2025/06/25

David Fonseca lança o seu mais recente livro “Histórias Possíveis”

A arte de contar histórias é um talento raro mas tão necessário no mundo da escrita como o simples acto de comer ou dormir. David Machado, vencedor do prémio Branquinho da Fonseca, revela uma simplicidade e organização ímpar na forma como escreveu o seu mais recente livro de contos “Histórias Possíveis”.

O engenho de um contador de histórias

A arte de contar histórias é um talento raro mas tão necessário no mundo da escrita como o simples acto de comer ou dormir. David Machado, vencedor do prémio Branquinho da Fonseca, revela uma simplicidade e organização ímpar na forma como escreveu o seu mais recente livro de contos “Histórias Possíveis”. O SEMANÁRIO esteve à conversa com o escritor para perceber o que faz um bom contador de histórias.

Num mundo cada vez mais globalizado, onde a reinvenção da forma de contar histórias abunda de forma desmedida, somos bombardeados com narrativas de uma complexidade parodoxal que nos fazem perder todo o interesse no objecto que temos em mãos.
David Machado, um jovem escritor de 31 anos que venceu o Prémio Branquinho da Fonseca 2005, pela Fundação Calouste da Gulbenkian/Semanário Expresso com o livro infantil “A Noite dos Animais Inventados” vem, felizmente, contrariar esta tendência da literatura mundial.
Dotado de um estilo despojado de qualquer pretensiosismo, próprio de alguém que escreve porque gosta e conta histórias porque tem necessidade de o fazer, David Machado lançou recentemente um livro de 16 contos intitulado “Histórias Possíveis”, editado pela Editorial Presença, revelando-nos o seu talento de contador de histórias exímio, cujas personagens são influenciadas por acontecimentos subtis que roçam o bizarro.
Costuma-se dizer que nada na vida acontece por acaso havendo um lugar e um tempo para que tudo aconteça. A forma como o autor tropeçou na escrita aconteceu de foma natural e pouco planeada, embora se tenha desenvolvido de forma consistente a partir do momento em que decidiu não continuar a enveredar pelo mundo da economia e da gestão, curso que tirou no Instituto Superior de Economia e Gestão.
A opção pelos contos acaba por acontecer através de um convite. “Tudo começou com o convite feito por um amigo para escrever contos para um suplemento de um jornal que, a posteriori, teria continuação. Isso acabou por não acontecer. Eu tinha escrito dois primeiros contos e imaginei que podia pegar noutras ideias que tinha num caderno e continuar a escrever contos semelhantes com o mesmo tom e o mesmo número de páginas, para depois apresentá-los a um jornal. E isso também não aconteceu. Foi então que comecei a pensar em escrever um livro esquecendo em definitivo o jornal.” No entanto, David assume que não foi uma experiência que tenha corrido da melhor forma embora admita que “acabou por ser muito importante pela forma como aprendi com os erros que se fazem na escrita, nomeadamente na construção das personagens e na forma como a história se desenrola. Acabei de forma natural por aprender a maneira lógica de contar uma história.”
Outra das marcas da sua escrita acaba por nos ser bastante familiar. Nos seus contos existe um profundo sentido de portugalidade, embora não o assuma de forma explícita, acabando, confessa, por ser um reflexo do binómio campo-cidade que viveu toda a sua vida. “Foi algo que eu vivi ao longo da minha vida sem que eu o tenha conscientemente introduzido nas minhas histórias. Quando escrevi «O Fabuloso teatro do Gigante», foram claras as referências à literatura sul americana, o que me levou a pensar que me poderiam acusar de escrever livros que não eram portugueses. Contudo, acabou por acontecer precisamente o contrário, dizendo-se que eu captava o que era ser português”.
Já no que diz respeito ao portugal rural, patente no conto “Nada Por nós Caetano” David refere as influências que remontam à sua infância passada no campo. “Esse conto é baseado na aldeia da minha avó, onde eu passei sempre as férias. No entanto, os nomes que dou às aldeias são fictícios. Para mim é mais fácil escrever sobre um lugar fictício porque me dá mais liberdade para escrever o que me apetecer”.
Os contos apresentados são feitos de forma milimétrica, obedecendo a uma economia de palavras sempre difícil de gerir para quem escreve histórias que não excedem cinco páginas, com excepção dos dois últimos. Uma das ferramentas passa pela apresentação das personagens através da acção. “A forma de apresentar a acção em primeiro lugar acaba por ser a melhor forma, a meu ver, de apresentar as personagens devido ao formato curto de história pelo qual optei. Isto acaba por colocar o leitor directamente na acção.”
Por fim David Machado optou pelo uso da terceira pessoa nas suas histórias. “Durante muito tempo não escrevi na primeira pessoa devido a um medo que tinha em começar a falar por mim, algo que eu não quero de forma alguma que aconteça. O que eu espero é que um dia consiga distanciar-me o suficiente de mim para escrever na primeira pessoa.”
Nas histórias que nos apresenta destacamos a sua sensibilidade em captar as idiossincracias destas personagens e na descrição que faz das relações personagens com o mundo que as rodeia, que não tendo vidas particularmente excitantes tornam-se especiais pela forma como a sua simplicidade nos é apresentada. Destacamos nesse sentido ” Acostura de Clemente sobre uma costureira que acaba por ser uma espécie de cirurgiã, ou a história sobre um simples empregado de armazém que se torna no maior violinista do mundo, não por uma vontade mas por uma necessidade imperativa.

Contos Infantis

Além deste seu último livro, David Machado tem também mais um livro nos escaparates intitulado “O Fabuloso teatro do Gigante”, igualmente editado pela Editorial Presença, e um série de contos infantis. Esta sua actividade leva-o muitas vezes a estar na presença de crianças com as quais partilha experiências. Embora refira que é um processo interessante a forma espontânea com que as crianças reagem às conversas, considera que seria algo que faria facilmente com adultos.
“A minha relação com as crianças acaba por ser muito casual. Eu escrevi o meu primeiro conto infantil devido a um concurso de contos infantis (Prémio Branquinho da Fonseca). Quando concorri não foi por serem contos infantis. Encarei-o como sendo um pré-requisito que tinha de ser cumprido. Da mesma fora que participei num concurso em que o tema era a velhice ou num da Câmara Municipal de Lisboa em que tinha de escrever sobre a cidade”.
“Não é pelo facto de ir à escolas que excrevo melhor os contos infantis. Contudo, acaba por ser muito importante porque se torna gratificante saber que o livro não pára no momento em que ponho um ponto final. O livro é estudado nas escolas, fazem-se peças de teatro, desenhos, esculturas. Acabamos por partilhar experiências através de conversas. Isso é muito bom. Podiam ser graúdos, embora acabe por ser mais engraçado pelo facto das crianças serem muito espontâneas”.
É com satisfação que vemos David Machado no mundo da literatura. Uma lufada de ar fresco que nos recorda, através do seu engenho, o prazer que temos em ler boas histórias.

A capacidade de mudar depende de si

Atenção. O Mona Lisa Show vai começar. Luzes. 7 personagens, 7 histórias para contar, 7 pessoas em palco. Eles falam de si próprios, abrem-se ao público como se fosse um reality show. Como se de uma montra se tratasse.

Atenção. O Mona Lisa Show vai começar. Luzes. 7 personagens, 7 histórias para contar, 7 pessoas em palco. Eles falam de si próprios, abrem-se ao público como se fosse um reality show. Como se de uma montra se tratasse. No fundo falam de nós ou de pessoas que conhecemos, em diálogos cruzados, que por vezes se tocam, dando respostas uns aos outros, criando dúvidas. Diálogos murmurados que nem sempre estão em foco. A certa altura estão todos a falar ao mesmo tempo. O concerto já começou.

Pedro Gil, mentor da ideia conceptual e encenador da peça teve a trabalhar neste espectáculo dois anos. Depois de “Homem-Legenda”, apresenta uma nova criação. A peça insere-se numa linha semelhante, a de espectáculo provocante. Os pensamentos de cada um ganham voz ou os pensamentos dos outros fazem-nos questionar os nossos próprios pensamentos. Os desejos mais íntimos podem estar em palco. Perguntas, muitas perguntas e nenhuma resposta, essa pode estar em cada um de nós. A temática versa sobre o amor, a família, a realização profissional e pessoal, o tempo e a qualidade de vida. Na prática são temas que reflectem os dias que vivemos na sociedade. Eles são de Lisboa e pertencem a este espaço.
Pedro Gil começou por criar um esboço das histórias que queria contar. Juntou a equipa de actores e partiram rumo a Montemor-o-Novo, onde fizeram uma residência artística, no Espaço do Tempo. As personagens foram ganhando forma e foram de algum modo reinventadas. O encenador considera que as personagens estão todas numa espécie de abismo. Todas já têm algumas conquistas na sua vida, têm um lugar seguro onde vivem. Mas, por isso mesmo podem mudar. Porque não? Apresento-os:
– Vai ser pai, trabalha no ramo imobiliário e corresponde-se na Internet com a Soraia, que através de uma fotografia falsa vai entrando nos pensamentos dele. Ricardo Gageiro dá voz a este homem.
– Mãe, esposa e publicitária a tempo inteiro, que se culpabiliza por ser sempre a última a ir buscar o filho ao infantário. Tem aulas de salsa, o único “luxo” a que se permite numa vida agitada. Ela é uma mulher cansada, que há meses que tenta acabar o livro que está a ler, nunca saindo da mesma página. Quer despedir-se, deixar de se esquecer das amigas e ter tempo. Raquel Castro numa óptima estreia.
– Casado há 26 anos. Dois filhos adultos. A filha descobriu que ele tem uma amante praticamente da idade dela. Ela está em pânico com o facto da mãe poder descobrir e confronta o pai com o facto de ter descoberto. Isto nunca lhe tinha acontecido. Será amor? Ele é António Fonseca.
– Namora há quatro meses. Mas o Nuno é que era. Tinham uma relação de perfeito encaixe. O Filipe quer ir viver com ela. E as luzes vermelhas acendem-se na sua cabeça: pânico, perigo, pensa rápido numa resposta. Ele é só “boa cama” na visão dela. Ele quer ser o pai dos seus filhos. Ela diz-lhe que quer uma relação aberta e que com ele nunca vai resultar. Acaba com ele. Quer um homem que a deixe ser livre sexualmente. Mónica Garnel tem um desempenho brilhante.
– Ele quer ser o filho ideal, visita pelo menos uma vez por mês a sua mãe. É homossexual e quer-lhe dar um filho. O seu pai nunca aceitou a sua sexualidade. Ele adora praia, o verão e as suas paixões. Romeu Costa é esse filho.
– É artista, mulher, bonita. Nasceu na Argentina, mas veio estudar para Portugal. Deixa a vida correr. Questiona-se. Um amigo dela, também artista, pergunta-lhe quando vai ela desistir de criar, quando vai ela ter a coragem para ir procurar a felicidade noutro lado. Ainhoa Vidal, a bailarina descobriu mais um talento.
– O pai tem cancro. Ele tem tantas perguntas para lhe fazer, o pai não tem nenhumas. O pai não aplaude as suas escolhas profissionais. O filho convida o pai para uma viagem. Não percebe como é que os dois nunca se embebedaram. Por David Almeida.
A encenação de Pedro Gil funciona muito na base do trabalho de actor. Tudo acontece entre a passadeira, os projectores e as personagens. Em termos temáticos não nos traz nada de novo, mas dá-nos flashes, fragmentos que podem fazer a diferença. Clichés e frases que toda a gente já disse ou já ouviu: “Quero acabar contigo. Não é sobre ti, sou eu. Preciso de espaço. A comida é quase tão boa como a da mamã. Não desistas de mim.” É de um naturalismo pop soberbo.
Até porque no meio de temas aparentemente banais, falam também de preconceitos, de problemas sociais e culturais e do poder dos ícones, da fama. Ao longo do espectáculo vão-se sentindo cortes emocionais, que por vezes são conseguidos pela música ou pela própria interrupção nos diálogos.
O que quer essencialmente é contar as histórias destas personagens e a forma como se relacionam, na actualidade: “Não procuro que as pessoas se identifiquem, apenas que aceitem, que sirva como uma janela que pode dar ou não num processo de reflexão.”.
A peça vem-nos relembrar que há possibilidade de fazer coisas que nunca tivemos coragem de fazer, escolhas, ter direito a, poder escolher. Saber dizer quero mais, quero diferente. Escolhi isto. Ser só eu, sem medos, sem desconfianças. Acabar a dizer: “Esta sou eu, a minha respiração” e parar de andar “Para trás e para a frente, como se fosse uma máquina: o que tenho de fazer, o que ficou por fazer”.
Pode mudar a sua vida? Não tanto, mas pode mudar algumas coisas da sua vida. Será um momento de libertação, desde que esteja disponível. A questão que o “Mona Lisa Show” deixa é: do que é que se vai lembrar amanhã?

“Entre o Dia e a Noite”

“Entre o Dia e a Noite” está inserido num ciclo de acolhimento a novos criadores. Try Better. Fail Better ’08 é da responsabilidade do Teatro Garagem e serve de espaço de experimentação, de lugar para novidades criativas.

“Entre o Dia e a Noite”, um espaço de memórias individuais
Um diálogo emotivo sobre liberdades
“Entre o Dia e a Noite” está inserido num ciclo de acolhimento a novos criadores. Try Better. Fail Better ’08 é da responsabilidade do Teatro Garagem e serve de espaço de experimentação, de lugar para novidades criativas. Esta é a primeira encenação profissional de Adriana Aboim e conta uma história de amor, de liberdade, de tensão. Acima de tudo este é um diálogo a quatro vozes, assumido como uma co-criação, tendo em conta o processo criativo. Com Pedro Carmo, Adriana e João Aboim e Carolina Matos, estará no Teatro Taborda até 5 de Outubro.

Na base da criação de Adriana Aboim estava uma ideia muito definida: trabalhar esta história a quatro vozes, criando um diálogo coerente entre as palavras de um homem e de uma mulher, e as sonoridades de um violoncelo e de um piano. Tudo isto numa abordagem realista criada num espaço intimista onde fosse possível criar uma grande proximidade entre o público e os intérpretes.
Adriana adoptou um processo criativo de grande cumplicidade com a equipa, em que a peça foi sendo construída de acordo com aquilo que todos iam dando ao longo dos ensaios. A verdade é que funcionou. “Entre o Dia e Noite” é mesmo um diálogo a quatro vozes, principalmente porque os músicos conseguem ser mais do que isso, conseguem ser também eles actores, porque os seus olhares se cruzam em momentos cruciais de diálogo que acontecem entre Adriana Aboim e Pedro Carmo, porque a respiração de Carolina ao tocar violoncelo se mistura com a tensão de um toque entre eles, mesmo que esse não aconteça, mesmo que não seja propositado.
A história em si mesma é tensa. É a noite de passagem de ano, aquela entre a noite de ano velho e o dia de ano novo. Rosa odeia essa data pelas memórias da primeira vez que a mãe a deixou, no sentido de a proteger aquando da sua incursão sem regresso na luta pela liberdade. Ao longo da história vamos percebendo determinado background histórico: a envolvência da Rússia, do vermelho da revolução, que nos é transmitido através de frases e contextos da história de Rosa. A sua mãe lutava pela liberdade, Jorge também era um revolucionário. Há uma matrioska em cima da mesa do quarto que nos envolve e um chapéu russo, que a certa altura é usado por Rosa. O espaço é de facto intimista. O cenário é simples e tem ar de quarto onde se trocaram beijos e reflexões sobre tudo e mais alguma coisa.
Os dois encontraram-se, viveram um amor impossível, pelo menos assim o entendem, separaram-se e 15 anos depois Jorge volta e encontra Rosa no quarto, onde tanto tempo antes tinham vivido uma relação amorosa repleta de desequilíbrios, que continuam presentes.
A passagem de ano marca decisões, um novo recomeço. Ambos o desejam intimamente, naquele tempo sem tempo onde se encontram num espaço, onde parece apenas existir tempo para os dois. Jorge viveu, viajou, lutou, Rosa sobreviveu, casou e teve uma filha. Nunca mais se viram desde então. Tomaram decisões, todas as personagens o fizeram, incluindo a mãe de Rosa, ao deixá-la. Rosa e Jorge acusam-se, culpam-se, amam-se. De forma incontrolada começam a aproximar-se fisicamente. A tensão é crescente, entre a música tocada pelos fantásticos intérpretes João Aboim e Carolina Matos e as palavras soltas sussurradas e gritadas de Pedro e Adriana, respectivamente, sentimos a nossa respiração mais rápida, mais angustiada.
Esta peça fala-nos não só de uma história de amor sofrido, de duas pessoas que se separaram e que não conseguem ultrapassar isso, reflectido na força que Adriana Aboim (Rosa) passa pela sua voz trémula e pela forma como se deixa levar pelos pequenos toques, pela forma como lhe diz: “Estás mais gordo…”, e que Pedro Carmo (Jorge) passa através da forma como se movimenta em palco, como abre a janela do quarto, que dá para a varanda da Sala de Ensaio e olha as luzes da cidade, falando da saudade do mar, mas implicitamente da saudade de Rosa; esta peça fala-nos também das reflexões individuais, do poder do indivíduo. Mostra-nos que, apesar de toda a envolvência, o indivíduo está entregue a si próprio, que as escolhas (neste caso de Rosa e Jorge, quando Jorge decidiu partir e Rosa ficar, mesmo que Rosa considere que foi algo decidido por ele e ele passe maior parte do tempo a convencê-la, ou a convencer-se, de que foi algo decidido mutuamente) definem os caminhos de cada um. As decisões são momentos em que nos questionamos e em que percorremos os limites das nossas liberdades. Aqui fala-se de liberdade política, de decisão, de liberdade humana, de relacionamento, de liberdade de escolha. A vulnerabilidade das personagens vem daí, deste universo. Em último plano, eles são os únicos responsáveis pelas suas decisões. A liberdade procurada nas revoluções, aquela da história em background conceptual é aquela que fica na memória social colectiva, mas são as liberdades diárias aquelas que são mais emotivas e que ficam na memória individual. É um jogo afectivo que está em palco. A intensidade e tensão reflectidas no trabalho passam também pela forma como o trabalho foi desenvolvido, de criação conjunta, da forma emocional como se sente que trabalharam.
Além da revolução de memórias afectivas trazida pela peça, eles relacionam-se novamente com os mesmos objectos com que já se haviam relacionado. Toda esta peça é um regresso a um lugar onde já estiveram, mas que não é o mesmo, mesmo se se continuam a amar, e que falem não muito objectivamente desse sentimento, eles, enquanto indivíduos, estão diferentes. A mãe de Rosa bate à porta do quarto. Nunca a vemos. Só a ouvimos, através da sua voz seca a chamar Rosa e através da voz de Rosa a falar-nos dela. É ela própria uma voz presente, a quinta voz. E respiramos fundo por ter terminado a angústia daquele momento, mas entre o cheiro a cigarros que fica pelo fumo partilhado e a sonata de Shostakovich que não nos sai da cabeça, reflectimos sobre as nossas liberdades e questionamo-nos a nós próprios.

A Literatura no Centro

O Ciclo Thomas Bernarhd acontece no CCB entre os dias 19 de Novembro e 1 de Dezembro, em vários espaços do CCB. Da relação do escritor com a música à relação com o teatro, este ciclo vai além disso, criando uma relação permanente do autor com o público, através de uma exposição, um concerto, conversas sobre a obra do autor austríaco, leituras dramatizadas, um lançamento de um livro e uma peça de teatro. Haverá ainda o jornal “Thomas Bernhard”.

Nascido na Holanda, Thomas Bernhard (1931-1989). passou a infância com os seus avós maternos em Viena. Em 1935 muda-se com eles para Seekirchen, perto de Salzburgo. O seu avô, o escritor Johannes Freumblicher, foi a sua grande referência. Foi educado em dois internatos, um nacional-socialista e o outro católico, que o marcaram muito. A morte do avô em 1949 e a da sua mãe no ano seguinte abalaram profundamente o escritor. Depois da sua hospitalização, devido a uma tuberculose que lhe deixou sequelas, Bernhard arranjou emprego num jornal de Salzburgo, ao mesmo tempo que começou a escrever contos e poemas. Bernhard estudou música e canto, antes de se dedicar exclusivamente à literatura e à escrita para teatro. A sua escrita, musical e rigorosa, revela uma consciência crítica exacerbada pelas vicissitudes da vida pessoal. Em 1957 foi publicado o seu primeiro livro de poesia, “Na Terra e no Inferno”, ao qual se seguiram outras colectâneas de poesia. Posteriormente, o autor aventura-se na escrita em prosa e no género dramático, publicando o seu primeiro romance, “Frost” (1963), e a sua primeira peça, “Uma Festa para Boris”, estreada em 1970.
O CCB programou para este ano alguns ciclos dedicados a personalidades artísticas importantes. O primeiro foi Paul Bowles, escritor norte-americano, agora a instituição dedica uma semana da sua programação a um dos maiores escritores europeus da segunda metade do século XX e também um dos mais polémicos da sua geração. Nunca deixou de exprimir as suas opiniões controversas nas suas muitas obras, sobretudo sobre a sua relação ambígua com a Áustria e os austríacos.
Este é um ciclo que toca o autor e a sua obra de vários pontos de vista, através de diferentes áreas artísticas e as relações com as mesmas. Por exemplo, a sua relação com a música, tão visível em obras como “O Náufrago” e “O Sobrinho de Wittgenstein”, é abordada neste ciclo. No dia 26 de Novembro, vai ler-se aquela primeira obra, um dos mais conhecidos romances de Thomas Bernhard pelo actor Tiago Rodrigues, seguida da projecção do filme “Glenn Gould: Variações Goldberg”, de Bruno Monsaingeon.
Também a sua ligação ao teatro, com leituras de “O Presidente” e a reposição da encenação do Teatro de Almada para “O Fazedor de Teatro”, com a qual o actor Morais e Castro ganhou o Prémio da Crítica em 2004. O seu tradutor para português, José António Palma Caetano, abordará em conferência a relação de Thomas Bernhard com Portugal. “O Fazedor de Teatro”, no original alemão “Der Theatermacher”, é sem dúvida uma das peças com mais repercussão e mais apresentada. Pertence já à fase de “maturidade dramática” do autor, tendo sido escrita na primeira metade dos anos oitenta e agora é reposta nos dias 28, 29 e 30 de Novembro.
Quem apresenta a leitura dramatizada de “O Presidente”, no dia 19 de Novembro, é a Companhia de Teatro de Almada, sendo aquela a primeira peça de carácter político do escritor e que tem uma parte que se passa em Portugal (no Estoril), no tempo da ditadura. Thomas Bernhard não era um político, contudo esta peça tem este carácter híbrido.
A concluir o ciclo, o maestro Michael Zilm dirigirá a Orquestra Metropolitana de Lisboa num concerto preenchido com música sobre a qual escreveu, designadamente a “Sinfonia Haffner”, de Mozart.
A exposição Thomas Bernhard, organizada pela Fundação Privada Thomas Bernhard, e com a contribuição de algumas das pessoas da sua vida, dá a conhecer aspectos da vida e da criação do escritor, com a apresentação de numerosos originais do autor de “Antigos Mestres”. Constituída por várias fotografias, cartas de família e textos originais, a exposição é uma viagem ao seu universo mais íntimo e familiar. A exposição estará patente mesmo pós ciclo, uma vez que continuará aberta ao público até 16 de Dezembro, na Galeria Mário Cesariny.
Também incluída no ciclo, está programada uma Comunidade de Leitores, que discutirá aspectos da sua obra literária, na Sala de Leitura do CCB. Da importância de Bernhard enquanto autor dramático à harmonia da sua escrita, passando pela visão inquietante que transmite nos livros ou a relação que tinha com a música, são vários os temas que se adaptam ao escritor austríaco, e que prometem animar uma conversa feita de leituras e que procura acima de tudo despertar leituras, ou não fosse este um ciclo dedicado à literatura, apesar da comunicação e da ligação a todas as outras áreas artísticas, é ali que está o centro gravitacional.

Centre Pompidou: a história do vídeo no Museu do Chiado

O vídeo é portátil, prático, durável e foi o balão de ensaio por excelência das mais variadas experiências artísticas. Mas só a partir da década de sessenta ganhou projecção no campo criativo. Foi massivamente utilizado pelos artistas como caderno de rascunho para registar os seus trabalhos. Na década seguinte era já considerado uma alternativa viável ao filme. Mas foi o facto de ser facilmente acessível a todos os públicos, tal como a televisão, que o tornou mais apelativo junto dos artistas, fazendo com que nos anos oitenta fosse impossível ignorar que o vídeo era agora, não só um meio, mas um fim artístico em si. Surge, então, o termo new media como referência ao vídeo enquanto expressão artística.

Esta é apenas uma parte da história. Os pormenores só mesmo na exposição “Centre Pompidou Novos Media 1965-2003”, a decorrer no Museu do Chiado desde o dia 19 de Outubro. Depois de ter passado por Barcelona, Sydney e Melbourne, a exposição itinerante da história da arte do vídeo pode ser vista em Lisboa até ao dia 7 de Janeiro de 2008. Os próximos destinos serão Taipé, São Paulo e Istambul.
Resta saber com o que se pode contar na exposição. Dividida por três pisos (0, 1, 2 e 2A), assiste-se à narrativa do surgimento dos novos media através de trabalhos históricos desenvolvidos por alguns dos mais importantes artistas contemporâneos. A selecção obedeceu sobretudo a critérios de importância e cronologia. Sendo que dos seleccionados Nam June Paik, Pierre Huyghe, Samuel Beckett, Stan Douglas, Valie Export, Dan Graham, Bruce Nauman, Chris Marker, Bill Viola ou Douglas Gordon são os mais significativos. Trata-se de um total de dezanove artistas, dos quais se apresentam vinte e três obras, pertencentes à colecção de Novos Media do Centre Pompidou, em Paris.
A exposição está dividida em secções e, pela densidade de informação que congrega, exige alguma disponibilidade de tempo por parte do visitante, para que possa absorver a história dos últimos quarenta anos da história do vídeo. São quatro os núcleos conceptuais: “Para uma televisão imaginária”, “Pesquisas de Identidade”, “Do vídeo à instalação” e “O pós-cinema”.

Para uma televisão imaginária

Um dos aspectos explorados é a operacionalidade da televisão. Nam June Paik, frequentemente creditado como o percursor da “videoarte”, é um dos artistas cuja obra é incontornável. Quando o falecido artista coreano exibiu, em 1965, “The Moon is the Oldest TV” aplicou um campo magnético ao tubo catódico de cada um dos doze televisores, interrompendo os sinais para criar no ecrã silhuetas que representam, em cada um, as fases da lua.
Outros artistas analisam criticamente o poder da transmissão televisiva. Neste domínio, são de salientar as obras de Matthieu Laurette, “Apparitions (Sélection 1993-1995)” e Chris Marker, “Détours Ceausescu”, na crítica à filmagem documental, mais precisamente à visibilidade exacerbada que determinados eventos têm com a cobertura televisiva e o “efeito de verdade” que ela lhes imprime. Laurette, por exemplo, aponta para as novas realidades que a televisão gera. Ela não só transmite imagens do mundo real, como comporta ainda significados e realidades criadas no próprio meio que as transmite.

Pesquisas de identidade

Desde os primeiros trabalhos, o vídeo procura, tal como qualquer outra arte, a sua essência. Experimentavam-se materiais e técnicas. A performance e a instalação fundem-se com o vídeo. A relação com o espectador é valorizada. E porque a exposição não trata apenas o passado, durante toda a mostra o visitante acaba por participar de alguma forma na arte vídeo. No espaço, câmaras de videovigilância ligadas em permanência integram o espectador na obra, ecrãs mostram excertos de programas de televisão e filmagens experimentais. A atenção do visitante desmultiplica-se e obriga-se a participar. O que ver, o que procurar, para onde olhar? É uma experiência que acontece nas obras de Martial Raysse, “Identité, maintenant vous êtes un Martial Raysse”, e “Interface”, de Peter Campus.
Outras obras aproximam-nos do corpo do artista, chamando o espectador para o jogo psicológico da obra. É o caso da obra de Vito Acconci, “Turn On”. Outras tantas comparam o ecrã a uma janela e a câmara ao olho humano. Revela-se assim a relação de poder que se estabelece entre artista e espectador: o artista controla a câmara, e assim controla a percepção que o espectador tem da realidade apresentada.

Do vídeo à instalação

Nesta secção exalta-se a importância do espaço no vídeo. Desde as primeiras experiências com aspectos físicos e psicológicos da percepção, à criação de ambientes quase oníricos que imergem o espectador, e toda a criação de significados pela articulação de elementos de som e imagem. Uma vez mais o espectador é chamado a participar na obra de Bruce Nauman, “Going Around the Croner Piece”. É ele que faz a obra, movimentando-se ao longo de um percurso delimitado pelo artista, fazendo a história da obra: um indivíduo que se move no espaço, mas continuamente se desencontra da sua imagem recodificada.

O pós-cinema

Descoberta a essência, exploradas as vertentes técnicas do vídeo, era preciso experimentar conteúdos e narrativas que só o vídeo podia dar. Neste pólo da exposição são diversas as obras que recriam o ambiente do cinema: a sala escura e o grande ecrã. Mas, sobretudo, estão expostas algumas formas de subversão das técnicas usadas na produção e pós-produção do cinema. Por exemplo, a obra de Jean-Luc Godard inverte a ordem habitual do filme. O “guião” no qual se baseia o filme “Passion”, de 1982, que ele mesmo produziu só foi feito quando o filme já tinha sido produzido.