2025/06/26

Nós, as vítimas!por Rui Teixeira Santos

O economista Ferro Rodrigues, para ser vítima, escusa de estar na política. Aliás, a vitimização é um processo que parece pegar. Barroso diz-se vítima da crise económica internacional e da má gestão de António Guterres.

O Presidente da Republica vai para o meio do Atlântico berrar contra a invasão dos espanhóis nas nossas águas territoriais. Leonor Beleza esteve 18 anos a dizer-se perseguida, no caso dos hemofilicos, enquanto o seu advogado conseguia a prescrição do caso. Quase igual, mas apenas acusada de corrupção e peculato, Fátima Felgueiras fugiu para o Brasil, para não ser presa e até já conseguiu voltar a receber salário. Até o procurador-geral da República se diz perseguido pela violação do segredo de justiça.
Ferro Rodrigues escreve uma carta dizendo estar em causa o regime democrático, devido às escutas telefónicas. Com efeito, é estranho que os juízes continuem a fazer escutas telefónicas, depois de ter ficado claro que, apesar do erro da lei (que vai ser revista), nunca foi intenção do legislador permitir que qualquer juiz pudesse pôr escutas aos principais responsáveis da Nação. Os juízes não estão acima da lei e são, também, órgãos políticos, ou seja, não estão acima da crítica dos cidadãos, e a violação do segredo de justiça tem sido o único instrumento para travar o abuso de poder que todo o poder dos magistrados naturalmente permite. E sobretudo quando a Procuradoria-Geral da República, que não devia ser mais que uma repartição do Ministério da Justiça ao serviço das prioridades definidas pela política criminal do Governo, é, em Portugal, um verdadeiro órgão de soberania, à medida do Bloco Central, negociado entre Fernando Nogueira e Almeida Santos, para Cunha Rodrigues.
O que Ferro Rodrigues tem de saber imediatamente é se é ou não arguido, para que se possa defender e não tenha que passar pelo calvário que Paulo Portas passou, nos últimos anos, com o caso Moderna, na altura urdido pelo PS. E se não for, então tem que combater directamente Durão Barroso e o procurador-geral, e esquecer as cabalas lúdicas de Paulo Portas, pois o País não pode estar a ser confrontado diariamente com fontes anónimas que transcrevem a totalidade do processo, levantando a suspeita que o procurador-geral de República está a fazer política, à custa do seu estatuto, atacando caluniosamente a oposição e defendendo habilmente o Governo, a quem, curiosamente, compete, exclusivamente, a decisão de propor ao Presidente da República a sua (dele procurador-geral) substituição.
Por outro lado, o facto do Ministério Público ser governado pelo “princípio da iniciativa automática” retira culpas ao procurador-geral de República, mas transforma a justiça portuguesa numa verdadeira “roleta russa”, pois nunca haverá meios para acusar todos os suspeitos e culpados. E, isso significa injustiça, senão mesmo procura de casos exemplares, o que é dramático, não para o regime democrático, mas para a coesão nacional, para a existência de Portugal como um país.
Nestes termos, não é só em matéria económica que temos que apelar ao primado da política para permitir que o País saia deste pesadelo mau em que mergulhou, desde que os socialistas, no governo de Guterres, começaram a usar o fisco, a Procuradoria e as secretas para perseguir adversários políticos.
Tudo isto leva a repensar o sistema judicial português e exigir, naturalmente, a reintrodução do primado da escolha política e ideológica, da razão de Estado, na escolha e selecção dos alvos e das prioridades de política criminal em Portugal, sancionadas em eleições livres e periódicas. Todos os portugueses estão por isso a ser vítimas deste sistema pouco transparente e, naturalmente, isso tem reflexos na economia e no nível de vida dos portugueses e, talvez, também, no acelerado assalto espanhol a Portugal.
Mas se isto são razões que até justificam o desnorte socialista, com a insensata condução do processo da Casa Pia, o certo é que o líder da oposição não pode andar a fazer trinta telefonemas por dia sobre a questão, em vez de fazer oposição. Por uma questão de sensatez, até porque desconfia que está sob escuta telefónica.
Porque o regime democrático implica a existência de uma oposição credível e capaz de ajudar à melhor governação. Os disparates e o péssimo governo de Barroso são em muito, exactamente, o reflexo de não haver nenhuma oposição e dos ministros fazerem, sem reflectir, a primeira coisa que lhes vem à cabeça.
Esta vitimização pode parecer útil, imediatamente, a políticos curtos, como aqueles que agora dirigem o PS. Mas é fatal para o regime democrático, porque induz apelos emotivos e cria o caldo de cultura do populismo e da ilegalidade, quando aquilo que está em causa é se a agenda do procurador-geral da República deve ser gerida por consenso do Bloco Central, como o era no tempo de Cunha Rodrigues, ou apenas pelo partido que domina o Governo (leia-se Durão Barroso), como aparentemente acontece, agora, com Souto Moura.
Ao contrário do que Ferro diz, o regime não está em causa porque o seu telefone está sob escuta. O regime está em causa porque ele se faz de vítima de cabalas ocultas e de poderes não eleitos democraticamente, em vez de fazer oposição clara e afrontar essas mesmas forças, que ele diz perseguirem-no. Ferro fixa-se nos famosos do costume, nos comentadores de direita, em Paulo Portas, no procurador, em vez de perceber o que está em causa e que tudo isto não é mais que o reflexo da falta de autoridade no País.
Essa falta de autoridade vem, exactamente, do mau governo que a direita está a fazer, em termos económicos e financeiros, e da ausência, ou mesmo inexistência, de política do Presidente da República, que protesta a bordo de uma traineira e provincianamente se preocupa com a calamidade em Viseu, em vez de exigir ao Governo uma política nacional de pescas ou de prevenção dos incêndios, que permita reconstruir uma moderna frota pesqueira nacional, flexível e tecnologicamente mais avançada que a megaestrutura de pescas espanhola, que já não tem possibilidade de grandes evoluções, criando assim uma oportunidade no nosso atraso, ou, por exemplo, nos fogos, propondo que se limpem os campos, antes do Verão, e se repense o Serviço Nacional de Bombeiros, onde a falta de meios e a desordem é conhecida.
O problema é que, sem Presidente e sem oposição, o País é mal governado, ou é governado pela agenda do “Expresso” e de Marcelo, que vivem de casos sórdidos dos famosos do costume, para que os poderosos deste país possam continuar a ser intocáveis.
O problema não é o facto de acharmos que Leonor Beleza até poderia ter sucedido a Cavaco e acabou fugida à justiça, ainda que muitos acreditem que tudo não foi mais que uma cabala do dr. Fernando Nogueira para assegurar que chegava a líder do PSD, o que seria muito problemático se Leonor Beleza não tivesse sido injustamente acusada de dolo na morte dos hemofílicos. No mínimo, já que foi acusada, Beleza devia ter sido julgada e absolvida, em vez de andar a dizer que não tem nada a ver com as manobras dilatórias do seu advogado, que brilhantemente conseguiu a prescrição do caso.
O problema não é que a maioria do País esteja contra o erro da Relação de Braga, que inconstitucionalmente suspendeu o mandato da Fátima Felgueiras ou a mandou sem culpa formada para a cadeia, tendo ela fugido, qual Robin dos Bosques, ao poder estúpido do “João sem Terra”, em que a magistratura se está a transformar.
O problema não é a pesada herança que o PSD diz ter que gerir e que Ferreira Leite transforma em impostos, e que depois o Dr. Morais Sarmento tem de dar ao dr. Vakil, pois o Estado já não tem credibilidade para garantir que vai honrar os compromissos.
O problema, enfim, é que por este andar isto não vai longe e somos todos nós vítimas destes que se dizem vítimas mas que vão ficando: Ferro Rodrigues, depois do que se passou esta semana, não tem condições para continuar à frente do PS, mesmo que esteja inocente, tudo não passe de calúnias e apele para Sampaio, porque está em causa o regular funcionamento das instituições democráticas. Tal como Leonor Beleza: também devia abandonar a política neste regime, depois do seu caso ter prescrito. Era o mínimo que se exigia, depois de não ter podido provar a sua evidente inocência, no quadro das instituições deste regime.
A hora da política, como dizia Sá Carneiro, está de vota. Da política e do comportamento honrado e ético dos protagonistas. De colocar em causa o regime e a falsa democracia e a mentira que é este Estado de Direito. A hora de haver uma política económica, a hora de haver uma política de justiça, a hora de haver uma política de defesa do interesse nacional. E se os políticos actuais são incompetentes, talvez tenha chegado a hora de os substituir, também. É uma questão de cidadania denunciar esta vitimização que justifica que nada mude e que alguns nos imponham uma agenda que prejudica Portugal.

Cuba Libre ou Mentirita?por Manuel dos Santos

2003.07.23

Como tem sucedido com uma boa parte dos portugueses (em especial os mais novos), também me deixei tentar pela experiência de uns dias passados em Cuba e na sua capital Havana.

Escolhi fazer esta viagem nesta altura (em prejuízo de outras prioridades) por duas razões:

Em 1.º lugar, porque todos os “entendidos” me aconselharam a visita a Cuba antes do desaparecimento (físico ou político?) do seu líder histórico e comandante supremo.

Em 2.º lugar, porque acontecimentos recentes verificados no País produziram uma generalizada indignação nas opiniões públicas e motivaram (e continuam a provocar) reacções políticas violentas por parte da União Europeia e, muito em especial, pela parte do Parlamento Europeu.

Recordo, a este propósito, que para lá de diversas interpelações orais feitas no Parlamento, dirigidas à instituição em si mesmo e (ou) ao Conselho, durante os meses de Abril e Maio, foi lançado recentemente, por 49 deputados, um documento de solidariedade com Osvaldo Payá, perseguido pela ditadura cubana e que recentemente (em 2002) tinha sido agraciado com o Prémio Sakarov.

Já quanto à eventual substituição do líder cubano, seja por razões de ordem física ou política, julgo ter, desde já, entendido que, a não ser que ocorra uma catástrofe a que a natureza humana está sujeita, ainda teria muitas oportunidades para visitar Cuba sob a Presidência do comandante Fidel Castro.

Sou obviamente contra a pena de morte.

Os regimes que a praticam (dos Estados Unidos ao Irão, passando por Cuba) são, só por isso, regimes inaceitáveis e que, neste particular domínio, devem ser combatidos.

Os líderes (em ditadura ou democracia) que deram a sua concordância a execuções (mesmo que suportados em processos correctos à luz do ordenamento jurídico dos seus países) devem ser referidos como criminosos pelo julgamento futuro da história.

A herança de Fidel Castro neste domínio (recentemente agravada com as execuções de 3 pessoas) é muito negativa e não pode ser justificada, como o faz a “inteligência” cubana, com as mais de 130 sentenças de morte ratificadas pelo Presidente dos Estados Unidos.

Acresce que a motivação principal dessas execuções, ou seja, a dissuasão de novos casos de pirataria que ponham em causa pessoas e bens, se verificou ineficaz.

O regime de Fidel Castro poderia ter poupado o mundo ao espectáculo bárbaro das suas sentenças de pena de morte.

Ganharia em simpatia e credibilidade o que, ao longo de muitos anos, foi perdendo, em consequência de uma propaganda tendenciosa, originária em órgãos de comunicação dominados por dissidentes cubanos com poder financeiro e muitas saudades do regime de Fulgêncio Batista (leia-se do neocolonialismo norte-americano).

São portanto justas e explicáveis as reacções da comunidade internacional e, nomeadamente da União Europeia, sendo de igual modo aceitável que essas reacções provoquem consequências sobre o regime, impondo progressivamente a sua abertura e democratização.

Só que, para lá dos regimes (e dos ditadores), existem a história, a cultura e, sobretudo, as pessoas.

A Cuba actual, as características do seu regime, a originalidade do seu sistema económico, o comportamento do seu povo, o orgulho na sua cultura e a esperança (permanente) num futuro melhor, só tem sentido à luz do conhecimento da história do país. Desde a colonização espanhola até José Marti, mas também desde a neocolonização americana representada pelos Presidentes-governadores António Machado e Fulgêncio Batista, até aos dias históricos do assalto ao Quartel Moncada, do desembarque do “Granma” ou das vitórias revolucionárias da Sierra Maestra e de Santiago de Cuba…

O povo cubano merece uma boa oportunidade e sobretudo deseja que lha concedam.

Conheci gente orgulhosa do seu regime, mas sempre lúcida; convivi com muitos descontentes que exprimem o seu desacordo com sensatez, moderação e liberdade; vi um povo nostálgico de uma vida melhor, mas sempre alegre na manifestação quotidiana da sua cultura; testemunhei solidariedade perante as dificuldades e engenho (muito engenho) na superação das carências…

Apesar da permanente “agressão” é curioso como afinal Cuba e os Estados Unidos são as duas faces de uma mesma moeda.

Verdadeiramente é um regime que dá existência ao outro e há como que uma espécie de cumplicidade entre ambos para a manutenção do actual estado das coisas.

O comandante Fidel Castro e o seu regime estão para durar, isto, quando se comemoram 50 anos do assalto fracassado ao Quartel Moncada, ocorrido em 26 de Julho de 1953.

Mas até por isso Cuba continuará a ser um mistério e um fascínio para os europeus e para os americanos.

O regime político cubano não é seguramente exportável e, hoje, com o desaparecimento da URSS, enquanto potência rival dos Estados Unidos, não constitui nenhum risco para o mundo e a civilização ocidental.

Este é portanto um mito que importa desfazer; a União Europeia pode e deve assumi-lo como objectivo prioritário da sua política externa.

Para bem do Mundo, mas sobretudo para bem do povo cubano.

Recém-chegado a Cuba, um intelectual amigo residente na ilha disse-me que, se quando saísse levasse comigo mais dúvidas do que aquelas que trouxe, isso seria, seguramente, um bom sinal.

Quase no fim da minha estada, confesso que sabendo muito mais sobre Cuba, vi crescerem em mim as dúvidas e interrogações que trazia.

Dúvidas e interrogações que também dividem os próprios cubanos e que se exprimem bem na sua fraseologia sagaz, que tão depressa designa a mistura de Rum com Coca-Cola (os dois símbolos das duas nações rivais) de Cuba Libre, como lhe atribuem matreiramente a designação de Mentirita.

Afinal onde está a verdade?

Provavelmente no meio, como em tudo na vida.

Nomeações polémicaspor Manuel Lopo de Carvalho

1 – Os árbitros vão voltar a ser nomeados, acabando de imediato o seu sorteio para os jogos. Eis a decisão histórica que os dirigentes do nosso futebol tomaram esta semana!

É um facto que o argumento dos dirigentes da arbitragem de que “os melhores árbitros devem dirigir os jogos mais difíceis” traduz uma evidência. Mas é igualmente verdade que o que tem minado a credibilidade do futebol são as suspeições que permanentemente pairam sobre ele.
E foi precisamente por existirem inúmeras e nalguns casos fundadas dúvidas sobre isenção e independência dos árbitros e dos seus dirigentes que se acabou com as nomeações e se adoptou o sorteio.
O que se passou então que levou a alterar o procedimento existente?
Os dirigentes da arbitragem são outros? Os árbitros passaram a ser todos incorruptíveis? O sorteio era falseado?
A resposta a estas questões é evidentemente negativa.
Estamos, pois, em minha opinião, perante um lamentável e gritante erro dos dirigentes do futebol.
Ao preferir a institucionalização da suspeição que caracteriza as nomeações em detrimento da aleatoriedade do sorteio, os nossos iluminados dirigentes deram um autêntico tiro na, já de si debilitada, credibilidade do futebol.
Se com o sorteio as dúvidas sobre a seriedade dos árbitros já eram generalizadas pode imaginar-se o que vai suceder agora.
A mínima dúvida sobre qualquer lance mais polémico vai imediatamente dar origem à acusação de que o árbitro se vendeu ao adversário.
Em vez de se procurar anular os focos de conflito, o que se fez foi potenciá-los.
O sorteio não resolvia todos os problemas? É evidente que não. Mas também é evidente que não os aumentava, como vai ser agora o caso com as nomeações.
Esta decisão dos dirigentes do futebol, pressionados pelos dirigentes da arbitragem, pelos vistos sedentos de recuperarem o poder que já tiveram, ficará certamente na história pela negativa. Nem o argumento de que noutros países com um futebol mais poderoso se faz assim, ou que nas competições internacionais o procedimento também é o mesmo, me parece suficiente para ultrapassar a questão básica da suspeição. Eu diria antes que o que é preciso fazer é, também nessas situações, introduzir o sorteio e quanto menos condicionado melhor.
Ou já alguém se esqueceu do que se passou no último Mundial na Coreia, por exemplo, com o afastamento da Espanha no jogo com a equipa da casa?
Ou dos jogos para as competições europeias que metam equipas italianas contra equipas portuguesas?
Ou do penalty assinalado contra a Rússia no estádio da Luz, a castigar o derrube do Chalana a quatro metros da grande área, do qual resultou o apuramento de Portugal para o Europeu de França?
Ou desta situação, e daquela, e daqueloutra? São tantas que nem vale a pena referi-las.
Uma correcção final. O poder de nomear os árbitros não convém só aos seus dirigentes. Convém também aos dirigentes dos organismos em que se integram. Os exemplos atrás citados são disso exemplo.
O que está por detrás de tudo isto são sempre interesses económicos. Desde a corrupçãozinha de um fiscal de linha para não ver um fora de jogo, à necessidade de apurar a Coreia do Sul para as meias-finais do Mundial realizado precisamente naquele país, tudo gira à volta do dinheiro.
Haja pois a lucidez de diminuir a sua influência recorrendo ao aleatório. Caso contrário, a ideia de que o futebol é fértil em corrupção vai vingar, vai crescer e vai conduzir inevitavelmente à sua total descredibilização. Depois de totalmente descredibilizado, é certo que o seu futuro não será brilhante.

2 – O Sporting conseguiu, embora a muito custo, vender Quaresma. Com o dinheiro realizado procedeu a algumas aquisições, reforçando a equipa principal, que apresentava sérios indícios de envelhecimento e de falta de qualidade nalguns lugares-chave. Pode assim dizer-se que criou as condições mínimas para poder voltar a assumir-se como um candidato credível ao título.
Pelo caminho deixou os benfiquistas em estado de choque, pois foi buscar precisamente os jogadores que eram dados como certos no Benfica. Há mesmo quem diga que, para reforçar o lugar de defesa esquerdo, dada a sofrível qualidade de Rui Jorge, o Sporting aguarda ansiosamente pela indicação do Benfica quanto ao jogador que gostava de contratar.
Curiosa é, no mínimo, o que se pode dizer da reacção dos “notáveis” dirigentes do Benfica ao justificarem o falhanço da contratação de Silva, Ricardo e Polga. Alegaram os referidos “notáveis” que estas contratações não se enquadravam na política de rigor financeiro e de recuperação da instituição. Muito bem.
Mas então o que aconteceu nas últimas duas épocas quando foram contratados Roger, Nuno Gomes e Simão Sabrosa, por milhões de contos?
Ou, já esta época, como se enquadra a compra de Ronald Garcia, suplente do Alverca, por trezentos mil contos, com a anunciada política de contenção e recuperação económica e financeira?
Não havia rigor financeiro e agora passou a haver?
O Benfica estava financeiramente pujante e de repente ficou arruinado?
Em que é que ficamos?
Perante a incoerência e contradição dos argumentos utilizados face a repetitivos comportamentos anteriores, é caso para dizer, recorrendo à sabedoria popular, que “a carapuça é para quem a enfia”.

O enguiço do Côapor Ilda Figueiredo

Sabe-se que o Governo continua com uma única prioridade – cumprir o objectivo de redução do défice do Orçamento do Estado. Mas para perceber o real alcance desta medida no estrangulamento do País, no retrocesso do desenvolvimento regional e local encetado após o 25 de Abril de 1974, exige que se saia de Lisboa ou do Porto e se vá até ao interior.

Foi o que fizemos no último fim-de-semana. Começámos por Almeida, onde pudemos constatar a indignação que ali se vive pelo anúncio da venda da Pousada Senhora das Neves. Autarcas, população e trabalhadores temem pelo futuro, não só da pousada e do emprego de quem ali trabalha, mas pelo forte impacto negativo que tal medida terá no desenvolvimento desta zona fronteiriça, com um passado e uma história que merecem um mínimo de respeito e de atenção dos governantes portugueses.
Ora, mesmo após a alienação lamentável de parte do património da Enatur, a maioria do seu capital continua a ser público, pelo que cabe ao Governo impedir a venda e manter em funcionamento normal a Pousada Senhora das Neves, situada em pleno coração do centro histórico de Almeida, que mantém condições ímpares para ser um pólo dinamizador do turismo cultural de toda a zona do Vale do Côa, rica pelo seu património cultural e natural, a que falta a promoção pública para incentivar mais investimento, mais emprego, mais turismo, e impedir a desertificação crescente das zonas do interior do País.
A Pousada Senhora das Neves, construída no interior das importantes muralhas de Almeida, que é uma verdadeira âncora para a promoção do turismo da região, pode e deve ser completada com outros investimentos públicos, designadamente piscina, museu militar a instalar nas casamatas das muralhas, continuando o trabalho meritório já realizado em Almeida.
Mas o seu pleno aproveitamento está ligado ao destino da pousada e ao roteiro do Côa, onde se junta a beleza natural e o património construído, como, logo a seguir, se pode ver em Trancoso, em Marialva, em Foz Côa, e em todo o parque arqueológico da região. Para não falar de Espanha, ali ao lado, com Salamanca e outras zonas históricas, com quem Portugal podia desenvolver projectos integrados de desenvolvimento, aliando a cultura ao desenvolvimento, e apostando na captação de fundos comunitários, como o Interreg e outros para zonas fronteiriças, em que agora a Alemanha está a apostar com o argumento da adesão dos países de leste com quem faz fronteira.
Só que também o parque arqueológico está enguiçado. É certo que o enguiço vem já do governo anterior, embora tenha o mérito de, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 4/96, publicado em 17 de Janeiro, ter decidido mandar avaliar o património mundial de valia indiscutível, abrindo caminho à sua preservação na inserção natural em que se encontra, e eliminando em definitivo a hipótese de construção da barragem. Mas o engenheiro António Guterres abandonou o governo antes do início da construção do museu, peça-chave para a dinamização de todo o projecto de desenvolvimento da região.
Só que o enguiço continua com o actual Governo. O projecto de museu, cuja maqueta pude ver em Foz Côa, estava orçamentado e pronto a avançar como bandeira da região e marca do sítio, junto das instalações da barragem interrompida, símbolo da substituição da política do betão pela aposta forte na política cultural no interior do País, foi cancelado pelo actual Governo.
Inadmissivelmente, tudo voltou à estaca zero.
Sabe-se que, recentemente, foi lançado um concurso de ideias para um novo projecto de museu, noutro local, e que se terá iniciado o processo de expropriações.
Mas, dado que ainda não há sequer um novo projecto, e muito menos qualquer orçamento, correm-se sérios riscos do parque arqueológico continuar sem museu até finais da década actual, o que constitui um sério revés para o desenvolvimento de toda a região, e, possivelmente, uma oportunidade perdida de utilizar fundos comunitários, quando tanto se precisa de investimento público.
Daí que a minha indignação tenha sido vertida para uma carta endereçada ao ministro da Cultura, embora mais propriamente o devesse ter sido ao primeiro-ministro. É que não é apenas a cultura do País que está a perder com a situação, mas todo o desenvolvimento de Trás-os-Montes e Alto Douro.
É urgente que se quebre este enguiço que estrangula o desenvolvimento do Vale do Côa. O Governo deve ir reunir na região, rever os projectos e calendários que tem para a construção do museu arqueológico do Côa, dada a sua inegável importância para a projecção da riqueza cultural deste vale e para o desenvolvimento desta vasta zona do interior do País, cujo desenvolvimento turístico, em estreita ligação com a zona de fronteira, pode ser integrado num projecto mais vasto com a Espanha, servindo de âncora ao desenvolvimento do turismo cultural e ao desenvolvimento regional, combatendo, assim, a desertificação crescente das zonas do interior de Portugal.

A doença e o inquéritopor Jorge Ferreira

O líder do PS afirmou no passado fim-de-semana que o País está doente. Santana Lopes defendeu no domingo um inquérito parlamentar à legalidade das escutas ao líder do PS, depois de Paulo Pedroso ter sido preso preventivamente, escutas essas que o “Público” quantificou e que o DN e o JN negam que tenham existido.

Primeiro: a assinalável divergência entre três órgãos de comunicação social de “referência”, como se costuma dizer, passou despercebida no meio desta confusão. E é preocupante do ponto de vista da credibilidade da comunicação social. Quem mente, quem diz a verdade e quem mente, mente porquê? Por que foi enganado? Por que foi intoxicado? Bom, seja lá quem for que tem razão, pergunto-me se os jornais que se enganaram e ao serem enganados, enganaram, não devem uma palavrinha aos seus devotados leitores sobre o assunto…

Segundo: um dos riscos da hiperinformação em que hoje vivemos é o de rapidamente esquecermos o essencial, face à torrente de pormenores com que a comunicação social delicia a opinião pública.

Entre a roupa do juiz Rui Teixeira, os “fait-divers” do procurador-geral da República, ou o que os presos nas alas VIP comem, ouvem e lêem, todos somos entretidos, quase sem darmos por isso, com o acessório que nos faz distrair do essencial.

Não sei, nem posso saber se Ferro Rodrigues tem razão. Não conheço o processo. Se eu fosse jornalista provavelmente mão “amiga”, violadora eternamente impune do segredo de justiça, já me teria feito chegar algumas peças processuais. Mas não sou. Quando o processo deixar de estar em segredo de justiça será possível saber o que sucedeu.

Mas o que eu sei é que o País está doente há muito tempo. Um problema como o da pedofilia na Casa Pia, que consegue desenvolver-se sem que instituições políticas, responsáveis políticos, polícias e comunicação social mexam um dedo durante dezenas de anos, só prova que Portugal é um país doente. Doente de indiferença. Doente de silêncios. Doente de cumplicidades e de encobrimentos. Mesmo alguns que agora não se cansam de exibir preocupações com as crianças, estiveram lá antes… e nada.

Mas também doente de costumes. Julgo mesmo que se um pedófilo viesse agora a público assumir os seus actos corria o sério risco de ser “absolvido” pela coragem de o fazer. Tal é a inversão de valores na escala das sociedades contemporâneas.

Ora, sugestão oportuna e justificada, antes de um inquérito às escutas num determinado processo de investigação criminal (cuja utilidade em tese nem sequer discutimos), teria sido a de fazer um inquérito parlamentar sobre a responsabilidade política do que sucedeu na Casa Pia. Mas esse inquérito, o verdadeiro inquérito e “pai” de todos os outros inquéritos, ninguém com responsabilidades no arco da governação o sugeriu até agora. Espantosamente.

Com a vossa licença, sugiro eu.

Lisboa, 24 de Julho de 2003