendo fechadas em pequenos apartamentos, receio que estejamos a educá-las cada vez com mais espaço interior e cada vez mais em espaços físicos e em tempos espartilhados. Se não lhes dermos espaço para exprimirem aquilo que sentem e, muito menos, para manifestarem esse ansiolítico e anti-depressivo fantástico (que é a agressividade) receio que, embora não sejam mais agressivas, estejam tão obrigadas a fazer de “panelas de pressão” que, por isso, têm défices de atenção, perturbações de comportamento e pareçam mais agressivas.

Mas então, qual o papel que os pais, professores e auxiliares têm na identificação ou diminuição do bullying?
Os pais têm a obrigação de entender que toda a agressividade que se guarda transforma-se em violência. Daí que, em primeiro lugar, as crianças devam ter tempos e espaços para brincarem. Brincar na companhia dos amigos é o melhor antídoto para a violência. Em segundo lugar, têm a obrigação de perceber que as crianças que nunca são agressivas podem parecer uns anjos mas não aprendem (com os erros) a ser boas pessoas. Em terceiro lugar, era bom que os pais e os professores nunca esquecessem que se educa com bons exemplos; não tanto com bons conselhos. E que, muitos dos conselhos que os pais e os professores dão às crianças acerca do bullying acabam por ser uma forma de lhes dizerem: “olha para o que eu digo não olhes para o que eu faço”. Em quarto lugar, devem separar as crianças, episodicamente, agressivas daquelas que nunca são agressivas ou que, pelo contrário, o são sempre. Isto quer dizer que as crianças que violentam os colegas são crianças que se vingam nos colegas dos maus-tratos dos pais ou que experimentam com eles os maus exemplos que têm em casa. Numa ou noutra destas situações, são crianças em perigo. Porque maltratam e porque delapidam o espaço e as relações educativas. Por último, é fundamental que, logo que intuam que uma criança está a ser alvo de violência em meio escolar, devem ser sensatos e lestos a protegê-la porque as consequências desses actos são incalculáveis e podem comprometer, para sempre, o percurso educativo e a relação com a escola.

Que leitura faz sobre as opções de um director de informação que escolhe transmitir um sequestro em directo para todo o País?
Eu acho que o choque informativo pode, em determinadas circunstâncias, ser um instrumento de interpelação que nos faça despertar. Nem sempre uma situação de choque transforma uma peça informativa num tablóide. No entanto, se a ganância por audiências se sobrepõe ao compromisso de informar pode fazê-lo. Um sequestro em directo pode ser, no limite, uma forma de intervir socialmente. E pode ajudar a alargar a consciência dos cidadãos para dramas que convivem com a sua distracção de todos os dias. Repeti-lo até à exaustão, dissecá-lo em todos os pormenores, por mais insignificantes que sejam, pode transformar a informação num voyeurismo que me incomoda, reconheço.

Os conteúdos da televisão nacional são os adequados?
No essencial, são. Aliás, eu acho que a televisão é responsabilizada, vezes demais, duma forma demagógica, por alguns educadores batoteiros. Somos todos melhor educados quanto mais plural for a nossa educação. E a televisão tornou a educação mais aberta e mais democrática. Haverá séries ou situações episódicas pouco recomendáveis para as crianças e para os jovens? Sem dúvida. Mas isso transforma os pais numa entidade reguladora no crescimento dos filhos. Se a televisão interfere, negativamente, no crescimento das crianças é porque os pais a transformam, vezes demais, numa babysitter e num atelier de tempos livres como se ela os substituísse sempre que estão indisponíveis para os filhos. E isso sim, potencia, por omissão, todos os conteúdos menos recomendáveis que a televisão lhes transmita.

As famílias tradicionais são cada vez menos surgindo famílias monoparentais e recompostas. Quais as repercussões que estes novos modelos têm no desenvolvimento das crianças/jovens?
Se as famílias tradicionais seriam uma mãe a fazer de mãe, um pai a fazer de pai e o espírito de Natal a ligar as pessoas então as famílias tradicionais, felizmente, nunca existiram. As famílias estão hoje, felizmente, à beira da extinção. Primeiro, porque os pais juntos por fora não significava que estivessem juntos por dentro. Em segundo lugar, o pai e a mãe juntos nem sempre quis dizer que ambos dessem tempo aos filhos. Tempo para brincar, educar, contar histórias ou passear. Em terceiro lugar, pais carcomidos pelo trabalho, sem grandes recursos económicos, sem electrodomésticos (!), sem conseguirem garantir um espaço (em casa) para a criançada, ou sem terem meios de lhes darem uma educação básica que esbatesse as assimetrias sociais, por mais juntos que estivessem, não seriam, só por isso, melhores. Por último, pais juntos significou, em muitas das nossas famílias, uma avó ou uma tia ou uma empregada a fazerem de mãe. Um irmão ou um tio ou um avô a representarem o pai. Mais importante do que terem os pais juntos por fora e divorciados por dentro, para as crianças é muito importante que eles estejam por dentro. Famílias reconstruídas significam que as crianças possam passar a ter duas referências de mãe e de pai, o que exige dos pais maiores cuidados e mais clareza nos gestos que repartem entre si, com as suas novas companhias, com a gestão dos seus gestos educativos para com os filhos que essa nova companhia possa ter e com os novos filhos que venham a nascer duma nova relação. O divórcio exige que os pais se tornem melhores pais para merecerem ser pais. E, é importante que se diga que, se a percentagem de divórcios tem vindo a aumentar, a percentagem de pais que, no contexto dum divórcio, tem reclamado guarda conjunta e que, efectivamente, a levam à prática, antes e depois do divórcio se dar, tem aumentado vertiginosamente.

O novo Código do Trabalho prevê um aumento da duração da licença de maternidade. Quais as vantagens desta alteração para a relação mãe-filho e o desenvolvimento do bebé?
Os primeiros meses de vida de uma pessoa são fundamentais para que se desenvolva uma relação que servirá de matriz para todas as outras relações e para sempre. Os bebés que têm mais e melhor mãe são mais tranquilos, desenvolvem-se melhor e tornam-se, por isso, mais inteligentes. Os cuidados educativos, no primeiro ano de vida, são o grande arquitecto do sistema nervoso do bebé. São tantos e tão incalculáveis, pela vida fora, esses ganhos que, do ponto de vista do bebé, a medida que foi tomada pelo Governo deve ser aplaudida, vivamente. É igualmente fundamental a licença de maternidade englobar a mãe e o pai, o Código do Trabalho assuma que se começa a ser mãe ou pai na gravidez, e que se protejam todos os pais que fazem questão de estar em todos os momentos da gravidez de um filho. Num segundo momento, seria bom que se recomendasse, através de campanhas, por exemplo, que se reparta a licença de maternidade pela mãe e pelo pai, uma vez que os primeiros meses do pós-parto são esgotantes, em termos físicos, e representam uma fractura tão vertical com a vida que se tinha que isso não ajuda o bebé. Quando um bebé tem duas pessoas (que lhe pegam, lhe falam, o olham e o embalam de forma diferente) a amá-lo isso obriga-o a ser um bocadinho igual a cada um o que é mais de meio caminho andado para o ajudarmos a cultivar a sua personalidade desde o princípio.

A adopção é sempre um processo bastante moroso, sendo necessário conquistar várias etapas até obter as condições para o desejado momento. Os juízes privilegiam a ligação com os pais biológicos aquando um confronto entre pais adoptivos e pais biológicos. Qual o impacto que esta decisão tem para a criança/jovens e para os pais adoptivos?
Portugal não tem sido um país muito amigo das crianças. Não só porque há milhares de crianças que, a coberto de alguma ilegalidade, têm o Estado como seu tutor (o que é um completo absurdo, e sugere uma colectivização insuportável das crianças), mas também porque não é verdade que a adopção seja um processo único, rápido, claro, despoluído de pequenos poderes e de decisões arbitrárias, em todo o País.
Às vezes, o Estado confunde uma cédula pessoal com um título de registo de propriedade e é urgente que se distinga um progenitor dum pai. Nem sempre um progenitor se transforma num pai. E aquilo que o Estado faz – quando se perdem os meses mais importantes da vida de uma pessoa (com consequências irreversíveis) para acolher as indecisões de um progenitor em relação à parentalidade ou para ir à procura de um tio-avô da progenitora, que nunca a conheceu, é um bom exemplo daquilo que, um dia, quando Portugal for um País mais amigo das crianças, vai deixar de existir. Como em todos nós, depois de uma pessoa ter entrado na nossa vida, nunca mais sai. Nem com ordem de despejo! Adoptar é ter uns segundos pais. E, como se passa connosco, quando um novo namoro paga por aquilo que todos os outros nos provocaram, com as crianças adoptadas, os novos pais pagarão pelos maus-tratos que os anteriores lhes infligiram. Se os maus-tratos não tenham sido todos os dias, anos a fio é melhor. Se os maus-tratos dos primeiros pais não tiverem sido agravados por maus-tratos que estas crianças tenham vivido em orfanatos, ainda melhor. Porque tantos maus-tratos a multiplicarem-se uns nos outros exigem que quem adopta não seja só pai ou mãe mas precise de ser um misto de anjo e de técnico de saúde mental, ao mesmo tempo. O que não é justo. Mas, muitas vezes, infelizmente, é o que se passa.

A união de facto entre homossexuais é um assunto que mais tarde ou mais cedo será abordado na Assembleia da República. Após a obtenção deste objectivo, provavelmente, provavelmente seguir-se-á a luta pela aprovação da adopção. Qual a sua opinião relativamente a esta questão?
Continuo a defender que aquilo que está em causa numa adopção não é o género ou a orientação sexual de uma pessoa mas as suas competências para a parentalidade. Se elas forem avaliadas de forma competente é quanto basta para que as crianças percebam que o bem duma família passa pela pluralidade de exemplos num mesmo denominador comum de verdade.

O sexo nos dias que decorrem é visto segundo novos padrões, havendo uma maior troca de parceiros e relações mais fugazes. Qual a relação que os jovens têm com a sua sexualidade?
Continuo a achar que falamos demais da sexualidade dos jovens e dos seus comportamentos de risco quando, no fundo, quem acaba por ter comportamentos sexuais de maior risco são, muitas vezes, os pais e outros educadores dos adolescentes. Os jovens têm, regra geral, uma relação muito mais saudável com a sexualidade já que não lhe atribuem uma importância tão hegemónica como os adultos. Os jovens percebem que os bebés não vêm de Paris e despertam, entre perplexidade e excitação, para ela. Não iniciam tão precocemente, como muitos dos seus pais fizeram, a sua vida sexual, e estão, seguramente, muito melhor informados do que eles. É claro que haverá sempre dois tipos de jovens doentes, por mais que não o aparentem: aqueles que sexualizam, compulsivamente, seja o que for e aqueles que acham a sexualidade um aspecto animal, primário ou degradante da Natureza Humana. Ora é por isso que eu acho que se tem de se repensar, profundamente, a educação para a sexualidade. Falar do aparelho genital, de contraceptivos ou de doenças sexualmente transmissíveis não chega. È importante que se diga aos adolescentes que devia ser proibido casar com a primeira namorada e que nas relações amorosas, como em tudo o que há de sério na vida, errar é aprender. E que devia ser proibido casar para sempre, no sentido de, ao assumirmos que queremos que viver com alguém, estarmos autorizados a adormecer “em serviço”, a descuidar os mimos e os pequenos gestos de ternura. E que, por mais importantes que sejam, as relações morrem se não forem mimadas. E que mais importante do que nos despirmos por fora é despirmo-nos por dentro. E que, depois de uma pessoa ter um lugar no nosso coração, não fazemos um voto de castidade com a vida, e vamos estar, de forma sábia, a comparar as pessoas que temos dentro de nós com todas as outras com que trabalhamos, com quem nos cruzamos na rua, etc. E que esta imensa complexidade humana transforma as relações amorosas e a sexualidade no projecto mais sério e mais redentor que algum de nos terá na vida.

Na educação, o Governo, tem apostado na introdução de disciplinas extra-curriculares aumentando a carga horária das crianças/jovens. Qual a sua opinião relativamente a esta medida?
É claro que é importante que a escola diversifique as áreas de aprendizagem das crianças mas não ganha, acho eu, se criar disciplinas de 1ª e de 2ª ligas. Muito tempo de aulas e pouco tempo de recreio entre elas faz mal ao desenvolvimento das crianças. Pouco tempo para brincar, quando se regressa da escola, faz pior, ainda. As crianças trabalham demais. Muitas vezes, começam a trabalhar às oito da manhã, prolongam o trabalho até às oito da noite e ainda trazem trabalho para casa. Foi por isso que, há algum tempo, propusemos um dia de greve nacional aos trabalhos de casa, como forma de chamar a atenção para o facto de mais escola não representar melhor escola.

Considera que na área da Educação o Governo tem actuado bem?
Admiro a determinação, a coragem e a perseverança com que a senhora ministra da educação tentando transformar um sistema educativo que, desde 1975, parecia ser impossível de tocar. É claro que não concordo com todas as medidas que tem tomado, mas ficaria muito preocupado (por mim e por ela) se concordasse com todas. Acho que a educação pré-escolar precisa de ser, tendencialmente, pública, gratuita e para todos. E acho que num País amigo as crianças os professores são um bem de primeira necessidade, e terão de dispor de condições de trabalho, terão de ser acarinhados e terão de ser bem pagos. Mais do que com choques tecnológicos ou com choques fiscais, o mundo transformou-se de dentro para fora da escola. A escola foi a invenção ais bonita da Humanidade! Qualquer governo que governe com os olhos postos no futuro deverá organizar uma Lei de Base da Família e da Criança e mobilizar recursos sérios para a educação. Talvez mudar o mundo passe por isto, simplesmente. E é tão fácil!

Foi aprovado na Assembleia da República a Ordem dos Psicólogos. Qual a vantagem para os Psicólogos em Portugal?
A vantagem passa por, definitivamente, separarmos os licenciados em psicologia dos psicólogos, e credibilizar-se – humana, científica e tecnicamente – o exercício da psicologia.

E qual o estado actual da Psicologia em Portugal?
Temos algumas boas escolas de psicologia, licenciados em psicologia que serão os profissionais que mais compram formação técnica e científica pós-graduada neste pais. Precisamos de formações de especialidade mais credíveis. Precisamos de força negocial para que se percebam algumas bizarrias como, por exemplo, a licenciatura em psicologia (ao contrário da de filosofia) ainda não ser reconhecida pelo Estado como habilitação suficiente para se leccionar a disciplina de psicologia, no ensino secundário.

Que conselhos quer deixar aos pais portugueses?
Gostava que percebessem que são mais sábios do que imaginam. Gostava que entendessem que pecam por falar por actos e por omissões e nunca por dizerem: “amo-te Teresa” de forma clara. Gostava que assumissem que as relações com as pessoas que nos amam são aquilo que nos dá vida ou nos mata devagarinho. E que só nos deprimimos por falta de mimo. Que nunca esquecessem que o melhor do mundo é o futuro. E que o futuro vai continuar a aceitar pessoas imperfeitas.|

Uma nova Guerra-friapor Rui Teixeira Santos

Ontem, a escalada de exibição bélica prosseguia no Mar Negro, com movimentações de navios militares russos e americanos. Não faltava quem lembrasse que estávamos a pagar os excessos do Ocidente.

Ontem, a escalada de exibição bélica prosseguia no Mar Negro, com movimentações de navios militares russos e americanos. Não faltava quem lembrasse que estávamos a pagar os excessos do Ocidente. Havia muitos a lembrar o Kosovo, mostrando que a reacção russa era o contraponto dessa acção militar do Ocidente. Havia outros a lembrar também a Tchechénia e o paradoxo de Moscovo, que agora se posiciona com tanta veemência a favor das províncias separatistas, quando agiu com enorme brutalidade quando o assunto era o desmembramento da Tchechénia do território russo.
No caso do paralelo com a situação da independência do Kosovo, só a vontade de estar contra o Ocidente pode justificar a confusão. Juridicamente, o reconhecimento da independência do Kosovo pelos governos ocidentais foi uma excepção em relação às leis que protegem a integridade territorial de um país, aceite pelo direito internacional e baseada no facto de estar a ser cometido um genocídio. Belgrado, antes da luta pela independência dos kosovares, havia ferido brutalmente os direitos da minoria étnica albanesa. E, somente em consequência desta situação é que a comunidade internacional teria optado por intervir e, finalmente, reconhecer a independência do Kosovo.
A intensa discriminação por parte de um Estado, por um longo espaço de tempo, é uma das justificações que, excepcionalmente, permitem a uma minoria lutar pela separação territorial (uma situação com paralelo na Turquia, com os kurdos, mas, também, em meu entender, em Portugal, se continuarmos a discriminar, orçamentalmente, a Região Autónoma da Madeira – fica o aviso feito ao Governo e ao Presidente da República!). No caso actual da Ossétia do Sul e da Abcássia não ocorre tal discriminação por parte do governo da Geórgia. Ou confirmamos esta doutrina e conseguimos conservar a integridade territorial de países europeus como a Espanha, Itália e Reino Unido, ou isto é uma caixa de Pandora, sem regras.

A questão alemã
A análise de que a reacção russa é legítima para o equilíbrio internacional e, ainda por cima, responde ao Kosovo, é, pois, muito elementar e parcial e não tem cobertura no quadro do Direito Internacional.
O problema da crise do Direito Internacional começa muito antes do Kosovo, que já é uma tentativa para estabilizar os balcãs e instalar uma base americana, longe da inconstância política italiana e para segurar o leste mediterrânico.
O problema começou, como começa sempre: pela Alemanha e para ambição hegemónica prussiana. Um velho problema que a Europa e o mundo nunca resolveram e que pagam da pior maneira.
Tudo começou quando, unilateralmente e contra toda a CEE, em 1991, o chanceler Helmut Khol comunicou ao Conselho Europeu que, no dia seguinte, ia ser declarada a independência da Croácia (aliás, o Presidente Cavaco Silva, então primeiro-ministro, estava presente e poderá, seguramente, testemunhar). Tudo o resto, incluindo o regresso da guerra à Europa, deriva daí. E, até sabemos que do resto faz também parte o projecto europeu em algumas das suas componentes, que podem ser mais perigosas.
Mas, sendo o problema central a Alemanha, importa ter uma abordagem realista. Há épocas de águia e épocas de falcão. No estado actual da crise do Direito Internacional e não tendo a Europa e o Ocidente meios para travar a Rússia – e isso é fundamental
por causa dos Estados Bálticos e da Polónia – a resposta passa necessariamente pelos seguintes passos:
1. Deixar claro à Rússia que discordamos da violação da integridade territorial da Geórgia;
2. A Rússia tem que ser tratada na esfera internacional como aquilo que é: um país não civilizado. E temos que deixar claro que as três provocações russas (a saber, o desmantelamento da democracia interna na Rússia, o assassinato em Londres de um agente dos serviços secretos e a invasão da Geórgia) são entendidas no mundo ocidental como manifestações da falta de civilidade da Rússia e da sua oligarquia corrupta dominante (típica de um regime patrimonial assente na extracção de petróleo);
3. Aprofundar a integração económica e política na União Europeia, pois só dessa maneira poderemos fazer face à ameaça energética, politica e militar russa. Recordemos que a Rússia tem, inteligentemente, vindo a negociar individualmente com cada estado europeu (incluindo Portugal) tratados de cedência de energia e posições de capital que tornaram países como a Alemanha dependentes energeticamente, em 40%, da Rússia. Ora isto é uma fragilidade na segurança europeia, agora que é mais claro a dúvida que eu nunca tive. Que a Rússia é a barbárie e que a sua oligarquia dominante tem, sempre teve, loucos sonhos imperiais.
Posso, hoje, ser o único no planeta a escrever isso. Mas, Churchill também teve razão antes de tempo e se o tivéssemos ouvido teríamos evitado a desgraça que se seguiu à II Grande Guerra.

Nações civilizadas
É bom que fique claro: as nações civilizadas são aquelas que se pautam, na sua actuação, pelo respeito do Direito. Sempre que a ordem jurídica internacional é colocada em causa, evidentemente, devemos ficar alarmados.
O que distingue a Rússia da civilizada Europa é, exactamente, o facto de não respeitar os direitos políticos dos seus cidadãos, coisa que não se verifica na Europa, nem o Direito Internacional, na defesa dos seus interesses nacionais.
É essa a fronteira: a fronteira do Direito.
E sabemos bem que essa fronteira é condição para o desenvolvimento sustentado e para a Paz.
Por outro lado, temos de abandonar a lógica dos equilíbrios bipolares. A história não se repete e, embora a teoria dos contrapesos seja adequada na ordem interna, sempre se mostrou perigosa e insuficiente na ordem internacional.
O actual peso da Rússia no contexto político e económico mundial e a falta de um plano ideológico nesse sentido, tornaram totalmente anacrónicas as geometrias politicas polarizadas.
Os Estados têm interesses e os interesses nacionais estão acima do resto. Isto percebe-se, dentro dos limites do Direito Internacional, que necessariamente é conservador, no sentido que mantém o “status quo”.
Do ponto de vista académico há pois que abrir a reflexão para este mundo multipolar sem potência dominante.
Já para nós europeus, do ponto de vista estratégico e em termos de segurança, importa estarmos atentos à Rússia. Nunca nos esqueçamos que Hitler só invadiu a França porque o governo da Frente Popular – PS/PCF – teve uma politica económica errada, mas, sobretudo, porque a França fragilizou as suas defesas e reduziu, substancialmente, a modernização das suas Forças Armadas – curiosamente, um programa implementado pelo cauteloso e sempre prudente (era como o José Sócrates e a Ferreira Leite, ou seja, estava preocupado com o equilíbrio orçamental! ) General Pétin, que acabaria por ser o maior traidor da França e sobretudo por colaborar com as forças de ocupação.
Importa dizer à Europa, neste momento, para não desarmar e, sobretudo, para ser clara na defesa do Direito Internacional, ainda que, do ponto de vista prático, a Rússia nunca mais retire da Ossétia do Sul nem da Abcássia e os quatro milhões de georgianos estarão condenados a servir de carne para canhão (apesar de tudo sempre são
menos que os mortos da II Grande Guerra!!!).
Sou o primeiro a reconhecer fragilidades aos Impérios europeus, as barbaridades, mesmo crimes de guerra, cometidos pelo mundo ao longo da História. Sou o primeiro a reconhecer que, muitas vezes, olhamos para os interesses nacionais, antes de olharemos para as pessoas concretas, para os outros países e povos.
Mas a Europa é hoje a zona do Globo onde as pessoas têm maior liberdade e onde, apesar das deficiências conhecidas em matéria de direitos humanos, nós gostamos de viver.

Última nota
Uma última nota: há situações na política internacional em que o Direito não existe e não se consolida. Há situações que, depois, ficam para sempre ou que se arrastam sem respeito pelo Direito. É o caso da Coreia do Norte e da Coreia do Sul, dois estados que existem e, contudo, violam as resoluções da ONU. Ou, anterior a isso, o nosso caso de Olivença, em que por direito a vila é nossa mas, há centenas de anos, que se mantém ocupada por Espanha, sem que isso perturbe a paz ibérica.|

Começa a ser óbvio

Começa a ser óbvio que, apesar da conjuntura económica e da recessão que aí vêm, o eng. Sócrates vai mesmo conseguir renovar a sua maioria absoluta. Ferreira Leite perdeu o estado de graça, dentro e fora do partido e, portanto, é neste momento um problema maior.
É certo que esta estratégia pode interessar ao Presidente da República a quem é fiel. Mas não interessa ao eleitorado do PSD nem à democracia portuguesa. O PSD é hoje um partido balcanizado, onde se confundem ambições sem conteúdo ideológico e onde não parece haver sequer um programa político que não sejam “poder”.
E, obviamente, quando assim é, nem Poder há. Preocupado com isso, Marcelo Rebelo de Sousa cometeu um erro que nem parece seu: propôs um pacto. Em vez de um pacto de ideias e de projecto para Portugal, um pacto de silêncio até às legislativas. É evidente que todos, até Paula Teixeira da Cruz tida por apoiante de Ferreira Leite, rejeitaram.
Não havendo estratégia, sobra a táctica. E os amigos de Ferreira Leite, a partir da S. Caetano já preparam o assalto àquilo que resta. Por isso querem as questões autárquicas discutidas até ao fim do ano, para evitarem veleidades da oposição. Só que Ferreira Leite se esquece que com 2.500 assinaturas – cada vez mais fáceis de arranjar em face da ausência da direcção do partido – é possível convocar um congresso extraordinário que, sem ser electivo, revogue todas as decisões da direcção do Conselho Nacional. E Ferreira Leite, para não morrer com ferro – como matou antes com ferro – é bom que pondere isso e, sobretudo, que, em matéria autárquica deixe o sectarismo barrosista que tanto mal fez ao PSD. O PSD quer autarcas e candidatos que ganhem eleições e não os amigos da dra. Ferreira Leite.
Finalmente, o dr Alberto João Jardim. É verdade que tem pouco a perder, mas começa a ser claro que ao disparar sobre toda a gente, Alberto João jardim quer mais que afastar Ferreira Leite. Pode querer deixar a Madeira e avançar para a liderança do PSD nacional, abandonando assim a ambição de ficar na história regional como o líder da autonomia.
Fica aqui a nota: há que contar sempre com o dr. Alberto João jardim se houver eleições no PSD.|

O calor de verão ou a criminalidade violenta

O presidente da Republica não deveria pronunciar-se sobre a criminalidade violenta. Caladas deveriam também estar as vozes que querem alterar o regime legal da prisão preventiva.
Estas questões não podem ser abordados em face de epifenómenos, amplificados por alguma comunicação social, seguramente manipulada por poderes fácticos, a que poderá não ser alheia a próxima escolha do futuro secretário-geral de Segurança Interna, cargo criado pela nova lei de Segurança Interna, promulgada, esta semana, pelo Presidente da República.
Não sejamos ingénuos: há uma deriva totalitária no país (assunto cujo enquadramento histórico e ideológico tratei a semana passada), na qual alinha sempre o senhor Magalhães (o tal dos chips e das listas informáticas, das câmaras de videovigilância e do big brother – é boa pessoa, mas ficou-lhe, do PCP, o velho tique de controleiro – que tem na agenda voltar a poder usar “discricionariamente” – permitindo os abusos inadmissíveis a que assistimos nas ultimas décadas sobretudo sobre os mais pobres – da prisão preventiva, para onde foram atirados dezenas de inocentes e que serviu, tantas vezes, de “condenação sem sentença” de alegados criminosos, cujos os crimes as policias nunca provaram.
Mexer, agora outra vez, na lei é voltar atrás. Mais vale alguns criminosos na rua que um, um só inocente na cadeia – é um imperativo ético, mas, sobretudo, é a tradição cristã e liberal do Direito que sempre defendi
Ainda por cima, não nos sossega a evolução do Regime nem os abusos da administração – desde a ASAE à CMVM, do Fisco às polícias (ainda, agora, assistimos ao inacreditável desfecho do caso Maddie) e do que mais por aí virá.
Já só falta, agora, para cumulo, entregar o chefe da Segurança Interna a uma dessas “facções da inteligenzia” que lutam pela influencia no governo – normalmente ligadas a entidades pró ou contra a integração ibérica – e, depois, dar-lhes maiores poderes na prisão preventiva – por suspeitas de crimes menores – para se institucionalizar um instrumento judicial que poderá manipular a política nacional – como vimos antes nos casos do sangue contaminado/hemofílicos, da Universidade Moderna, da Pedofilia/Casa Pia, do Freeport, etc. – todos, aparentemente, casos à medida da politica interna.
É altura de passarmos a ser um país civilizado e dos nossos políticos deixarem de entender o exercício do Poder como “business as usual”, o que significa negócios para os amigos e acção politica reduzida à conservação do seu poder.

A reacção da Política
Como enquadramento deste ambiente institucional temos, obviamente, a onda de criminalidade violenta de Agosto. Não vale a pena nega-la. Mas, será ela, numa horizonte de médio prazo, algo extraordinário?
Extraordinárias têm sido as declarações de alguns políticos e académicos. Não estudaram os números, não preparam os dossiês… Foram, apenas, ao encontro da onda mediática, acriticamente, e sem perceberem que podem estar a servir estratégias, essas sim, eventualmente criminosas e bem pensadas, de controlo do poder político e económico em Portugal.
O alegado aumento da criminalidade violenta levou até o CDS-PP a pedir uma reunião extraordinária da Comissão Permanente da Assembleia da República, mas o requerimento dos democratas-cristãos foi inviabilizado pelo PS, que garante, porém, estar disponível para discutir o tema dentro do “calendário estabelecido pelo Parlamento”. O populismo no seu melhor, sempre com as consequências piores…
Finalmente, o Presidente da República. Cavaco Silva entrou na competição mediática e considerou “uma coisa muito séria” a “onda de assaltos e crimes violentos” que se tem verificado no país, sublinhando a necessidade de “uma concentração de meios e esforços e uma estratégia adequada” para o seu combate e para que seja reforçada a confiança dos cidadãos nas polícias. Cavaco Silva, defendendo que cabe ao Estado garantir a segurança de pessoas e bens.
Interrogado se considerava que a estratégia que está a ser seguida não é a adequada, o chefe de Estado admitiu que “a onda de crimes aumentou significativamente” e que “não há dias sem assaltos”, o que poderá implicar que haja uma “adaptação da estratégia”. Cavaco Silva falava aos jornalistas no final da cerimónia de inauguração do Unidade de Cuidados Continuados de Odemira. Obviamente, o presidente falou sem estudar o assunto.
A pressão é tal que, ontem mesmo, o próprio governo – pela voz de Pedro Silva Pereira, no final do Conselho de Ministros – acusado de nada fazer e de estar em silencio, teve necessidade de vir expressar a sua preocupação e garantir que estava a actuar no terreno.

Violência ondulatória
Mas, vamos aos factos, para percebermos que este alarmismo é montado por alguém e serve interesses que seguramente não são os da segurança, nem tão pouco os da serenidade das forças policiais (falta ver se a nomeação do novo chefe da PSP, Oliveira Pereira, não é também uma das causas desta súbita agitação!)
Tenhamos noção: esta onda de criminalidade violenta que alarma o País é cíclica. Não é a primeira vez que acontece e, no médio prazo, não é sequer anormal, ao contrário do que disse publicamente o Presidente da Republica.
A criminalidade violenta aumentou cerca de dez por cento nos primeiros seis meses deste ano relativamente ao período homólogo de 2007, de acordo com o responsável pelo Gabinete Coordenador de Segurança.
Segundo o tenente-general Leonel Carvalho, a criminalidade violenta aumentou “ligeiramente acima dos dez por cento” nos primeiros seis meses deste ano, enquanto a criminalidade geral aumentou “ligeiramente abaixo dos dez por cento” no mesmo período face ao período homólogo de 2007. Referiu, porém, que a criminalidade violenta representa apenas “seis a seis e meio por cento do total da criminalidade”, ou seja “uns poucos milhares de crimes”. É portanto um episódio de Verão.
Leonel de Carvalho acrescentou, ainda, que o aumento da criminalidade violenta se reporta, sobretudo, a assaltos a bancos, a carros e a postos de combustível.

Muito longe do alarme dos jornais
Portanto, estamos perfeitamente dentro de números razoáveis, dentro daquilo que chamarei “movimento estatístico ondulatório”, que não justifica nenhum alarme e muito menos a mudança da legislação. Eventualmente, justificará novas abordagens na investigação policial, mas isso é uma questão técnica e não política. Aliás o próprio responsável pelo gabinete coordenador disse isso mesmo e o Procurador-Geral da República (PGR), Pinto Monteiro, emitiu ontem uma nota com “sugestões para melhor combater a criminalidade especialmente violenta”, o que é normal em face do alarmismo criado por certa comunicação social. (É curioso que é sempre a mesma, pelo que a os “poderes fácticos” que a controlam começam a ficar demasiado identificados).
Portanto, estatisticamente, esta flutuação é inexpressiva e, ao contrario do alarme criado, o crime violento não veio para ficar.

Uma advertência
Mas, uma advertência. Estas coisas da comunicação e da amplificação alarmista nunca é neutra. E, portanto, é muito provável que, nas próximas semanas, o crime violento aumente significativamente, que se assista a coisas nunca vistas, para depois voltarmos à normalidade.
Portanto: o alarme de Agosto vai ter vítimas e consequências, temporárias é certo, mas graves para as vítimas e para o País – nomeadamente para o turismo. E, aqui, o Estado de Direito nada deve poder fazer, para alem de uma acção pronta e eficiente na prevenção, sempre dentro da legalidade.
Prefiro, também, neste particular, que sejam cometidos alguns abusos por parte da comunicação social e que não exista qualquer punição por isso, do que abrir a porta à censura, à auto-censura ou à perseguição de jornalistas e à limitação da liberdade de imprensa.
Os actos ficam com quem os pratica e a prazo tudo se paga… Na comunicação também é assim.|

A sociedade civil lusófonapor Maria Valentina Machado

Todas estas questões constituem importantes pontos de partida para o estabelecimento de um programa de acção estabelecendo prioridades que seria óptimo que a CPLP, os Estados Membros e respectivas sociedades civis, tivessem em consideração

Aquando da última Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, reunida em Lisboa, Jorge Sampaio, na comunicação proferida, afirmou que a sociedade civil lusófona vem mostrando o desejo de uma maior participação na vida da Comunidade. Tal desejo é por si só francamente positivo mas se não obtiver um amplo apoio por parte da CPLP, acabará por se estiolar e, consequentemente, representará mais uma frustração lusófona.
A Presidência Portuguesa que afirmou que tudo fará para dinamizar a Comunidade, mas que precisa da colaboração de todos porque a tarefa é ciclópica, tem uma excelente ocasião para demonstrar, inequivocamente, quanto é imprescindível, para tal dinamização, a sociedade civil lusófona. Poderá ter imensa dificuldade em saber como proceder mas, do meu ponto de vista, deverá começar pela divulgação das actividades, reuniões e decisões da CPLP a todo o povo lusófono e estar aberto às suas sugestões. Para tal, seria muito vantajoso que em cada Estado Membro houvesse um Fórum da Sociedade Civil que veiculasse à CPLP as respectivas sugestões e organizasse, em cada área de acção, a respectiva colaboração. E em determinadas áreas é mais fácil essa participação do que noutras, como por exemplo no âmbito da saúde, do apoio infantil, na luta contra a fome e contra a pobreza que tanto afligem um tão elevado número de lusófonos. Estas situações como aliás outras, igualmente importantes, passam desapercebidas do comum dos lusófonos porque não divulgadas, pelo menos no que toca a Portugal, onde há maior cuidado em revelar noticias de povos da UE do que dos Povos lusófonos que falam a língua comum e que por razões históricas e culturais nos estão tão próximos.
Esta preocupação da divulgação em cada País do que se passa nos outros, de positivo e de negativo, seria já uma importante contribuição da Presidência Portuguesa para levar a cabo a tal dinamização da CPLP. Basta, a título de exemplo, recordar como os portugueses reagiram aquando dos massacres de Dili e como se viveu todo o processo de libertação e independência de Timor. Ninguém ama o que desconhece! E não apenas dos Estados Membros mas da própria CPLP. Em Portugal e certamente também nos outros países, há uma ignorância total sobre a CPLP, suas políticas, suas actividades suas decisões e seus objectivos.
Aliás, estão decorridos mais de 30 dias sobre a realização da Cimeira e apenas se teve um pálido conhecimento do que lá foi tratado, que a Declaração de Lisboa se limitou a enunciar e a desenvolver em cerca de uma vintena de páginas e sobre a mesma a comunicação social portuguesa apenas referiu meros tópicos. É assim que se quer dinamizar?
Tenho escrito várias vezes que a televisão estatal deveria incluir nos seus noticiários relevo aos acontecimentos lusófonos onde quer que aconteçam e à CPLP. Tenho igualmente sugerido que, quer na rádio quer na televisão, se criasse um programa dedicado ao espaço lusófono, seus aspectos económicos, sociais, culturais, de modo a que todos nos conheçamos melhor e, consequentemente, nos sintamos mais Comunidade Lusófona.
Estão de facto decorridos 30 dias sobre a referida Cimeira e desconhece-se por completo uma agenda concreta e objectiva a cumprir pela Presidência Portuguesa. É assim que se quer dinamizar?
Comparar esta inércia com a entusiasmante agenda de há um ano em que Portugal assumiu a Presidência da UE e da qual tivemos um conhecimento diário, é frustrante para aqueles que se proclamam da sua Lusofonia. Há um ano a Presidência Portuguesa da UE foi um sucesso e alcançou, praticamente, todos os seus objectivos constantes da respectiva agenda; a Presidência Portuguesa da CPLP não pode ser um fracasso e, pelo contrário, tem de terminar com sucesso, tal como aconteceu aquando a da UE, alcançando igualmente todos os seus objectivos. Há um ano, conhecia-se perfeitamente a agenda e as respectivas prioridades; hoje praticamente ignora-se tudo. É assim que Portugal faz tudo para dinamizar a CPLP?
É urgente escalpelizar a Declaração de Lisboa e estabelecer prioridades em agenda, divulga-las e, então, solicitar a colaboração de todos os Estados Membros, respectivos Governos e Sociedade Civil no sentido de se alcançarem as metas e objectivos. Se assim não for, falharemos e não fomos capazes de concretizar as palavras do actual Presidente da CPLP.
Do meu ponto de vista é mais que tempo de se chegar ao fim do estudo de que foi encarregue Portugal, Angola e Moçambique com vista à criação formal do Parlamento Lusófono, desejo que emanou em 2006 do Fórum Parlamentar da Língua Portuguesa e que há muito se vem considerando imprescindível como concretização da representação dos povos na CPLP. Aliás, não se compreende que haja o Parlamento Europeu e o Parlamento Africano e não exista o Parlamento Lusófono.
Porém, há que ter cuidado em fomentar em todos e cada um dos Estados Membros a importância de tal estrutura representativa, para não acontecer o que em Portugal se passa com o Parlamento Europeu que se traduz num escandaloso divórcio entre os eleitores e os eleitos.
Uma outra situação que é bem reveladora do desejo de participação da sociedade civil na vida da CPLP é a Declaração das Mulheres Lusófonas, expendida aquando da sua I Cimeira realizada em Lisboa e também quase nada divulgada
Da sua Declaração Final, ressalta esse desejo de participação activa e mobilizadora imanente de algumas das respectivas conclusões, decisões e propostas, com particular realce para as seguintes: reforçar o diálogo e o trabalho em rede das Mulheres da Lusofonia, através das respectivas organizações de mulheres de forma a estabelecer e estreitar laços de amizade e congregando esforços para a continua e persistente promoção da igualdade de Homens e Mulheres, respeitando as respectivas diferenças, perseguindo os objectivos comuns que promovam um desenvolvimento sustentado para todos, promovendo a eliminação de toda e qualquer forma de discriminação de modo que todos possam viver plenamente a sua cidadania; importância do empreendedorismo feminino bem como da formação e diversificação de competências profissionais, educação formal e não formal, conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional; concertação internacional para a promoção do comércio justo e do consumo ético, defesa do ambiente. Na área de saúde, chamaram a atenção para a saúde sexual e reprodutiva com particular ênfase para as doenças sexualmente transmissíveis, a necessidade de uma séria promoção do planeamento familiar e da educação sexual e para os afectos, do combate a doenças pandémicas como a sida, a tuberculose e a malária.
Todas estas questões constituem importantes pontos de partida para o estabelecimento de um programa de acção estabelecendo prioridades que seria óptimo que a CPLP, os Estados Membros e respectivas sociedades civis, tivessem em consideração.
E como se desconhece qual a agenda e respectivas prioridades da Presidência Portuguesa da CPLP, lanço o desafio que, terminada a época estival, as mesmas sejam estabelecidas, se é que ainda o não foram, e sejam devidamente divulgadas entre os lusófonos com vista à promoção de uma participação eficaz.
Só assim a Presidência Portuguesa poderá, de facto, dinamizar e fortalecer a Comunidade Lusófona e considerar que cumpriu a sua missão. Caso contrário prestará um mau serviço à CPLP e sobretudo à Lusofonia.|
Docente a ULHT

Regionalização divide PSD

O tema da regionalização promete aquecer as hostes social-democratas já a partir de Setembro. Uma questão fracturante que ameaça fracturar, ainda mais, a estabilidade existente no PSD. José Mendes Bota criou esta semana um movimento cívico a favor da regionalização. A Norte, Rui Rio, vice-presidente da actual direcção, é um entusiasta da divisão administrativa do País. A líder, Ferreira Leite, considera a regionalização uma “aventura”. Neste cenário, Pedro Rodrigues, líder da Juventude Social-democrata, veio propor a realização de um referendo interno sobre o tema.

A regionalização surge como uma questão que divide os social-democratas e ameaça ser mais um factor de desestabilização da actual liderança de Manuela Ferreira Leite, já fragilizada com as críticas internas de figuras de grande referência no partido, como Ângelo Correia. É aceite por todos que a realizar-se um referendo sobre a divisão administrativa do País este nunca será antes do final desta legislatura, mas o debate do tema promete ser pouco pacífico para as hostes laranjas. Neste cenário, Pedro Rodrigues, líder da Juventude Social-Democrata, revelou que vai propor um referendo interno no partido sobre a matéria.
O movimento cívico Regiões, Sim! Lançou quarta-feira uma campanha nacional que visa a recolha de, pelo menos, 75 mil assinaturas para subscrever uma petição que será entregue na Assembleia da República. Em conferência de imprensa, o líder do movimento, Mendes Bota, afirmou que a campanha visa dar “sinais vitais” de que a regionalização “não morreu há dez anos encalhada no referendo”.
Em declarações ao SEMANÁRIO, Mendes Bota considerou “negativo” o PSD passar ao lado do tema da regionalização. “Como militante e dirigente do PSD acho que o tema da regionalização deve ser colocado acima da agenda política do partido”, sublinhou. Para o líder dos social-democratas do Algarve, o mais importante é o PSD clarificar a sua posição e o referendo é um meio idóneo de proceder a esse esclarecimento. “Não vejo que haja inconveniente na realização de um referendo interno. O assunto deve ser discutido no seio do PSD e o referendo, certamente, iria provocar essa discussão”, fundamentou Mendes Bota.

Ferreira Leite contra regiões administrativas

José Mendes Bota, um histórico defensor da regionalização em Portugal, lançou esta campanha de promoção da divisão de Portugal em regiões contra a vontade, já publicamente expressa, de Manuela Ferreira Leite. Durante a última campanha interna para a presidência do PSD, a actual líder laranja esclareceu que, sob a sua presidência, o partido não será conduzido na “aventura” da regionalização. Ferreira Leite foi clara nas palavras: “pessoalmente, sou absolutamente contra a regionalização”.
Á semelhança de 1998 – data do último referendo à regionalização, através do qual os portugueses chumbaram de um modo manifesto a divisão do País em oito regiões administrativas -, o PSD mostra-se, hoje, dividido quanto a esta matéria. A própria direcção nacional do partido não fala a uma só voz sobre as vantagens de recortar o País em regiões. O número dois de Manuela Ferreira Leite, Rui Rio, lançou em Abril deste ano, no Porto, um debate sobre a regionalização e anunciou a sua posição. “Há dez anos fui contra a regionalização. Hoje estou aberto a ser convencido de que ela é uma excelente solução para Portugal”, frisou.|