2025/07/01

Cavaco e as decisões dos reguladorespor Rui Teixeira Santos

O Presidente da República nunca pensou bem o Estado. É apenas um economista e não um cientista político ou mesmo um jurista. Mas as grandes polémicas dos últimos tempos exigem a clarificação das novas formas de intervenção do Estado na sociedade e na economia.

O Presidente da República nunca pensou bem o Estado. É apenas um economista e não um cientista político ou mesmo um jurista. Mas as grandes polémicas dos últimos tempos exigem a clarificação das novas formas de intervenção do Estado na sociedade e na economia. O Estado e a lei são pressupostos dos mercados e não o seu contrário. O primado da política é um princípio que os tecnocratas e a OCDE (leia-se pensamento estratégico americano para exclusivo consumo europeu, ou seja, que não é aplicado nos EUA) não gostam. Mas é da própria natureza do Estado/Polis, enquanto relação contratual de cidadãos, numa sociedade democrática.
A questão coloca-se nos três planos em que foi discutida esta semana: na empresarialização das estradas de Portugal, na eventual ulterior privatização de partes do capital, na decisão sobre o aeroporto da OTA com a consagração do parecer técnico na decisão final e com a relação entre os Governos e as autoridades da concorrência.
Não será necessário dar aqui uma lição de Direito Administrativo Económico, mas interessa firmar uma tendência: o estado moderno europeu é actualmente, mesmo depois das privatizações, muito mais intervencionista do que alguma vez foi. O direito administrativo económico ganha, aliás, nova relevância no Direito Público, desenvolvendo-se hoje a intervenção pública, menos através das empresas públicas ou das entidades empresariais públicas – embora elas continuem a ser decisivas para a realização de algumas funções do Estado – mas, sobretudo, através da actividade regulamentar – desde a CMVM até à Autoridade da Concorrência ou toda a espécie de entidades reguladoras e disciplinas regulamentares das actividades privadas onde a administração pública surge a controlar.
A obsessão do controlo e da intervenção não existe apenas quando o Estado detém o capital das empresas, como se fazia até aos anos oitenta, seguindo, aliás, o modelo recomendado para a Europa – nomeadamente na área das infra-estruturas – pela OCDE para a gestão dos fundos do Plano Marshall e, no caso português – para além dos programas de fomento salazaristas a partir de 1931 ou dos Planos de Fomento quinquenais, a partir de 1953 – com recurso, mesmo, às nacionalizações, nos anos setenta.
Os mesmos economistas que contaminaram as escolas europeias no pós-guerra e que acabaram por chegar ao poder a partir dos finais da década de setenta do século passado, rapidamente perceberam que o “Estado era mau gestor” e que acabava por deixar fora do perímetro do poder áreas sociais relevantes que gostariam de controlar.
Por outro lado, a pressão dos défices públicos forçava os Estados a privatizar, uma política que se revelou essencial para o alargamento das classes médias – capitalismo popular – mas também para se absorverem as enormes quantidades de fundos roubados na URSS, em colapso, ou originários do mercado negro, nomeadamente, da droga, ou ainda dos Fundos de Pensões dos “baby bommers”.
Embora a ideologia dominante, aliás bem assente nas novas doutrinas financeiras neo-liberais (Nozick), apontasse para a ideia do regresso ao Estado Mínimo e à critica aos modelos de apoio social aos empobrecidos pela preguiça ou imprudência, o certo é que a intervenção do Estado se tem vindo a alargar substancialmente. E onde? Exactamente na regulamentação mais apertada e no controlo mais sofisticado da actividade das empresas e das famílias. É aqui que se faz, agora, a fractura entre os organicistas, que querem reformar o Estado para o fazer crescer, e os personalistas que acreditam na iniciativa privada e no humanismo.

A moda das entidades reguladoras

O passo seguinte foi a moda, inaugurada nos anos noventa, das entidades reguladoras, que subtraíram competências aos governos, que apesar de tudo continuam constitucionalmente a ser administrativamente a entidade de recurso, mas que assim evitam o desgaste político da decisão.
Os governos, mesmo os de direita, acabaram por ser muito mais intervencionistas – apesar do aparente respeito pela propriedade privada. Com o advento da massificação ideológica televisiva e com o neo-populismo dominante, os políticos “light” não quiseram assumir a responsabilidade dos seus actos, sem perceberem sequer que com isto estavam a enfraquecer, já não apenas o seu poder, mas sobretudo a ideia que os cidadãos deles guardam.
O Estado tornou-se menos transparente, no sentido em que o escrutínio das decisões políticas passou a ser feito por entidades administrativas, sem verdadeiro controlo por parte dos cidadãos ou dos seus representantes. O défice democrático é patente numa Autoridade Reguladora da Comunicação Social, na Entidade Reguladora das Telecomunicações ou mesmo na Autoridade da Concorrência. Basicamente, eram as antigas Direcções Gerais que, agora, passaram a ser “Autoridades” de competência técnica, que tomam obviamente decisões politicas, em nome da sua alegada competência técnica. Só que, depois, a competência técnica não existe e, sem que haja bom senso nem controlo democrático, assistimos aos disparates da Autoridade da Concorrência ou aos tiques persecutórios económicos da ASAE – que, esta semana, até encerrou um Hipermercado.
Há quem diga que com os salários que se pagam, não é possível recrutar melhor que Abel Mateus ou António Nunes. Mas, o problema não é o facto destes homens não terem bom senso nem competência. O problema é o do modelo do Estado. O problema é político.
Quando, ontem, o Presidente da República aconselhou o Estado e as empresas a respeitarem as decisões das autoridades da concorrência, não alimentando políticas que venham a exigir a intervenção destes reguladores, estava basicamente a subverter o Estado e as relações de hierarquia no Estado. Não é uma autoridade administrativa que se sobrepõe à decisão politica do governo. O Presidente da República não pode dizer que o órgão central da administração se tem que subordinar ao órgão técnico-administrativo.
Ao falar durante a abertura da II Conferência de Lisboa sobre o Direito e a Economia da Concorrência, que decorreu no Centro Cultural de Belém, Cavaco Silva considerou que “é importante que os Governos não alimentem políticas que, mais tarde, venham a exigir intervenções por parte das autoridades da concorrência”, frisando que é também crucial que os Estados, tal como as empresas, respeitem as decisões das autoridades reguladoras”.
Nada disto. Acima das decisões das autoridades reguladoras está a ética, o bom senso, a lei e as decisões políticas dos governos. Só depois é que entram as decisões da Administração Reguladora do Estado, ou seja das entidades reguladoras. Elas – da CMVM à Autoridade da Concorrência, ou mesmo o Banco de Portugal – não são Órgãos de Soberania, mas estruturas administrativas do Estado.
O problema de Cavaco Silva é o mesmo quando se pronuncia acerca do novo Aeroporto de Lisboa. A escolha da localização é política, embora fundamentada em critérios técnicos. A escolha da localização não pode ser de técnicos. Eles não têm a visão do conjunto. A tecnocracia decide sempre mal. Ao empurrar a decisão para o Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, o presidente Cavaco Silva passa a decisão para o “lobby” dos engenheiros, em nome de uma alegada independência e competência académicas, que estariam acima da própria democracia e dos seus representantes.
Ora isto é o que um político não pode fazer, pois está a destruir a confiança que deve existir entre os eleitos e os cidadãos. São intervenções pouco reflectidas como estas que desacreditam a classe política.
Ao colocar no mesmo plano dos órgãos de soberania as entidades reguladoras, Cavaco Silva presta um mau serviço ao País.

Divergência continuapor Ilda Figueiredo

No momento em que são conhecidas novas previsões económicas, de organismos internacionais, para os próximos anos, e que a própria Comissão Europeia acaba de apresentar as suas, podemos verificar a tendência do abrandamento da actividade económica: 2,9 % de crescimento do PIB em 2007 e apenas 2,4 % em 2008 e 2009 é a média para a União Europeia a 27, apontando valores inferiores em três décimas percentuais para a zona euro, relativamente a 2007 e a 2009, e de menos duas décimas percentuais para 2008.

No momento em que são conhecidas novas previsões económicas, de organismos internacionais, para os próximos anos, e que a própria Comissão Europeia acaba de apresentar as suas, podemos verificar a tendência do abrandamento da actividade económica: 2,9 % de crescimento do PIB em 2007 e apenas 2,4 % em 2008 e 2009 é a média para a União Europeia a 27, apontando valores inferiores em três décimas percentuais para a zona euro, relativamente a 2007 e a 2009, e de menos duas décimas percentuais para 2008. Estes valores, por sua vez, são inferiores em cerca de 0,3 pontos percentuais às suas próprias previsões da Primavera passada.
Para Portugal, a Comissão Europeia continua a prever valores ainda mais baixos para o crescimento do PIB: apenas 1,8% em 2007; 2 % para 2008 e apenas 2,1% em 2009. Registe-se que esta evolução é não só muito baixa, como é, relativamente a 2007, a mais baixa dos 27 Estados-membros da União Europeia, o que se regista pelo segundo ano consecutivo.
Isto significa que o País continua cada vez mais longe da média de crescimento da União Europeia, acentuando-se a divergência real. O que, tendo em conta a injusta política fiscal portuguesa, o agravamento da situação social e as propostas contidas no orçamento de Estado para 2008, irá traduzir-se no aumento do desemprego – que a Comissão Europeia estima que atinja 8% em 2007 e se mantenha no mesmo nível em 2008 – num agravamento da pobreza e da desigualdade na repartição do rendimento.
Mas tudo isto é ainda mais grave quando se compara o que se passa noutros países, designadamente nos novos Estados-Membros, onde se registam elevadas taxas de crescimento – caso dos países bálticos, Bulgária, República Checa – além da Grécia e da própria Espanha, sucedendo-se os casos dos que nos ultrapassam, mesmo em termos de rendimento médio por pessoa, já que quanto aos níveis de escolaridade e formação todos estão à frente de Portugal.
A situação de desemprego, trabalho precário e baixos salários torna Portugal o país da União Europeia onde há maior percentagem de famílias de trabalhadores com rendimentos inferiores à linha de pobreza, um dos países com uma das maiores taxas de pobreza, sendo, simultaneamente, o que tem maior desigualdade na distribuição dos rendimentos.
O Eurostat considera que, em Portugal, em 2005, havia cerca de 20% da população a viver abaixo da linha de pobreza (60 por cento da mediana do rendimento, que então rondava os 7200 euros por pessoa). Isto significa que cerca de dois milhões de pessoas viviam com menos de 4321 euros por ano, o que corresponde a 12 euros por dia. Mas, destas, cerca de 740 mil pessoas viviam com menos de 240 euros por mês, o que significa viver com menos de oito euros por dia. Com a evolução da precariedade do emprego, os baixos salários que lhe andam associados e o agravamento do desemprego, a actual situação será ainda mais grave.
Mas, entretanto, como a concentração da riqueza prossegue, em Portugal os rendimentos dos 20% mais ricos é 8,2 vezes superior aos rendimentos de 20% da população mais pobre, quando tal relação, na média da União Europeia, é de cinco, mesmo depois do agravamento das desigualdades que também se verifica em outros países, como os nossos emigrantes bem sentem. E, assim, Portugal assume o lugar de campeão das desigualdades na União Europeia.
Neste contexto, as lutas também se sucedem. Ainda temos presente a grandiosa manifestação de 18 de Outubro passado (e não 18 de Novembro, como uma gralha teimosa referia no meu último artigo sobre o referendo), no primeiro dia da Cimeira de Lisboa que aprovou o dito Tratado reformador, para o qual é preciso uma mobilização popular a exigir o referendo.
Agora, os trabalhadores da função pública, a quem o Governo PS quer continuar a reduzir os salários reais, propondo-lhes um aumento de apenas 2,1% dos salários, quando a Comissão Europeia prevê uma taxa de inflação para Portugal de 2,4% para 2008, anunciam uma greve para 30 de Novembro. É uma luta justa, dado que nenhuma redução de défice pode justificar a perda constante do poder de compra dos trabalhadores, o agravamento das desigualdades sociais e as continuas baixas taxas de crescimento do PIB. Por isso a luta continua a ser o caminho para inverter estas políticas anti-sociais.

Deputada do PCP no PE

“Então, um dia, vieram buscar-me.mas, por essa altura, já não restava por Garcia Pereira

De súbito, e após a entrevista do último fim-de-semana dada pelo procurador-geral da República, Dr. Pinto Monteiro, eis que a questão das escutas, quer das legalmente ordenadas e executadas, quer das ilegais, saltou – não obstante os denodados esforços em contrário por parte do Governo e em particular do ministro da Justiça – para a ribalta da vida pública portuguesa.

De súbito, e após a entrevista do último fim-de-semana dada pelo procurador-geral da República, Dr. Pinto Monteiro, eis que a questão das escutas, quer das legalmente ordenadas e executadas, quer das ilegais, saltou – não obstante os denodados esforços em contrário por parte do Governo e em particular do ministro da Justiça – para a ribalta da vida pública portuguesa.
Agora ao ponto de muita gente, que esteve demasiado tempo demasiado silenciosa (ou que, do alto do respectivo trono e com um sorriso condescendente, logo sentenciara que tudo isto não passaria da imaginação ou da “mania da perseguição” de alguns), aparecer a falar também sobre o assunto e até se começar a referir à boca cheia a existência – sempre até aqui negada peremptoriamente – de escutas ilegais praticadas por serviços públicos, ou directamente ou – como foi agora noticiado – por intermédio de ditos “detectives”.
Mas ainda bem que tal sucedeu, já que este é seguramente um problema que pela sua gravidade bem importa que seja discutido e analisado em profundidade e daí se retirem, sem receios nem hesitações de qualquer espécie, todas as consequências que tiverem de ser tiradas.
Certo é que não basta, e mais ainda por parte do responsável máximo do Ministério Público, simplesmente alertar para a questão, competindo-lhe também adoptar todas as medidas e todas as providências que se mostrarem adequadas para a atacar e resolver. Mas manda a verdade que se diga que se impunha começar por afirmar muito claramente que, ao invés do discurso governamental e oficial (a ponto de o actual director nacional da PJ afiançar agora, nessa qualidade, rigorosamente o oposto do que afirmou no seu discurso de tomada de posse como procurador-geral distrital do Porto, em 2005, quando afirmou textualmente “o volume de escutas telefónicas é exagerado e muitas vezes, elas violam gravemente os dispositivos legais”…), o problema existe e é grave!
É que, por um lado e no que respeita às escutas que são levadas a cabo no âmbito da investigação criminal e estarão formalmente de acordo com a Lei, a verdade é que, sempre sob o pretexto do combate à criminalidade mais complexa e violenta e sempre sob a capa do famigerado discurso do combate ao pretenso “excesso de garantismo”, de meio de recolha de provas com natureza excepcional (precisamente devido à sua natureza gravemente intromissiva da privacidade dos cidadãos), facilmente se “escorregou” para as transformar no meio privilegiado, e nalguns casos mesmo único, de investigação, e a maior parte das vezes em processos que nada têm a ver com a tal criminalidade altamente organizada. Em Portugal, é preciso dizê-lo com toda a clareza, escuta-se de mais e investiga-se de menos, sendo certo que em termos comparativos se fazem no nosso país quatro vezes mais escutas do que por exemplo em França!?
Por outro lado, o sucessivo afrouxar do rigor dos critérios em matéria do recurso às escutas – e note-se que, coisa em que praticamente ninguém fala, o nosso Código de Processo Penal prevê não apenas a intercepção de comunicações telefónicas como até a escuta directa de conversas pessoais, por exemplo num café… – conduziu, tal como aliás já reconheceram publicamente vários juízes de Instrução, mesmo no campo das chamadas escutas “legais”, a abusos e riscos de enorme gravidade. Desde a indicação ao juiz de Instrução, para efeitos de este conceder a necessária autorização judicial para a respectiva escuta, de um dado número de telefone apresentado como referente a uma determinada pessoa suspeita da prática de um crime, para se vir a constatar depois que afinal nada tinha a ver com tal pessoa, como denunciou recentemente a juíza Dr.ª Amália Morgado, até ao simples facto de o mesmo juiz de Instrução, quando conclui que o material das escutas em nada interessa à investigação em curso e manda destrui-lo, obviamente não procede, ele mesmo, a tal destruição nem sequer tem disponibilidade física para a acompanhar, pelo que em rigor também não pode garantir que pelo caminho não haja uma qualquer cópia do “cd” das gravações que vá alimentar um qualquer banco de dados, tal como já e desde há muito reconheceram e afirmaram ou escreveram Advogados Ilustres como o Dr. José António Barreiros e Insígnes Juízes como a Dr.ª Fátima Mata-Mouros.
Tentar ignorar estas questões sob pomposas afirmações do estilo de que as escutas “legais” são todas autorizadas por um juiz e logo, nesta matéria, viveríamos no melhor dos mundos representa pura e simplesmente procurar atirar-nos com poeira para os olhos…
E é evidente que este clima de afrouxamento dos princípios e de complacência perante o atropelo de regras basilares de um Estado de Direito democrático criou um clima de crescente impunidade relativamente às escutas flagrantemente ilegais. E assim, e sempre sob o famigerado pretexto do combate à criminalidade mais violenta e ao terrorismo, foi-se criando uma cultura de autêntica e “oficial” permissividade relativamente a esse tipo de práticas.
Na verdade, em nome do “segredo de Estado”, foi-se sempre garantindo a impunidade e a irresponsabilidade acerca da existência de serviços secretos completamente à margem de qualquer efectivo controlo democrático. Desde os chamados “serviços de informações” até à polícia secreta no interior da própria PSP, que existiu até há cerca de dois anos e que estará agora a ser reactivada, recusando-se sempre o Governo a esclarecer e o Ministério Público (de que alguns dirigentes tanto gostam de continuamente proclamar o seu grande empenho no combate aos interesses mais poderosos…) a investigar todos os casos em que surgiram suspeitas, denúncias e até indícios muito claros de escutas e outras diligências invasivas completamente à margem das leis do país.
Repare-se que o Executivo sempre se escusou a explicitar se os funcionários daqueles serviços dispõem ou não de equipamento e de formação em matéria de intercepção de comunicações, e a que título, se os serviços a que pertencem não a podem levar a cabo. E que, por outro lado, o Ministério Público sempre se esquivou a investigar todos os casos em que surgiram indícios desse tipo de práticas. Desde logo, as denúncias feitas nos anos 90 por próprios funcionários do SIS e publicadas num semanário, acerca de “vigilâncias” a dirigentes associativos, estudantis, sindicais e político-partidários, até ao famigerado caso do ex-membro dos serviços secretos militares sul-africanos Pieter Groenewald, que foi preso pela PJ na posse de um verdadeiro arsenal de escuta telefónica e que confessou trabalhar para o SIS, tendo inclusivamente identificado os elementos deste Serviço que com ele contactavam, os quais confirmaram que o conheciam mas logo trataram de invocar a Lei do segredo de Estado, havendo então o Ministério Público adoptado, já no final de 1999, a absolutamente extraordinária, e nunca discutida decisão de não promover o levantamento daquele segredo e, em nome do secretismo do SIS, decretar o arquivamento dos autos!? Isto, para já não falar na persistente referência à “scanização” dos telemóveis dos dirigentes das Associações socioprofissionais das Forças Armadas e das diferentes Forças Policiais, à existência de viaturas policiais não identificadas (mas já fotografadas pelo menos por um jornal) e contudo circulando com matrículas idênticas às de veículos de particulares, inclusive já incomodados com notificações por alegadas manobras perigosas em locais onde nunca estiveram, etc., etc., etc.
Todavia, enquanto alguns, muito poucos, foram sempre denunciando este tipo de situações e todas as cumplicidades que com elas se iam estabelecendo, outros, por comodismo, por oportunismo ou por pura cobardia moral, preferiram silenciar esta sucessiva e mais ou menos silenciosa chacina dos princípios democráticos ou até – e claro que sempre em nome do “pragmatismo” ou da “modernidade” – apoiá-la e elogiá-la.
E assim fomos ficando todos em risco!
A questão, porém, é que, para os democratas de undécima hora e para os muitos moluscos que por aí pululam (os tais que continuamente pregam a versão recauchutada do velho brocardo da ditadura “a minha política é o trabalho!”, e que é agora a do “quem não deve, não teme, e por isso eu não me importo nada em ser escutado”…), os princípios não contam, os desmandos e os abusos em matéria de violação dos direitos dos cidadãos são pormenores de somenos quando eles se encontram no Poder e julgam poder daqueles beneficiar, e só passam a existir quando, enfim, lhes batem à porta.
Mas então já poderá ser irremediavelmente tarde…
E por isso mesmo é sobretudo a esses que ainda e uma vez mais relembro o belo poema do pastor protestante anti-nazi Martin Niemöller, que tantas vezes gosto de citar e que já em tempos transcrevi nestas páginas do SEMANÁRIO:

“Primeiro, levaram os judeus.
Mas não falei, por não ser judeu.

Depois, perseguiram os comunistas.
Nada disse então, por não ser comunista.

Em seguida, castigaram os sindicalistas.
Decidi não falar, por não ser sindicalista.

Mais tarde, foi a vez dos católicos.
Também me calei, por ser protestante.

Então, um dia, vieram buscar-me.
Mas, por essa altura, já não restava
nenhuma voz
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.”

A vitória da táctica políticapor Rui Teixeira Santos

A derrota de Marques Mendes é um aviso para José Sócrates. É um novo modo de fazer política, sobretudo, táctico, mas que ganha eleições. Sócrates deve saber que aquilo a que António Vitorino chama “populismo” é mais que uma táctica para cativar o eleitorado. É, mesmo, um método para conquistar o poder.

A derrota de Marques Mendes é um aviso para José Sócrates. É um novo modo de fazer política, sobretudo, táctico, mas que ganha eleições. Sócrates deve saber que aquilo a que António Vitorino chama “populismo” é mais que uma táctica para cativar o eleitorado. É, mesmo, um método para conquistar o poder.

Os momentos psicológicos da mudança no PSD

Do ponto de vista da análise política, o mais interessante, na vitória de Luís Filipe Menezes, nas directas de sexta-feira no PSD, não foi tanto o seu discurso, nem a surpresa das ditas elites da direita e da esquerda, nem mesmo o ter mandado para a reforma o cavaquismo e o barrosismo, que oportunistamente continuavam a viver das rendas da política.
O mais interessante foram mesmo dois ou três números de verdadeira táctica política que poderão ter virado o resultado e que mostram que a oposição mudou.
Em primeiro lugar, a neutralização de Ferreira Leite ficará nos livros de registo de tácticas políticas, com uma estratégia de envolvimento por parte da candidatura de Luís Filipe Menezes, que impediu a presidente da Mesa do Congresso de, publicamente, vir apoiar Marques Mendes, criando um limbo à volta do seu voto que, objectivamente, não beneficiou o antigo líder.
Há dois momentos significativos para tudo mudar: primeiro, a golpada dos Açores e os votos da Amazónia, que travam Ferreira Leite e desacreditam Marques Mendes. Percebendo a questão da aparente “chapelada” nos Açores, Manuela Ferreira Leite propõe que todos possam votar com as quotas pagas até ao acto, o que é inviabilizado pelo Aparelho de Marques Mendes. Guilherme Silva percebe o embaraço, talvez ciente dos números.
Como retaliação, os mendistas avançam com a alegada compra de votos ou pagamentos colectivos de quotas no último dia. A candidatura de Luís Filipe Menezes treme, até mesmo com as declarações de Pacheco Pereira em desespero.
Finalmente, o golpe de misericórdia em Mendes: os votos da Amazónia. Já ninguém discutia se havia ou não fraude do lado de Mendes. Apenas se era na Amazónia e se eram mais ou menos votos. Mendes estava “frito”.
Em segundo lugar, a maneira como os menezistas fazem prolongar até às quatro da manhã a reunião da Conselho de Fiscalização Nacional, neutralizando assim o contra-ataque preparado por Guilherme Silva, empurrando a decisão para longe da hora dos telejornais e reduzindo o seu impacto mediático.
Mas, sobretudo, as jogadas de Luís Filipe Menezes, dando a entender a Ferreira Leite que podia desistir. A presidente da mesa do Congresso pedia então a Menezes – foi aqui que cometeu o erro fatal, pois ficava sem espaço para apoiar Mendes – que não tomasse nenhuma posição sem lhe falar. Menezes arrasta para as três da tarde a sua conferência de imprensa, quando já não havia espaço para mais ninguém falar. Nem mesmo para Ferreira Leite. O efeito mediático da avalancha dos barões a apoiarem Mendes estava destruído e o líder já não podia ser apontado como “campeão da ética”.
Menezes ia a votos e a máquina não conseguia garantir a reeleição de Mendes, surpreendida com a confusão. Menezes ganhou.
De certo modo, há aqui um regresso ao PSD de Sá Carneiro, dos métodos e tácticas nos grandes congressos fundadores da democracia. Calculista, inteligente, político.
E, nesse sentido, também vindo do Norte, como o fundador do PSD que Balsemão substituiu, Luís Filipe Menezes faz voltar a política à agenda do País, de um país cinzento, cansado das missas de Marcelo e alienado no futebol e nos casos de polícia. Torna isto tudo pelo menos muito mais divertido.
Mas sobretudo, Luís Filipe Menezes evita a solução Balsemão, que o “Expresso” trazia no passado fim-de-semana: o fim das directas e a devolução do poder aos barões barrosistas, em aliança com o que restava do cavaquismo. Falhou tudo diante do resultado devastador de Menezes.

Sócrates que se acautele

A partir de agora há mudança. Pelo menos da forma. E, em política, quantas vezes a forma não é tudo. Menezes não se deslumbrou em entrevistas às revistas cor-de-rosa ou a falar a todo o momento. Marca o seu tempo. Gere a imagem.
Em política, a conquista do poder justifica estes jogos tácticos inteligentes. A encenação, que é também parte do poder. Os meios justificam os fins, sem ingenuidade.
É, basicamente, o regresso da política tacticista, em vez da “conversa” dos grandes princípios – sempre tão relativos e tão ao sabor de modas – que marcaram a direita nos últimos dez anos e que, de certo modo, contribuíram para o descrédito da própria direita.
É o regresso da táctica, do jogo de espelhos, da inteligência florentina à política. Aliás, Luís Filipe Menezes não deixa equívocos na sua moção ao Congresso: quer mudanças, a começar pela lista para o Parlamento Europeu, indo todos para a rua. Saudável e clarificador… (Seguramente o inacreditável Pacheco Pereira sairá também do PSD, perdendo, naturalmente, o palco na SIC…)
Mas, este novo ciclo da oposição reserva, também, surpresas ao primeiro-ministro e ao PS. A começar pelos impostos, que Sócrates não quis descer. Menezes não quer tapar a boca a Marcelo e evitar que Ferreira Leite se ponha em bicos de pés ou, mesmo, que Cavaco Silva volte a falar do monstro.
O “monstro” é o Estado, gastador e gigante, que o “novo” PSD quer diminuir, para depois diminuir o défice e, finalmente, poder, consistentemente, baixar os impostos. Dito assim não é nenhum apoio a Sócrates. É mesmo uma dificuldade, pois Menezes já está a tirar espaço ao primeiro-ministro.
Ao dizer que só com o défice abaixo dos 2% é que se pode descer impostos, Menezes não está a fazer economia (não há razão nenhuma económica para ser 2 ou 3 ou 4 por cento o défice do OE, sobretudo, quando estamos no euro e os outros pagam os nossos excessos), mas a fazer política e bem feita.
Menezes está a tirar espaço ao PS para poder descer impostos e fazer uma utilização eleitoralista do Orçamento do Estado antes das legislativas de 2009.
Basicamente, o que Luís Filipe Menezes está a dizer é que sem continuar com as reformas até níveis de segurança claros, o dinheiro que se diminuir na receita pública vai fazer falta depois e pesar no relançamento da economia.
Nesse sentido, o PSD, dirá Menezes, fará tudo para poder baixar os impostos. Mas, consistentemente. Credivelmente… depois do défice ficar abaixo dos 2%. Tudo o resto é pura demagogia e irresponsabilidade…
No próximo Congresso do PSD, Menezes já está a pensar em 2009. Não tem nada a perder, nem assumiu nenhum compromisso. Foi, exactamente, assim que conquistou o PSD.
A bola ficará, portanto, do lado de Sócrates. Se baixar os impostos, com o défice acima dos dois por cento, pode contar com o “selo” de gastador, populista e eleitoralista.
Sócrates que se acautele. Para que não lhe aconteça o mesmo que a Marques Mendes…

A vitória de Luís Filipe Menezes por Paulo Gaião

Ou Cavaco se adapta aos novos tempos e diminui o nível
de cooperação estratégica com Sócrates, ou não é liquido que o PSD de Menezes lhe dê um apoio efectivo
à recandidatura

Luís Filipe Menezes parte de expectativas muito baixas, o que faz com que os seus resultados futuros sejam muito promissores. Além do mais, tem a experiência de Santana Lopes para aprender com os erros passados. A receita passa por Menezes fazer quase tudo diferente de Santana. Seguir o seu próprio caminho, não se deixar levar por amiguismos, não fazer viragens de 180 graus nem concessões abissais.
A história de Santana não é a de Menezes. Se, no futuro, com as muitas vicissitudes que o tempo costuma trazer, o acaso permita que Santana ajuste contas com a história, Menezes até pode estar lá para dar um empurrãozinho. Mas nada deve fazer para forçar as coisas. Os santanistas mais significativos, como Rui Gomes da Silva e Helena Lopes da Costa, estão com Menezes. Este é um valor acrescentando que o novo líder deve gerir cuidadosamente. Impedindo que se forme a impressão de que Gomes da Silva e Lopes da Costa são uma espécie de mandatários de Santana, quaisquer que sejam os seus cargos futuros. De forma a virar a página…
Os tempos correm de feição a Menezes. O próprio facto de não ser deputado e não poder ser líder parlamentar pode ser utilizado a seu favor. No Parlamento, agora com debates de quinze em quinze dias, Menezes não precisa de se expôr, de ficar sujeito a avaliações com Sócrates, na posição sempre ingrata de quem está na oposição. O palco pode ser dele noutro local. Menezes não tem se preocupar com o que foi a vida infernal de Ribeiro e Castro. O autarca de Gaia sempre teve direito aos holofotes.
Até uma nova “gaffe” de Mário Soares veio revelar-se feliz para Luís Filipe Menezes. O ex-presidente da República considerou uma “desgraça” o que se passou no PSD. Depois sentiu-se no dever de emendar a mão. No final, Menezes já era muito amigo dele, o autarca de Gaia até tinha proposto Soares para nome de rua e o velho líder socialista contrapôs Cal Brandão.
Se fizer as coisas bem, Menezes até pode ser um caso de sucesso. Mesmo se perder para José Sócrates nas eleições legislativas de 2009, até com maioria absoluta do PS, a sua liderança pode não ficar em causa. Imagine-se que Menezes alcança um “score” muito acima dos 30 por por cento, beneficiando do efeito novidade, do voto de descontentamento com Sócrates, do voto útil do PP no PSD. Menezes ficaria a grande distância do resultado de Santana Lopes em 2005, o que contribuiria mais para o fortalecer. Recorde-se o caso de Ferro Rodrigues nas legislativas de 2002, em que o hoje embaixador na OCDE ficou a apenas dois pontos percentuais de Durão Barroso, acabando por continuar na liderança do PS (depois hipotecada por causa do caso Casa Pia).
Para além da disputa que fará com Sócrates em 2009, Menezes tem muitos outros trunfos para jogar. Apesar da sua promessa de serem as bases a decidir, é ele quem vai escolher ou dar luz verde aos candidatos às eleições europeias e às municipais, pelo menos no que se refere às grandes cidades. Também é ele, naturalmente, quem vai referendar as listas de deputados nas legislativas de 2009. Nas presidenciais de 2011, é igualmente Menezes quem vai ter uma palavra a dizer na recandidatura de Cavaco Silva.
O papel de Cavaco. Uma mistura paradoxal entre a necessidade de ajudar Marques Mendes e o excesso de confiança na sua vitória, fez Cavaco Silva não ter algumas precauções. A luz verde que teve que dar para Alexandre Relvas ser o mandatário da candidatura de Marques Mendes (depois de ter sido seu director de campanha) expôs a Presidência da República desnecessariamente. O mais surpreendente é que esta atitude nem se enquadra no estilo de Cavaco, muito sensato e prudente.
Cavaco tem tido, na Presidência da República, encargos excessivos. Quase como se tivesse de expiar alguma coisa. A sua coabitação de sonho com Sócrates é muito castrante e está na base, aliás, de boa parte dos problemas que Marques Mendes sentiu durante o seu mandato. O envolvimento de Cavaco nas directas, através de Relvas e de outros cavaquistas insuspeitos, pode ser visto, até, como uma forma de compensação política e psicológica face aos danos provocados a Mendes. Ora a ciência política e a sua estratégia não se compadece, muitas vezes, com mecanismos que lhe são exteriores.
Cavaco apresentou-se às presidenciais, em 2006, com o objectivo de fazer dois mandatos. Voluntária ou involuntariamente, o desempenho de Cavaco em Belém foi até hoje no sentido de ser reeleito com os votos do PSD e a não oposição do PS, passando pela não apresentação de um candidato próprio dos socialistas, como aconteceu com a reeleição de Mário Soares em 1991. Ora, a eleição de Menezes faz com que o que parecia seguríssimo há uma semana, deixe de o ser. Ou Cavaco se adapta aos novos tempos e diminui o nível de cooperação estratégica com Sócrates, ou não é liquido que o PSD de Menezes lhe dê um apoio efectivo à recandidatura. Se tal acontecesse, era ingrato para Cavaco apresentar-se em 2011 com o PS como o único entusiasta da sua reeleição.
Por sua vez, caso decida dar sinais de distanciamento de Sócrates, a posição do Presidente da República também pode não ser agradável, porque a vitória não é certa (e Cavaco gosta de coisas quase garantidas). No entanto, se ganhar o segundo mandato, o triunfo será mais gratificante e o PSD poderá ter finalmente um Presidente da República em Belém. Verdadeiramente seu.
A eleição de Menezes veio tornar tudo possível. Até com Santana Lopes. Para líder parlamentar do PSD, Santana não faz sentido. Só ofuscaria Menezes e podia levar, quase inevitavelmente para o Parlamento, a carga do seu passado. Santana está mortinho há dois anos para confrontar Sócrates. Ora esta guerra pessoal e política ficou lá atrás e interessa a Menezes afastar-se dela a sete pés. Mas já a hipótese de Santana ter uma luz intermitente do PSD para cumprir um dos seus sonhos e ser candidato a Belém, não deve ser descartada (mesmo com a candidatura ao lado de Cavaco). Ora, na perspectiva de Menezes, a candidatura de Santana em 2011 pode cumprir, se for caso disso, dois desideratos. Dar uma bofetada de luva branca a Cavaco e compensar Santana. Se Cavaco voltasse a ganhar Belém, tudo como dantes em relação ao actual PR. Por sua vez Santana teria, neste cenário, a sua prova dos nove em matéria de derrotas. Já se Santana ganhasse, Menezes ficaria como padrinho desse sonho realizado.