2025/07/03

Aberrações portuguesaspor Pedro Cid

É absolutamente injusto que os alunos
do continente precisem de melhores médias
do que os alunos dos Açores e da Madeira,
como acontece hoje.

As candidaturas ao ensino superior, sobretudo para os cursos cuja média exigível é muito elevada, constitui uma saga inacreditável num país moderno e europeu. Há qualquer coisa errada no sistema que pode bloquear a vida dos jovens para todo o sempre e ser responsável objectivo por percursos fracassados. Não é possível bloquear o acesso a Medicina a alunos com média superior a 17, mas isso acontece em Portugal, e não acontece, que se saiba em qualquer outro país da União Europeia. É ver o que se passa em Viena de Áustria, na vizinha Espanha, em Londres, na República Checa, na França, para citar os casos de recurso a que os alunos oriundos de famílias com algumas posses são confrontados em cada ano, pela impossibilidade dos filhos – excelentes alunos – não poderem entrar em Medicina, às vezes por escassas décimas de valor. E entretanto o país está invadido por médicos de várias nacionalidades, sobretudo espanhóis e brasileiros, por carência de médicos portugueses.
Nestas questões do ensino superior, são pouco claros os critérios de avaliação, mesmo que sejam rigorosos, porque são desconhecidos dos alunos. Há dias, uma professora de Biologia fazia a seguinte declaração ao pai de uma aluna que procurava averiguar se era possível “puxar” umas décimas ao quinze que obtivera no exame: “Vê-se que ela sabe toda matéria, utiliza a linguagem científica, mas tem pequenas omissões que contam para o avaliador.” O que é isto?!…
O sistema de avaliação está tão desregulado que se permite a entrada de alunos para certos cursos superiores com notas mínimas, a rondar o dez, até com notas negativas, abaixo de dez: ou seja, para os excelentes alunos, o critério é apertadíssimo quando se pretende tirar Medicina ou cursos afins. Para os alunos médios ou fracos, o critério é laxismo total, sendo que os respectivos cursos não devem ser para formar licenciados da treta, passe a baixeza da expressão…
Acresce ainda que os contingentes específicos de alunos que entram na Faculdade com notas mais baixas do que as exigíveis ao grosso dos alunos também parece inacreditável: tenho respeito por quem faz alta competição, mas não compreendo que entre em Medicina – é o exemplo paradigmático, mas podia ser outro curso – com dois ou três valores de média a menos que os restantes alunos. O mesmo se diga para os elementos das Forças Armadas. Ou, outro exemplo tristíssimo, para os residentes nas Regiões Autónomas. É absolutamente injusto que os alunos do continente precisem de melhores médias do que os alunos dos Açores e da Madeira, como acontece hoje. Boas, razoáveis ou más notas não são um custo de insularidade e essa discrepância é, digo isto sem medo das palavras, contrária à unidade nacional. O aluno tem de ter médias iguais em todo o território. Coisa diferente, depois, são os apoios que o aluno deve ter quando é deslocado dos Açores ou da Madeira para o continente para frequentar a Universidade, que não é a mesma coisa de um aluno do Algarve ou de Miranda do Douro…
Estas questões são muito sérias, porque a juventude, sobretudo aquela que se esforça, que é consciente, que tem projectos de estudo e é responsável, representa o futuro de Portugal . Um ano de atraso que seja, para tentar ser ainda melhor e cumprir os seus objectivos, entrar para a Universidade – infelizmente há inúmeros estudantes a ser obrigados a fazer isso – representa prejuízos sem conta para a família, para o estudante e para o País. Ninguém parece dar conta disto. Portugal é um país tristemente conformista, vive espartilhado em alegorias reivindicativas, algumas sem sentido, mas emblemáticas, revolucionárias, e não desencadeia os mecanismos para os combates sociais que valham a pena. O que é que interessa a um professor instalado, que 200 ou 300 excelentes alunos sejam impedidos de entrar na Faculdade, mesmo que tenham médias superiores a 17? Não interessa nada. E para as escolas, e para o Ministério e para o Governo e para os partidos de oposição? E para os sindicatos? Não interessa nada, mesmo nada. Os miúdos e as famílias que se lixem.
É por isso que a Europa, para lá de Vilar Formoso vai avançando e Portugal é cada vez mais uma amostra de País!…|

As nomeações da Caixa Geral de Depósitospor Rui Teixeira Santos

O governo de José Sócrates está em queda de popularidade e, hoje, poucos são os que pensam que conseguirá chegar ao fim do mandato. Depois da AD, o governo de Sócrates tinha criado tantas expectativas do ponto de vista da estabilidade e da credibilidade que o país se achava em boas mãos. Porém, casos como o das nomeações para a Caixa Geral de Depósitos, mal conduzidos e ainda pior explicados ajudam bastante a deteriorar a imagem do governo socialista.

O governo de José Sócrates está em queda de popularidade e, hoje, poucos são os que pensam que conseguirá chegar ao fim do mandato. Depois da AD, o governo de Sócrates tinha criado tantas expectativas do ponto de vista da estabilidade e da credibilidade que o país se achava em boas mãos. Porém, casos como o das nomeações para a Caixa Geral de Depósitos, mal conduzidos e ainda pior explicados ajudam bastante a deteriorar a imagem do governo socialista.

Uma nomeação política

Vamos ser claros: a primeira coisa que um governo que acaba de tomar posse deve fazer, na conjuntura actual é obviamente substituir o presidente da Caixa Geral de Depósitos. Sobretudo depois da estúpida extinção do IPE, a CGD é o único instrumento de intervenção micro económica do Estado português. Só existe a Caixa Geral de Depósitos para assegurar os interesses nacionais ao nível do controlo do capital de sectores estratégicos em Portugal, no quadro em que a nossa economia se move.
O país não tem mutuas de crédito – o dr. Tavares Moreira encarregou-se de dar cabo do que restava do Crédito Agrícola – ao contrario de Espanha, que controlam o capital das empresas estratégicas da energia á banca, da comunicação social aos transportes, e que não podem nunca ser tomadas por estrangeiros.
Não soubemos manter a rede de interdependências que vinha do Bloco Central, e o lucro passou a ser o único critério dos banqueiros como António Champalimaud e de empresários como Américo Amorim ou de construtores como Vaz Guedes, que sem pensarem no futuro e em face de dificuldades temporárias, cederam as suas empresas contra posições minoritárias em empresas espanholas.
Temos uma classe política que se habituou á corrupção, tendo o financiamento da actividade política por pretexto.
Neste contexto a CGD é um dos principais instrumentos da acção directa do Estado na economia. Foi através da Caixa Geral de Depósitos que se segurou, por exemplo, o BCP em mãos nacionais. A Caixa é um instrumento político.
Mas serviu também para colocar ex-primeiros ministros desempregados, como aconteceu com António Guterrres. E até serviu para cobrir o défice do OE/2004, com a nacionalização do Fundo de Pensões da CGD, o que até provocou, pela primeira vez na história da instituição, resultados negativos.

Razões nacionais

Numa altura em que volta a ter actualidade o discursos político da necessidade do controlo de centros de decisão micro-económica, em que, finalmente, se começa a perceber que há valores nacionais que não podem ser alienados, mesmo que dêem prejuízo; quando, finalmente, os portugueses se interrogam se a ideologia da defesa do consumidor não é, apenas, uma maneira de acelerar a venda das empresas portuguesas aos espanhóis, teoricamente para evitar que se faça a transferencia de fundos dos consumidores para um pequeno grupo de empresários; agora, que o discurso nacionalista de Jardim Gonçalves começa a fazer sentido, apesar do descredito de alguns dos que o acompanharam (que estavam em Belém com o presidente Sampaio a reivindicar a protecção dos centros de decisão nacional e, no mesmo dia, estavam a vender os seus bancos e empresas aos espanhóis), a papel da Caixa Geral de Depósitos é cada vez mais importante.
Sendo, portanto, correcta a substituição da direcção da CGD, já o método seguido pelo governo parece ser criticável. O Governo socialista deu todos os sinais ao presidente da CGD que o queria substituir. Por quatro vezes foi desautorizado, com adiamentos, sugeridos pelo gabinete do ministro das Finanças, da Assembleia Geral da CGD- I. Vítor Martins fez de conta que não percebia. Acabou por ser intempestivamente demitido, ficando com direito a indemnizações que não deveria receber, caso se tivesse cumprido a instrução de Bagão Félix, para acabar com algumas mordomias de empresas estatais ou lugares de nomeação política, como é, claramente, o de administrador da CGD.
Independentemente da qualidade dos personagens, o que ficou mal foi o facto do governo não assumir publicamente aquilo que é: a substituição política de uma administração de nomeação política. Vítor Martins foi para presidente da CGD, não por ter corrículo, mas por ser amigo de Bagão Félix, melhor, por ser da confiança política do governo que estava.
Do mesmo modo, agora, independentemente da competência reconhecida a Santos Ferreira, a sua nomeação é estritamente política. Nas empresas de bandeira, como a CGD, a RTP, a TAP ou a CP as administrações deveriam colocar os lugares à disposição sempre que mudam os governos, que depois os confirmam ou não.

Cardona e Vara
É certo que o governo socialista dá outros sinais. Não tendo Celeste Cardona especial competência para o lugar na administração da CGD, por que é que fica? – perguntar-se-à. Não é, seguramente, pela enorme influencia que Jorge Coelho ainda tem dentro do governo socialista. É, sobretudo, para marcar bem que o PS está a afastar todos os quatro administradores do PSD, e apenas os do PSD.
E, nem isto é criticável, pois foi a partir de Durão Barroso que os equilíbrios do Bloco Central se quebraram na administração da banca e das empresas estatais. E mesmo assim, o PS ainda lá deixou um administrador do PSD a fazer companhia a Celeste Cardona.
Obviamente, a nomeação de Armando Vara pode ser pouco prudente. Mas, também, aqui está-se ao nível das nomeações para a CGD feitas anteriormente. Percebe-se que as diversas famílias socialistas queiram estar representadas na administração CGD…

O problema espanholpor Paulo Gaião

Se tívessemos sido menos obcecados com a Europa
e mais preocupados com o interesse nacional teríamos aplicado melhor os fundos europeus e não estariamos, como estamos hoje, cada vez mais nas mãos dos espanhóis

Um dos maiores problemas portugueses com Espanha é considerar-se, por via de um discurso moderno contra fantasmas passados, que a entrada dos nossos vizinhos nos negócios estratégicos lusos é perfeitamente natural. Outro problema, ainda maior, é argumentar que tudo faz parte do quadro neo-liberal da economia e que a prova que temos uma atitude preconceituosa contra os espanhóis é não entrarmos em dramatizações nacionalistas quando os franceses, os ingleses ou os alemães compram posições em Portugal. Estas duas equações só aumentam, por um lado, a gravidade do nosso problema com Espanha, iludindo-nos com razões que parecem racionais e lógicas, mas que, vistas num contexto global, das nossas características como Estado, são perigosamente falaciosas. Por outro lado, diminuem, ainda mais, as nossas defesas e a nossa capacidade de reacção perante Madrid. Até podemos sentir que está qualquer coisa profundamente errada na invasão económica espanhola e termos vontade de agir mas a ideia de estarmos a ser provincianos e pormos a nu os nossos complexos, face à história passada, ainda nos diminui mais. Se, por hipótese, tivesse que ser encontrado o autor desta ideia do complexo português com Espanha era possível dizer que ele era espanhol e que tinha tido por objectivo enfraquecer ainda mais os portugueses ao criar uma espécie de duplo complexo: o complexo histórico e o complexo de ter o complexo da dominação espanhola, quando Espanha só nos quer bem.
Com um Estado português forte e linhas estratégicas muito ricas e diversificadas, o investimento espanhol em Portugal seria um benefício que seria avaliado apenas em termos puramente económicos, dificilmente se extrapolando para o campo da influência e dominação política. Quando a França investe na Grã-Bretanha ou vice-versa, avalia-se basicamente o investimento por si, sem o ver na perspectiva de invasão gaulesa ou anglo-saxónica. Isto é assim não só por razões históricas, no quadro de duas grandes potências europeias mas pelo facto de ambos os países serem muito ciosos dos seus interesses estratégicos (curiosamente, ora a França, ora a Inglaterra, sempre protegeram Portugal contra os anseios expansionistas de Madrid, perigosos por alterarem o equilíbrio europeu). É caso para pegar na imagem popular muito conhecida e perguntar: vem primeiro o ovo ou a galinha? A França e a Inglaterra são duas potências europeias porque defendem os seus interesses estratégicos ou defendem os seus interesses estratégicos porque são duas grandes potências? No meio pode estar a virtude, o que dá um grande peso ao factor que interessa trazer à colação no caso português. Para se ser uma potência é, pelo menos, preciso defender os nossos interesses estratégicos. Ora , Portugal, não é um Estado forte e não tem linhas estratégicas que o engradeçam, em boa medida porque não tem sabido ter um sentido estratégico, do que é vital para os portugueses e para o país.
Entrar na Europa foi, obviamente, uma solução acertada (e inevitável) mas o país perdeu-se na obsessão europeia, talvez aqui, o reflexo de um verdadeiro complexo, derivado do “orgulhasamente sós” de Salazar, da política nacionalista e ultramarina do antigo regime . Com a revolução do 25 de Abril, quisemos fazer uma ruptura com o passado e não admitimos que as questões do antigamente pudessem, sequer, ser reflectidas e sintetizadas em novas soluções. O que se passou no 25 de Abril é, no entanto, compreensível. A culpa maior não foi dos que fizeram a Revolução e, com o coração ao pé da boca, não tiveram sentido estratégico na governação. A culpa maior foi dos que, com a alma a definhar, deixaram o Estado apodrecer antes da revolução, seguindo soluções que, a coberto de serem aplicadas para servir o interesse nacional, o prejudicaram grandemente. Contudo, para o que interessa, a culpa destes últimos não diminui a culpa dos primeiros. Nos início dos anos de 80 houve visionários que alertaram para a necessidade de Portugal não viver apenas na Europa e para a Europa. Por exemplo, em 1981, o diagnóstico do saudoso Professor Barradas de Carvalho era de que a integração europeia de Portugal conduziria, inevitavelmente, à iberização do país. Repare-se que ninguém defendeu que Portugal não entrasse na CEE, mas sim que era preciso, prevendo a integração ibérica, com comando de Madrid face à envergadura de Espanha (em boa medida pelo valor acrescentado da Catalunha e do País Basco no mosaico espanhol) fazer outras apostas, naturamente atlantistas, viradas para o Brasil e a América Latina (fazendo no mundo hispânico, o que a Espanha está hoje a fazer em África) e para os países africanos de expressão portuguesa (ainda que face à instabilidade africana, o Brasil fosse, de facto, a grande aposta em termos estratégicos, como ainda nunca se fez). Com esta diversidade, tirávamos partido da nossa posição no Brasil e em Àfrica para a utilizar, precisamente, na Europa, ajudando também estes “países irmãos” a terem alguma influência junto de Bruxelas. Se fosse preciso (e certamente que o teria sido), este esforço teria de ser feito à custa do nosso europeísmo, tornando-nos eurocépticos, como faz a Grã-Bretanha. Perguntar-se-à, naturalmente, que um país recém-aderente que sorveu fundos estruturais não se podia dar ao luxo de ser eurocéptico? Pode ser. Mas, como diz o provérbio, quanto mais uma pessoa se agacha, mais se vê o rabo. Na verdade, de que tem servido Portugal ser exemplar em comportamento europeu, se a economia do país está de pantanas? Pode, também, naturalmente, dizer-se que Portugal está na situação em que está porque não soube aproveitar os fundos europeus. Também é verdade. Mas também é, seguramente, verdade que teríamos aplicado melhor os fundos estruturais se tívesssemos sido mais ousados, mais originais e muito menos bem-comportados e agradecidos. Enfim, teríamos, aproveitado muito melhor os fundos da UE se tivéssemos sido menos obecados com a Europa e pensássemos mais em termos de interesse estratégico nacional. E ao termos aproveitado melhor os fundos, com o vector do interesse nacional, não estaríamos, certamente, como estamos hoje, cada vez mais nas mãos dos espanhóis.

Presidenciais: Verso e reversopor Pedro Cid

Altas labaredas estão a consumir a política portuguesa, quase com a mesma intensidade com que a crueldade das chamas devora inúmeros hectares de floresta.

Altas labaredas estão a consumir a política portuguesa, quase com a mesma intensidade com que a crueldade das chamas devora inúmeros hectares de floresta. O clima político adensou-se inesperadamente e vai, até se concluírem os processos eleitorais, motivar tensões fortes, nos vários patamares de influência.
Mário Soares é o último elemento perturbador desta surpreendente subida da temperatura política. Perturbador em todas as áreas, mesmo que possa haver regozijos de uma falsa unanimidade à esquerda, para travar o passo, que já era estugado, à candidatura de Cavaco Silva. Para alguns, o que parecia um passeio triunfal do ex-primeiro ministro de duas maiorias absolutas transformou-se numa corrida que não está isenta de dificuldades. À certeza da vitória antecipada sucedeu-se o receio do confronto com Mário Soares, também primeiro ministro de três governos e Chefe do Estado durante uma década.
A pugna eleitoral vai, uma vez mais resolver-se no chamado Centrão político, uma palavra abrasileirada com que simpatizo pouco, mas onde é possível agregar o conjunto moderado dos eleitores, que vão da ala esquerda do PSD ao sector mais à direita do PS.
A candidatura de Mário Soares não é, à partida, uma candidatura forte que ajude o PS a colocar o seu candidato em Belém, mas pode criar-se à volta dela uma capacidade mobilizadora para evitar a eleição de Cavaco Silva. Esse é um perigo real, que deve ser salientado, sobretudo, por quem acredita que a vitória não fugirá ao professor, mas que também tem a noção de que esse juízo não se pode substituir ao julgamento dos eleitores.
Se Portugal fosse um país previsível nos seus parâmetros de normalidade, Cavaco Silva seria o próximo Presidente da República. Como persistimos em ser uma caixinha de surpresas e um laboratório permanente de experiências políticas, estamos perante uma incógnita cuja solução só os eleitores podem decidir à boca das urnas.
Vale a pena em todo o caso assumir alguns contornos do combate político e alinhar um conjunto de factos, uns inquestionáveis e outros doseados por alguma especulação.
Mário Soares tem uma dimensão política que ninguém beliscará, pelas sua obra política. Mesmo que se discorde dele em tanta coisa, ( e isso é possível) não pode ninguém furtar-lhe o papel de Patriarca da democracia portuguesa, lutador pelas liberdades, político que não fugiu às suas responsabilidades, mesmo quando foi forçado a meter o socialismo na gaveta. Mesmo com sombras escuras, Mário Soares foi um consequente opositor a Salazar e a Caetano, desde que ganhou consciência política. Foi preso e deportado, principal fundador do partido Socialista, ministro dos governos provisórios, primeiro ministro de três Governos Constitucionais, nos intervalos líder da Oposição, Presidente da República em dois mandatos e, depois disso, deputado ao Parlamento Europeu. Tem hoje quase 81 anos de idade. Provecta idade, que já o levou a dizer em relação à política activa: Basta!
Ora este “Basta!” constitui hoje, mais do que a idade ( embora esta seja um factor de peso – quem garante que Soares está em condições de fazer uma cansativa campanha eleitoral?…, por exemplo…) o obstáculo mais forte a uma fiabilidade de uma nova candidatura presidencial. Muito mais vezes do que seria desejável, depois de ter saído de Belém, Mário Soares disse uma coisa e o seu contrário, sempre com o à vontade com que bebe um copo de água e a consequente impunidade dos irresponsáveis. É este homem que, com estas características volúveis, o País precisa no palácio de Belém?
Cavaco Silva tem que ter em relação a Mário Soares o mesmo instinto “assassino” que o ex-Chefe de Estado não hesitou em revelar no derradeiro confronto com Freitas do Amaral, na memorável corrida que ditou, em duas voltas, o sucessor de Ramalho Eanes.
Há no entanto que prevenir estratégias laterais, que muitos ciciam em voz baixa, mas que ninguém admite publicamente. Uma dessas estratégias laterais conduz à seguinte pergunta: A entrada de Mário Soares na corrida presidencial é para jogar até ao fim ou o antigo presidente está a fazer de “lebre” ( como se diz em gíria desportiva) de outros interesses políticos, nomeadamente a candidatura de outra figura política, in extremis?
O assunto é sério. Mário Soares faz lembrar, com este corropio de consultas que vai fazendo, o seu sucessor, Jorge Sampaio, que convocou a Belém mais de 30 personalidades depois da ida de Durão Barroso para Bruxelas, quando se sabia previamente que ele não iria dissolver o parlamento, porque essa tinha sido a palavra dada ao novo Presidente da Comissão Europeia ( em privado e nas estruturas da coligação, Barroso tinha dito que se houvesse eleições ele não aceitaria ir para Bruxelas, toda a gente sabe disto). Portanto de duas uma, ou Mário Soares já decidiu candidatar-se e o que está a dizer que faz é pura encenação política, ou já interiorizou que não tem condições políticas para uma nova corrida presidencial, e então tem algum intuito deliberado e é preciso descortinar qual seja. Não deixa de ser estranho que João Soares, (filho de Mário Soares e que foi apoiado pelo Pai na corrida a secretário geral do PS, quando toda a gente sabia que não hipóteses de eleição) tenha referido publicamente, em mais do que uma ocasião, incluindo na entrevista que deu ao SEMANÁRIO, que o prof. Freitas do Amaral reúne as condições para ser um bom candidato presidencial do PS e da esquerda em geral. Fê-lo por sua conta e risco? Mas será possível que uma candidatura presidencial de Mário Soares tenha passado à margem do actual cabeça de lista do PS à Câmara de Sintra?
Por outro lado, no interior do Governo, Freitas do Amaral assume um protagonismo essencial junto do primeiro ministro. De tal modo, que é impensável admitir que o teor da entrevista recente ao Diário de Notícias, nomeadamente no que à sua própria candidatura presidencial diz respeito, não tenha sido do conhecimento prévio de José Sócrates.
Isto quer dizer que pode haver muito jogo ainda escondido na área do PS e que teremos de esperar até ao desfecho final, isto é até ao momento em que houver oficialmente um candidato presidencial apoiado pelas estruturas do partido maioritário. É possível que seja Mário Soares, mas, em boa verdade não será despropositado ensaiar o espírito para outro cenário.

Definir o tema das presidenciaispor Rui Teixeira Santos

Se o tema das presidenciais for o da contabilidade pública, o professor Cavaco Silva será o vencedor antecipado e a derrota de Mário Soares será humilhante para o Partido Socialista, podendo colocar em causa a orientação política da actual maioria governamental.

Se o tema das presidenciais for o da contabilidade pública, o professor Cavaco Silva será o vencedor antecipado e a derrota de Mário Soares será humilhante para o Partido Socialista, podendo colocar em causa a orientação política da actual maioria governamental.
Por isso, o dr. Mário Soares, que habilmente, e para já, se conseguiu impor ao PS e a José Sócrates, como candidato presidencial da esquerda, já começou a lançar para o debate outros temas: nomeadamente, o da deriva securitária na Europa e o do terrorismo.
Diante dessa estratégia, à qual Mário Soares juntará ainda o tema da globalização e o da guerra no Médio Oriente, Cavaco Silva remete-se ao silêncio. A seu tempo responderá a Soares que o debate entre os dois está feito. Tem mais de 20 anos. Seria, apenas, a desforra da história, protagonizada pelos maiores vultos desta Segunda República.

O colapso da Europa
Mas, à margem dos debates que animam a República, agora – a ver pelo manifesto dos economistas – mais concentrados nas virtualidades do investimento público, por via das opções de Mário Lino – o amigo de José Sócrates, que se pensa o novo Marquês de Pombal e que ainda não percebeu que o Marquês de hoje não pensa em termos de átomos (betão), mas em termos de genes ou bites (tecnologia e ciência) – o verdadeiro debate pode precipitar uma mudança substancial na predisposição do eleitorado.
Com a “performance” do novo partido de Oscar La Fontaine, que, contra o chanceler Schroeder, se opõe á destruição do Estado Social Europeu, a esquerda alemã poderá manter-se no poder, com a coligação entre o SPD, os verdes e a nova esquerda de La Fontaine. Seria trágico para a Europa e, sobretudo, para a Alemanha. Significaria que não haveria condições para haver um acordo de médio prazo para as finanças europeias.
E, sem Orçamento na União Europeia, sem PAC e sem cheque inglês, não haverá também União Económica e Monetária que resista. O Banco Central Europeu autónomo, autista e culpado da recessão, deixa de fazer sentido, numa Europa em que os cidadãos preferem o emprego e os direitos do Estado Social.
E, sem euro, também não faz sentido existir a Europa política. Mais uma vez os alemães vão enterrar o sonho de uma Europa harmoniosa.

A concorrência não é com a América
ou a China, é na Europa
Mas, não é só o colapso da Europa política. Será, finalmente, a consciência plena que o problema da concorrência não se coloca apenas diante dos EUA ou da China, como se colocou até agora. Porque a verdadeira concorrência, a verdadeira medida de competitividade das empresas é relativa às empresas dos países europeus. Portugal exporta 90 por cento para a Europa. A Espanha exporta sobretudo para a Europa. A Alemanha, a França, a Inglaterra ou a Itália também. A guerra comercial é entre nós. É cá dentro: por mercados, por produtos e tecnologias. O princípio que “o mercado interno criava crescimento económico” provou-se falso, porque a concorrência só é livre quando os agentes económicos estão em condições de igualdade. Pior, provou-se que, na conjuntura actual, o mercado interno colocou em causa Europa Social e os direitos adquiridos. Mais ainda, que a contabilidade financeira medida pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, era uma ficção que dizia respeito a mercados fechados, que na realidade não existem na Europa.

Falham os pressupostos teóricos da Europa
Ou seja, todos os pressupostos em que se baseava a união política, todos os argumentos em que se baseava a ideia da paz ficaram em causa. A suspensão da União Económica e Monetária, o fim dos fundos comunitários e a descrença dos alemães no projecto europeu podem criar um mundo totalmente diverso daquele em que estamos a raciocinar agora.
E, depois, que se passará em Espanha, sem a Europa? Parece claro que a unidade espanhola se baseou na relação com a Europa, numa relação de interesse, que deixa de existir sem ela. À Europa sucederá, com certeza, o borbulhar nacionalista e a deriva fracturante, que colocará em causa uniões políticas artificiais que, em nome da solidariedade, travam a riqueza de alguns. Ao projecto europeu sucederá o egoísmo e a vaidade dos europeus.

A deriva securitária
Se ao colapso da Europa política, juntarmos a deriva securitária que invade a Europa com medo do terrorismo, percebemos que nada disto faz sentido, que os protagonistas estão errados, que as estratégias não são estas e que os caminhos estão por determinar.
Que sentido faz falar do TGV ou da Ota sem fundos comunitários? Que sentido faz falar de segurança, quando o Estado já não tem autoridade, como ainda ontem vimos, nas galerias do Parlamento, com o presidente Jaime Gama impotente perante o protesto de dezenas de polícias, que ocuparam as galerias?
Que caminho seguir, quando a guerra ao terrorismo desenvolve uma deriva securitária descontrolada e que ofende os direitos humanos, em vez dos políticos terem a coragem de perceber que estamos, de facto, numa guerra global e que, por isso, não devem ser as leis ordinárias que devem mudar, mas deve, extraordinariamente, optar-se pelo “Estado de Emergência”, devendo, depois, os políticos e os Governos serem julgados em eleições.
Estamos a destruir o Estado Social, em nome da competitividade das empresas. Estamos a destruir o Estado de Direito, em nome da segurança dos cidadãos. Finalmente, tudo foi, apenas, um equívoco: o ciclo está no fim e os remendos já não servem à manta. Pior: os europeus não querem nada disto. E, isso pode significar outras guerras.

O novo perfil tecnológico da guerra
A questão é que dentro de três ou quatro meses, portanto, ainda antes das presidenciais, todo o panorama político da Europa se pode alterar: o colapso da Europa, diante de uma Alemanha novamente culpada, mas também a mudança do perfil tecnológico da guerra. Subitamente, as balas deixaram de fazer sentido.
Para combater o terrorismo urbano as polícias e o Estado não podem colocar em risco a vida dos cidadãos, como aconteceu com o trágico erro de Londres, que tirou a vida ao electricista brasileiro.
A história da humanidade é também a história das guerras e da superioridade tecnológica. A América ganha, porque está vinte ou trinta anos à nossa frente em matéria de tecnologia militar. Mas, depois, há a questão da adequação. É tão patético combater o terrorismo com metralhadoras nas nossas cidades – porque esta guerra é dentro das nossas fronteiras, é uma guerra civil global -, como era estranho ver os polacos, na II Guerra Mundial, a combaterem os Punzers de Hitler com cargas de cavalaria e espada.

As democracias estão a ofender a vida
As democracias estão a colocar em perigo a vida dos cidadãos e os direitos humanos. Os terroristas agradecem que o Estado alargue o pânico por inadequação tecnológica. O que assistimos, agora, e nos próximos meses, é a uma mudança tecnológica na guerra: vamos entrar na era da imobilização, com recursos a tecnologias de combate à guerrilha urbana e aos suicidas-bomba, com base na electricidade, no lazer, etc.
Estamos em vésperas de, em larga escala, assistirmos à guerra química e bacteriológica. O carbúnculo – peste negra – detectado, este ano, pela OMS, em zonas remotas na Guiné-Bissau, prova que a Al-Qaeda está a fazer experiências em zonas de África que fogem ao controlo do Estado moderno.

Isolacionismo cavaquista,
ou intervencionismo soarista?
Subitamente, os temas da campanha podem ser outros e Soares e Cavaco, não sendo seguramente homens para os enfrentar, acabam por representar as duas linhas históricas, do discurso nacional, face aos desafios europeus: Soares representará a linha intervencionista de Afonso Costa, moderno, actual, interveniente no debate e na luta europeia; Cavaco Silva representará a prudência do neutro, que fica de fora diante do conflito, à espera que a crise passe.
Na primeira linha, a intervencionista, a do pelotão da frente do conflito do Ocidente, arriscamos tudo agora, para participar do saque que se segue. Foi o que fizemos na I Guerra Mundial e, para além dos mortos, descobrimos, depois, que não havia nada para repartir, ou se havia, eram mesmo as nossas colónias, cobiçadas pelos outros.
Na segunda linha, a opção isolacionista, “entre as civilizações”, coloca-nos para lá da história, como parêntesis da história, a empobrecer alegremente, seguros, livres e absolutamente pobres, sem sentido, que não seja o do nosso triste quotidiano, o nosso fado, de quem quer morrer de velho, para dizer simplesmente que existiu.
E, estou em crer que esta segunda linha ganhará o voto maioritário dos portugueses. Falta saber é se estes homens, estes candidatos a candidatos presidenciais, estão talhados para os desígnios da história que se segue…