Se o tema das presidenciais for o da contabilidade pública, o professor Cavaco Silva será o vencedor antecipado e a derrota de Mário Soares será humilhante para o Partido Socialista, podendo colocar em causa a orientação política da actual maioria governamental.
Se o tema das presidenciais for o da contabilidade pública, o professor Cavaco Silva será o vencedor antecipado e a derrota de Mário Soares será humilhante para o Partido Socialista, podendo colocar em causa a orientação política da actual maioria governamental.
Por isso, o dr. Mário Soares, que habilmente, e para já, se conseguiu impor ao PS e a José Sócrates, como candidato presidencial da esquerda, já começou a lançar para o debate outros temas: nomeadamente, o da deriva securitária na Europa e o do terrorismo.
Diante dessa estratégia, à qual Mário Soares juntará ainda o tema da globalização e o da guerra no Médio Oriente, Cavaco Silva remete-se ao silêncio. A seu tempo responderá a Soares que o debate entre os dois está feito. Tem mais de 20 anos. Seria, apenas, a desforra da história, protagonizada pelos maiores vultos desta Segunda República.
O colapso da Europa
Mas, à margem dos debates que animam a República, agora – a ver pelo manifesto dos economistas – mais concentrados nas virtualidades do investimento público, por via das opções de Mário Lino – o amigo de José Sócrates, que se pensa o novo Marquês de Pombal e que ainda não percebeu que o Marquês de hoje não pensa em termos de átomos (betão), mas em termos de genes ou bites (tecnologia e ciência) – o verdadeiro debate pode precipitar uma mudança substancial na predisposição do eleitorado.
Com a “performance” do novo partido de Oscar La Fontaine, que, contra o chanceler Schroeder, se opõe á destruição do Estado Social Europeu, a esquerda alemã poderá manter-se no poder, com a coligação entre o SPD, os verdes e a nova esquerda de La Fontaine. Seria trágico para a Europa e, sobretudo, para a Alemanha. Significaria que não haveria condições para haver um acordo de médio prazo para as finanças europeias.
E, sem Orçamento na União Europeia, sem PAC e sem cheque inglês, não haverá também União Económica e Monetária que resista. O Banco Central Europeu autónomo, autista e culpado da recessão, deixa de fazer sentido, numa Europa em que os cidadãos preferem o emprego e os direitos do Estado Social.
E, sem euro, também não faz sentido existir a Europa política. Mais uma vez os alemães vão enterrar o sonho de uma Europa harmoniosa.
A concorrência não é com a América
ou a China, é na Europa
Mas, não é só o colapso da Europa política. Será, finalmente, a consciência plena que o problema da concorrência não se coloca apenas diante dos EUA ou da China, como se colocou até agora. Porque a verdadeira concorrência, a verdadeira medida de competitividade das empresas é relativa às empresas dos países europeus. Portugal exporta 90 por cento para a Europa. A Espanha exporta sobretudo para a Europa. A Alemanha, a França, a Inglaterra ou a Itália também. A guerra comercial é entre nós. É cá dentro: por mercados, por produtos e tecnologias. O princípio que “o mercado interno criava crescimento económico” provou-se falso, porque a concorrência só é livre quando os agentes económicos estão em condições de igualdade. Pior, provou-se que, na conjuntura actual, o mercado interno colocou em causa Europa Social e os direitos adquiridos. Mais ainda, que a contabilidade financeira medida pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, era uma ficção que dizia respeito a mercados fechados, que na realidade não existem na Europa.
Falham os pressupostos teóricos da Europa
Ou seja, todos os pressupostos em que se baseava a união política, todos os argumentos em que se baseava a ideia da paz ficaram em causa. A suspensão da União Económica e Monetária, o fim dos fundos comunitários e a descrença dos alemães no projecto europeu podem criar um mundo totalmente diverso daquele em que estamos a raciocinar agora.
E, depois, que se passará em Espanha, sem a Europa? Parece claro que a unidade espanhola se baseou na relação com a Europa, numa relação de interesse, que deixa de existir sem ela. À Europa sucederá, com certeza, o borbulhar nacionalista e a deriva fracturante, que colocará em causa uniões políticas artificiais que, em nome da solidariedade, travam a riqueza de alguns. Ao projecto europeu sucederá o egoísmo e a vaidade dos europeus.
A deriva securitária
Se ao colapso da Europa política, juntarmos a deriva securitária que invade a Europa com medo do terrorismo, percebemos que nada disto faz sentido, que os protagonistas estão errados, que as estratégias não são estas e que os caminhos estão por determinar.
Que sentido faz falar do TGV ou da Ota sem fundos comunitários? Que sentido faz falar de segurança, quando o Estado já não tem autoridade, como ainda ontem vimos, nas galerias do Parlamento, com o presidente Jaime Gama impotente perante o protesto de dezenas de polícias, que ocuparam as galerias?
Que caminho seguir, quando a guerra ao terrorismo desenvolve uma deriva securitária descontrolada e que ofende os direitos humanos, em vez dos políticos terem a coragem de perceber que estamos, de facto, numa guerra global e que, por isso, não devem ser as leis ordinárias que devem mudar, mas deve, extraordinariamente, optar-se pelo “Estado de Emergência”, devendo, depois, os políticos e os Governos serem julgados em eleições.
Estamos a destruir o Estado Social, em nome da competitividade das empresas. Estamos a destruir o Estado de Direito, em nome da segurança dos cidadãos. Finalmente, tudo foi, apenas, um equívoco: o ciclo está no fim e os remendos já não servem à manta. Pior: os europeus não querem nada disto. E, isso pode significar outras guerras.
O novo perfil tecnológico da guerra
A questão é que dentro de três ou quatro meses, portanto, ainda antes das presidenciais, todo o panorama político da Europa se pode alterar: o colapso da Europa, diante de uma Alemanha novamente culpada, mas também a mudança do perfil tecnológico da guerra. Subitamente, as balas deixaram de fazer sentido.
Para combater o terrorismo urbano as polícias e o Estado não podem colocar em risco a vida dos cidadãos, como aconteceu com o trágico erro de Londres, que tirou a vida ao electricista brasileiro.
A história da humanidade é também a história das guerras e da superioridade tecnológica. A América ganha, porque está vinte ou trinta anos à nossa frente em matéria de tecnologia militar. Mas, depois, há a questão da adequação. É tão patético combater o terrorismo com metralhadoras nas nossas cidades – porque esta guerra é dentro das nossas fronteiras, é uma guerra civil global -, como era estranho ver os polacos, na II Guerra Mundial, a combaterem os Punzers de Hitler com cargas de cavalaria e espada.
As democracias estão a ofender a vida
As democracias estão a colocar em perigo a vida dos cidadãos e os direitos humanos. Os terroristas agradecem que o Estado alargue o pânico por inadequação tecnológica. O que assistimos, agora, e nos próximos meses, é a uma mudança tecnológica na guerra: vamos entrar na era da imobilização, com recursos a tecnologias de combate à guerrilha urbana e aos suicidas-bomba, com base na electricidade, no lazer, etc.
Estamos em vésperas de, em larga escala, assistirmos à guerra química e bacteriológica. O carbúnculo – peste negra – detectado, este ano, pela OMS, em zonas remotas na Guiné-Bissau, prova que a Al-Qaeda está a fazer experiências em zonas de África que fogem ao controlo do Estado moderno.
Isolacionismo cavaquista,
ou intervencionismo soarista?
Subitamente, os temas da campanha podem ser outros e Soares e Cavaco, não sendo seguramente homens para os enfrentar, acabam por representar as duas linhas históricas, do discurso nacional, face aos desafios europeus: Soares representará a linha intervencionista de Afonso Costa, moderno, actual, interveniente no debate e na luta europeia; Cavaco Silva representará a prudência do neutro, que fica de fora diante do conflito, à espera que a crise passe.
Na primeira linha, a intervencionista, a do pelotão da frente do conflito do Ocidente, arriscamos tudo agora, para participar do saque que se segue. Foi o que fizemos na I Guerra Mundial e, para além dos mortos, descobrimos, depois, que não havia nada para repartir, ou se havia, eram mesmo as nossas colónias, cobiçadas pelos outros.
Na segunda linha, a opção isolacionista, “entre as civilizações”, coloca-nos para lá da história, como parêntesis da história, a empobrecer alegremente, seguros, livres e absolutamente pobres, sem sentido, que não seja o do nosso triste quotidiano, o nosso fado, de quem quer morrer de velho, para dizer simplesmente que existiu.
E, estou em crer que esta segunda linha ganhará o voto maioritário dos portugueses. Falta saber é se estes homens, estes candidatos a candidatos presidenciais, estão talhados para os desígnios da história que se segue…