2023/06/01

Novas ameaçaspor Ilda Figueiredo

Enquanto assistimos ao furacão que abala o sistema financeiro, vítima de políticas que protegeram a multiplicação de formas e métodos de multiplicar lucros especulativos sem correspondência com a economia real, nessa financeirização crescente que só podia ter um mau desfecho, como repetidamente alertámos

Enquanto assistimos ao furacão que abala o sistema financeiro, vítima de políticas que protegeram a multiplicação de formas e métodos de multiplicar lucros especulativos sem correspondência com a economia real, nessa financeirização crescente que só podia ter um mau desfecho, como repetidamente alertámos, prossegue, paralelamente, um ataque a direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e à própria soberania dos Estados.
Foi o que também aconteceu na semana passada no Parlamento Europeu, onde se discutiram vários relatórios que têm em comum a sua inserção no conjunto de medidas securitárias que, a pretexto do combate ao terrorismo, têm vindo a ser tomadas nos EUA e na União Europeia e que atentam contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e ferem áreas que estão no cerne da competência soberana dos Estados, de que se destaca:
– A alteração da “Decisão-Quadro relativa à luta contra o terrorismo”, de 2002, com o objectivo de reforçar o conjunto de medidas securitárias que, a pretexto da denominada “luta contra o terrorismo”, têm vindo a colocar em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, de que são exemplo os ignóbeis e criminosos “voos da CIA” – ainda não condenados pela União Europeia – isto é, o sequestro, transporte e prisão ilegal de cidadãos, nomeadamente em países da UE, que posteriormente são submetidos ao isolamento e à tortura.
Tal como na “Decisão-Quadro relativa à luta contra o terrorismo”, de 2002 (com a sua definição de “terrorismo”), através do carácter ambíguo da actual alteração é, novamente, aberta a possibilidade de aplicação de medidas securitárias e de criminalização de pessoas singulares ou colectivas que efectivamente se batem contra, por palavras ou escritos, o terrorismo de Estado. A presente proposta não representa qualquer mais-valia no combate ao terrorismo real e à criminalidade transnacional a ele associado e comporta, isso sim, perigos reais à segurança e liberdades fundamentais dos cidadãos nos diferentes Estados-membros.
Como temos salientado, mais que medidas securitárias, é necessário dar resposta às causas que alimentam o terrorismo, como a grave deterioração da situação mundial, a espiral de violência criada pela militarização das relações internacionais, as agressões à soberania dos Estados e povos – o terrorismo de Estado -, a exploração capitalista desenfreada, o desumano aprofundamento das desigualdades sociais e a existência de milhões de seres humanos vivendo em situações desesperadas.
– A “Decisão-Quadro do Conselho relativa à protecção dos dados pessoais, tratados no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal”, fica aquém do que se impõe em matéria de protecção de dados. É que esta proposta não excluiu, mesmo que de forma condicionada, “o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas ou a filiação sindical, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual”, o que é inaceitável.
Como foi sublinhado no debate realizado, trata-se de uma proposta com base num mínimo denominador comum quanto a uma questão tão fundamental como a garantia dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos dos diferentes Estados-membros, aquém do consignado noutros instrumentos jurídicos, nomeadamente do Conselho da Europa. Sendo urgente e imprescindível garantir a protecção dos dados pessoais, esta não poderá ser assegurada a partir de um instrumento jurídico cuja malha, por ser demasiado larga ou defeituosa, permita o seu incumprimento ou não salvaguarda.
– A denominada “migração” do Sistema de Informação Shengen para a sua segunda versão amplia, para além do seu propósito original, as características deste sistema de informações e base de dados. Ao introduzir o mandado de captura europeu e os dados biométricos, alarga o acesso por parte de novas entidades e abre a possibilidade da sua partilha com países terceiros. Esta extensão, em relação ao sistema anterior, comporta riscos para a salvaguarda de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, por acrescentar novos elementos a uma base de dados que será mais partilhada e acessível.
Isto é, muito para além da resposta ao alargamento a novos países, utilizando-se a “liberdade de circulação”, procuram construir um sistema de informação e bases de dados que largamente ultrapassam estes objectivos, tentando que este seja um dos instrumentos centrais de suporte à ofensiva securitária, protagonizada pela UE, e à progressiva comunitarização da justiça e assuntos internos, o que rejeitamos por serem áreas que estão no cerne da soberania dos Estados.
Por isso, reafirmámos a oposição a estas políticas. Continuaremos a lutar por uma Europa que respeite os direitos humanos, a cooperação e a paz, sempre baseada no princípio de Estados soberanos e iguais em direitos. Não trocaremos a liberdade pela segurança, porque ficaríamos sem ambas.

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