2025/07/07

Novas ameaçaspor Ilda Figueiredo

Enquanto assistimos ao furacão que abala o sistema financeiro, vítima de políticas que protegeram a multiplicação de formas e métodos de multiplicar lucros especulativos sem correspondência com a economia real, nessa financeirização crescente que só podia ter um mau desfecho, como repetidamente alertámos

Enquanto assistimos ao furacão que abala o sistema financeiro, vítima de políticas que protegeram a multiplicação de formas e métodos de multiplicar lucros especulativos sem correspondência com a economia real, nessa financeirização crescente que só podia ter um mau desfecho, como repetidamente alertámos, prossegue, paralelamente, um ataque a direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e à própria soberania dos Estados.
Foi o que também aconteceu na semana passada no Parlamento Europeu, onde se discutiram vários relatórios que têm em comum a sua inserção no conjunto de medidas securitárias que, a pretexto do combate ao terrorismo, têm vindo a ser tomadas nos EUA e na União Europeia e que atentam contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e ferem áreas que estão no cerne da competência soberana dos Estados, de que se destaca:
– A alteração da “Decisão-Quadro relativa à luta contra o terrorismo”, de 2002, com o objectivo de reforçar o conjunto de medidas securitárias que, a pretexto da denominada “luta contra o terrorismo”, têm vindo a colocar em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, de que são exemplo os ignóbeis e criminosos “voos da CIA” – ainda não condenados pela União Europeia – isto é, o sequestro, transporte e prisão ilegal de cidadãos, nomeadamente em países da UE, que posteriormente são submetidos ao isolamento e à tortura.
Tal como na “Decisão-Quadro relativa à luta contra o terrorismo”, de 2002 (com a sua definição de “terrorismo”), através do carácter ambíguo da actual alteração é, novamente, aberta a possibilidade de aplicação de medidas securitárias e de criminalização de pessoas singulares ou colectivas que efectivamente se batem contra, por palavras ou escritos, o terrorismo de Estado. A presente proposta não representa qualquer mais-valia no combate ao terrorismo real e à criminalidade transnacional a ele associado e comporta, isso sim, perigos reais à segurança e liberdades fundamentais dos cidadãos nos diferentes Estados-membros.
Como temos salientado, mais que medidas securitárias, é necessário dar resposta às causas que alimentam o terrorismo, como a grave deterioração da situação mundial, a espiral de violência criada pela militarização das relações internacionais, as agressões à soberania dos Estados e povos – o terrorismo de Estado -, a exploração capitalista desenfreada, o desumano aprofundamento das desigualdades sociais e a existência de milhões de seres humanos vivendo em situações desesperadas.
– A “Decisão-Quadro do Conselho relativa à protecção dos dados pessoais, tratados no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal”, fica aquém do que se impõe em matéria de protecção de dados. É que esta proposta não excluiu, mesmo que de forma condicionada, “o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas ou a filiação sindical, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual”, o que é inaceitável.
Como foi sublinhado no debate realizado, trata-se de uma proposta com base num mínimo denominador comum quanto a uma questão tão fundamental como a garantia dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos dos diferentes Estados-membros, aquém do consignado noutros instrumentos jurídicos, nomeadamente do Conselho da Europa. Sendo urgente e imprescindível garantir a protecção dos dados pessoais, esta não poderá ser assegurada a partir de um instrumento jurídico cuja malha, por ser demasiado larga ou defeituosa, permita o seu incumprimento ou não salvaguarda.
– A denominada “migração” do Sistema de Informação Shengen para a sua segunda versão amplia, para além do seu propósito original, as características deste sistema de informações e base de dados. Ao introduzir o mandado de captura europeu e os dados biométricos, alarga o acesso por parte de novas entidades e abre a possibilidade da sua partilha com países terceiros. Esta extensão, em relação ao sistema anterior, comporta riscos para a salvaguarda de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, por acrescentar novos elementos a uma base de dados que será mais partilhada e acessível.
Isto é, muito para além da resposta ao alargamento a novos países, utilizando-se a “liberdade de circulação”, procuram construir um sistema de informação e bases de dados que largamente ultrapassam estes objectivos, tentando que este seja um dos instrumentos centrais de suporte à ofensiva securitária, protagonizada pela UE, e à progressiva comunitarização da justiça e assuntos internos, o que rejeitamos por serem áreas que estão no cerne da soberania dos Estados.
Por isso, reafirmámos a oposição a estas políticas. Continuaremos a lutar por uma Europa que respeite os direitos humanos, a cooperação e a paz, sempre baseada no princípio de Estados soberanos e iguais em direitos. Não trocaremos a liberdade pela segurança, porque ficaríamos sem ambas.

“Entre o Dia e a Noite”

“Entre o Dia e a Noite” está inserido num ciclo de acolhimento a novos criadores. Try Better. Fail Better ’08 é da responsabilidade do Teatro Garagem e serve de espaço de experimentação, de lugar para novidades criativas.

“Entre o Dia e a Noite”, um espaço de memórias individuais
Um diálogo emotivo sobre liberdades
“Entre o Dia e a Noite” está inserido num ciclo de acolhimento a novos criadores. Try Better. Fail Better ’08 é da responsabilidade do Teatro Garagem e serve de espaço de experimentação, de lugar para novidades criativas. Esta é a primeira encenação profissional de Adriana Aboim e conta uma história de amor, de liberdade, de tensão. Acima de tudo este é um diálogo a quatro vozes, assumido como uma co-criação, tendo em conta o processo criativo. Com Pedro Carmo, Adriana e João Aboim e Carolina Matos, estará no Teatro Taborda até 5 de Outubro.

Na base da criação de Adriana Aboim estava uma ideia muito definida: trabalhar esta história a quatro vozes, criando um diálogo coerente entre as palavras de um homem e de uma mulher, e as sonoridades de um violoncelo e de um piano. Tudo isto numa abordagem realista criada num espaço intimista onde fosse possível criar uma grande proximidade entre o público e os intérpretes.
Adriana adoptou um processo criativo de grande cumplicidade com a equipa, em que a peça foi sendo construída de acordo com aquilo que todos iam dando ao longo dos ensaios. A verdade é que funcionou. “Entre o Dia e Noite” é mesmo um diálogo a quatro vozes, principalmente porque os músicos conseguem ser mais do que isso, conseguem ser também eles actores, porque os seus olhares se cruzam em momentos cruciais de diálogo que acontecem entre Adriana Aboim e Pedro Carmo, porque a respiração de Carolina ao tocar violoncelo se mistura com a tensão de um toque entre eles, mesmo que esse não aconteça, mesmo que não seja propositado.
A história em si mesma é tensa. É a noite de passagem de ano, aquela entre a noite de ano velho e o dia de ano novo. Rosa odeia essa data pelas memórias da primeira vez que a mãe a deixou, no sentido de a proteger aquando da sua incursão sem regresso na luta pela liberdade. Ao longo da história vamos percebendo determinado background histórico: a envolvência da Rússia, do vermelho da revolução, que nos é transmitido através de frases e contextos da história de Rosa. A sua mãe lutava pela liberdade, Jorge também era um revolucionário. Há uma matrioska em cima da mesa do quarto que nos envolve e um chapéu russo, que a certa altura é usado por Rosa. O espaço é de facto intimista. O cenário é simples e tem ar de quarto onde se trocaram beijos e reflexões sobre tudo e mais alguma coisa.
Os dois encontraram-se, viveram um amor impossível, pelo menos assim o entendem, separaram-se e 15 anos depois Jorge volta e encontra Rosa no quarto, onde tanto tempo antes tinham vivido uma relação amorosa repleta de desequilíbrios, que continuam presentes.
A passagem de ano marca decisões, um novo recomeço. Ambos o desejam intimamente, naquele tempo sem tempo onde se encontram num espaço, onde parece apenas existir tempo para os dois. Jorge viveu, viajou, lutou, Rosa sobreviveu, casou e teve uma filha. Nunca mais se viram desde então. Tomaram decisões, todas as personagens o fizeram, incluindo a mãe de Rosa, ao deixá-la. Rosa e Jorge acusam-se, culpam-se, amam-se. De forma incontrolada começam a aproximar-se fisicamente. A tensão é crescente, entre a música tocada pelos fantásticos intérpretes João Aboim e Carolina Matos e as palavras soltas sussurradas e gritadas de Pedro e Adriana, respectivamente, sentimos a nossa respiração mais rápida, mais angustiada.
Esta peça fala-nos não só de uma história de amor sofrido, de duas pessoas que se separaram e que não conseguem ultrapassar isso, reflectido na força que Adriana Aboim (Rosa) passa pela sua voz trémula e pela forma como se deixa levar pelos pequenos toques, pela forma como lhe diz: “Estás mais gordo…”, e que Pedro Carmo (Jorge) passa através da forma como se movimenta em palco, como abre a janela do quarto, que dá para a varanda da Sala de Ensaio e olha as luzes da cidade, falando da saudade do mar, mas implicitamente da saudade de Rosa; esta peça fala-nos também das reflexões individuais, do poder do indivíduo. Mostra-nos que, apesar de toda a envolvência, o indivíduo está entregue a si próprio, que as escolhas (neste caso de Rosa e Jorge, quando Jorge decidiu partir e Rosa ficar, mesmo que Rosa considere que foi algo decidido por ele e ele passe maior parte do tempo a convencê-la, ou a convencer-se, de que foi algo decidido mutuamente) definem os caminhos de cada um. As decisões são momentos em que nos questionamos e em que percorremos os limites das nossas liberdades. Aqui fala-se de liberdade política, de decisão, de liberdade humana, de relacionamento, de liberdade de escolha. A vulnerabilidade das personagens vem daí, deste universo. Em último plano, eles são os únicos responsáveis pelas suas decisões. A liberdade procurada nas revoluções, aquela da história em background conceptual é aquela que fica na memória social colectiva, mas são as liberdades diárias aquelas que são mais emotivas e que ficam na memória individual. É um jogo afectivo que está em palco. A intensidade e tensão reflectidas no trabalho passam também pela forma como o trabalho foi desenvolvido, de criação conjunta, da forma emocional como se sente que trabalharam.
Além da revolução de memórias afectivas trazida pela peça, eles relacionam-se novamente com os mesmos objectos com que já se haviam relacionado. Toda esta peça é um regresso a um lugar onde já estiveram, mas que não é o mesmo, mesmo se se continuam a amar, e que falem não muito objectivamente desse sentimento, eles, enquanto indivíduos, estão diferentes. A mãe de Rosa bate à porta do quarto. Nunca a vemos. Só a ouvimos, através da sua voz seca a chamar Rosa e através da voz de Rosa a falar-nos dela. É ela própria uma voz presente, a quinta voz. E respiramos fundo por ter terminado a angústia daquele momento, mas entre o cheiro a cigarros que fica pelo fumo partilhado e a sonata de Shostakovich que não nos sai da cabeça, reflectimos sobre as nossas liberdades e questionamo-nos a nós próprios.

Bush lançou repto à Nação!

Na semana em que fez o seu último discurso como Presidente americano na Assembleia Geral das Nações Unidas, usando este palco para abordar a questão da grave crise económica, que parece alastrar-se a todo o mundo, o Presidente americano teve uma aparição inesperada e informou que o estado da economia dos Estados Unidos é grave e carece de uma intervenção rápida.

Numa aparição televisiva, anunciada em cima da hora, o Presidente norte-americano veio apresentar ao país e ao mundo a verdadeira crise que afecta o sector económico dos Estados Unidos e que já se alastrou ao resto do globo.
Afirmando que a América está no centro de uma grave crise crise financeira, o Presidente George W. Bush apresentou um retrato assustador de uma economia em risco e que poderá vir a atravessar uma “longa e dolorosa recessão”, caso não venham a ser tomadas rápidas medidas. Este ultimato deverá ter servido para convencer aqueles que se mostram mais cépticos de que pacote de “salvação económica”, apresentado pelo líder republicano, que ronda o valor dos de 700 biliões de dólares, é essencial.

O Presidente Bush lançou um repto a todos os cidadãos ao afirmar que “toda a economia americana está em perigo”, disse o republicano no pronunciamento, para todo o País, do seu discurso televisivo da noite de quarta-feira (madrugada de quinta-feira em Lisboa). “Se não houver uma acção imediata do Congresso, os Estados Unidos podem mergulhar num cenário de agonia e pânico financeiro.” Bush disse ainda que “mais bancos poderão falir e o mercado de acções poderá cair ainda mais”, advertiu.

Esta aparição, com um cariz de urgência, é o mais recente, devendo ser o último, dos esforços da administração republicana, para convencer o eleitorado e os congressistas dos dois partidos de que o pacote económico apresentado deverá ser aprovado o mais rapidamente possível na tentativa de melhorar a situação.

Presidente juntou McCain e Obama
Numa altura em que o plano estatal ainda não foi aprovado pelo Congresso, o que poderá vir a acontecer nos próximos dias, Bush pediu ajuda a Barack Obama e a John McCain. O Presidente reuniu-se, ontem, com os dois candidatos à Casa Branca, na sua residência oficial.
Como o SEMANÁRIO já defendera na passada semana, a crise económica passou a comandar a corrida eleitoral americana.
O candidato John McCain suspendeu, na quarta-feira, a sua campanha, tendo proposto ao Presidente Bush um encontro em que deveria marcar, também, presença do candidato democrata, o que já aconteceu, ontem, na tentativa de discutir o pacote de medidas extraordinárias para a salvação dos mercados.
O plano, apresentado e defendido por Bush na sua aparição televisiva, vai custar aos contribuintes americanos cerca de 700 mil milhões de dólares, mas, caso venha a ser chumbado pelo Congresso, terá um custo muito maior para os eleitores, afirmou o Presidente.
O candidato democrata, Barack Obama, que já antes tinha concordado com uma declaração conjunta sobre a presente crise financeira, acedeu ao convite feito pelo presidente Bush e, no dia de ontem, rumou também a Washington.

Democrata destacam-se nas sondagens
Na semana em que Obama voltou a ganhar uma grande margem nas sondagens apresentadas, fruto das críticas sobre as más decisões no plano económico da administração republicana, o democrata quer continuar a ganhar pontos, graças ao seu domínio neste campo, e deixar essa vantagem bem expressa perante o povo americano.
A passar uma fase menos boa, John McCain, propôs ao seu rival político, que se viesse a anular o debate televisivo, o primeiro que irá pôr frente-a-frente os dois candidatos, agendado para sexta-feira, mas Obama não aceitou a ideia. O democrata defende não existirem razões para que o confronto televisivo venha a ser cancelado.
Desta forma, temas “quentes” como a segurança, a imigração e a politica externa, Com são relegados para um segundo plano, devido à grande urgência da crise financeira.
Caso venham a comparecer os dois candidatos no estúdio onde se irá desenrolar o debate, o que é esperado, McCain deverá ter uma das suas últimas oportunidades para não deixar fugir os democratas nas sondagens, o que não deverá vir a ser fácil perante a actual conjuntura financeira e muito por culpa do tema em si, que não é, de todo, aquele em que o republicano mais se sente à vontade. Obama pode, assim, aumentar ainda mais a sua vantagem, que se cifra, agora, nos nove pontos percentuais.

Pequenos bancos sem “funding” poderão entrar em colapso

Crise chega à banca portuguesa
A economia parou. Não há liquidez no sistema, os bancos estão sem liquidez e a venda de activos é lenta. Por outro lado, não há poupança para substituir o endividamento externo dos bancos nacionais. E a banca praticamente depende da liquidez cedida pelo banco central, que este ano é 23 vezes superior à do ano passado.

A economia parou. Não há liquidez no sistema, os bancos estão sem liquidez e a venda de activos é lenta. Por outro lado, não há poupança para substituir o endividamento externo dos bancos nacionais. E a banca praticamente depende da liquidez cedida pelo banco central, que este ano é 23 vezes superior à do ano passado. Mas as condições de crédito do banco central estão a agravar-se e, em face da rigidez do crédito concedido, os pequenos bancos estão a ficar em grande dificuldade, sendo previsível que em Portugal se repitam as cenas que se viram em Londres, com o Northern Rock, caso o Banco de Portugal e o tesouro não intervenham.
Em toda a Europa a situação está a agravar-se, contaminada pelo exemplo americano. Mas o Banco Central Europeu já advertiu que não vai fazer gestão dos activos bancários – competência dos gestores dos bancos – pelo que será impossível uma situação de compra generalizada dos maus créditos.
Para já, a administração do BCE não quer sequer equacionar a possibilidade de um plano parecido com os dos americanos, até porque essa competência cai fora das suas atribuições estatutárias.
Por outro lado, os mais críticos do pacote americano consideram que ele apenas está a adiar o problema. Por um lado, os bancos vendem activos abaixo do preço pelo que vão depois precisar de capital novo e, neste particular, ou são os fundos soberanos árabes ou os bancos chineses a comprar, ou a situação volta a degradar-se e, por outro, os valores envolvidos estão longe de resolver em definitivo os buracos criados pela desvalorização dos activos imobiliários e das acções em carteira.
Relativamente a Portugal, Ricardo Salgado mostrou-se, no início da semana, muito cauteloso na reunião de accionistas da Financial Holding no Luxemburgo, dando, contudo, sinais que o País está a parar e que os bancos não vão continuar a ter os mesmos lucros. Pior ainda, a situação pode prolongar-se porque os activos não descem e nestas alturas quem tem liquidez preserva-a. É, aliás, essa a grande lição dada por Warren Buffett no negócio da Berkshire, ao meter 5 biliões em opções de acções com uma remuneração acima do mercado na Goldman Sachs.
Com efeito, a Berkshire Hathaway, empresa de investimentos do bilionário Warren Buffett, vai aplicar US$ 5 bilhões no banco Goldman Sachs. A instituição, que, no domingo, recebeu a aprovação da Federal Reserve (Fed, o banco central americano) para ser holding financeira (antes era apenas banco de investimento), é uma das que mais vêm sofrendo pressão dos investidores na Bolsa de Nova Iorque. Os seus papéis já perderam mais de 40% nos últimos 12 meses, encerrados ontem. Além do aporte de Buffett, o Goldman pretende captar US$ 2,5 bilhões com a emissão de novas acções. O Berkshire Hathaway vai receber acções preferenciais (PN) perpétuas do Goldman Sachs em troca do seu investimento. As acções preferenciais perpétuas vão pagar um dividendo de 10% e poderão ser resgatadas a qualquer momento, com um prémio de 10%. A empresa de Buffet também terá direito de comprar outros US$ 5 bilhões em acções ordinárias (ON), com um preço de exercício de US$ 115,00 cada. A Berkshire poderá exercer aquele direito em qualquer momento ao longo de cinco anos, segundo o Goldman Sachs. Buffett classificou o Goldman como um banco “sem rivais” globalmente. “É uma instituição excepcional.” E, passou recentemente a banco comercial, podendo captar fundos directamente. Por outro lado, o grande negócio destes ex-bancos de investimento vai passar a ser a reestruturação dos passivos e o deleverage dos balanços dos grandes grupos e bancos.
Em Portugal esta pode ser a galinha dos ovos de ouro do BPI, do BES e da Caixa Investimento, começando por reestruturar os balanços das suas operações comerciais.

Taxas Euribor batem novos recordes

É neste contexto que as taxas do mercado monetário interbancário europeu renovaram esta semana máximos históricos, numa altura em que os mercados continuam na expectativa em relação ao plano do Governo norte-americano, no valor de 700 mil milhões de dólares (477 mil milhões de euros), para travar a actual crise financeira.
As taxas Euribor, utilizadas no cálculo dos juros do crédito à habitação, têm vindo a mostrar uma tendência de subida, desde o início da crise do mercado do crédito de alto risco norte-americano (“subprime”), em Agosto do ano passado, mas agravaram-se com o colapso do banco de investimento Lehman Brothers, assim como com a venda de outros gigantes financeiros como o Merrill Lynch e o HBOS, e também com a nacionalização de urgência da seguradora American International Group (AIG).
Note-se que o acentuar da crise de liquidez que se vive actualmente, tem feito com que os bancos receiem conceder empréstimos entre si, o que tem provocado um aumento significativo nos pedidos de empréstimos efectuados ao Banco Central Europeu (BCE).

“Toda a nossa economia está em risco” – George W. Bush

O dramatismo da situação está bem patente na intervenção pública do Presidente americano, vista por uns como uma tentativa de segurar o seu candidato, mas entendida nas sondagens como a capitulação dos republicanos diante Obama, tendo em vista salvar o sistema financeiro e os bancos de Nova Iorque.
Com efeito, George W. Bush, que ontem se reuniu com Obama e McCain e com os lideres do Congresso, assegurando assim a passagem do seu pacote de medidas de emergência, fez na quarta-feira uma dramática comunicação televisiva sobre a actual crise financeira, afirmando que toda a economia norte-americana “está em risco” e apelou a um consenso bipartidário para a solução.
“Toda a nossa economia está em risco”, disse o Presidente dos EUA, considerando que “o mercado não está a funcionar correctamente”.
Por seu lado, o presidente da Reserva Federal (Fed) dos Estados Unidos, Ben Bernanke, dramatizou no mesmo sentido, afirmando que os Estados Unidos enfrentam “graves ameaças” à estabilidade do seu sector financeiro, tendo alertado que a crise de crédito já começou a afectar o consumo das famílias e o investimento das empresas.
Em declarações ao Comité Económico do Congresso dos EUA, Bernanke disse que “a actividade económica parece ter desacelerado de modo geral”, sendo que “a estabilização do nosso sistema financeiro é uma pré-condição essencial para a recuperação económica”.
O presidente da Fed reiterou ainda o seu apelo ao Congresso para que aprove o plano do secretário do Tesouro, Henry Paulson, que prevê o uso de 700 mil milhões de dólares do dinheiro dos contribuintes para a compra de activos ilíquidos aos bancos, sem que este esteja sujeito a qualquer espécie de supervisão ou responsabilidade judicial pelas decisões que tomar. Bernanke precisou que as recentes pressões financeiras “vão tornar as instituições financeiras ainda mais cautelosas sobre a extensõa do crédito às famílias e às empresas (…). Os riscos negativos para o crescimento permanecem assim como uma preocupação significativa.”

Economia irlandesa entra em recessão

Na Europa a derrapagem também está à vista e só em Portugal é que o governo persiste em garantir que a crise não nos afectará, apesar do próprio Presidente Cavaco Silva já ter alertado para as dificuldades que esperam o País. Com efeito, ontem soube-se que a economia irlandesa entrou em recessão no segundo trimestre do ano, tornando-se, assim, o primeiro país da Zona Euro a entrar em recessão. O mesmo poderá acontecer com a Alemanha e com a Espanha, de acordo com previsões da Comissão Europeia (CE). O mesmo poderá acontecer com a Alemanha e com a Espanha, de acordo com previsões da Comissão Europeia (CE). Mas o resto da Europa e mesmo o resto do mundo deverão seguir o abrandamento.
Após dois trimestres consecutivos de contracção económica, a Irlanda entrou em recessão técnica, definida como dois trimestres consecutivos de contracção do PIB em cadeia. No segundo trimestre, a Irlanda contraiu-se 0,5% face aos primeiros três meses do ano, altura em que já tinha registado uma contracção de 0,3%.
Esta recessão coloca um ponto final em mais de uma década de expansão económica iniciada em meados dos anos 90 e impulsionada pelo sector exportador. Na última década, a economia irlandesa cresceu a uma média 7% ao ano, três vezes a média da Zona Euro.

Alemanha, Espanha e Reino Unido poderão entrar este ano numa recessão técnica

A Irlanda é assim a primeira economia da Zona Euro a entrar em recessão, mas poderá não ser a única. Segundo as últimas previsões da CE, Alemanha, Espanha e Reino Unido poderão entrar este ano numa recessão técnica.
Segundo as previsões intercalares da Comissão Europeia, apresentadas no passado dia 10 de Setembro, depois de ter sofrido um recuo de 0,5% no segundo trimestre, a Alemanha permanecerá em terreno negativo no terceiro (- 0,2%), mas conseguirá, ainda assim, terminar o ano com um crescimento médio de 1,8%, igual ao que Bruxelas previa em Abril.
Já Espanha e Reino Unido entrarão no “vermelho” mais no final do ano – terceiro e quatro trimestres – com contracções do PIB da ordem de 0,1% e 0,3%, no caso espanhol, e de 0,2% nos dois trimestres, no caso britânico.
Esta semana o Bundesbank (autoridade monetária alemã) prevê que este ano os efeitos das turbulências dos mercados financeiros se intensifiquem nos resultados dos bancos alemães.
No seu boletim mensal de Setembro, citado pela Efe, o Bundesbank destaca também que “a fraqueza das bolsas e o baixo número de entradas em bolsa e aquisições de empresas poderá ter efeitos negativos nas provisões e investimentos próprios”.
Ao mesmo tempo, os institutos de crédito alemães poderão beneficiar da força da economia do país, que poderá contribuir para estabilizar as provisões para riscos e as actividades que dependem das taxas de juros, segundo o Bundesbank.

Europa hesita na resposta à crise internacional

Sarkozy quer romper o imobilismo europeu e prepara resposta “digna” à crise. Mas, na Comissão Europeia, não há nenhum movimento favorável. O próprio presidente do BCE veio dizer que o BCE tinha apenas competência em matéria de liquidez e nada mais.
Não! – é a resposta europeia ao repto intervencionista contra a crise, lançado pelos Estados Unidos.
Enquanto do outro lado do Atlântico se debate politicamente um megaplano para salvar o sector financeiro da crise e se convidam outras economias a seguir o caminho, na União Europeia a resposta é pouco mais do que “business as usual”. O Pacto de Estabilidade e Crescimento limita a resposta orçamental de muitos países, a política monetária permanece de olho na inflação e o aperto na regulação prossegue com muita prudência e a passo de caracol. O mercado é global, mas a amplitude da crise na Europa é menor do que nos EUA, lembram ainda os responsáveis europeus.
A atitude discreta da Europa face à crise financeira, que alguns reputam de imobilista, está a irritar o actual presidente em funções do conselho, Nicolas Sarkozy, que, segundo disseram fontes comunitárias ao “Diário Económico”, quer aprovar na próxima cimeira europeia de líderes – em Bruxelas, no dia 17 de Outubro – uma reacção “digna” da Europa à crise.
A iniciativa francesa poderá ficar por um apanhado de todas as medidas nacionais de resposta: juntando as várias reduções de impostos às derrapagens na despesa social, apresentadas num pacote comum. Isto ao lado das propostas de maior regulação dos mercados financeiros (para os bancos e agências de “rating”) que a Comissão se prepara para adoptar no próximo mês. A arquitectura institucional europeia impede qualquer plano mais ambicioso, que encontraria muitos detractores entre os líderes europeus.
Aliás, a Europa continua a ser gerida de acordo com os interesses alemães – tantas vezes errados e perigosos ao longo da história -, que são os principais opositores a um grande plano europeu. Esta semana, mesmo, a Alemanha que rejeitou o repto do secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson. “A Alemanha não precisa de tomar uma medida idêntica à que tomaram os Estados Unidos”, disse, em Berlim, o porta-voz da chancelaria alemã, Ulrich Wilhelm. Paulson havia sido claro: “Vou pedir aos nossos homólogos em todo o mundo para fazerem programas semelhantes para os seus bancos e as suas instituições financeiras, quando isso for oportuno.”
Na reunião das sete economias mais industrializadas do mundo (G7), os restantes países preparavam-se para seguir o exemplo da Alemanha, conforme anunciou o ministro das Finanças, Peer Steinbrück. Ou seja, elogiar o pacote de Paulson, mas descartar qualquer iniciativa de o acompanhar. “É um programa notável, mas a situação nos EUA não pode ser comparada com a dos outros países do G-7, porque é muito mais aguda”, frisou Steinbrück. Bruxelas alinhou pela mesma bitola. O comissário Joaquin Almunia afirmou que “a iniciativa é muito bem-vinda, todos apreciamos o impacto postivo (…) nos mercados. Estou desejoso que esta iniciativa permita recuperar a confiança”. No entanto, na UE “cabe aos governos considerar se podem seguir esta iniciativa, a situação não é a mesma na Europa”.

Melhor regulação é a resposta mais forte

Mas, a nível de regulação pan-europeia, a Comissão Europeia é a única com poder de iniciativa. O comissário Charlie McCreevy sempre demonstrou prurido em endurecer a regulação, mas prepara-se para lançar nas próximas semanas uma directiva para aumentar os requisitos mínimos de capital exigidos aos bancos (prevista para 1 de Outubro) e apertar o cerco de supervisão às agências de “rating”. São os próximos capítulos do roteiro redigido na reunião informal de ministros das Finanças europeus, no Porto, em 2007, após o eclodir da crise. O porta-voz de McCreevy explica que “devem existir regras quando se revelam necessárias e não para se parecer activo”.
Na próxima semana poderão ser anunciadas novas regras de capital para as instituições europeias e o eventual reforço da supervisão. A ideia de criar uma supervisão europeia está em cima da mesa, dando claramente mais poder aos alemães e retirando totalmente a possibilidade dos Estados-membros poderem gerir os seus bancos.

HSBC diz que plano de Paulson não evita um “sério abrandamento” económico

Apesar do plano americano, ninguém acredita que existam situações definitivamente resolvidas. Os estrategas do HSBC Holdings recomendam mesmo aos investidores a venda de acções dos mercados desenvolvidos, porque o plano norte-americano para repor a ordem no mercado financeiro não vai evitar um “sério abrandamento” económico.
Os analistas do maior banco da Europa reduziram a recomendação para as acções de “neutral” para “underweight”, segundo uma nota divulgada pela Bloomberg. E recomendam comprar obrigações do tesouro de longo prazo.
Apesar do plano do secretário do Tesouro norte-americano poder conseguir estabilizar o sistema bancário “parece improvável que consiga prevenir um sério abrandamento pela simples razão que tanto o sistema financeiro como a economia real vão continuar a desalavancagem”, refere a equipa de estrategas liderada por Richard Cookson, de acordo com a Bloomberg.
O problema continua a ser o da solvência do sistema e enquanto os bancos não emprestarem uns aos outros a crise não está resolvida. Por outro lado, a crise financeira está a contaminar a economia real e, nesta altura, os débeis começam a ceder. Problemas de liquidez e eventuais corridas aos depósitos têm que ser acautelados pelas autoridades nas próximas semanas, admite-se no sector financeiro.

Teixeira dos Santos

Medidas para reforço da supervisão dos mercados não são de emergência

O ministro das Finanças recusou ontem atribuir carácter de emergência às medidas para reforçar em Portugal a transparência dos mercados e salientou a capacidade de resistência das instituições nacionais no quadro de crise financeira internacional.

A posição do ministro de Estado e das Finanças, Teixeira dos Santos, foi assumida no final do Conselho de Ministros, em que anunciou as cinco principais linhas do Governo para reforçar os poderes de supervisão e a transparência dos mercados financeiros.
Apesar de Teixeira dos Santos sublinhar que, no quadro da União Europeia, já estão a ser tomadas medidas com idênticos objectivos para evitar o contágio a partir da crise financeira dos Estados Unidos, referiu que Portugal “pode desde já começar a fazer o seu trabalho”.
“Estas medidas visam prevenir dificuldades que possam surgir. É fundamental assegurar que as nossas instituições financeiras continuam ao serviço da economia portuguesa, gozando de condições de solvabilidade, que assegurem a sua robustez e a sua capacidade de financiar a actividade económica e o esforço produtivo do País”, justificou Teixeira dos Santos.
Interrogado sobre o “timing” para a adopção destas medidas, o titular da pasta da Finanças frisou que as mudanças a introduzir “não serão de curto prazo ou de emergência”.
“Sejamos claros: Portugal não está numa situação de emergência; quem está numa situação de emergência são os Estados Unidos”, vincou.
No entanto, Teixeira dos Santos referiu que a experiência resultante dos episódios ocorridos no último ano permitiu ao Governo concluir que “há áreas em que é essencial reforçar a transparência, a informação e a qualidade da informação”.
“Sabemos que é importante reforçar-se os instrumentos preventivos e dissuasores de algumas práticas de gestão por parte de instituições financeiras, que se encontram agora em dificuldades nos Estados Unidos. Nesse sentido, as medidas a adoptar não são para responder a dificuldades imediatas, mas criar um sistema de futuro melhor preparado para prevenir e enfrentar situações como aquelas que foram originadas nos Estados Unidos”, justificou o membro do Governo.
Em relação ao horizonte temporal para a aplicação destas medidas preventivas em Portugal, Teixeira dos Santos disse apenas que “deverão ser concretizadas tão cedo quanto possível”.
“Queremos que as novas medidas permaneçam. Não serão medidas transitórias”, reforçou.
Na sua intervenção inicial, o ministro de Estado e das Finanças referiu que a crise financeira nos Estados Unidos “prolongou-se no tempo para além do esperado” e considerou importante que as autoridades norte-americanas tomem medidas para ultrapassar o actual quadro de crise.
Neste quadro, que caracterizou como sendo de “turbulência” ao nível internacional, o ministro de Estado e das Finanças considerou que o sistema financeiro português “tem vindo a revelar uma capacidade de resistência”.
“O nosso sistema financeiro confronta-se com as dificuldades desta turbulência financeira que se espalhou um pouco por todo o mundo, designadamente nas condições de financiamento. As taxas de juro têm reflectido estes desenvolvimentos. Mas as instituições financeiras têm sido capazes de enfrentar estas dificuldades e de se ajustarem à nova realidade”, sustentou o ministro de Estado e das Finanças.
Ainda de acordo com o membro do Governo, em Portugal, “as autoridades de regulação e de supervisão têm vindo a acompanhar de forma atenta a evolução do sistema financeiro português e a evolução das instituições que compõem esse sistema, de forma a prevenir eventuais riscos”.
“Confiamos que o nosso sistema financeiro e que as nossas instituições encarregadas da supervisão desse sistema continuam a desempenhar de forma capaz a sua missão num contexto de dificuldades”, frisou o ministro de Estado e das Finanças.
Teixeira dos Santos referiu ainda que, desde o ano passado, durante a presidência portuguesa da UE, que os Estados-membros da União Europeia estão envolvidos num trabalho para o “aperfeiçoamento” dos poderes de regulação e dos instrumentos de supervisão dos mercados financeiros.

Cavaco poderá não ser reeleito?

Candidatura presidencial de Manuel Alegre em 2011 poderá unir toda a esquerda

Cavaco poderá ser o primeiro Presidente da República a não ser reeleito?
A hipótese de Manuel Alegre poder ser o candidato oficial do PS às próximas eleições presidenciais de 2011, ameaçando a reeleição de Cavaco Silva, está em cima da mesa, lançada formalmente, no fim-de-semana passado, por Helena Roseta.

A hipótese de Manuel Alegre poder ser o candidato oficial do PS às próximas eleições presidenciais de 2011, ameaçando a reeleição de Cavaco Silva, está em cima da mesa, lançada formalmente, no fim-de-semana passado, por Helena Roseta. Para já, a direcção socialista parece estar apenas a usar esta possibilidade como simples arma de dissuasão em relação ao Presidente da República, visando diminuir a iniciativa de conflitualidade estratégica com o Governo a partir de Belém. Mas o facto é que o quadro estratégico global para envolver uma candidatura do poeta parece estar já a ser montado. António Costa entendeu-se com Helena Roseta em Lisboa e José Sócrates, no próximo Congresso do PS e nas linhas do programa socialista às eleições legislativas de 2009, deverá fazer importantes concessões programáticas a Manuel Alegre e à ala esquerda do PS. O discurso de garantia do sistema de segurança público, feito pelo líder socialista no comício de Guimarães, integra-se já nesta estratégia. Por sua vez, Sócrates, ao renovar as listas dos órgãos dirigentes do PS, também deverá dar alguns lugares proeminentes a apoiantes de Alegre ou a representantes da ala esquerda do PS.

A hipótese de Manuel Alegre poder ser o candidato oficial do PS às próximas eleições presidenciais, ameaçando a reeleição de Cavaco Silva, está em cima da mesa, lançada formalmente, no fim-de-semana passado, por Helena Roseta. Para já, a direcção socialista parece estar apenas a usar esta possibilidade como simples arma de dissuasão em relação ao Presidente da República, visando diminuir a iniciativa de conflitualidade estratégica a partir de Belém. Mas o facto é que o quadro estratégico global para envolver uma candidatura do poeta parece estar já a ser montado. António Costa entendeu-se com Helena Roseta em Lisboa e José Sócrates, no próximo Congresso do PS e nas linhas do programa socialista às eleições legislativas de 2009, deverá fazer importantes concessões programáticas a Manuel Alegre e à ala esquerda do PS. O discurso de garantia do sistema de segurança público, feito pelo líder socialista no comício de Guimarães, integra-se já nesta estratégia. Esta sempre foi uma matéria de eleição da esquerda do PS e dos comunistas, contra o modelo de privatização da segurança social defendido pelos modelos liberais da direita. Por sua vez, Sócrates, ao renovar as listas dos órgãos dirigentes do PS, também deverá dar alguns lugares proeminentes a apoiantes de Alegre ou a representantes da ala esquerda do PS, ligados à anterior direcção de Ferro Rodrigues.

Roseta foi a lebre

Nos últimos três meses a hipótese da candidatura presidencial de Alegre nas eleições de 2011 foi muito comentada em diversos sectores políticos. Alguns socialistas, até do chamado “inner circle” de Sócrates chegaram mesmo, publicamente, a falar sobre ela, com reserva mas aceitando-a. Coube a Helena Roseta, dar , pela primeira vez, um impulso formal e estratégico em relação à candidatura, na sequência, aliás, do seu entendimento com António Costa na Câmara Municipal de Lisboa. Depois deste acordo na capital, os mais atentos aos mecanismos de funcionamento dos fenómenos políticos, ficaram à espera da evolução respectiva. Quando a número 2 do Movimento de Intervenção e Cidadania, o grande suporte político da candidatura de Alegre se entende com António Costa, é quase impossível não ter existido uma articulação prévia com Alegre, relativa às suas intenções políticas no futuro.
Há um ano atrás, o poeta deixava mesmo em cima da mesa a hipótese de formar um novo partido político à esquerda, que tentasse manter a base de apoio alcançada nas presidenciais. Alguns dirigentes do MIC, sobretudo Cipriano Justo, sempre acarinharam muito esta possibilidade, com artigos publicados nos jornais, e algumas bases de apoio do movimento também fizeram sentir essa vontade. Há três meses, quando Alegre participou num comício de esquerda, juntamente com muitos militantes do Bloco de Esquerda, a possibilidade de criação de um novo partido tornou-se ainda mais forte.
No entanto, Manuel Alegre geriu sempre a questão com muito cuidado. A formação de um novo partido de esquerda, na área do PS, poderia estancar a perda de votos à esquerda do PS, fortalecendo a nova formação de Alegre mas podia aproveitar a direita, beneficiando do divisionismo da esquerda para ganhar as legislativas de 2009. Por outro lado, os cuidados de Alegre não devem ter sido alheios ao facto de uma nova organização partidária implicar um grande esforço de organização e financeiro, bem como um elevado grau de coesão. Ora, é sabido que a estrutura organizacional e financeira do MIC é frágil. Por outro lado, a riqueza do MIC tem sido a riqueza de opiniões. Mas isto funciona numa organização quase ad hoc. Num partido tem de haver um forte grau de coesão. O risco de um novo partido, com origem no MC, não ter uma linha estratégica coerente é muito alto, havendo no movimento sensibilidades que defendem entendimentos com o BE, outros com o PCP, outros com ambos e outros ainda sem ninguém. A experiência história das divisões surgidas no antigo PRD é, certamente, um exemplo a lembrar. Por outro lado, é conhecido que a formação de novos partidos em Portugal nunca foi bem sucedida. Para além do caso do PRD, há ainda o exemplo da Nova Democracia. As novas formações que foram constituídas este ano, como o Movimento Esperança Portugal, de Rui Marques, também parecem não estar a ter muito sucesso na divulgação e aceitação da sua mensagem. Esta situação foi, certamente, dissuasora da criação de um novo partido por parte de Alegre. A articulação com Helena Roseta deve, também, ter passado pela elaboração deste diagnóstico.

Reparar uma injustiça

É sabido que, recentemente, José Sócrates teve mesmo um almoço com Manuel Alegre, o que pode ter visado definir estratégias para o futuro. A questão à volta de Alegre, nas últimas presidenciais, sempre foi encarada por Sócrates com algum desconforto. Tal como o poeta já revelou, o convite do PS para que fosse candidato chegou a existir. Só que, depois de Mário Soares se ter atravessado no caminho, querendo ser ele o candidato e achando que tinha hipóteses de ganhar a Cavaco Silva, Sócrates ficou sem espaço de manobra para dizer não ao líder histórico do PS e acabou por arranjar uma grande confusão com Alegre. Repare-se que tudo na vida política de Sócrates tem sido calculado. Para além do peso de Soares, o líder do PS deve ter pensado que não podia passar a contar com Soares como inimigo político, criticando, à esquerda, as suas políticas. Como é sabido, nos últimos dois anos, Soares não só não criticou às políticas liberais de Sócrates, muito atacadas por diversos sectores profissionais e pelo PCP e BE, como ainda fez rasgados elogios a José Sócrates, chamando-lhe o anti-Guterres, numa alusão à sua capacidade de decisão e à tenacidade e dureza para manter as medidas governamentais. Recorde-se que Mário Soares foi muito critico das políticas de Guterres, acusando-as de serem muito liberais.
Depois do excelente resultado eleitoral obtido por Alegre nas presidenciais e da humilhação eleitoral de Soares, ficou no PS e em Sócrates um sabor amargo de que as coisas não tinham sido feitas devidamente e que o eleitorado penalizara esse erro original. Ao longo dos últimos dois anos, tem havido a preocupação do PS de gerir as idiossincrasias de Alegre com pinças, tendo por base o sentimento que, mais tarde ou mais cedo, vai ser necessário reparar a injustiça em relação a Alegre. Essa oportunidade pode chegar, precisamente, nas próximas presidenciais. Ainda para mais, a conjuntura política parece ter dado motivos ao PS para não se deixar ficar refém da estratégia política de Belém. A eleição de Ferreira Leite como líder do PSD veio alterar a situação política, tornando o PS mais frágil aos vetos e mensagens políticas a partir de Belém, como aconteceu recentemente em relação à lei o divórcio e ao Estatuto dos Açores e poderá acontecer, também, em relação à questão do voto presencial dos imigrantes nas eleições legislativas. Por outro lado, para além das compensações políticas que terá que dar à ala esquerda do PS (v. no texto abaixo), o PS também deve saber que, no próximo mandado, caso ganhe as eleições, terá provavelmente que fazer uma viragem política à esquerda, depois de quatro anos de políticas mais moderadas e liberais. Não só mantendo a rota dos costumes modernos, prevendo-se que o casamento dos homossexuais faça parte da agenda política da próxima legislatura como, sobretudo, alterando políticas. A crise financeira e económica mundial, com crescente intervenção do Estado, também parece favorecer a mudança de agulhas, privilegiando alguns esquemas de apoio social e fortes medidas de incentivo ao emprego. Tudo isto, certamente feito com aumento da despesa pública, a que há que juntar os investimentos no aeroporto e no TGV pode avolumar o nível de conflito com Belém. Por sua vez, mesmo no caso de Ferreira perder as legislativas de 2009, o sucessor da actual líder também pode estar nas boas graças de Cavaco, o que também acaba por favorecer a conflitualidade institucional. Em todo este contexto, restam poucas dúvidas de que Alegre pode ser uma boa solução como candidato a Belém. Depois da dispersão da esquerda nas últimas presidenciais, Alegre pode mesmo congregar o apoio do BE e até do PCP, ainda que seja necessário os comunistas digerirem o apoio a um homem que, historicamente, fez sempre o papel do soarismo de quebrar e torcer o PCP. Com esta congregação de votos, restam poucas dúvidas que se fará uma maioria aritmética favorável à eleição de Alegre.

Os riscos para Cavaco

Do lado de Cavaco Silva, a situação pode não ser benéfica. O sucessor de Ferreira Leite pode ser um aliado de Cavaco mas também pode ser uma figura pouca empenhada com Belém ou mesmo hostil ao Presidente da República. O regresso da ala populista ao partido, com Luís Filipe Menezes ou Santana Lopes, poderia ter esse efeito. Mesmo com Passos Coelho na liderança social-democrata, Cavaco só deveria desfrutar, certamente, de vantagens, depois do ex-candidato às directas de Maio deste ano, fazer pagar bem caro politicamente o apoio incondicional a Cavaco, talvez exigindo que Belém passasse por cima das ambições de muitos cavaquistas, como Alexandre Relvas ou António Borges, ou mesmo de homens que estão certos de obter o apoio de Belé, como Nuno Moais Sarmento e Rui Rio, para ver o Palácio de Belém inteiramente dedicado a Passos Coelho.
Em relação ao PP, pondo a hipótese de ele continuar a ser liderado por Paulo Portas ou por outro líder com os mesmo ideais, como Luís Nobre Guedes, é garantido que o apoio a Cavaco não será entusiasta. Ao nível partidário Cavaco conta, por isso, com algumas fragilidades potenciais para a sua reeleição. Em relação à conjuntura económica e social do país, as incertezas também são muitas. Uma situação de crise e forte empobrecimento pessoal, mesmo que Cavaco também tenha grandes preocupações sociais, pode favorecer a eleição de um Presidente da República de esquerda. Outro elemento que pode jogar contra Cavaco reside na reparação de uma injustiça em relação a Manuel Alegre, o que pode mobilizar muitos eleitores no voto no poeta.

O trunfo da reeleição

O grande trunfo de Cavaco reside, naturalmente, no facto de se recandidatar ao cargo. Até hoje, nenhum Presidente da República perdeu uma reeleição. Ramalho Eanes foi reeleito em 1980, mesmo em condições adversas, o que é, sem dúvida um bálsamo para Cavaco. Recorde-se que Mário Soares não apoiou Eanes, ainda que o PS, com António Guterres, Jorge Sampaio e Vítor Constâncio o tenha feito, e que Sá Carneiro e a direita apostaram tudo em Soares Carneiro, de forma a tentar apear Eanes do poder. Jorge Sampaio também foi reeleito em 2001, com relativa facilidade, com o PSD a apresentar Ferreira do Amaral como candidato. Num país que é muito equilibrado e conservador a votar, Cavaco pode beneficiar do efeito psicológico de constituir quase um crime de ingratidão não reeleger um Presidente da República por mais cinco. Por seu lado, este grande trunfo de Cavaco é também o factor principal que pode fazer recuar Manuel Alegre. O poeta não quererá, naturalmente, fazer uma caminhada arriscada, onde só serviria para aumentar o tónus politico da candidatura de Cavaco. Aliás, Helena Roseta, na entrevista que deu no passado fim-de-semana ressalvou, precisamente, o aspecto de Alegre aceitar, ou não, ser candidato.