2025/07/01

Lisboapor Pedro Cid

O PSD de Lisboa ficou esfrangalhado com as eleições de Lisboa, com o eleitorado, seu apoiante, que se quis exprimir (uso esta expressão para vincar o excessivo peso da abstenção) dividido ao meio, mas não
irremediavelmente perdido para o futuro.
Carmona Rodrigues e Helena Roseta podem, ou não, ser epifenómenos no concelho de Lisboa.

Em Julho, o País não se incendiou, como aconteceu em anos anteriores. Os louros são provavelmente repartidos entre as medidas preventivas assumidas pelos poderes públicos – e desta vez eficazes – e pela população em geral, que toma mais cuidado na sua relação com a natureza e, sobretudo, com a floresta. É uma boa notícia. Espera-se que Agosto e Setembro sigam com o mesmo exemplo. Já nos chega assistir à angústia dos fogos nas ilhas Canárias ou em certas regiões da Grécia…
Em Lisboa, anda-se mais devagar, mas mesmo assim os “flashs” dos radares estão em movimento constante, tirando fotografias aos veículos com excesso de velocidade. O medo à multa faz milagres. Somos uns condutores muito abusadores em relação aos limites de velocidade, mas a verdade é que há situações anacrónicas. Não faz sentido em certas vias colocar 50 km como velocidade mínima, sobretudo em locais onde não há trânsito de peões. Aliás, uma certa tolerância já era apanágio das autoridades. Um dia, há já alguns anos, fui apanhado em excesso de velocidade. Ia, em plena cidade, a 90 km, numa zona onde o limite era 50 km. Expliquei ao guarda as minhas razões e ele contristado disse-me: mas os nossos radares já estão “tabelados” nos 80 km… A tolerância era evidente, foi a multa mais justa que paguei até hoje… Mas é uma verdade que a sinistralidade diminui na capital portuguesa. Vamos inundar o País com radares? Como factor de prevenção e não com o intuito da caça à multa…
António Costa foi empossado como presidente da Câmara de Lisboa, com uma quase pré-coligação com o Bloco de Esquerda e a perspectiva de entendimento pontual com os dois vereadores eleitos pelo movimento de independentes liderados por Helena Roseta.
O PS volta ao poder na maior autarquia do País. Apesar da fragilidade com que foi eleito, António Costa merece o benefício da dúvida, ampliado para além dos cem dias da praxe política, porque a tarefa de reorganização e de reabilitação do prestígio da Câmara é uma tarefa muito complicada.
É nos momentos difíceis que se avalia a fibra de um político e, em Lisboa, António Costa atinge o Rubicão… Tem de trabalhar duramente e mostrar capacidade de liderar uma equipa plural, que não está imune aos jogos de poder.
Um acordo com o Bloco de Esquerda, que praticamente configura uma coligação de governo autárquico, é algo absolutamente inédito no xadrez político português. Se funcionar, projecta António Costa para a reeleição e o Bloco de Esquerda como parceiro político fiável. O executivo de Lisboa vai ser até às próximas autárquicas um novo laboratório de análise política…
O PSD de Lisboa ficou esfrangalhado com as eleições de Lisboa, com o eleitorado, seu apoiante, que se quis exprimir (uso esta expressão para vincar o excessivo peso da abstenção) dividido ao meio, mas não irremediavelmente perdido para o futuro. Carmona Rodrigues e Helena Roseta podem, ou não, ser epifenómenos no concelho de Lisboa. Uma é dissidente partidária, que utilizou o legal mecanismo dos movimentos independentes. Carmona Rodrigues, agora vereador, sem pelouro, não terá, em 2009, o sucesso eleitoral que agora teve. É fatal. O poder quando se perde, nestas circunstâncias, permite a criação, momentânea, de heróis numa conjuntura irrepetível em outro acto eleitoral. Veja-se o exemplo da terceira candidatura presidencial de Mário Soares… E tinha o apoio do PS, de José Sócrates e do aparelho socialista….
O PSD deve reorganizar-se em Lisboa, procurando uma liderança credível e não aparelhística ou de facção. Alguém que tenha carreira política credível, capacidade de liderança e de aglutinação. Helena Lopes da Costa, no meu modesto entender, não encaixa nesse perfil, por mais intenso que seja (e acredito que é) o seu fervor partidário. Fazer oposição responsável em Lisboa significa analisar e ponderar a acção que vier a ser desenvolvida por António Costa. E isso, passa por apoiar acções e decisões que sejam boas para a cidade, procurar cimentar políticas de cidade alternativas para convencer os lisboetas de que, após esta crise, o PSD pode fazer mais e melhor do que o PS e António Costa. Fernando Negrão, agora militante do PSD, pode ter um papel crucial nesse desempenho credível que se exige aos social-democratas.
O CDS desapareceu do mapa lisboeta. É pena, mas só pode culpar-se a si próprio!
Os comunistas mantêm a sua influência eleitoral. Não podem ser exorcizados e as suas opiniões devem ser ouvidas por quem agora governa Lisboa.
E assim partimos para férias…. O País fica parado até ao fim do mês… É o ciclo que se repete em cada ano, ainda que com as bolsas domésticas cada vez mais vazias….

Alcochete pode ser campo de tiro para Sócrates por Paulo Gaião

Numa semana em que Rui Costa se queixou que o Benfica não o defendeu dos ataques de Joe Berardo, Mário Lino também não viu Sócrates defendê-lo dos ataques de Francisco Van Zeller

Sócrates está cada vez com menos espaço de manobra para escolher a Ota como localização para o aeroporto. Muita gente, talvez adivinhando os interesses socialistas que se jogam no Oeste, não tem perdido a oportunidade de provocar o primeiro-ministro, encostando-o mais à parede com a ideia de que o governo não vai desistir da localização na Ota. Marcelo Rebelo de Sousa disse no domingo passado que o negócio está feito. Francisco Van Zeller chegou a dizer, esta segunda-feira, que há forças subterrãneas no próprio ministério das Obras Públicas, ao nivel de secretários de Estado, que tudo vão fazer para que o aeroporto se faça na Ota. Belmiro de Azevedo, que apelida a OTA de nado-morto, também parece convencido que o governo não vai recuar na localização do aeroporto. Lobo Xavier defendeu esta quarta-feira que a localização em Alcochete serve apenas para tapar a hipótese da Portela + 1 não sendo uma alternativa real à OTA.
Ora Sócrates já provou que não se deixa cercar. Quando menos se espera é capaz de encontrar uma saída. A hipótese de o governo escolher Alcochete e calar os que tinham a certeza que o primeiro-ministro ia optar pela Ota pode ser uma jogada política de mestre, feita a menos de dois anos das eleições legislativas. Sócrates também já demonstrou que não fica paralisado pelos interesses que giram à sua volta, fora ou dentro do PS, protegido que está pelo poder que exerce e pelo brilho que as sondagens de popularidade lhe continuam a dar. Não será, assim, pelos alegados interesses socialistas em redor da Ota que Sócrates não deixará de agir e decidir.
O primeiro-ministro também tem sido muito hábil a tomar decisões e não só resolver um assunto mas dois ou três, numa estratégia de largo espectro, onde se matam vários coelhos com uma só cajadada. É verdade que com a escolha de Alcochete, Sócrates poderia ter sérios problemas no governo. Talvez Mário Lino chegasse a pedir a demissão, ele que pôs a cabeça no cepo quando se entusiamou com os desertos na margem sul e os “jamais, jamais”. Mas há males que vêm por bem. O problema com Lino pode ser a oportunidade para Sócrates fazer uma remodelação governamental profunda, a menos de dois anos das eleições legislativas. Aliás, é muito curioso que o homem que se concertou com o governo no sentido de apresentar um estudo sobre Alcochete em nome da CIP, tenha sido o mesmo que atacou o ministério de Mário Lino, sem que Sócrates tenha levantado um dedo em defesa da equipa das Obras Públicas. Ontem o pedido de Alberto Martins para que Lino explique o financiamento do TGV também diz muito.
Também é verdade que o recuo do governo na Ota é uma forma de Sócrates dar razão a Marques Mendes, que há muito se bate contra a localização do aeroporto a Oeste. Mas tal poderá considerar-se uma derrota para Sócrates? Talvez não. As vantagens políticas podem ser muito superiores aos prejuízos. Com a escolha de Alcochete, Sócrates dá uma ajuda Mendes. Mas não tem sido o líder do PSD o principal seguro de vida de Sócrates? Com Mendes, Sócrates não arrisca surpresas e pode ter no bolso as eleições de 2009. Não arrisca, por exemplo, que Luís Filipe Menezes queira tirar o lugar a Mendes e que apareça por aí um velocista do cavaquismo ou do barrosismo (que por acaso estiveram em peso no programa Prós e Contras da RTP1) para prejudicar o caminho triunfal do líder socialista. Por sua vez, com o grande troféu anti-Ota para mostrar, Marques Mendes prova que fez uma bela oposição, o que lhe pode garantir um resultado honroso em 2009, ao ponto de ser suficiente para se querer manter na liderança do PSD depois desta data. Por sua vez, com o recuo na Ota, Sócrates pode obter, ainda, duas pequenas satisfações, com repercussões eleitorais. Obriga Marcelo Rebelo de Sousa, Belmiro de Azevedo, Francisco Vanzeller e Lobo Xavier a retratarem-se. Por outro lado, com a revisão da OTA, Sócrates dá uma bofetada aos detractores que dizem que ele é uma cabeça dura e poderá ganhar ainda mais simpatias junto do eleitorado e da opinião pública. Que, já se percebeu, prefere Alcochete à Ota, sensibilizada pelo argumento fácil de que o Estado não tem de pagar terrenos na margem Sul, ao contrário do que se passa no Oeste.

São Berardo da Luz. Com a liberdade que o dinheiro lhe dá, Joe Berardo veio dizer que o rei vai nu no Benfica. Mas o empresário até podia ter ido mais longe porque há muitos anos que está quase tudo errado no Benfica. Rui Costa é apenas a ponta de um icebergue onde se sentam Luís Filipe Vieira, José Veiga, Fernando Santos, Manuel Vilarinho, até Joaquim Oliveira, um grupo que parece ligado por interesses e conveniências pessoais, passando ao lado da avaliação pelos resultados no Benfica, o que era de todo natural que acontecesse num clube de futebol. Não é normal que depois de não ter tido um único êxito, confirmando em absoluto aquilo que muitos tinham a certeza que ia acontecer, Fernando Santos se tenha atrevido, há cerca de um mês, a garantir, quase com provocação para a comunicação social, que ficava no Benfica. Ora, o facto é que Fernando Santos ficou mesmo. A um mês de começar a nova época de futebol, nunca como hoje os benfiquistas se sentiram tão pouco galvanizados com a equipa, adivinhando já novos fracassos. Valeu-lhes, agora, São Berardo para levantarem os ânimos. Porém, tal como Rui Costa não é o maior culpado mas quem o contratou, aqui a responsabilidade é de quem tem permitido a Fernando Santos estas liberdades.
Não é normal que depois de ter saído da estrutura directiva do Benfica, para gerir judicialmente um caso pessoal, José Veiga tenha voltado ao Benfica, como se não houvesse outros dirigentes. Se Veiga fosse um génio da gestão, se tivesse dado muitos títulos ao Benfica, se fosse detentor do passe de dois ou três jogadores fora-série, podia entender-se o regresso do empresário. Mas Veiga é um gestor vulgar, não tem passes maravilha e a única coisa que conseguiu ganhar para o Benfica foi o título de há três anos, num verdadeiro campeonato de coxos, onde o Benfica ganhou, como podia ter ganho o Sporting ou o Porto, porque o demérito dos três foi igual. Não é normal que o antecessor de Luís Filipe Vieira na presidência do Benfica, homem que detém um lote razoável de accões do Benfica e que continua a ser um homem influente na direcção do clube possa ter anunciado impunemente há cerca de um ano, numa profecia pintada a negro, que o clube não ia ganhar título nenhum… até 2011.

A lutapor Ilda Figueiredo

Quando olhamos para os últimos índices publicados
pelo Eurostat, não é difícil constatar as razões profundas do descontentamento e do protesto popular. Somos um dos países da União Europeia com maior percentagem de pobreza (20%) e o que tem a pior situação em termos de desigualdade na distribuição
dos rendimentos

A luta que se vive em Portugal, que teve um ponto alto na greve geral de 30 de Maio, convocada pela CGTP-IN, e que se traduziu na maior jornada de luta que este Governo já enfrentou, é hoje uma realidade que não pode ser ignorada por ninguém.
O mais patético de tudo isto é ver membros do Governo a tentar desmentir o óbvio, a procurar esconder aquilo que a maioria das pessoas viram e sentem, apesar das imensas tentativas de atropelo ao direito à greve, incluindo um célebre despacho do ministro das Finanças que o ministro da Presidência diz que não existiu, porque a Comissão Nacional de Protecção de Dados o considerou ilegal. Mas a verdade é que existiu, e só não foi aplicado exactamente por haver uma instituição pública que, na véspera da greve, tomou a posição devida.
As redobradas explicações, coincidentes, do Governo e das organizações patronais, sobre o impacto da greve e das suas consequências, procurando minimizá-las, são bem sintomáticas das preocupações que lhes provocam este importante salto qualitativo na evolução da luta política em Portugal e das novas perspectivas que abre para o seu aprofundamento num futuro próximo.
O que para todos fica claro é que o Governo não tem uma auto-estrada desimpedida para continuar a correr no seu ataque aos direitos sociais e laborais. Com a luta da greve geral, milhares de trabalhadores precários sentiram a fragilidade do seu vínculo contratual e a limitação prática dos seus direitos constitucionais, incluindo o direito à greve. Perceberam o que quer o Governo e a Comissão Europeia com a chamada “flexigurança”: transformar os trabalhadores efectivos em trabalhadores com vínculos laborais precários para assim dificultar a organização sindical, impedir a luta e o exercício do próprio direito à greve, deixando o trabalhador mais fragilizado, mais só, e mais sujeito à exploração.
Esta greve geral foi, pois, de grande importância, também pelo esclarecimento que permitiu dos métodos a que o Governo está disposto a recorrer para atingir os objectivos que a CIP quer ver concretizados. Foi vê-los, Governo e patronato, a repetir quase o mesmo sobre as estruturas sindicais e a CGTP, sobre os serviços mínimos e sobre os que ousaram lutar. Mas o mais importante de tudo é que também perceberam que não basta dominar a maioria dos órgãos de comunicação social e obter o maior tempo de antena. Nas suas vidas os trabalhadores e a população sentem que há um ataque aos seus direitos, que o desemprego cresce, que o custo de vida aumenta e o acesso à saúde é cada vez mais caro.
Quando olhamos para os últimos índices publicados pelo Eurostat, não é difícil constatar as razões profundas do descontentamento e do protesto popular. Somos um dos países da União Europeia com maior percentagem de pobreza (20%) e o que tem a pior situação em termos de desigualdade na distribuição dos rendimentos. Ou seja, aquele país onde a riqueza produzida está concentrada num menor número de pessoas. A média, na União Europeia, entre os rendimentos de 20% da população que detém os rendimentos mais elevados e os rendimentos de 20% da população com mais baixos rendimentos, é de 4,9, mas, em Portugal, tal relação atinge 8,2, sendo que há gestores privados com ordenados mensais que são superiores a 150 vezes o salário mínimo.
Por isso, a greve geral constituiu um poderoso aviso ao Governo. Não foi um ponto de chegada, mas foi um ponto de passagem para outras lutas!
O Governo sabe que não se pode menosprezar uma greve, que envolveu 140 estruturas sindicais, dezenas de milhar de activistas, mais de sete mil plenários realizados, dezenas de milhar de acções de esclarecimento, e que foi vivida, de uma forma ou de outra, por milhões de pessoas. E, por isso, sabe que, enquanto houver cerca de meio milhão de portugueses no desemprego, mais de 1,2 milhões de trabalhadores com trabalho precário, mais de dois milhões de pessoas em situação de pobreza, haverá lutas para alterar essa situação.
Mas o Governo e o patronato persistem na sua desvalorização, porque querem persistir na alteração das funções e do papel do Estado, na extinção e privatização de serviços públicos, pondo em causa o Serviço Nacional de Saúde. Querem continuar a atacar os mais elementares direitos dos trabalhadores da Administração Pública e das populações. Querem, em nome da flexigurança, facilitar os despedimentos individuais sem justa causa, instituir o chamado despedimento na hora e desregular horários, carreiras, funções, remunerações e condições de trabalho.
Com a sua política o Governo está a conseguir que os grupos económicos e financeiros obtenham os maiores lucros de sempre. Em 2006, apenas oito empresas tiveram 5,3 mil milhões de euros de lucro. O que é um escândalo para um País que tem dos mais baixos salários da União Europeia
Depois desta luta, nada ficará como dantes relativamente ao Governo, à sua arrogância e ao seu desprezo pelas condições de vida de quem trabalha. O Governo sabe que há no País força social e laboral capaz de combater, de resistir e impor uma mudança de rumo da política nacional. Se o Governo persistir em não ouvir o sentimento dos trabalhadores e do povo, se tentar avançar com o propósito da facilitação dos despedimentos individuais sem justa causa, com o despedimento na hora, ficou a saber que há força capaz de o impedir.
É essa a nova lição do momento de luta que estamos a viver.

Deputada do PCP no PE

O ministro intocávelpor Jorge Ferreira

Mas, na verdade e pasme-se!, ainda há coisas que espantam em Mário Lino. Este político inclui-se naquele grupo de elite que nunca desilude. Consegue superar-se quando e onde menos se espera

O que espanta em Mário Lino já não é a teimosia sobre a Ota. Afinal de contas, de teimosos todos temos um pouco, embora também seja verdade que as minhas teimosias são pagas por mim e não pelos contribuintes, ao contrário do que sucede com as teimosias do ministro que, a continuarem no estado obsessivo em que se encontram, vão ser pagas a peso de ouro por todos nós.
O que espanta em Mário Lino já não é o facto de ser ministro de um Estado que acha que não devia existir e ser, portanto, lícito perguntar ao primeiro-ministro que o escolheu e mantém no cargo, se está em condições de garantir ao País que o seu ministro prossegue os interesses nacionais e não aquilo que o ministro julga ser os interesses da Ibéria política que defende às claras.
Afinal de contas, é histórico que algumas das nossas alegadas elites venderam-se a Castela no passado, o que permitiu a filipização da Pátria nos idos do século XVI. Sem essa venda, a filipização não teria, pelo menos, sido tão fácil como foi e tão difícil de terminar como foi.
Também já não espanta em Mário Lino que se permita zombar do primeiro-ministro em público, declarando-se engenheiro com licenciatura e diploma e devidamente inscrito na Ordem dos Engenheiros, suscitando risotas gerais na audiência. É certo que nessa altura ainda a audiência não sabia que poderia incorrer em processos disciplinares pela liberdade do riso. Mas mesmo assim, surpreendeu o ministro com tão grande imprudência sobre a trapalhada do percurso académico de José Sócrates.
Mas, na verdade e pasme-se!, ainda há coisas que espantam em Mário Lino. Este político inclui-se naquele grupo de elite que nunca desilude. Consegue superar-se quando e onde menos se espera.
No final de um almoço promovido pela Ordem dos Economistas sobre a Ota, o ministro disse apenas que “a margem sul é um deserto” e por isso seria uma “obra faraónica” fazer aí o futuro aeroporto de Lisboa. “Na margem sul não há cidades, não há gente, não há hospitais, nem hotéis nem comércio”, opinou, observador e atento, o nosso preclaro governante, acrescentando que, de acordo com um estudo recente, “seria necessário deslocar milhões de pessoas” para essa zona para justificar a construção do novo aeroporto.
Segundo Mário Lino, fazer um aeroporto “no Poceirão ou nas Faias” seria o mesmo “que construir Brasília no Alto Alentejo”. Depois do dislate, sobreveio-lhe o mau gosto. Mário Lino não resistiu a comparar a opção sul do Tejo a um doente aparentemente de boa saúde, mas “com um cancro nos pulmões”.
Não sabemos se Mário Lino está a fazer um campeonato individual do disparate para levar José Sócrates a demiti-lo e poder ir fazer umas férias das maçadas governamentais porventura numa estância turística espanhola. Mas se não é assim, já só uma coisa espanta em Mário Lino: a sua intocabilidade.
Quem tem medo do ministro? E porquê? E o que espera o Presidente da República para mostrar que existe e não é apenas uma alínea da rubrica dos Encargos Gerais da Nação no Orçamento de Estado? Deve haver quem sabe.

A questão política no ensino superiorpor Rui Teixeira Santos

O problema do ensino superior em Portugal é fundacional. A seguir ao Verão Quente de 1975 fez-se um acordo em Portugal, segundo o qual o ensino universitário público era entregue ao PCP, a direita e os católicos ficavam com a Universidade Católica, que poderia desenvolver o seu pólo de Lisboa com novos cursos e criava-se uma Universidade Livre para a maçonaria. Esta Universidade Livre foi o embrião do ensino superior privado.

O problema do ensino superior em Portugal é fundacional. A seguir ao Verão Quente de 1975 fez-se um acordo em Portugal, segundo o qual o ensino universitário público era entregue ao PCP, a direita e os católicos ficavam com a Universidade Católica, que poderia desenvolver o seu pólo de Lisboa com novos cursos e criava-se uma Universidade Livre para a maçonaria. Esta Universidade Livre foi o embrião do ensino superior privado.
O que se passou nos últimos trinta anos foi, simplesmente, o facto do PCP – que sempre controlou o Ministério da Educação e do ensino superior, aliás, também através do “grupo de missão”, com o comunista Alberto Amaral à frente – nunca ter tido a coragem de fiscalizar o ensino privado, controlado pela Maçonaria. E, isto, em todos os Governos, de esquerda ou de direita, com Ferreira Leite, Roberto Carneiro ou João de Deus Pinheiro, até, mais recentemente, com Mariano Gago. Pelo simples facto de que onde está a Maçonaria não está o PCP. Ou seja, porque os comunistas nunca fiscalizariam a Maçonaria. Ora, é evidente que sem fiscalização há abusos.
É isto que explica que todas as guerras no ensino superior – seja no público, seja na Católica ou no privado – nunca tenham sido verdadeiramente controladas pelo poder executivo e que explique que a solução eventual, agora, para o encerramento da Universidade Independente, seja de novo, a criação de uma nova universidade, eventualmente a Universidade Pedro Álvares Cabral, em vez de se fazer a racionalização do sistema.
Ao lado do que se passou na Independente, temos o caso da Moderna ou da Internacional, com salários em atraso e, actualmente, com óbvias dificuldades na manutenção das responsabilidades assumidas pelo serviço público, sem que ninguém esteja a fazer nada. É tempo de parar para pensar e aproveitar a oportunidade para mudar as coisas.
A reconcentração das universidades privadas pode ser um caminho, como já aconteceu com a Lusófona, que tem vindo a consolidar o sector, fundindo vários estabelecimentos de ensino superior com bastante sucesso.
Mas, o que o primeiro-ministro tem que equacionar agora é se quer continuar a deixar nas mãos dos comunistas o ensino superior público e a tecnoestrutura do Ministério do Ensino Superior, ou se é chegado o momento de o devolver à sociedade, ou a uma outra estrutura intermédia de poder fáctico qualquer (v.g. Maçonaria ou Igreja). Até porque, sabemos agora, a tentativa de criar uma Universidade Nova falhou e, hoje, esta universidade poderia ser facilmente privatizada – sem que a qualidade do seu ensino fosse prejudicada e, bem pelo contrário, factores de competitividade e de racionalidade poderiam torná-la ainda mais excelente. Não chocaria ninguém que o Estado reduzisse a sua presença a três universidades de excelência e investigação (Porto, Lisboa e Coimbra), podendo, deste modo, cumprir, com muito mais capacidade, as suas funções de regulação e de gestão dos recursos financeiros (nomeadamente do financiamento ao ensino superior, directo ou indirecto, este, por exemplo, através do cheque estudante), em vez de estar a criar pseudo-autoridades independentes de regulação e fiscalização, uma moda dispensável, que os Estados europeus irão mais tarde pagar muito caro, pelo que representa de falta de transparência nos procedimentos – o risco tecnocrata – e falta de controlo democrático – o risco totalitário.
Até agora tem dominado o preconceito salazarista que permitiu a existência de personagens como Veiga Simão ou Roberto Carneiro. Ou seja, a ideia de que em todo o caso o ensino é sempre ineficaz e que nunca se fará nada relativamente à formação dos portugueses. Os “cinco mil excelentes alunos” – nunca haverá mais em Portugal – sê-lo-ão sempre (até porque têm maioritariamente origem nas elites e os que aparecerem de baixo serão sempre reintegrados e descobertos, como já o eram no Antigo Regime), seja qual for o nível de massificação do ensino superior e, portanto, relativamente ao resto pode-se entregar aos sonhadores e comunistas, pois não virá mal ao mundo. Foi com este raciocínio que Salazar nunca se preocupou muito com o analfabetismo militantemente promovido pelos dirigentes da Instrução Pública, desde as reformas dos anos 60. E foi esta lógica que esteve presente no negócio de 1975, quando a direita permitiu que os comunistas ficassem com as universidades públicas.
A única tentativa séria de mudar as coisas foi ensaiada no Governo de Durão Barroso, com o ministro David Justino, que acabou dando-se mal, com a sabotagem à colocação de professores, como estamos lembrados.
O que José Sócrates tem que decidir é se deixa tudo na mesma – evitando mais uma área de conflitualidade – ou se, finalmente, o ensino público ou privado deixam de ser capelinhas de “seitas” e passam a servir o imperativo de qualificar o País e os portugueses, aproveitando o dinheiro do próximo Quadro de Referência Estratégico Nacional.
Sócrates, aliás, tem contado com o apoio maçónico e, hoje, o peso do PCP é relativamente pequeno, ao ponto de Universidades importantes do PCP, agora, estarem a cair nas mãos do Bloco de Esquerda, como, por exemplo, no ISEG, onde já é Francisco Louçã quem manda.
É nesta encruzilhada que o processo da Universidade Independente poderia ser uma oportunidade para repensar o ensino superior sem complexos, mandando para a reforma definitivamente os “Albertos Amarais” e outros como ele, para podermos começar a encarar a Educação Nacional e, em particular, a formação superior como factores de progresso e não como a maior vergonha nacional.
Temos um ensino mau, provinciano e sem prestígio na Europa. Já no século XVIII, a Universidade de Coimbra era apontada por Denis Diderot, no preâmbulo da primeira edição da sua Enciclopédia, como o exemplo europeu do atraso intelectual. Hoje nada está diferente e a administração pública e as “capelinhas” continuam a ser o maior obstáculo. Sócrates pode mudar as coisas se tiver coragem.