Candidatura presidencial de Manuel Alegre em 2011 poderá unir toda a esquerda
Cavaco poderá ser o primeiro Presidente da República a não ser reeleito?
A hipótese de Manuel Alegre poder ser o candidato oficial do PS às próximas eleições presidenciais de 2011, ameaçando a reeleição de Cavaco Silva, está em cima da mesa, lançada formalmente, no fim-de-semana passado, por Helena Roseta.
A hipótese de Manuel Alegre poder ser o candidato oficial do PS às próximas eleições presidenciais de 2011, ameaçando a reeleição de Cavaco Silva, está em cima da mesa, lançada formalmente, no fim-de-semana passado, por Helena Roseta. Para já, a direcção socialista parece estar apenas a usar esta possibilidade como simples arma de dissuasão em relação ao Presidente da República, visando diminuir a iniciativa de conflitualidade estratégica com o Governo a partir de Belém. Mas o facto é que o quadro estratégico global para envolver uma candidatura do poeta parece estar já a ser montado. António Costa entendeu-se com Helena Roseta em Lisboa e José Sócrates, no próximo Congresso do PS e nas linhas do programa socialista às eleições legislativas de 2009, deverá fazer importantes concessões programáticas a Manuel Alegre e à ala esquerda do PS. O discurso de garantia do sistema de segurança público, feito pelo líder socialista no comício de Guimarães, integra-se já nesta estratégia. Por sua vez, Sócrates, ao renovar as listas dos órgãos dirigentes do PS, também deverá dar alguns lugares proeminentes a apoiantes de Alegre ou a representantes da ala esquerda do PS.
A hipótese de Manuel Alegre poder ser o candidato oficial do PS às próximas eleições presidenciais, ameaçando a reeleição de Cavaco Silva, está em cima da mesa, lançada formalmente, no fim-de-semana passado, por Helena Roseta. Para já, a direcção socialista parece estar apenas a usar esta possibilidade como simples arma de dissuasão em relação ao Presidente da República, visando diminuir a iniciativa de conflitualidade estratégica a partir de Belém. Mas o facto é que o quadro estratégico global para envolver uma candidatura do poeta parece estar já a ser montado. António Costa entendeu-se com Helena Roseta em Lisboa e José Sócrates, no próximo Congresso do PS e nas linhas do programa socialista às eleições legislativas de 2009, deverá fazer importantes concessões programáticas a Manuel Alegre e à ala esquerda do PS. O discurso de garantia do sistema de segurança público, feito pelo líder socialista no comício de Guimarães, integra-se já nesta estratégia. Esta sempre foi uma matéria de eleição da esquerda do PS e dos comunistas, contra o modelo de privatização da segurança social defendido pelos modelos liberais da direita. Por sua vez, Sócrates, ao renovar as listas dos órgãos dirigentes do PS, também deverá dar alguns lugares proeminentes a apoiantes de Alegre ou a representantes da ala esquerda do PS, ligados à anterior direcção de Ferro Rodrigues.
Roseta foi a lebre
Nos últimos três meses a hipótese da candidatura presidencial de Alegre nas eleições de 2011 foi muito comentada em diversos sectores políticos. Alguns socialistas, até do chamado “inner circle” de Sócrates chegaram mesmo, publicamente, a falar sobre ela, com reserva mas aceitando-a. Coube a Helena Roseta, dar , pela primeira vez, um impulso formal e estratégico em relação à candidatura, na sequência, aliás, do seu entendimento com António Costa na Câmara Municipal de Lisboa. Depois deste acordo na capital, os mais atentos aos mecanismos de funcionamento dos fenómenos políticos, ficaram à espera da evolução respectiva. Quando a número 2 do Movimento de Intervenção e Cidadania, o grande suporte político da candidatura de Alegre se entende com António Costa, é quase impossível não ter existido uma articulação prévia com Alegre, relativa às suas intenções políticas no futuro.
Há um ano atrás, o poeta deixava mesmo em cima da mesa a hipótese de formar um novo partido político à esquerda, que tentasse manter a base de apoio alcançada nas presidenciais. Alguns dirigentes do MIC, sobretudo Cipriano Justo, sempre acarinharam muito esta possibilidade, com artigos publicados nos jornais, e algumas bases de apoio do movimento também fizeram sentir essa vontade. Há três meses, quando Alegre participou num comício de esquerda, juntamente com muitos militantes do Bloco de Esquerda, a possibilidade de criação de um novo partido tornou-se ainda mais forte.
No entanto, Manuel Alegre geriu sempre a questão com muito cuidado. A formação de um novo partido de esquerda, na área do PS, poderia estancar a perda de votos à esquerda do PS, fortalecendo a nova formação de Alegre mas podia aproveitar a direita, beneficiando do divisionismo da esquerda para ganhar as legislativas de 2009. Por outro lado, os cuidados de Alegre não devem ter sido alheios ao facto de uma nova organização partidária implicar um grande esforço de organização e financeiro, bem como um elevado grau de coesão. Ora, é sabido que a estrutura organizacional e financeira do MIC é frágil. Por outro lado, a riqueza do MIC tem sido a riqueza de opiniões. Mas isto funciona numa organização quase ad hoc. Num partido tem de haver um forte grau de coesão. O risco de um novo partido, com origem no MC, não ter uma linha estratégica coerente é muito alto, havendo no movimento sensibilidades que defendem entendimentos com o BE, outros com o PCP, outros com ambos e outros ainda sem ninguém. A experiência história das divisões surgidas no antigo PRD é, certamente, um exemplo a lembrar. Por outro lado, é conhecido que a formação de novos partidos em Portugal nunca foi bem sucedida. Para além do caso do PRD, há ainda o exemplo da Nova Democracia. As novas formações que foram constituídas este ano, como o Movimento Esperança Portugal, de Rui Marques, também parecem não estar a ter muito sucesso na divulgação e aceitação da sua mensagem. Esta situação foi, certamente, dissuasora da criação de um novo partido por parte de Alegre. A articulação com Helena Roseta deve, também, ter passado pela elaboração deste diagnóstico.
Reparar uma injustiça
É sabido que, recentemente, José Sócrates teve mesmo um almoço com Manuel Alegre, o que pode ter visado definir estratégias para o futuro. A questão à volta de Alegre, nas últimas presidenciais, sempre foi encarada por Sócrates com algum desconforto. Tal como o poeta já revelou, o convite do PS para que fosse candidato chegou a existir. Só que, depois de Mário Soares se ter atravessado no caminho, querendo ser ele o candidato e achando que tinha hipóteses de ganhar a Cavaco Silva, Sócrates ficou sem espaço de manobra para dizer não ao líder histórico do PS e acabou por arranjar uma grande confusão com Alegre. Repare-se que tudo na vida política de Sócrates tem sido calculado. Para além do peso de Soares, o líder do PS deve ter pensado que não podia passar a contar com Soares como inimigo político, criticando, à esquerda, as suas políticas. Como é sabido, nos últimos dois anos, Soares não só não criticou às políticas liberais de Sócrates, muito atacadas por diversos sectores profissionais e pelo PCP e BE, como ainda fez rasgados elogios a José Sócrates, chamando-lhe o anti-Guterres, numa alusão à sua capacidade de decisão e à tenacidade e dureza para manter as medidas governamentais. Recorde-se que Mário Soares foi muito critico das políticas de Guterres, acusando-as de serem muito liberais.
Depois do excelente resultado eleitoral obtido por Alegre nas presidenciais e da humilhação eleitoral de Soares, ficou no PS e em Sócrates um sabor amargo de que as coisas não tinham sido feitas devidamente e que o eleitorado penalizara esse erro original. Ao longo dos últimos dois anos, tem havido a preocupação do PS de gerir as idiossincrasias de Alegre com pinças, tendo por base o sentimento que, mais tarde ou mais cedo, vai ser necessário reparar a injustiça em relação a Alegre. Essa oportunidade pode chegar, precisamente, nas próximas presidenciais. Ainda para mais, a conjuntura política parece ter dado motivos ao PS para não se deixar ficar refém da estratégia política de Belém. A eleição de Ferreira Leite como líder do PSD veio alterar a situação política, tornando o PS mais frágil aos vetos e mensagens políticas a partir de Belém, como aconteceu recentemente em relação à lei o divórcio e ao Estatuto dos Açores e poderá acontecer, também, em relação à questão do voto presencial dos imigrantes nas eleições legislativas. Por outro lado, para além das compensações políticas que terá que dar à ala esquerda do PS (v. no texto abaixo), o PS também deve saber que, no próximo mandado, caso ganhe as eleições, terá provavelmente que fazer uma viragem política à esquerda, depois de quatro anos de políticas mais moderadas e liberais. Não só mantendo a rota dos costumes modernos, prevendo-se que o casamento dos homossexuais faça parte da agenda política da próxima legislatura como, sobretudo, alterando políticas. A crise financeira e económica mundial, com crescente intervenção do Estado, também parece favorecer a mudança de agulhas, privilegiando alguns esquemas de apoio social e fortes medidas de incentivo ao emprego. Tudo isto, certamente feito com aumento da despesa pública, a que há que juntar os investimentos no aeroporto e no TGV pode avolumar o nível de conflito com Belém. Por sua vez, mesmo no caso de Ferreira perder as legislativas de 2009, o sucessor da actual líder também pode estar nas boas graças de Cavaco, o que também acaba por favorecer a conflitualidade institucional. Em todo este contexto, restam poucas dúvidas de que Alegre pode ser uma boa solução como candidato a Belém. Depois da dispersão da esquerda nas últimas presidenciais, Alegre pode mesmo congregar o apoio do BE e até do PCP, ainda que seja necessário os comunistas digerirem o apoio a um homem que, historicamente, fez sempre o papel do soarismo de quebrar e torcer o PCP. Com esta congregação de votos, restam poucas dúvidas que se fará uma maioria aritmética favorável à eleição de Alegre.
Os riscos para Cavaco
Do lado de Cavaco Silva, a situação pode não ser benéfica. O sucessor de Ferreira Leite pode ser um aliado de Cavaco mas também pode ser uma figura pouca empenhada com Belém ou mesmo hostil ao Presidente da República. O regresso da ala populista ao partido, com Luís Filipe Menezes ou Santana Lopes, poderia ter esse efeito. Mesmo com Passos Coelho na liderança social-democrata, Cavaco só deveria desfrutar, certamente, de vantagens, depois do ex-candidato às directas de Maio deste ano, fazer pagar bem caro politicamente o apoio incondicional a Cavaco, talvez exigindo que Belém passasse por cima das ambições de muitos cavaquistas, como Alexandre Relvas ou António Borges, ou mesmo de homens que estão certos de obter o apoio de Belé, como Nuno Moais Sarmento e Rui Rio, para ver o Palácio de Belém inteiramente dedicado a Passos Coelho.
Em relação ao PP, pondo a hipótese de ele continuar a ser liderado por Paulo Portas ou por outro líder com os mesmo ideais, como Luís Nobre Guedes, é garantido que o apoio a Cavaco não será entusiasta. Ao nível partidário Cavaco conta, por isso, com algumas fragilidades potenciais para a sua reeleição. Em relação à conjuntura económica e social do país, as incertezas também são muitas. Uma situação de crise e forte empobrecimento pessoal, mesmo que Cavaco também tenha grandes preocupações sociais, pode favorecer a eleição de um Presidente da República de esquerda. Outro elemento que pode jogar contra Cavaco reside na reparação de uma injustiça em relação a Manuel Alegre, o que pode mobilizar muitos eleitores no voto no poeta.
O trunfo da reeleição
O grande trunfo de Cavaco reside, naturalmente, no facto de se recandidatar ao cargo. Até hoje, nenhum Presidente da República perdeu uma reeleição. Ramalho Eanes foi reeleito em 1980, mesmo em condições adversas, o que é, sem dúvida um bálsamo para Cavaco. Recorde-se que Mário Soares não apoiou Eanes, ainda que o PS, com António Guterres, Jorge Sampaio e Vítor Constâncio o tenha feito, e que Sá Carneiro e a direita apostaram tudo em Soares Carneiro, de forma a tentar apear Eanes do poder. Jorge Sampaio também foi reeleito em 2001, com relativa facilidade, com o PSD a apresentar Ferreira do Amaral como candidato. Num país que é muito equilibrado e conservador a votar, Cavaco pode beneficiar do efeito psicológico de constituir quase um crime de ingratidão não reeleger um Presidente da República por mais cinco. Por seu lado, este grande trunfo de Cavaco é também o factor principal que pode fazer recuar Manuel Alegre. O poeta não quererá, naturalmente, fazer uma caminhada arriscada, onde só serviria para aumentar o tónus politico da candidatura de Cavaco. Aliás, Helena Roseta, na entrevista que deu no passado fim-de-semana ressalvou, precisamente, o aspecto de Alegre aceitar, ou não, ser candidato.