2025/06/25

Cunha Rivara, o Orientalista português faz 200 anos

Ao contrário de portugueses com mentalidade colonial e interessados em implantar a língua portuguesa, ignorando ou desprezando as culturas nativas, Cunha Rivara acreditava que a língua portuguesa só podia ser melhor difundida em Goa através das línguas vernáculas dos goeses, nomeadamente o Concani e o Marata, como meio da instrução pública.

J. H. da Cunha Rivara: o Orientalista português faz 200 anos

Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara foi filho de uma linhagem não-portuguesa, uma mistura de famílias italiana e espanhola. Nasceu em Portugal, em Arraiolos, região famosa pelos seus tapetes, em 23 de Junho de 1809. Comemora-se este ano o 2.º centenário do seu nascimento. Cunha Rivara, além de uma rua com o seu nome, tem também um agrupamento de escolas a ele dedicado. Embora formado em Medicina pela Universidade de Coimbra, tal como fora o caso do seu pai, começou a sua carreira como professor de filosofia nas escolas, e serviu como bibliotecário na Biblioteca Pública de Évora. Foi eleito deputado para a Assembleia da República em 1853, e terminou a sua carreira como secretário do Governo e comissário de Estudos na Índia Portuguesa. Ficou quase 22 anos na Índia e regressou a Portugal em 1877, onde morreu dois anos depois, sem qualquer sinal visível de reconhecimento público. Não era de admirar perante a tradição portuguesa de ciúme e inveja que o célebre jesuíta luso-brasileiro António Vieira descreveu no seu estilo inimitável: “Lusitânia, assim chamada, porque não deixa a ninguém luzir.” Este será o primeiro de uma série de artigos que lhe irei dedicar, no decorrer deste ano, para lembrarmos este administrador-historiador que deixou a sua marca em Goa, combinando patriotismo com investigação e estudos.
Ao contrário de portugueses com mentalidade colonial e interessados em implantar a língua portuguesa, ignorando ou desprezando as culturas nativas, Cunha Rivara acreditava que a língua portuguesa só podia ser melhor difundida em Goa através das línguas vernáculas dos goeses, nomeadamente o Concani e o Marata, como meio da instrução pública. Logo após a sua chegada a Goa, Cunha Rivara transmite esta sua convicção numa conferência de inauguração da Escola Normal em Nova Goa (Panjim), em 1 de Outubro de 1856. O texto da sua conferência saiu publicado no Boletim do Governo, n.º 78″.
Dois anos mais tarde, em 1858, produziu o seu Ensaio Histórico Recomendável na Língua Concani. Ao contrário de muitos outros textos portugueses que não encontraram tradutores, A.K. Priolkar decidiu incluir uma tradução do Ensaio como Parte II do seu livro “The Printing Press in Índia” (Bombay, Marathi Samshodhana Mandala, 1958, pp. 141-236) para comemorar o centenário da sua publicação, e como parte das celebrações do 4.º centenário da introdução da invenção de Gutenberg em Goa. Infelizmente, A. K. Priolkar procurou puxar a brasa à sua sardinha, fazendo um aproveitamento ideológico para a sua campanha contra Concani. Defendia que Concani era dialecto ou versão corrupta do Marata. As opiniões do orientalista Robert X. Murphy e do carmelita italiano Francis Xavier, citadas por Cunha Rivara, serviam bem as expectativas de Priolkar. A vivência e os conhecimentos culturais de Cunha Rivara na Península Ibérica fizeram-no mais sábio, se não era mera prudência respeitar a semelhança e a distinção do Marata e Concani, desenhando paralelo com as línguas espanhola e portuguesa. O Ensaio de Cunha Rivara deveria ser divulgado entre os jovens nas escolas de Goa para ser conhecido do público comum uma versão fiável das vicissitudes da língua Concani durante o domínio colonial português. Até quase 1684 a Igreja católica em Goa estimou e activamente cultivou a língua Concani como um meio eficaz da pregação do cristianismo e exercício pastoral. Os decretos dos cinco concílios provinciais da Igreja em Goa, entre 1567 e 1606, bem como a Constituição da Arquidiocese de Goa e instruções das ordens religiosas aos seus sacerdotes nas paróquias, insistiram sempre na necessidade de produzir catecismos, confessionários, vocabulários e gramáticas que permitissem aos missionários interagir com os naturais. Ironicamente, foi durante esta fase aparentemente positiva que Concani absorveu uma grande dose da influência portuguesa. Enquanto os colonizadores podem vê-lo como o enriquecimento de Concani, os linguistas indianos (inclusive S.R. Dalgado na sua Introdução ao seu Dicionário Português-Concani, Bombaim, 1905, páginas XV-XVI) viram este facto como enfraquecimento da língua.
Cunha Rivara atribui a modificação da atitude dos missionários face à língua Concani a partir do século XVII à falta de zelo e perda do “cheiro da santidade”. Cunha Rivara, bem como a maior parte dos investigadores até à data, inclusive o jesuíta Delio Mendonça, o actual director do Xavier Centre of Historical Research em Goa, que na sua tese de doutoramento publicada recentemente Conversions and Citizenry (2002), não conseguiram ver a conexão entre o conflito crescente entre os religiosos brancos e o número crescente dos clérigos nativos que reivindicavam o seu legítimo lugar na hierarquia e serviço pastoral.
O descontentamento do clero nativo e a sua exigência para assumir os cargos de párocos foram vistos como uma ameaça ao seu sustento pelas ordens religiosas, que resistiram com unhas e dentes às pretensões do clero nativo. Apelaram à coroa como autoridade legítima sobre a Igreja do Padroado, ultrapassando a autoridade dos arcebispos locais, que, como era o caso do Frei Brandão em 1680, mostrava-se favorável aos padres nativos. É óbvio neste contexto que os franciscanos e os jesuítas promoveram e defenderam a legislação anti-Concani de 1684 para privar os clérigos nativos da sua vantagem linguística e cultural perante os paroquianos. Há correspondência inédita dos franciscanos da província goesa de Bardez com a coroa portuguesa, conservada na Biblioteca Nacional de Lisboa. Descrevem os padres naturais como bêbados e devassos, com ódio aos homens de pele branca (linguagem realmente racista mesmo no nosso tempo) por temerem que eles os denunciassem às autoridades! O único objectivo deste discurso racista foi convencer o rei que os padres naturais não eram moralmente e politicamente competentes e dignos para se lhes confiar as paróquias.
Apesar do conhecimento deste passado e as implicações racistas da legislação anti-Concani, o patriotismo de Cunha Rivara não lhe permitia às vezes ser fiel às tarefas de historiador imparcial. Cunha Rivara ocupou o cargo de secretário do Governo durante os tempos turbulentos do Motim dos Cipaios (1857) e a sua preocupação esteve direccionada para o fluxo dos rebeldes da Índia britânica para a jurisdição portuguesa do Estado da Índia. Os Arquivos de Goa guardam a correspondência classificada como Estrangeiros, onde se pode investigar mais sobre esse assunto. A montagem da rede de telégrafo nessa altura veio ajudar na coordenação das operações “antiterroristas” entre os dois poderes coloniais. As autoridades portuguesas na Índia colaboraram com o poder britânico nessa crise, mas não cederam os rebeldes refugiados em Goa ao braço judicial inglês. Concordaram que fossem deportados para Timor algumas centenas de rebeldes (incluindo inteiras famílias). A deportação foi efectuada utilizando transporte marítimo provido pelos ingleses, que queriam assegurar que os elementos rebeldes chegassem ao longínquo destino. A Coroa britânica, grata pelos serviços prestados por Cunha Rivara, queria homenageá-lo com condecoração, o que não veio a acontecer devido ao veto do Governo Português.
É nesse contexto do Motim dos Cipaios e dos goeses que serviam no exército Marata, como era o caso dos Pintos de Candolim, Cunha Rivara dedicou-se ao estudo de uma conjuração dos sacerdotes e militares goeses, que um século antes (1757) planeavam expulsar os portugueses de Goa. Cunha Rivara intitulou o seu livro “A Conjuração dos Pintos”, embora os Pintos não fossem os protagonistas da conjuração. Teremos mais sobre este assunto e outros nos artigos que se seguirão. Para já concluo com referência passageira a uma polémica que Cunha Rivara lançou, sugerindo no seu Ensaio que a casta Chardó entre os católicos goeses talvez fosse uma versão católica da subcasta Karadhe de Brâmanes na região Maharashtra-Karnataka.

Director do Departamento de História na Universidade Lusófona (Lisboa) e Sócio da Academia Portuguesa da História

“Não há falta de médicos, estão é mal distribuídos”

Um estudo da Entidade Reguladora da Saúde revela que Portugal tem uma média de 6,39 médicos de família por cada 10 mil habitantes. Curiosamente esta relação supera a meta prevista para o ano de 2010 pelo Plano Nacional de Saúde.

Portugal tem uma média de 6,39 médicos de família por cem mil habitantes

Um estudo contraria a versão oficial: “Não há falta de médicos, estão é mal distribuídos”

Um estudo da Entidade Reguladora da Saúde revela que Portugal tem uma média de 6,39 médicos de família por cada 10 mil habitantes. Curiosamente esta relação supera a meta prevista para o ano de 2010 pelo Plano Nacional de Saúde. E fica à frente das de outros países como o Reino Unido (5,57) e os Estados Unidos (seis), embora fique muito aquém do que acontece, por exemplo, na Espanha, em Itália, na França ou no Reino Unido. Com a leitura dos dados “não pode concluir-se que haja falta de médicos, pois apenas 5% dos utentes não tem médico de família, mas sim que estão mal distribuídos”, como diz o presidente da ERS, Álvaro Almeida. A ser assim, os dados contrariam a versão oficial (e não só) de que “há falta de médicos para cobrir, em termos médicos, todos os utentes do espaço nacional”.

O estudo do “Acesso aos Cuidados de Saúde Primários” do Serviço Nacional de Saúde (SNS), realizado pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS) revela alguns dados que a maioria não esperaria, como seja a da premissa de que, em média, “há 6,39 médicos de família por cada 10.000 habitantes em território nacional”. São os distritos do Porto (com o rácio de 5,42), Braga (5,48), Leiria (5,84), Aveiro (6,01, Santarém (6,15 e Viseu (com 6,22), aqueles que revelam “menor capacidade de oferta”, em termos de médicos de família por habitantes.
Os dados, agora tornados públicos, sustentam que, a nível nacional, há 6,39 médicos por cada dez mil pessoas, mais do que os seis traçados, como meta para 2010, no Plano Nacional de Saúde. A ser assim, o estudo acaba por contrariar a versão das autoridades oficiais, a começar pelos responsáveis pelo Ministério da Saúde, que continuam a usar o discurso de que “há falta de clínicos para cobrir em termos médicos todos os utentes do universo português”.
Comparando os dados nacionais com as metas fixadas noutros países — 5,57 no Reino Unido e 6,8 nos Estados Unidos da América — a nossa média até é melhor, mas ficam aquém da realidade do espaço da União europeia. Exemplo: Dados de 2004 revelam que há sete médicos de clínica geral por 10 mil habitantes em Espanha e Reino Unido, nove em Itália e 17 em França.
Esta comparação é “muito linear”, para o presidente da ERS, Álvaro Almeida. Na verdade, ele prefere sublinhar que “o estudo concluiu que 5% dos utentes portugueses não têm médico de família, mas tal não significa que sejam insuficientes a nível nacional”. Porquê? Na sua opinião, “estão é mal distribuídos, com muitos distritos abaixo do padrão do nosso Plano Nacional de Saúde (PNS)”.
E, para sustentar a sua opinião, cita o próprio texto do estudo, quando reconhece que “a capacidade potencial de resposta da rede de Centros de Saúde face à população residente é mais reduzida nos distritos urbanos do litoral, com excepção de Coimbra, Lisboa e Setúbal”.
Luís Pisco, coordenador da Missão para os Cuidados Primários, é o primeiro a fazer um alerta para “o risco e a tentação de se olhar para médias nacionais”. E, claro, também levanta o argumento da “má distribuição dos médicos” pelo território nacional.
Reconhece: “Nos centros de Lisboa e do Porto, a perder população, se calhar há médicos a mais, mas nas periferias já não é assim, pelo contrário”.

Idade e graus de acesso

Numa análise mais cuidada e mais fina, a ERS tentou avaliar a relação que existe entre o número de médicos e a população que, na realidade, precisa da mais cuidados, isto é, dos zero aos quatro anos e além dos 65 anos. Neste caso, segundo a leitura da ERS, “as regiões com mais pessoas nesta idades são as que revelam maior rácio de médicos por habitantes”.
No que se refere à acessibilidade e avaliando a oferta de cuidados no que toca à proximidade física, o estudo conclui que “só 0,03% da população — 35 localidades, metade das quais em Viana do Castelo e Faro — vive a mais de 30 minutos de um Centro de Saúde ou de uma extensão de saúde”. São as regiões, com mais população, aquelas que mais unidades têm por cada cem quilómetros quadrados.
Conjugando estes dados com o número de médicos, constata-se que Braga, Bragança, Viseu e Portalegre são as sub-regiões de saúde com “piores graus de acessibilidade”.

Mais vale ir do que telefonar?

Um dos elementos (não desprezíveis) do estudo é a forma de marcação das consultas. Só 14% dos 1.031 inquiridos, em 101 centros de saúde sorteados, incluindo Unidades de Saúde Familiar, marcaram consulta por via telefónica. Mesmo assim, com alguma dificuldade pois 9% teve de ligar três vezes, ou mais, para conseguir marcá-la.
Trata-se de um dado “importante” para a ERS, pelo que Luís Pisco garante que “esta é uma das matérias que a actual reforma em curso pretende melhorar”.
Já agora fique a saber que, ao contrário do que se supunha, 81% dos inquiridos dão nota positiva ao horário e 68% ao tempo de espera no dia da consulta. Mesmo assim somaram 89% aqueles que esperaram “um mês para ter a marcação de consulta assegurada”.
Um último item: o conforto e a higiene são positivos para a maioria.

Rui Campos Guimarães, director-geral da COTEC

“O aumento do investimento tem de estar associado a uma gestão mais eficiente para rentabilizar os recursos do País”

“Flexibilização [laboral] pode ser essencial para a geração de mais competitividade, inovação e emprego”

Portugal subiu no “Ranking dos Países Inovadores”, passando da 22ª posição para a 17ª posição na UE27 e passou a integrar o grupo dos Moderate Innovators (ver caixa). Rui Campos Guimarães diz em entrevista ao SEMANÁRIO, que “o facto de Portugal apresentar a terceira maior taxa de crescimento nos vinte e sete países representa também um factor de atracção para as empresas mais inovadoras”. O director-geral da COTEC refere ainda, que “a flexibilização [laboral] pode ser essencial para a geração de mais competitividade, mais inovação e mais emprego.”

Qual é a importância do European Innovation Scoreboard?
O European Innovation Scoreboard (EIS) é o instrumento da Comissão Europeia, mais concretamente da Direcção-geral de Empresas e Indústria, para a avaliação e comparação do desempenho dos Estados Membros (e de um número limitado de outros Estados que a ele aderiram) no domínio da inovação.
Através de uma análise conjunta de vários indicadores estatísticos, baseada fundamentalmente nos dados do Eurostat, conduz a um resultado conjunto, o Summary Innovation Index. Este índice é a principal referência internacional no posicionamento dos países em torno da inovação. Em países como Portugal, onde os resultados são ainda inferiores aos da média dos países considerados, esta análise é especialmente útil pois permite identificar as dinâmicas de convergência com os países mais desenvolvidos nesta área.

Quais as vantagens do crescimento dos indicadores?
Os indicadores do EIS procuram, desde a sua primeira publicação, em 2001, reunir informação não apenas ao nível dos recursos humanos, financeiros, tecnológicos e de conhecimento, mas também no que respeita a impactos económico-sociais do processo de inovação.
No nosso entender, o EIS na sua versão de 2007 e anteriores não conseguia reflectir adequadamente as características específicas dos países do Sul da Europa. No âmbito da COTEC Europa, o Professor Vítor Corado Simões coordenou um grupo de trabalho com o objectivo de contribuir com sugestões de melhoria deste instrumento e que, comparando o EIS 2007 com o EIS 2008, permitiu que 19 em 29 indicadores fossem revistos ou substituídos por outros considerados mais ajustados.
Importa ainda referir que Espanha subiu uma posição no ranking do EIS e Itália desceu quatro, passando estes países a ocupar o 16º e 19º lugar, respectivamente. Mais do que a alteração técnica no cálculo do indicador, o facto de Portugal subir cinco posições no ranking dos vinte e sete países da União Europeia (passando a ocupar o 17º lugar) é um reflexo de mudanças verificadas no nosso País.
Esta evolução não se faz num dia. Muitos dos indicadores, como a qualificação dos recursos humanos, são geracionais. Mesmo a inovação realizada nas empresas é uma aposta de longo prazo, podendo em alguns sectores decorrer mais de uma década entre o lançar deste processo e sua concretização. O crescimento reportado é, por isso, de grande importância.
Acredito que esta posição e o facto de Portugal apresentar a terceira maior taxa de crescimento nos vinte e sete países representa também um factor de atracção para as empresas mais inovadoras, pela crescente importância das redes colaborativas enquanto ambiente propício à inovação.

Quais foram os tipos de inovações que foram consideradas para este ranking?
O conceito de inovação subjacente à análise segue a terminologia da OCDE segundo a qual a inovação corresponde à implementação de uma nova solução, quer se trate de um novo produto (bem ou serviço), processo, método organizacional ou de marketing. Na COTEC, caracterizamos a inovação de uma forma extremamente sintética como “a conversão de conhecimento em valor económico ou social”.
O EIS 2008 apresenta um conjunto de indicadores que permite uma melhor cobertura das variáveis relevantes e evita uma sobrevalorização da vertente tecnológica e da propriedade intelectual que caracterizavam os EIS anteriores.

Quais são os (três) líderes deste ranking?
Os países que encabeçam esta lista são a Suíça, a Suécia e a Finlândia.

O que nos falta para chegar ao topo da tabela?
Embora todos os indicadores contribuam para esse objectivo, quando procuramos padrões comuns aos líderes da tabela, identificamos alguns factores críticos.
Desde logo, estes países dispõem de recursos humanos com elevada qualificação. Neste capítulo temos uma das nossas principais fragilidades. Apesar de alguma convergência resultante da taxa de crescimento ser aproximadamente o dobro da média comunitária, Portugal parte com uma enorme desvantagem, pelo que devemos (Estado e empresas) reforçar as medidas de recuperação nesta matéria.
O indicador mais referido para estes três países refere-se ao tratamento dos resultados intermédios do processo de inovação (throughput). Esta dimensão avalia principalmente questões associadas à propriedade intelectual. No que se refere à submissão de patentes, Portugal apresenta um registo mais de catorze vezes inferior à média comunitária. Este é um factor que nos penaliza menos do que em anos anteriores mas que deve motivar sérias análises.
Finalmente, salientaria a questão do apoio externo. O financiamento das actividades de I&D, embora ainda abaixo da média comunitária, tem sido alvo de importantes medidas públicas, desde a implementação de algumas infra-estruturas fundamentais como o acesso a banda larga, até aos sistemas de incentivos no âmbito do QREN. Na COTEC procuramos também reforçar o nosso papel de catalisador entre as empresas e outros agentes que intervêm no sistema de inovação.

Sucintamente, em que consiste o programa de Desenvolvimento Sustentado da Inovação Empresarial?
Numa primeira fase, foram desenvolvidos quatro projectos que resultaram na disponibilização do Modelo de Interacções em Cadeia, o Manual de Identificação e Classificação das Actividades de IDI, as primeiras Normas Portuguesas de Gestão da IDI e o instrumento de auto-avaliação Innovation Scoring tendo estes instrumentos sido aplicados a um conjunto de 15 empresas associadas da COTEC.
Nesta segunda fase, em curso desde meados de 2008, estamos a trabalhar no sentido de alargar a aplicação destas ferramentas ao maior número possível de empresas. Trata-se de uma iniciativa considerada estratégica no âmbito do plano de actividades da COTEC e que, no horizonte de 2010, pretende mobilizar cerca de 700 empresas para a gestão da inovação com um foco muito claro na geração de mais e melhores resultados de inovação.

Qual o objectivo do programa de DSIE?
Esta iniciativa procura estimular e apoiar as empresas nacionais, em particular os Associados da COTEC, no desenvolvimento da inovação de uma forma sustentada.
Baseado nos conceitos apresentados na 3ª edição do Manual de Oslo, o modelo de inovação empresarial desenvolvido pela equipa coordenada pelo Professor João Caraça constitui uma análise sobre os tipos de conhecimento, os processos internos e as interfaces que sustentam o processo de inovação empresarial.
O Manual desenvolvido pelo INESC Porto apresenta as actividades que devem consideradas na cadeia de valor da investigação, desenvolvimento e inovação. Esta identificação é fundamental para que as empresas possam contabilizar, reportar e gerir aquelas actividades.
Para implementar nas empresas um modelo de gestão sistemático, as normas portuguesas para a gestão de IDI constitui o referencial simples e organizado numa metodologia plan-do-check-act.
De forma contínua, como um check-up, deve ser monitorizada a inovação nas empresas através do sistema de innovation scoring, disponível universalmente e de forma gratuita através de uma plataforma on-line.

Quais as empresas alvo?
Começar-se-á naturalmente pelas empresas associadas e por aquelas que se encontram inseridas na Rede PME Inovação COTEC. Simultaneamente – porque a COTEC adopta sempre uma postura inclusiva – estender-se-á a iniciativa a um conjunto de mais cerca de 500 empresas que se julga estarem em boas condições de absorverem estas boas práticas de inovação.

E qual é a importância deste programa?
O nosso País está a recuperar do seu atraso ao nível do investimento em I&D. É importante referir que Portugal é o país da Europa onde a despesa em I&D mais cresceu entre 2005 e 2007, cerca de 46%, muito acima da média europeia que se situa abaixo de 1%.
A participação das empresas neste esforço tem sido decisiva. Pela primeira vez na história portuguesa, em 2007, a despesa do sector empresarial em I&D ultrapassou a despesa do sector não empresarial. A despesa das empresas situa-se nos 0,61% do PIB, face a 0,57% do agregado Estado, Ensino Superior e Instituições Privadas sem Fins Lucrativos.
A COTEC acredita que o aumento do investimento tem de estar associado a uma gestão mais eficiente para rentabilizar os recursos do País. A inovação, essencial à actividade empresarial, só é um bom investimento quando é bem gerida.

Este programa poderá ajudar a ultrapassar a crise?
Sim, naturalmente numa perspectiva de preparação para o re-arranque da nossa economia, quando outros factores o permitirem.

Em que medida?
Tipicamente, em alturas de recessão económica, as emergências do curto prazo sobrepõem-se às medidas estruturantes, com impacto no médio e longo prazo. Por outro lado, as crises constituem momentos mais propícios à reestruturação das organizações, podendo converter-se, assim, em oportunidades.
Sendo a inovação o motor da nova economia do conhecimento em mercados globais, é – e será cada vez mais – uma condição necessária para a saúde das empresas.
Acreditamos que esta iniciativa venha a ter enorme impacto na forma como as nossas empresas conduzem as suas actividades de investigação, desenvolvimento e inovação. As empresas que, neste domínio, melhor implementarem os seus sistemas de gestão ganharão enormes vantagens competitivas no futuro.

No seu entendimento, qual o estado das empresas em Portugal?
Há das mais avançadas e competitivas até às menos aptas a concorrerem em mercados globais ou sequer a defenderem-se no seu mercado nacional. E o que se passa com as empresas também é verdade para sectores de actividade económica.

O que deveria ser mudado?
Naturalmente, haverá que reforçar as empresas que, no presente e no futuro previsível (é importante sublinhar o futuro previsível), reúnam condições de competitividade baseadas em conhecimento que lhes permitam ser líderes em mercados internacionais progressivamente globalizados.

Na globalidade, como caracteriza os recursos humanos em Portugal?
Embora os indicadores que caracterizam a população adulta (dos 25 aos 64) revelem debilidades acumuladas ao longo de décadas, a verdade é que nos indicadores de recuperação Portugal já surge numa situação mais confortável (por exemplo, no que se refere à percentagem da população com 25 a 34 anos – a que mais conta em termos de inovação – com o ensino secundário concluído ou com graus de licenciatura ou de doutoramento ou às taxas de crescimento recentes nestes indicadores).

Nos últimos anos as leis laborais têm vindo a flexibilizar as condições de trabalho. De que maneira esta situação não contribui para a situação de precariedade que vivemos?
Do ponto de vista individual, contribuirá certamente para a precariedade, particularmente dos menos aptos. Mas o equilíbrio que sobretudo interessa estabelecer com ponderação (que inclui a solidariedade que todos devemos aos mais desprotegidos) é de natureza social (que, todos concordarão, não corresponde certamente à máxima segurança individual de cada um de nós). Para ser mais concreto: a flexibilização (que afectará negativamente alguns) pode ser essencial para a geração de mais competitividade, mais inovação e mais emprego (que afectará positivamente a sociedade como um todo). O equilíbrio nunca será fácil de estabelecer e, naturalmente, dependerá do contexto económico e cultural de cada sociedade.

A COTEC tem cumprido a sua missão?
Indubitavelmente tem-se esforçado por isso, e tem-no feito com critério. No seu arranque, em 2003, teve a preocupação de definir cuidadosamente a sua estratégia de actuação, tendo em conta, por um lado, as suas limitações e, por outro, a natureza do nosso Sistema Nacional de Inovação. E tem adoptado sempre uma postura de entidade ao mesmo tempo desafiadora e cooperante. Orgulhamo- nos do que temos realizado, mas competirá a outros julgar se estamos a cumprir.

Portugal sobe no “Ranking dos Países Inovadores”

A Comissão Europeia divulgou em Bruxelas o “European Innovation Scoreboard 2008”, o principal ranking de inovação que mede as performances absolutas e relativas dos 27 países da EU e de mais 8 países da OCDE. De acordo com os resultados do “European Innovation Scoreboard”, Portugal subiu no “Ranking dos Países Inovadores”, passando da 22ª posição para a 17ª posição na UE27 e passou a integrar o grupo dos Moderate Innovators. Esta melhoria traduziu-se numa taxa de crescimento nos indicadores de inovação acima do dobro da média europeia e permitiu a Portugal ser o 5º país que mais progrediu.
O ranking faz ainda referência à excelente evolução verificada nos indicadores relativos à qualificação dos recursos humanos e ao facto de Portugal ter sido também o 5º país europeu que mais melhorou no indicador relativo aos efeitos económicos da inovação.
No opinião de Artur Santos Silva, Presidente da COTEC, “para a obtenção destes resultados foi fundamental o estreito diálogo entre a COTEC e o Plano Tecnológico, no sentido de tornar o nosso país mais inovador e mais competitivo. Com esse objectivo, a COTEC está no terreno com um projecto muito ambicioso, o “Desenvolvimento Sustentado da Inovação Empresarial”, que prevê que até 2010, 650 empresas tenham implementado processos de organização e gestão da inovação adequados e focados na obtenção de mais e melhores resultados de inovação”.

Ausência do “chip” do automóvel terá multas

Entrará em funcionamento após a publicação da portaria regulamentar (daqui a dois meses). Será gratuito nos primeiros seis meses e custará, depois, entre os 10 os 15 euros. Uma coisa é certa: o “chip” que não é “chip” não exige que por este meio se conheça a conta bancária.

O “chip” que não é “chip” pode ser de produção nacional num negócio de 150 milhões

O Governo apresentou, esta semana, um novo “identificador” do automóvel, que dá pelo nome de Dispositivo Electrónico de Matrícula (DEM). Será um identificador electrónico semelhante ao da Via Verde, servirá para pagamento de todas as portagens, e a sua não existência na viatura (quando se tornar obrigatório) equivale, para efeitos do Código da Estrada, à ausência da chapa de matrícula, com multas entre os 600 e os 3.000 euros. Entrará em funcionamento após a publicação da portaria regulamentar (daqui a dois meses). Será gratuito nos primeiros seis meses e custará, depois, entre os 10 os 15 euros. Uma coisa é certa: o “chip” que não é “chip” não exige que por este meio se conheça a conta bancária. A rentabilidade para a empresa que ficar com o negócio vale cerca de 150 milhões de euros, admitindo-se que possa ser uma produção nacional.

O “chip” afinal não vai ser um “chip”, mas apenas um pequeno aparelho que será colocado no pára-brisas do automóvel, como já acontece com o da Via Verde. Terá, entre outras funções, a de ser o novo instrumento de pagamento de portagens. Do carro, mas também de outro tipo de veículos, como reboques, motociclos e triciclos autorizados a circular em auto-estradas e vias equiparadas.
Será gratuito nos primeiros seis meses (o prazo conta a partir da entrada em vigor da portaria, daqui a dois meses, mais ou menos) e depois o preço irá de 10 a 15 euros. Embora no projecto se estipule que entrará em funcionamento após a publicação da portaria regulamentar, na prática o Governo concede um ano para todos os carros se adaptarem.
Os proprietários ou titulares dos carros já em circulação deverão instalar o DEM, tal como acontece já com a Via Verde. No caso dos carros novos, a responsabilidade da sua instalação é dos representantes oficiais das marcas, isto é, um carro novo já deve trazer o DEM.
A partir do momento em que seja obrigatório (um ano após a entrada em vigor da portaria regulamentar), a não existência do dispositivo equivale, para efeitos do Código da Estrada, à ausência da chapa de matrícula, com multas entre os 600 e 3.000 euros.
O formato e a tecnologia do DEM são em tudo semelhantes ao conhecido identificador Via Verde. Os princípios do seu funcionamento também são semelhantes à cobrança electrónica da Via Verde, embora se adopte um conjunto de regras suplementares que vão garantir o anonimato do utente, se este assim o quiser. Saiba ainda que com ele poderão pagar-se todas as portagens, recorrendo à via reservada à cobrança electrónica.
Claro que a instalação do aparelho será fiscalizada pelas autoridades policiais, nos termos do Código da Estrada. E nas inspecções periódicas, serão os Centros de Inspecção Técnica de Veículos os responsáveis pelo controlo do seu funcionamento.
Para os que já têm Via Verde, se o titular deste contrato não se opuser, o seu identificador será convertido automaticamente em DEM.
E onde o encontrará? Será distribuído pelas entidades de cobrança de portagem e pelos CTT no caso dos carros já a circular. Nos carros novos serão os representantes oficiais a adquiri-los.
Quanto ao sistema de pagamento há quatro módulos. O utente associa o seu DEM a uma entidade de cobrança credenciada, celebrando de forma voluntária um contrato de adesão autorizando o débito em conta bancária; o utente realiza junto de uma entidade de cobrança credenciada (os CTT, por exemplo) o pré-carregamento de um determinado valor monetário, em que o anonimato do utente é garantido; o utente realiza esse pré-pagamento junto da entidade de cobrança, sendo este pré-pagamento associado à identificação do utente, que fica com uma relação comercial “personalizada”; e há ainda o pós-pagamento nas auto-estradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagem e que apenas disponham de um sistema de cobrança electrónica, mas neste caso o utente tem cinco dias úteis para pagar.

DEM pode ir muito mais longe

O Governo tinha projectado (e tem) outras funcionalidades extra. Foram adiadas para bem da aprovação deste projecto e à espera de “melhor oportunidade”.
Na verdade, em Novembro, o secretário de Estado das Obras Públicas, Paulo Campos, chegou a confirmar, depois de ter enviado o projecto de diploma para a Comissão Nacional de Protecção de Dados, que “seria um sistema inovador, com várias funcionalidades para além do mero controlo de passagem nas portagens das novas auto-estradas”. Chegou a revelar algumas, como “parquímetros sem necessidade de talões, controlo imediato de seguro do carro e da inspecção actualizada”.
Agora, o projecto não tem nada disso, mas o Governo não exclui que as recupere, se este novo dispositivo for bem recebido e não subsistirem dúvidas sobre a protecção de dados.
Tudo depende, porque, na verdade, o modelo original do dispositivo electrónico poderia até “servir para controlar os veículos a circular sem seguro ou sem inspecção, obrigatórios, que seriam imediatamente apanhados nos sistemas de controlo públicos”.
Seja como for, a verdade é que a rentabilidade prevista para a empresa que ficar com o negócio está avaliada em 150 milhões e o Governo não exclui a hipótese de produção nacional do DEM.
O Governo está a andar com cautela? Está. Trata-se de um diploma sensível, sobretudo quando se recordam as “dúvidas já levantadas” por Cavaco Silva. É que um eventual veto do Presidente não permitiria avançar com o projecto nesta legislatura, por se tratar de uma proposta do Executivo e não da Assembleia da República.

“Admiro a determinação e a coragem com que a ministra da educação tem

Adopção, divórcio, educação, sexualidade e violência são temas que despertam até o mais desatento cidadão. Com Eduardo Sá, doutorado em Psicologia clínica pela Universidade de Coimbra viajámos por entre os problemas sociais que afectam Portugal.

Nos dias que correm são cada vez mais as reportagens, estudos e livros que abordam o tema do bullying. Considera que actualmente as crianças são mais agressivas que outrora?
Não. A agressividade é tão natural como a sede e faz bem à saúde. É, ao mesmo tempo, um ansiolítico e um anti-depressivo da maior utilidade para todos nós. Aliás, talvez todos tenhamos sido mal-educados para a agressividade: todos nós teremos aprendido a reprimi-la quando, no fundo, ganharíamos mais se aprendêssemos a brincar com a agressividade e a utilizá-la com maneiras. As crianças não são mais agressivas hoje do que seriam outrora. No entanto, trabalham horas demais todas as semanas, têm aulas cada vez mais longas, e recreios mais minúsculos. Se repararmos que, regra geral, as crianças têm as famílias mais democráticas que alguma vez elas tiveram e, ao mesmo tempo, vão crescendo fechadas em pequenos apartamentos, receio que estejamos a educá-las cada vez com mais espaço interior e cada vez mais em espaços físicos e em tempos espartilhados. Se não lhes dermos espaço para exprimirem aquilo que sentem e, muito menos, para manifestarem esse ansiolítico e anti-depressivo fantástico (que é a agressividade) receio que, embora não sejam mais agressivas, estejam tão obrigadas a fazer de “panelas de pressão” que, por isso, têm défices de atenção, perturbações de comportamento e pareçam mais agressivas.

Mas então, qual o papel que os pais, professores e auxiliares têm na identificação ou diminuição do bullying?
Os pais têm a obrigação de entender que toda a agressividade que se guarda transforma-se em violência. Daí que, em primeiro lugar, as crianças devam ter tempos e espaços para brincarem. Brincar na companhia dos amigos é o melhor antídoto para a violência. Em segundo lugar, têm a obrigação de perceber que as crianças que nunca são agressivas podem parecer uns anjos mas não aprendem (com os erros) a ser boas pessoas. Em terceiro lugar, era bom que os pais e os professores nunca esquecessem que se educa com bons exemplos; não tanto com bons conselhos. E que, muitos dos conselhos que os pais e os professores dão às crianças acerca do bullying acabam por ser uma forma de lhes dizerem: “olha para o que eu digo não olhes para o que eu faço”. Em quarto lugar, devem separar as crianças, episodicamente, agressivas daquelas que nunca são agressivas ou que, pelo contrário, o são sempre. Isto quer dizer que as crianças que violentam os colegas são crianças que se vingam nos colegas dos maus-tratos dos pais ou que experimentam com eles os maus exemplos que têm em casa. Numa ou noutra destas situações, são crianças em perigo. Porque maltratam e porque delapidam o espaço e as relações educativas. Por último, é fundamental que, logo que intuam que uma criança está a ser alvo de violência em meio escolar, devem ser sensatos e lestos a protegê-la porque as consequências desses actos são incalculáveis e podem comprometer, para sempre, o percurso educativo e a relação com a escola.

Que leitura faz sobre as opções de um director de informação que escolhe transmitir um sequestro em directo para todo o País?
Eu acho que o choque informativo pode, em determinadas circunstâncias, ser um instrumento de interpelação que nos faça despertar. Nem sempre uma situação de choque transforma uma peça informativa num tablóide. No entanto, se a ganância por audiências se sobrepõe ao compromisso de informar pode fazê-lo. Um sequestro em directo pode ser, no limite, uma forma de intervir socialmente. E pode ajudar a alargar a consciência dos cidadãos para dramas que convivem com a sua distracção de todos os dias. Repeti-lo até à exaustão, dissecá-lo em todos os pormenores, por mais insignificantes que sejam, pode transformar a informação num voyeurismo que me incomoda, reconheço.

Os conteúdos da televisão nacional são os adequados?
No essencial, são. Aliás, eu acho que a televisão é responsabilizada, vezes demais, duma forma demagógica, por alguns educadores batoteiros. Somos todos melhor educados quanto mais plural for a nossa educação. E a televisão tornou a educação mais aberta e mais democrática. Haverá séries ou situações episódicas pouco recomendáveis para as crianças e para os jovens? Sem dúvida. Mas isso transforma os pais numa entidade reguladora no crescimento dos filhos. Se a televisão interfere, negativamente, no crescimento das crianças é porque os pais a transformam, vezes demais, numa babysitter e num atelier de tempos livres como se ela os substituísse sempre que estão indisponíveis para os filhos. E isso sim, potencia, por omissão, todos os conteúdos menos recomendáveis que a televisão lhes transmita.

As famílias tradicionais são cada vez menos surgindo famílias monoparentais e recompostas. Quais as repercussões que estes novos modelos têm no desenvolvimento das crianças/jovens?
Se as famílias tradicionais seriam uma mãe a fazer de mãe, um pai a fazer de pai e o espírito de Natal a ligar as pessoas então as famílias tradicionais, felizmente, nunca existiram. As famílias estão hoje, felizmente, à beira da extinção. Primeiro, porque os pais juntos por fora não significava que estivessem juntos por dentro. Em segundo lugar, o pai e a mãe juntos nem sempre quis dizer que ambos dessem tempo aos filhos. Tempo para brincar, educar, contar histórias ou passear. Em terceiro lugar, pais carcomidos pelo trabalho, sem grandes recursos económicos, sem electrodomésticos (!), sem conseguirem garantir um espaço (em casa) para a criançada, ou sem terem meios de lhes darem uma educação básica que esbatesse as assimetrias sociais, por mais juntos que estivessem, não seriam, só por isso, melhores. Por último, pais juntos significou, em muitas das nossas famílias, uma avó ou uma tia ou uma empregada a fazerem de mãe. Um irmão ou um tio ou um avô a representarem o pai. Mais importante do que terem os pais juntos por fora e divorciados por dentro, para as crianças é muito importante que eles estejam por dentro. Famílias reconstruídas significam que as crianças possam passar a ter duas referências de mãe e de pai, o que exige dos pais maiores cuidados e mais clareza nos gestos que repartem entre si, com as suas novas companhias, com a gestão dos seus gestos educativos para com os filhos que essa nova companhia possa ter e com os novos filhos que venham a nascer duma nova relação. O divórcio exige que os pais se tornem melhores pais para merecerem ser pais. E, é importante que se diga que, se a percentagem de divórcios tem vindo a aumentar, a percentagem de pais que, no contexto dum divórcio, tem reclamado guarda conjunta e que, efectivamente, a levam à prática, antes e depois do divórcio se dar, tem aumentado vertiginosamente.

O novo Código do Trabalho prevê um aumento da duração da licença de maternidade. Quais as vantagens desta alteração para a relação mãe-filho e o desenvolvimento do bebé?
Os primeiros meses de vida de uma pessoa são fundamentais para que se desenvolva uma relação que servirá de matriz para todas as outras relações e para sempre. Os bebés que têm mais e melhor mãe são mais tranquilos, desenvolvem-se melhor e tornam-se, por isso, mais inteligentes. Os cuidados educativos, no primeiro ano de vida, são o grande arquitecto do sistema nervoso do bebé. São tantos e tão incalculáveis, pela vida fora, esses ganhos que, do ponto de vista do bebé, a medida que foi tomada pelo Governo deve ser aplaudida, vivamente. É igualmente fundamental a licença de maternidade englobar a mãe e o pai, o Código do Trabalho assuma que se começa a ser mãe ou pai na gravidez, e que se protejam todos os pais que fazem questão de estar em todos os momentos da gravidez de um filho. Num segundo momento, seria bom que se recomendasse, através de campanhas, por exemplo, que se reparta a licença de maternidade pela mãe e pelo pai, uma vez que os primeiros meses do pós-parto são esgotantes, em termos físicos, e representam uma fractura tão vertical com a vida que se tinha que isso não ajuda o bebé. Quando um bebé tem duas pessoas (que lhe pegam, lhe falam, o olham e o embalam de forma diferente) a amá-lo isso obriga-o a ser um bocadinho igual a cada um o que é mais de meio caminho andado para o ajudarmos a cultivar a sua personalidade desde o princípio.

A adopção é sempre um processo bastante moroso, sendo necessário conquistar várias etapas até obter as condições para o desejado momento. Os juízes privilegiam a ligação com os pais biológicos aquando um confronto entre pais adoptivos e pais biológicos. Qual o impacto que esta decisão tem para a criança/jovens e para os pais adoptivos?
Portugal não tem sido um país muito amigo das crianças. Não só porque há milhares de crianças que, a coberto de alguma ilegalidade, têm o Estado como seu tutor (o que é um completo absurdo, e sugere uma colectivização insuportável das crianças), mas também porque não é verdade que a adopção seja um processo único, rápido, claro, despoluído de pequenos poderes e de decisões arbitrárias, em todo o País.
Às vezes, o Estado confunde uma cédula pessoal com um título de registo de propriedade e é urgente que se distinga um progenitor dum pai. Nem sempre um progenitor se transforma num pai. E aquilo que o Estado faz – quando se perdem os meses mais importantes da vida de uma pessoa (com consequências irreversíveis) para acolher as indecisões de um progenitor em relação à parentalidade ou para ir à procura de um tio-avô da progenitora, que nunca a conheceu, é um bom exemplo daquilo que, um dia, quando Portugal for um País mais amigo das crianças, vai deixar de existir. Como em todos nós, depois de uma pessoa ter entrado na nossa vida, nunca mais sai. Nem com ordem de despejo! Adoptar é ter uns segundos pais. E, como se passa connosco, quando um novo namoro paga por aquilo que todos os outros nos provocaram, com as crianças adoptadas, os novos pais pagarão pelos maus-tratos que os anteriores lhes infligiram. Se os maus-tratos não tenham sido todos os dias, anos a fio é melhor. Se os maus-tratos dos primeiros pais não tiverem sido agravados por maus-tratos que estas crianças tenham vivido em orfanatos, ainda melhor. Porque tantos maus-tratos a multiplicarem-se uns nos outros exigem que quem adopta não seja só pai ou mãe mas precise de ser um misto de anjo e de técnico de saúde mental, ao mesmo tempo. O que não é justo. Mas, muitas vezes, infelizmente, é o que se passa.

A união de facto entre homossexuais é um assunto que mais tarde ou mais cedo será abordado na Assembleia da República. Após a obtenção deste objectivo, provavelmente, provavelmente seguir-se-á a luta pela aprovação da adopção. Qual a sua opinião relativamente a esta questão?
Continuo a defender que aquilo que está em causa numa adopção não é o género ou a orientação sexual de uma pessoa mas as suas competências para a parentalidade. Se elas forem avaliadas de forma competente é quanto basta para que as crianças percebam que o bem duma família passa pela pluralidade de exemplos num mesmo denominador comum de verdade.

O sexo nos dias que decorrem é visto segundo novos padrões, havendo uma maior troca de parceiros e relações mais fugazes. Qual a relação que os jovens têm com a sua sexualidade?
Continuo a achar que falamos demais da sexualidade dos jovens e dos seus comportamentos de risco quando, no fundo, quem acaba por ter comportamentos sexuais de maior risco são, muitas vezes, os pais e outros educadores dos adolescentes. Os jovens têm, regra geral, uma relação muito mais saudável com a sexualidade já que não lhe atribuem uma importância tão hegemónica como os adultos. Os jovens percebem que os bebés não vêm de Paris e despertam, entre perplexidade e excitação, para ela. Não iniciam tão precocemente, como muitos dos seus pais fizeram, a sua vida sexual, e estão, seguramente, muito melhor informados do que eles. É claro que haverá sempre dois tipos de jovens doentes, por mais que não o aparentem: aqueles que sexualizam, compulsivamente, seja o que for e aqueles que acham a sexualidade um aspecto animal, primário ou degradante da Natureza Humana. Ora é por isso que eu acho que se tem de se repensar, profundamente, a educação para a sexualidade. Falar do aparelho genital, de contraceptivos ou de doenças sexualmente transmissíveis não chega. È importante que se diga aos adolescentes que devia ser proibido casar com a primeira namorada e que nas relações amorosas, como em tudo o que há de sério na vida, errar é aprender. E que devia ser proibido casar para sempre, no sentido de, ao assumirmos que queremos que viver com alguém, estarmos autorizados a adormecer “em serviço”, a descuidar os mimos e os pequenos gestos de ternura. E que, por mais importantes que sejam, as relações morrem se não forem mimadas. E que mais importante do que nos despirmos por fora é despirmo-nos por dentro. E que, depois de uma pessoa ter um lugar no nosso coração, não fazemos um voto de castidade com a vida, e vamos estar, de forma sábia, a comparar as pessoas que temos dentro de nós com todas as outras com que trabalhamos, com quem nos cruzamos na rua, etc. E que esta imensa complexidade humana transforma as relações amorosas e a sexualidade no projecto mais sério e mais redentor que algum de nos terá na vida.

Na educação, o Governo, tem apostado na introdução de disciplinas extra-curriculares aumentando a carga horária das crianças/jovens. Qual a sua opinião relativamente a esta medida?
É claro que é importante que a escola diversifique as áreas de aprendizagem das crianças mas não ganha, acho eu, se criar disciplinas de 1ª e de 2ª ligas. Muito tempo de aulas e pouco tempo de recreio entre elas faz mal ao desenvolvimento das crianças. Pouco tempo para brincar, quando se regressa da escola, faz pior, ainda. As crianças trabalham demais. Muitas vezes, começam a trabalhar às oito da manhã, prolongam o trabalho até às oito da noite e ainda trazem trabalho para casa. Foi por isso que, há algum tempo, propusemos um dia de greve nacional aos trabalhos de casa, como forma de chamar a atenção para o facto de mais escola não representar melhor escola.

Considera que na área da Educação o Governo tem actuado bem?
Admiro a determinação, a coragem e a perseverança com que a senhora ministra da educação tentando transformar um sistema educativo que, desde 1975, parecia ser impossível de tocar. É claro que não concordo com todas as medidas que tem tomado, mas ficaria muito preocupado (por mim e por ela) se concordasse com todas. Acho que a educação pré-escolar precisa de ser, tendencialmente, pública, gratuita e para todos. E acho que num País amigo as crianças os professores são um bem de primeira necessidade, e terão de dispor de condições de trabalho, terão de ser acarinhados e terão de ser bem pagos. Mais do que com choques tecnológicos ou com choques fiscais, o mundo transformou-se de dentro para fora da escola. A escola foi a invenção ais bonita da Humanidade! Qualquer governo que governe com os olhos postos no futuro deverá organizar uma Lei de Base da Família e da Criança e mobilizar recursos sérios para a educação. Talvez mudar o mundo passe por isto, simplesmente. E é tão fácil!

Foi aprovado na Assembleia da República a Ordem dos Psicólogos. Qual a vantagem para os Psicólogos em Portugal?
A vantagem passa por, definitivamente, separarmos os licenciados em psicologia dos psicólogos, e credibilizar-se – humana, científica e tecnicamente – o exercício da psicologia.

E qual o estado actual da Psicologia em Portugal?
Temos algumas boas escolas de psicologia, licenciados em psicologia que serão os profissionais que mais compram formação técnica e científica pós-graduada neste pais. Precisamos de formações de especialidade mais credíveis. Precisamos de força negocial para que se percebam algumas bizarrias como, por exemplo, a licenciatura em psicologia (ao contrário da de filosofia) ainda não ser reconhecida pelo Estado como habilitação suficiente para se leccionar a disciplina de psicologia, no ensino secundário.

Que conselhos quer deixar aos pais portugueses?
Gostava que percebessem que são mais sábios do que imaginam. Gostava que entendessem que pecam por falar por actos e por omissões e nunca por dizerem: “amo-te Teresa” de forma clara. Gostava que assumissem que as relações com as pessoas que nos amam são aquilo que nos dá vida ou nos mata devagarinho. E que só nos deprimimos por falta de mimo. Que nunca esquecessem que o melhor do mundo é o futuro. E que o futuro vai continuar a aceitar pessoas imperfeitas.|