2025/07/02

A galera de Scolari por Paulo Gaião

Se Portugal tivesse sido campeão ficava por explicar como é que éramos os primeiros no futebol mas os últimos nos indicadores económicos, “sul-americanizando” ainda mais o País

Ganhar o Mundial era uma oportunidade única. Atiravam-se os Magriços para o baú da história e mostravam-se patamares de excelência no futebol, como já se mostraram na literatura com José Saramago e na neurologia com António Damásio, que eram capazes de deixar muita gente com dor de cotovelo. Talvez a mais atingida fosse a classe política portuguesa. Se Portugal tivesse sido campeão mundial, juntando-se a potências europeias como a Itália, a Alemanha, a França e a Inglaterra, talvez ficasse por explicar como é que éramos tão bons no futebol e tão pobrezinhos no campo económico, o que seria uma interrogacão certamente incómoda para os políticos que nos gerem há mais de trinta anos. Já se percebeu que tanto Sócrates como Cavaco não são fanáticos do futebol mas alguma falta de emotividade de ambos face à presença de Portugal na fase final do Mundial, pode ter a ver, aliás, com um sentimento que o Presidente da República traduziu bem há quinze dias: há mais vida para além do futebol… o povo tem de acreditar nos seus políticos e relevar o futebol.
Como perdemos com a França, tudo acabou por ficar no seu lugar. Com uns a estarem bem para os outros. A questão passa agora por saber se a equipa iguala os Magriços ou fica abaixo deles. O que não é muito animador. Aliás, em caso de empate no terceiro lugar com os Magriços, ganha a equipa de 1966. Não é uma questão de goal-average mas de quem ganha hoje milhões, comparativamente a quem recebia uns tostões para ajudar a pagar as prestações do apartamento.
O que correu mal no Mundial de 2006? Desde logo o que correu mal é o país ter embarcado antes de tempo na vertigem da renovação do contrato de Scolari, o que acentua o lado mais pindérico do país. O que correu mal foram as saudacões a uma equipa que em vez de ir à final vai disputar no sábado um jogo para cumprir calendário (e que bem podia transformar-se antes numa terapia de grupo luso-alemã subordinada ao tema “Por que falhámos?”). Eduardo Lourenço, que disse na quarta-feira que mesmo se perdéssemos já tínhamos ganho tudo, não é obrigado a perceber de futebol. Já o mesmo não se pode dizer de gente com responsabilidade, habituada a tratar o futebol por tu. Prestar homenagem aos heróis de Nuremberga ou Munique é confundir os jogadores, contribuindo para alimentar a saga da maldicão dos penalties (que foram mesmo penalties), o choradinho de que não fomos ao prolongamento, quando tivemos 50 minutos para marcar um golo à França e o habitual coro contra a arbitragem, que muitos jogadores fizeram no final da partida com a França. Um choradinho que até contagiou Scolari, parecendo acusar a América do Sul de não ter consciência de classe e abrir os olhos (numa alusão à prestacão do árbitro uruguaio). É uma forma sem dúvida imaginativa de Scolari, quase lembrando a teologia da libertacão aplicada ao futebol, para tentar branquear um jogo tarde cheio de falhas técnicas da responsabilidade de Filipão. Porque substituiu Costinha tão tarde? E por Nuno Valente e não por um cabeceador nato, já que a equipa continuou a bombear bolas para a pequena área francesa? Porque insistiu em Pauleta, se já tinha percebido nos últimos jogos que o jogador não estava bem? Porque substituiu Pauleta por Hélder Postiga, em vez de colocar em campo Nuno Gomes, um homem que joga mal no Benfica mas que tem dado grandes alegrias à massa associativa da seleccão? Porque deslocalizou Ronaldo para o eixo central se o jogador estava bem a lateralizar jogo pelo seu “corredor”? Portugal não tem pontas de lança mas Scolari deu-se ao luxo de prescindir dos poucos que há, insistindo sempre em Pauleta. Em alguns momentos da partida com a França, perante bolas sucessivamente bombeadas pelos flancos, ficou a sensação que a meia-lua francesa era uma área fantasma, tal a ausência de cabeceadores ou de cabeçadas certeiras. O que parece provar que as opções de Scolari se revelaram erradas. Espantam os erros de Scolari? Talvez não. Afinal o que ganhou Scolari até hoje? No Mundial de 2002, é unânime que o torneio foi incaracterístico. Talvez o Brasil que ganhou na Coreia, não fosse muito diferente do Brasil que foi eliminado na Alemanha. No Euro 2004, Scolari não conseguiu vencer uma equipa grega acessível. Neste Mundial não conseguiu superar uma França também ao seu alcance. Que os mais entendidos possam ter a vontade e a coragem de fazer um visionamento integral do jogo com a Grécia de há dois anos e a partida com a França de quarta-feira para esmiuçar publicamente os erros técnicos cometidos por Scolari. De forma a questionar se outro treinador, com uma equipa portuguesa de ouro que vai demorar a repetir, não podia, de facto, já ser campeão europeu e correr hoje para a final do Mundial? O perigo a evitar agora é a lógica das galeras funcionar outra vez para o Europeu de 2008. Madaíl escolher a galera de Scolari e Scolari escolher a sua galera de jogadores.
Uma coisa é ser teimoso uma vez, duas vezes, três vezes e, no fim, passar por homem tenaz. Outra coisa é teimar sempre…. na sua turminha, na sua galera. Costinha, Maniche (o único do lote que provou o seu valor), Pauleta, Hélder Postiga e Paulo Ferreira, que fazem logo quase metade da equipa e tiram o lugar a outros jogadores que podem não ser da “turminha” mas que podiam ter jogado bem melhor do que os “fixos” de Scolari. Pauleta e Costinha foram os casos mais flagrantes. Já na fase final do Euro 2004 se tinha percebido que Pauleta estava em baixo de forma. Nos últimos dois anos, a sua carreira no Paris Saint-Germain também não foi feliz. Por sua vez, a envergadura do “investimento” que foi feito em Costinha, com treinos a sós dados pelo próprio Scolari no Restelo, tinha de ter, obrigatoriamente, um “retorno” milionário. Que não aconteceu.
Inebriado com as vitórias sucessivas, Scolari quis tudo: jogar com a sua “galera”, não jogar “bonito”, fazer os “intelectuais” engolirem o que disseram e, no fim, erguer a Taça. Era demais.

A segunda derrota de Le Penpor Manuel dos Santos

É no actual vazio legislativo e na contradição das opções políticas que podem crescer os movimentos, a que líderes como Le Pen dão corpo e visibilidade

Com o aproximar das eleições presidenciais em França, o líder da extrema-direita repete e reproduz os tiques e os comportamentos que lhe deram um inesperado protagonismo nas eleições de 2000.
Defensor das concepções políticas e sociais mais conservadoras e cruzando, quase sempre, as causas e as vias de um fascismo delirante e perigoso, Le Pen aposta no conflito social como arma para atingir estes objectivos.
Não olha a meios nem respeita quaisquer limites.
Existe, infelizmente, actualmente em França (e noutros países da Europa) um terreno fértil para o relativo sucesso destas ideias, o que se justifica pela grave crise social e de identidade europeia que este país atravessa.
O terrorismo urbano, a agitação social, os movimentos juvenis e a contestação generalizada recentes são, como é reconhecido por quase todos, sintomas claros deste mal-estar.
Neste contexto, as actuais políticas de imigração e as dificuldades delas decorrentes, para a integração dos imigrantes constituem um bom palco para o patrocínio das ideologias do terror.
O líder da extrema-direita Le Pen identificou esta janela de oportunidade e não se tem cansado de a explorar até à exaustão.
Tal como o fizera em 1998, também agora a selecção francesa, que disputa o campeonato mundial de futebol, foi objecto das suas negativas apreciações.
Para Le Pen os franceses não se identificam com a sua selecção porque ela é composta por uma maioria de jogadores que, embora nascidos em território francês, pertencem a uma segunda geração de imigrantes.
A resposta tem sido dada no campo desportivo através da sensacional campanha que a equipa francesa, supostamente recheada de “estrangeiros”, vem fazendo na competição.
Tudo aponta, portanto, para que Le Pen venha a somar nesta área uma nova e contundente derrota política.
A questão da imigração é, contudo, uma questão que ultrapassa o folclore ou os interesses dos líderes da extrema-direita.
No actual estado de desenvolvimento económico, a Europa precisa de uma política integrada de imigração, sendo indispensável que essa política constitua um factor de inclusão dos “novos europeus” nas sociedades de acolhimento e anule qualquer hipótese de marginalização social propiciadora de conflitos e perturbações.
Este é, no entanto, um domínio da exclusiva competência do Conselho Europeu, ou seja, dos Estados-membros, embora seja possível, ao abrigo das disposições do Tratado de Nice e através da utilização da chamada cláusula “passerelle”, passar a matéria para o processo de co-decisão, conferindo poderes acrescidos à Comissão e, sobretudo, ao Parlamento Europeu.
O que está em causa é, verdadeiramente, a definição de uma política integral de imigração, para o conjunto da União, que permita, por um lado, garantir mercados estáveis no seu território e contribua, por outro lado, para amortecer as fortes pressões de imigração clandestina que se verificam nas fronteiras exteriores da União.
Neste, como em outros domínios, só é preciso que exista vontade política dos líderes europeus para atacarem, de raiz, o problema.
A delicadeza desta matéria e a sua particular sensibilidade junto dos cidadãos europeus, para lá das questões da segurança interna da União que lhe estão associadas, torna esta questão muito premente.
Em clima de dificuldade, os cidadãos têm a tendência para sobrevalorizarem os aspectos negativos e não evidenciam, por isso, uma grande preocupação com os movimentos correctores de médio e longo prazo.
Por isso é também necessário que se conheça o que é que o Conselho Europeu pode fazer, desde já, para levar os cidadãos a participarem activamente nas decisões que permitam converter a actual pressão imigratória ilegal em movimentos de pessoas legais e enquadrados e, sobretudo, em aceitarem a necessidade de imigrantes.
É no actual vazio legislativo e na contradição das opções políticas que podem crescer os movimentos, a que líderes como Le Pen dão corpo e visibilidade.|

O plano Gates: um país estrangeiradopor Paulo Gaião

Portugal parece uma América dos pequeninos, onde
o inglês é dominante, Bill Gates é imperador e o céu
é o limite, como disse Sócrates, lembrando o filme “Top Gun”

A “carreirinha” dos ministros a colocarem a assinatura em série nos protocolos com Bill Gates arrisca-se a ficar na história do país como o acto mais pindérico desde o 25 de Abril. George Orwell era capaz de fazer um livro magnífico com a imagem risívelde vários ministros portugueses a assinarem em série um contrato com Bill Gates. E Charlie Chaplin talvez fizesse um “remake” do seu “Mundo Moderno”.
Por detrás de muitas medidas bem-vindas de Sócrates, começam a descobrir-se coisas muito pouco agradáveis. Como se tivesse que haver um preço a pagar por estarmos a ser razoavelmente bem governados.
A coberto da crise, o país está a vender a sua dignidade. Há dois meses, já tinha parecido estranho, a forma subalterna como Manuel Pinho andou em bolandas com a AutoEuropa e pareceu um auxiliar do dono da ENI. Há três meses também houve qualquer coisa de estranho no ar quando a apresentação do projecto da Ota, uma obra de Estado, de grande envergadura foi sustentado por dois funcionários bancários. Hoje, foi a “carreirinha” dos ministros a colocarem a assinatura em “série” nos protocolos com Bill Gates.
Jorge Sampaio, com o seu habitual conformismo, também embalou nas homenagens a Bill Gates, deixando o Estado ainda mais ajoelhado ao dono da Microsoft. Até se desconfia que o Presidente da República pode ter segredado a Bill Gates que estava a ter direito ao seu minuto de fama… com o homem mais rico do mundo. O que se passa com estes socialistas que, ano após ano, governo após governo, não perdem o fascínio pelo dinheiro? Caindo em situações tristíssimas. Abdicando, de mão beijada, da soberania portuguesa. Bill Gates vai formar as polícias e o até o sector de informações, o que pode colidir com os interesses estratégicos do país.
Há qualquer coisa de anormal na obessão de Sócrates com o plano tecnológico. Sem se interrogar, sequer, se ao fim de trinta anos de revolução informática em curso, um novo paradigma tecnológico não está prestes a surgir. Sem avaliar as reais necessidades do país, não ao nível da cibernáutica e do instrumento que ela representa, mas ao nível do que realmente interessa, o fundo da questão, o conhecimento, humanístico e científico aplicados, seja por que via for. Na verdade, de que serve dominar um computador, se ele depois não é aproveitado na valorização do saber das pessoas? Sem questionar, ainda, que meio Portugal já fez cursos de informática há vinte anos, quando o país utilizou os fundos da CEE e nem por isso Portugal saiu da crise e os portugueses deram um salto qualitativo. Que ilusão e panaceia são estas do plano tecnológico? Quem é que Sócrates quer enganar? Sem questionar, também, as razões porque, seis anos depois, a Agenda de Lisboa – que aceitou o repto de colocar a Europa na vanguarda mundial do e-governement – não foi ainda desenvolvida. Porque será que o entusiasmo com a era da informação é mais de Portugal do que dos outros? E porque será que tanto Sócrates como António Guterres têm esta fixação com os computadores?
Mário Soares dizia há um mês que Sócrates era o anti-Guterres. Pode ser. Mas numa coisa, Sócrates é parecido com Guterres: ambos adoram Bill Gates. Curiosamente, as três vezes que o dono da Microsoft esteve em Portugal, foi sempre debaixo da protecção socialista. Porque será?
Por outro lado, nada se sabe do conteúdo dos contratos assinados com Bill Gates, dos encargos e contrapartidas para ambas as partes, o que traduz uma falta de transparência que começa a ser regra neste governo socialista. Sobre o aeroporto da Ota também tardou a serem conhecidos os estudos. E quando o foram, revelaram-se frágeis e insuficientes, ao ponto de Sócrates dizer quem quem tivesse estudos contra a localização escolhida para a Ota que os apresentasse.
Para além do plano tecnológico e de Bill Gates, também há qualquer coisa de profundamente anormal com a obsessão de Sócrates com o ensino do inglês nas escolas básicas. À semelhança do campo informático, não se questiona a importância na aprendizagem da língua mais falada do mundo. O que se questiona é a forma como Sócrates acredita, quase com fé religiosa, que o inglês é o futuro. A exemplo da informática, estamos perante um simples instrumento. Por outro lado, quem garante a Sócrates que não é o chinês a língua do futuro? Ou o espanhol? Esta semana, perante uma criança irrepreensível no inglês, Sócrates anunciou-lhe do seu oráculo que aquele conhecimebto se ia revelar fundamental para toda a sua vida. Estamos a exagerar? Vejam-se as imagens.
Em conclusão, Portugal parece uma América dos pequeninos, onde o inglês é dominante, Bill Gates é imperador e o céu é o limite, como disse Sócrates, lembrando o filme “Top Gun”.
Julgava-se que José Sócrates era um homem de mentalidade pouco portuguesa, um moderno cidadão do mundo tecnológico, sem traumas e fantasmas do passado. Ora, com o plano Gates, Sócrates denuncia-se.
O primeiro-ministro é, afinal, um homem com marcas profundas. Que alia a vanguarda tecnológica às raízes profundas do provincianismo e messianismo lusitano.
Não podia haver homem melhor escolhido do que Bill Gates para cumprir o papel do Eleito. Não vem envolto em nevoeiro mas em bites. A diferença é que no reino da Microsoft, não há quimeras, há software que vale cifrões.
Por outro lado, Sócrates tem outra marca muito portuguesa, que caracterizou várias camadas de elites iluminadas: o pensamento de que o que é estrangeiro é bom. Que abriu a porta do país, em várias épocas, a destacados estrangeiros. Especialmente, no século XVIII e XIX, ao nível do exército, um sector então na crista da onda (tal como hoje a tecnologia informática), que se acreditava não poder ser devidamente reorganizado por portugueses. Com prejuízo evidente para a dignidade do Estado e independência nacional, contrataram-se, então, sumidades militares tanto em França, como na Inglaterra e Alemanha. Como hoje com Bill Gates.

O síndrome do PRD. Manuel Alegre está a seguir a passos largos o caminho do extinto PRD do general Eanes. Está enebriado com os votos e até já tem o caso de um estranho atestado médico em que parece que quem decide se está doente ou não é Manuel Alegre. Para a Assembleia da República e para a Comissão Nacional do PS, o atestado funciona. Para o jantar da Trindade, o atestado não se aplica e até dá direito a copo de whisky. Foi exactamente por coisas deste género que o PRD se afundou e a sua base de apoio regressou ao seu local de origem.|

Aprender a ser pobrespor Rui Teixeira Santos

Depois do Verão, quando os portugueses regressarem de férias, vão ter que aprender a ser pobres de novo. O País verdadeiramente nunca o deixou de o ser. Mas, com o endividamento e os fundos comunitários, fomos construindo a ilusão de que éramos ricos.

Depois do Verão, quando os portugueses regressarem de férias, vão ter que aprender a ser pobres de novo. O País verdadeiramente nunca o deixou de o ser. Mas, com o endividamento e os fundos comunitários, fomos construindo a ilusão de que éramos ricos.
Toda a margem foi esgotada. E, a notícia seguinte é que não só o País está a perder potencial económico, como, ainda, não conseguimos crescer sequer ao nível desse potencial.

Depressão vai durar pelo menos até 2009

E, pior, até pelo menos 2009, o País vai crescer abaixo de um por cento, o que significa que não conseguirá repor o stock de emprego (só a partir de crescimentos acima do crescimento potencial – a União Europeia prevê que o nosso crescimento potencial de Portugal seja de 1,4% em 2005 – é que se consegue começar a criar emprego).
Este ano não é o pior. Ao contrário do que foi dito pelo Governo e inscrito no Programa de Estabilidade e Crescimento, o País está em recessão, e vai continuar no próximo semestre. E, no próximo ano, a crise vai agravar-se.
Portugal já não consegue sequer responder aos estímulos externos. Embora a Espanha esteja a crescer acima dos 3,4%, mesmo acima das melhores expectativas, em Portugal divergimos e nada ganhamos com isso. A solução não é, portanto, exportar mais. Já não conseguimos sequer isso.
Ao défice do Orçamento do Estado, juntamos, agora, o défice comercial – da balança de pagamentos. Este, segundo o INE, aumentou, no primeiro semestre, 35%. As exportações ficaram aquém do previsto. Já nem a AutoEuropa ou o vinho do Porto conseguem manter as suas vendas. Os automóveis caem 10% nas exportações e, nos mercados fora da Europa, por causa do euro valorizado, estamos a perder vendas do vinho do Porto.

Falta dinheiro

Em momento de crise e de medo, encharca-se a economia de dinheiro. Foi isso que aprendemos com a crise de 1929. Porém, aqui fazemos exactamente o contrário. Pelo simples facto que Portugal não tem autonomia monetária e não tem poupança.
Sem dinheiro para investir, restaria o investimento estrangeiro. Porém, esse há muito que já escolheu o que queria comprar: energia, turismo e imobiliário.
Do lado português, nada. Os empresários não têm capital. Os bancos tornaram-se mais restritivos no crédito. As grandes empresas já não reagem e pouco investem; o Estado não investe e, quando o faz, não paga.
O risco de Portugal é o maior dos países da União Europeia. O Estado português é aquele que paga pior e mais tarde. Chega a uma média de atrasos de pagamentos de 89,2 dias e, no caso da Saúde, vai mesmo a oito meses, segundo um relatório da Intrum Justitia.
Mas, o que é dramático é que os investimentos anunciados não se fazem: estamos a criar uma polémica inacreditável à volta do TGV e da Ota. Mas ainda não foi gasto este ano um tostão em nada.
O problema urgente é outro: qualquer casa de risco mostra que 95% das PME portuguesas estão falidas. Ora, são elas que dão emprego, o que augura o pior.
Como se isso não bastasse, vemos os nossos activos a desaparecerem com 100 mil hectares de floresta a arder.
Com fundos comunitários ficamos sem agricultura e sem pescas. Agora, há muito gado no Alentejo: é, apenas, por causa do subsídio! – Não tem rigorosamente impacto algum, nem no crescimento, nem no emprego.

A ideologia económica

A América exportou, depois da guerra, para a Europa, a ideologia neoliberal, que um conjunto de europeus pouco inteligentes leu e proclama com a convicção com que um “mullah” recita os versículos sagrados do Corão.
Ora, é essa gente que é responsável pelo que se passa actualmente em Portugal e na Europa: mesmo quando se constata que está tudo errado, que os resultados são estes, o máximo que lhes ouvimos é que o modelo está certo , a realidade é que não.
E, contudo, aqui ao lado, temos exactamente a experiência de que o modelo está errado. A Espanha descolou a Europa. Concentra, em rede, o apoio às suas PME, ao contrário de Portugal, que as persegue e as destrói. Tem nas Caixas de Crédito o instrumento privilegiado do controlo político e nacional dos sectores económicos, que considera estratégicos. Tem um Governo que não gasta o que não tem, nem espera pelo crescimento económico e o aumento dos impostos para equilibrar o Orçamento do Estado.

Voltar ao real

O País tem um duplo défice (público e comercial) que obriga os portugueses a cair na realidade.
Já todos percebemos que nestas situações as assimetrias aumentam. Mas, sobretudo, pelo efeito de Laffer, a economia paralela está a aumentar exponencialmente. E não é necessariamente droga ou armas ou prostituição. Não!
É contrafacção de têxteis, é falsificação de marcas, é construção civil sem IVA e com matérias-primas compradas em Espanha e, finalmente, é muita, muita corrupção.
Melhor dito: mais que corrupção, mais que subfacturação nas compras dos privados ou mais que o pagamento a funcionários e intermediários, a expectativa está a criar novos devedores, que já estão a gastar por conta do que ainda não receberam, até porque o investimento publico tem sido muito limitado.
E, não vale a pena vir a magistratura, agora, com julgamentos mediáticos de casos exemplares, pois ela já não tem credibilidade alguma.
Ninguém acredita numa acusação do Ministério Público; as investigações policiais estão também desacreditadas, para não falar já na politização dos juízes, que, nesta fase, deveriam ser discretos e não se envolver em ameaças corporativas de greve, o que, mesmo com razões fundadas do lado dos juízes, apenas torna a insegurança mais generalizada na sociedade. A ideia de que “em casa sem pão, todos ralham, e ninguém tem razão”, só agravaria o estado de espírito do país real.

O país real foi de férias

Este, o país real, ainda foi de férias. No seu regresso terá que se confrontar com a realidade dos colégios dos filhos e dos livros para o ano lectivo. Com o supermercado e o fim das promoções. Com as prestações que ficaram por pagar desde Junho. Mas, sobretudo, se não forem um dos 700 mil funcionários públicos, ou dos quase três milhões de pensionistas (a maioria dos quais não contributivos, que o Estado paga, por generosidade e obra de Governos sucessivos, desde 1991), com o problema da falta de liquidez das empresas e dos salários em atraso.
Os portugueses vão ter um choque ao regressarem de férias. Subitamente, o País não é o mesmo. A conversa do optimismo, constatar-se-á, não resultou. A economia não é feita de boa vontade. É, sobretudo, de expectativas e de capital. Aquelas implicam credibilidade. Este, poupança e capacidade de iniciativa.
É claro que nenhum governante quer o pior. Todos agem na convicção que estão a fazer o melhor para o País. Mas, isso não chega.
Para além do trabalho, para além da competência, para além da vontade, são necessárias condições objectivas. E, essas são as de um País que tem andado a viver muito acima das suas possibilidades e que está a pagar, agora, a factura.
O problema é que os empresários desanimaram, que os bancos não entenderam o seu papel na economia e, sobretudo, que o país foi na tonta conversa de exportação da liberdade e da defesa do consumidor.
Destruímos o que tínhamos, não construímos nada de novo. Resta-nos a liquidez que realizamos ao vender as jóias da família. Foi o que já fizeram alguns empresários e farão outros que se lhes seguirão.
Basta ir a Espanha para saber o preço desta liberdade. A gasolina é 21 cêntimos, por litro, mais barata, o IVA é menos 5%, os materiais de construção são, em média, quinze por cento abaixo dos preços nacionais e os salários são, pelo menos, 20% acima dos portugueses.

A Espanha diverge da Europa

Portugal definha, a Europa estagna e a Espanha cresce.
Portugal definha porque a Espanha nos fica com a riqueza, quando lhe compramos o que comemos e o que vestimos. E, depois, acabamos a pagar as dívidas, dando-lhes o capital das nossas melhores empresas. Até a água do Alqueva irá para Espanha e não ficará em Portugal.
A Europa estagna, porque o Banco Central Europeu é incompetente e a Europa política acabou. Em suma, por causa da Alemanha.
A Espanha cresce, porque tem uma estratégia imperial e se apoia, desde há muito, na sua língua e na sua cultura, saltando por cima da desagregação política inevitável, que a recessão lhe traria. É a receita de Carlos V. Hoje, o capitalismo é um instrumento para ao crescimento, mas não é o único – é o lema do sucesso espanhol.

Que venham os espanhóis

Do nosso lado, o nacionalismo está amenizado. Quando falta comida, a política, a liberdade, a independência é posta de lado. Chama-se realismo político.
Foi com esse argumento que as elites aclamaram Filipe de Espanha rei de Portugal em 1580. Na altura, eram os preços dos cereais que impressionavam os portugueses.
Não falta, nem mesmo em Espanha, quem diga, hoje, que Portugal é a autonomia mais barata de Espanha. Eles mandam aqui e não têm que pagar a factura, como acontece com na Catalunha, na Andaluzia, no País Basco ou na Galiza. Pelo simples facto que eles compraram o País e não tiveram que nos dar lugares no Parlamento. Pelo simples facto que o governo de Madrid não perde votos com o descontentamento dos portugueses, ao contrário do que acontece com as autonomias de Espanha.
Enfim, do que se trata é que Portugal, sem fundos comunitários, sem solução ultramarina, sem ouro do Brasil, é inviável.
Aparecemos como uma necessidade da reconquista cristã. Mas, nascemos, como nação, em 1383-85, por impulso inglês, exactamente quando a Inglaterra estava a perder a guerra dos 100 anos. Acabamos por definhar quando os ingleses caíram também e o nosso império marítimo se esgotou, às mãos dos holandeses. Chegou mesmo a carreira da Índia a estar impedida por dois anos.

Salve-se quem puder

Rapidamente percebemos o pesadelo: os nossos barcos desapareceram com a aventura da Armada Invencível e quando os espanhóis perceberam que não tiravam nada daqui alimentaram de tal maneira os impostos, que os mesmos que defenderam a integração, acabaram por aceitar a independência. Mais uma vez são os ingleses que estão por detrás desse proeza.
Agora, como então, não vale a pena ter ilusões com Espanha. Acabaremos sempre por ser joguete entre o choque destes dois impérios com vocação mundial, exactamente como nos últimos novecentos anos: entre os anglo-saxões e os espanhóis.
O mundo mudou. O controlo nos “chips” limitarão a privacidade. As matrículas electrónicas consagrarão o princípio do utilizador-pagador de impostos. O terrorismo transformará o “big brother” em algo de aceitável. Se a Europa falhar não temos tábua de salvação sozinhos e já não vamos a tempo da cooperação com o Brasil e com África. A Espanha quer isto – sempre quis! – e pode estar disponível para pagar o preço.
O Mundo e a tecnologia estão a mudar. O nosso mundo muda também. Mas, não tenhamos ilusões. Sem crescimento económico não haverá nem tecnologia, nem dignidade, nem sequer independência nacional. Salve-se quem puder.

Não esquecer o debate europeu…por G. d’Oliveira Martins

Hoje, depois do fim da guerra fria, sabemos
que os riscos de um novo desastre universal,
mais ou menos extenso, existem.

Sessenta anos depois de Hiroshima, a memória do último século não deve ser esquecida. A última grande guerra não aconteceu por acaso. Deveu-se ao acumular de muitos erros e à incompreensão de que qualquer ordem internacional nunca está adquirida e fechada. Há cem anos, apesar das nuvens negras que se acastelavam no horizonte, havia uma grande inconsciência geral. Muitos entendiam que bastaria uma ordem jurídica formal, qualquer que fosse, para evitar os conflitos globais e generalizados. Afinal, todos se esqueciam da primeira página do livro de Kant sobre a Paz Perpétua, em que o filósofo de Königsberg começa por invocar um estalajadeiro em cuja fachada da hospedaria estava pintado um cemitério com uma legenda significativa: “À Paz Perpétua”. Era, afinal, contra a paz dos cemitérios que o pensador se batia.
A longa guerra do século XX desmentiu todos os optimismos simplistas pelo mais tremendo dos holocaustos e pela destruição de uma parte importante do mundo civilizado. Digladiaram-se os impérios, destruindo-se mutuamente. Da nova ordem emergiu um mundo bipolar baseado no equilíbrio do terror nuclear. A sombra de 8 de Agosto de 1945 esteve presente na memória do mundo durante várias décadas. E a lembrança do horror funcionou como um dissuasor contra novas loucuras. Ficámo-nos pelas tentativas limitadas. Ninguém queria experimentar os efeitos devastadores de um ataque nuclear. Os melhores historiadores têm, por isso, tido o cuidado de evitar conclusões precipitadas sobre o fim da guerra na Ásia e no Pacífico, que prometia durar com um custo imprevisível de novas mortes e devastações… Hoje, depois do fim da guerra fria, sabemos que os riscos de um novo desastre universal, mais ou menos extenso, existem. A dissuasão tornou-se menos evidente pela proliferação de zonas de fractura ou de conflito, num mundo de polaridades difusas. As novas formas de terrorismo somaram-se à tentação de novos imperialismos.
Voltámos a um tempo em que a conflitualidade mundial regressou intensa e imprevisível, por força de novos factores. O “choque das civilizações” pode ser um pretexto, o “terrorismo religioso” serve para acumular desconfianças e provocações, mas a pobreza do terceiro mundo, as desigualdades podem tornar-se um detonador para novos arranjos políticos e novas ambições imperiais. E o neoconservadorismo norte-americano, enfraquecido e cada vez mais céptico, pode estar demasiado entretido com os efeitos da intervenção no Iraque e com o beco sem saída aí gerado, esquecendo-se de que a economia asiática alberga um detonador imprevisível, a que tem de ser dada a maior das atenções, sobretudo se persistir a desatenção relativamente ao fosso que se alarga entre pobres e ricos, designadamente em África, e se continuar a ilusão de que o unilateralismo é melhor do que o multilateralismo.
Em vez do “fim da história”, que Hegel situou em 1805, Kojève em 1945 e Fukuyama em 1989, o que se desenha é a repetição do que sucedeu na sequência dos dois primeiros momentos, ou seja, o avolumar de novas tensões de índole social induzidas pela liberdade política. No entanto, a globalização que vivemos terá de ser cada vez mais económica e “social”. As fronteiras abertas, o livre comércio, irão permitir a comparação de padrões económicos e exigir medidas no sentido de um comércio mais justo, que impeça a instauração de uma lei da selva e a concorrência desenfreada que põe cidadãos contra cidadãos, sociedades contra sociedades e que suscita a destruição a prazo de instrumentos de regulação. Os textos de Amartya Sen têm de ser estudados e lembrados, pois ensinam que só o Estado de bem-estar e o desenvolvimento equilibrado e sustentável podem tornar-se factores duradouros de paz, como também afirmou Paulo VI, de um modo profético. E se falo de paz, falo de sobrevivência da humanidade, o que obriga a olhar com cada vez maior atenção a componente ambiental e ecológica, que, a ser vista com seriedade, pode também tornar-se um limite para a competição sem regras humanas nem a compreensão de que a lei da selva e a incompreensão de que há só uma terra e de que os recursos são finitos levará ao suicídio da humanidade… Eis por que razão a liberdade política, económica, social e cultural tem de ser completada com mais coesão e mais justiça distributiva. Este é o cerne dos problemas contemporâneos.
Estão, pois, enganados aqueles que pensam que a justiça distributiva se alcança com a promessa de tudo, para todos, ao mesmo tempo. Antes, pelo contrário. Se não tomarmos consciência (nos planos nacional e supranacional) dos problemas do desenvolvimento, da finitude dos recursos e da necessidade de antecipar a crise da cobertura dos riscos sociais e de usar a diferenciação positiva para responder às reais carências da sociedade das pessoas chegaremos ao agravamento do egoísmo das sociedade mais ricas e à criação de uma situação mundial ingerível. Os ensinamentos de John Rawls, sobre a justiça como equidade, devem ultrapassar as fronteiras dos Estados nações e o magistério de Michael Walzer, sobre a justiça complexa, deve aplicar-se ao conceito de cidadania universalista.
Cinquenta anos depois de Hiroshima, temos de invocar a memória dos mortos, sobretudo dos inocentes, e a lembrança dos que puderam ser poupados à continuação de uma barbárie sangrenta. Temos de prevenir a repetição desse drama, o que só se conseguirá percebendo a imperfeição da sociedade humana e da democracia e a exigência de políticas de desenvolvimento, de coesão e de aposta nas pessoas e na sua formação. Numa palavra, a cidadania, como respeito por todos e como luta pela dignidade da pessoa humana obriga a lembrar. E temos de perceber que, em vez de uma Europa burocrática e egoísta, precisamos de uma Europa política e de paz e uma Europa social e económica – numa ordem internacional que privilegie a paz e o desenvolvimento