2025/06/26

Política portuguesa: questões pendentespor Pedro Cid

Durão Barroso tem razões de sobra para umas férias tranquilas. Todos os dias vê engrossar aqueles que “não dando nada por ele como primeiro-ministro”, começam a acreditar nas suas capacidades como governante. Agora já não se trata nem de sorte nem de capacidade de resistência: já há provas dadas.

A liderança de Durão Barroso é inquestionável e essa imagem em alta reflecte-se, positivamente, na imagem global do Governo.
Problemas há muitos, centrados, sobretudo, nas questões económicas e financeiras, mas, o essencial – ganhar credibilidade e o respeito do País – está conseguido.
No plano estritamente político, Durão Barroso tem alguns dossiês delicados para gerir. Se é verdade que a coesão da coligação PSD/CDS/PP não pode ser desmentida, à medida que o tempo passa, colocam-se em cima da mesa algumas questões, das quais não é de excluir que a fidelidade dos populares exija um “plafond” de crescimento da sua influência política, que pode causar embaraços às estruturas social-democratas. É que o crescimento da influência política deve ser ponderado, uma vez que não é compreensível que o PSD se deixe diminuir para o CDS/PP crescer. O crescimento, a ocorrer, deve ser à custa dos eleitores da esquerda e em particular a faixa de votantes no PS. Além disso, é desconhecido o impacto eleitoral do Partido da Nova Democracia, de Manuel Monteiro. E este é um tema que só pode ser analisado depois de um primeiro acto eleitoral de envergadura, já que nas eleições europeias – onde o PND vai concorrer – há uma muito grande percentagem de abstenção, embora, como se trata de um círculo nacional, não seja escandalosa a eleição de um ou dois deputados do PND ao Parlamento de Estrasburgo, o que, se se verificar, constituirá já um grande rombo entre os partidos instalados… Uma coisa me parece certa: o PND tem um conjunto de personalidades até agora mais ou menos virgens de actividade política, gente com experiência na sociedade civil, com influência nos seus círculos de actividade profissional. Isso não é mensurável, nesta altura, constitui potencialmente uma força nova a disputar o espaço político ocupado pelos outros partidos. Espero que o PSD não olhe com desprezo para o PND e não aja como se ele fosse inexistente. Pode ter dissabores. É preferível fazer a festa depois de contados os votos, do que antes.
Um crescimento eleitoral do PSD, somando os seus votos, enquanto partido, com a mais-valia de Durão Barroso pode, por outro lado, conduzir à tentação de considerar dispensável o CDS/PP na formação do futuro Governo, no termo da actual legislatura, isto é, uma decisão nesse sentido terá de ser tomada algures no primeiro semestre de 2006. Ainda há muito tempo. Mas é bom reflectir e tomar decisões mutuamente consensuais entre os actuais parceiros de Governo. O exemplo alemão pode ser trazido à colação: o SPD e os Verdes concorrem com listas separadas, num pacto informal de não agressão entre si, isto é, com a predisposição – verificada, à tangente nas recentes eleições – de continuarem coligados no governo do País. PSD e CDS/PP, em Portugal, podem fazer o mesmo. No curto prazo parece inevitável a apresentação de uma lista conjunta PSD/CDS/PP ao Parlamento Europeu, bem como a coligação entre os dois partidos na Região Autónoma dos Açores, como garantia prévia de que os socialistas serão desalojados do poder
O dossiê mais delicado que Durão Barroso tem para gerir, num tempo cada vez mais escasso, é o das presidenciais. Alguém escreveu esta semana, com absoluta razão, que seria redutor que o candidato presidencial fosse objecto de votação (ou de escolha entre mais do que um candidato) num Congresso partidário. O PSD não cairá nessa armadilha. A candidatura presidencial é um acto decisório individualmente tomado por quem se sente disponível para travar, com outros, um combate político e eleitoral com vista à escolha do Presidente da República. Ou seja, primeiro têm de ser conhecidos os cidadãos candidatos. Só depois é que os partidos escolhem e apoiam. É preciso lembrar estas coisas. São comezinhas, é verdade, mas lineares e bloqueadoras de raciocínios enviesados. Nem vale a pena falar no naipe dos candidatos possíveis, onde continua a pontificar o nome de Cavaco Silva. A questão só tem, neste momento, foros de certa importância porque o PSD gostaria de cumprir o desígnio de Sá Carneiro: uma maioria, um Governo e um Presidente. E com Cavaco Silva, e só com ele, as hipóteses são aliciantes…
À esquerda, o PS vive a sua mais dramática crise interna, desde a sua fundação há trinta anos. Ferro Rodrigues, a cada dia que passa, fragiliza a sua liderança. É um político em perda, com constantes declarações desastrosas, todas marcadas por um fantasma que tem sido incapaz de exorcizar: a prisão preventiva de Paulo Pedroso. É certo que, a ser verdade, que o(s) seu(s) telefone(s) está(ão) sob escuta tal facto não pode deixar de causar perplexidade e um enorme incómodo, não apenas para o PS mas para a generalidade da opinião pública. Certo é que o PS é o maior partido da oposição, é alternativa de poder e a democracia enfraquece-se com as suas debilidades. É por isso que Ferro Rodrigues deveria já ter renunciado à liderança do PS, dando lugar a outro em melhores condições políticas e que dê mostras de menor nervosismo e com mais capacidade para fazer oposição à actual coligação.
O PCP continua também na mó de baixo, sem capacidade de auto-regeneração. Depois das eleições de 2006 será apenas um partido residual.

Liberdade como hábitopor Francisco Moraes Sarmento

Uma das virtualidades da economia digital é fazer da liberdade um hábito, essa segunda natureza do homem. A teoria radica a liberdade no Espírito e, em termos operativos, no pensamento.

Desta perspectiva, a todo o tempo existe liberdade radicada no indivíduo que dela terá maior ou menor consciência conforme o seu grau de maturidade na arte de pensar. Não obstante, sob este ponto de vista, a liberdade não depender dos condicionalismos políticos, culturais e económicos, a inocência da criança, a idealidade do jovem e a imaginação do adulto são influenciados pelas instituições e, principalmente, pelas finalidades dadas ao ensino.

O repúdio pela arte de pensar cria escravidão e a infelicidade dos povos.

A liberdade carece de realização. Mesmo que o direito faça dela seu princípio e finalidade, bem sabemos que a “liberdade de expressão” é um mito das sociedades modernas. As opiniões, as necessidades e os desejos de cada um não são comunicáveis socialmente, a não ser às pessoas das nossas relações familiares, profissionais ou de amizade.

A atitude do consumidor é passiva perante os “fazedores de opinião”, ou os licenciados para publicar opinião, e a intervenção do Estado.

Massificar ideias, promover o espírito gregário, condicionar a procura e limitar o uso do dinheiro como instrumento de liberdade caracterizam a nossa sociedade em trânsito para um novo ciclo.

A Internet permite que as opiniões, as necessidades e os desejos individuais tenham influência social. A mais pura subjectividade goza de liberdade de expressão, ou seja, exprime-se socialmente sem censura das entidades intermediárias que procuram condicionar o ambiente oficial e institucional. O novo elemento altera relações de poder e cria hábitos e comportamentos. A liberdade é o novo requisito dos consumidores e caracteriza o contexto.

A censura é, cada vez mais, um acto bárbaro. Os tradicionais métodos já não bastam e há quem se apresse a conceber novos processos de controlo. O acto censório garante-se na justificação moral para obter a aprovação social. Este “consenso” coloca-nos facilmente a um passo da ditadura.

Discurso desnecessáriopor Rui Teixeira Santos

Vem nos manuais do marketing político que, antes das férias, não se desgasta a imagem com entrevistas, nem se anuncia nada de novo, guardando-se o melhor para a “rentrée”.

E foi com este pano de fundo que Ferro Rodrigues deu uma entrevista à SIC e Durão Barroso deu outra à RTP, tudo na última semana, antes das férias.
E o mínimo que se pode dizer é que ambas as entrevistas foram de uma total inutilidade, fazendo-nos perder por junto duas horas e demonstrando que nem um nem outro estão a ser convenientemente aconselhados.
Se Durão Barroso nada disse de novo (excepto que ia a Cabo Verde e que trabalha catorze horas por dia, o que é bem melhor que ir para o Brasil e estar contactável apenas depois do meio-dia), dando campo para que a oposição se assumisse e aproveitasse este Verão do nosso descontentamento, o que é mais espantoso é que Ferro Rodrigues tenha decidido, em vez disso, fazer oposição ao próprio partido atacando Guterres e o Governo de que fez parte.
Ferro Rodrigues não pode ser ingénuo se quer chegar a primeiro-ministro e liderar o maior partido da oposição, acusando agora a entrevista da SIC de ser conduzida por um transformista ao serviço do ex-comunista Pina Moura que, deste modo, sobrevive à certa morte política e tenta branquear a sua desastrosa governação. Só que isso não pode ser Ferro Rodrigues a dizê-lo, sobretudo quando, agora, os números do buraco orçamental dizem que a derrapagem no défice corrente é superior a trinta por cento e que Ferreira Leite não tem mão no Estado, nem sabe dar a volta à economia.
Barroso foi à RTP dizer, repetir o que ele próprio já tinha dito no Parlamento, ou o que Ferreira Leite tinha dito na televisão. Beneficiava ainda de eventualmente conhecer as perguntas e saber antecipadamente que, nem sobre o golpe de Estado em S. Tomé ou sobre o terrorismo no Iraque, lhe iriam fazer perguntas difíceis, numa demonstração que a RTP faz serviço público ou serve de arma ideológica do Governo.
Ficou claro que os temas do momento são a “justiça” e a “economia”. A justiça já nem preocupa o primeiro-ministro, com a insensatez de José Miguel Júdice, a querer meter juízes e funcionários nas cadeias, e os disparates de alguns magistrados, que até dizem, sem provas, que há “lobbies”, e fazem ameaças nas televisões, para já não falar no Presidente da República, preocupado com o facto de haver quem diga estar preso sem saber porquê, ofendendo assim o maior valor humano a seguir à vida – o da liberdade -, que deve estar acima do Estado de Direito e da conveniência de Estado, conforme decorre da Declaração dos Direitos do Homem.
E se, no caso da justiça, o envolvimento do PS no caso da Casa Pia lhe retira espaço, Barroso sentiu também que nem sequer precisava de alterar uma vírgula ao seu discurso, porque, em matéria económica, Ferro Rodrigues acabava por ser o verdadeiro coveiro do seu próprio partido.
Mesmo assim, Durão Barroso sabe bem que errou ao escolher Ferreira Leite e sabe ainda que a política do Governo em matéria económica é, não só, insensata como ainda incorrecta, estando os resultados desastrosos à vista e mesmo não sendo este o momento para o admitir, é de notar que começo a introduzir no discurso uma nota de maior confiança no futuro, o que é necessário para inverter as expectativas. Barroso não se esforçou muito, para além de “vão de férias e regressem que depois falaremos”, até porque ele e o seu grupo desconfiam dos empresários nacionais, e acham que só com o dinheiro dos estrangeiros é que é possível uma alteração do modelo económico assente basicamente em mão-de-obra. Para entreter os provincianos, o primeiro-ministro fala dos elogios da imprensa estrangeira e do insignificante investimento da Mitsubishi.
Barroso tem noção que o País não está a competir com a Hungria ou a Polónia na captação de investimento estrangeiro, porque hoje já não somos mais uma economia emergente, mas sim um país desenvolvido. E que, assim sendo, nós competimos directamente com os países que mais atraem investimento no planeta e que são exactamente os EUA, a França, a Inglaterra e o Brasil. Ora, aquilo que esses países têm é um mercado interno enorme e optimista, a consumir e a endividar-se para consumir. Portugal foi uma história de sucesso na captação de investimento estrangeiro enquanto o seu mercado interno era atractivo porque os portugueses, dez milhões com um poder de compra interessante, garantiam um mínimo para a sobrevivência de uma indústria que depois exportava o resto. Investimentos como o da AutoEuropa, que salvaram o cavaquismo, foram excepcionais e o País pagou com fundos e isenções fiscais mais à Ford e à WW do que o montante de investimento que em dez anos eles realizaram em Portugal.
Barroso sabe bem que é mais um disparate, para consumo interno, o programa da API para a valorização estratégica do Douro como grande destino turístico, quando sem dúvida o que deveríamos vender era Portugal, limitando isso à imagem do Algarve (a mais competitiva) e de Lisboa (a com maior potencial e que acaba por ainda ser o destino mais exótico dentro da Europa). O Douro não tem, nem qualidade patrimonial, nem clima para concorrer com os circuitos semelhantes, sem um investimento colossal que o País não pode nem deve realizar agora, qualquer economista mediano e não bairrista percebe.
Barroso sabe bem que o pagamento especial por conta é um erro e uma injustiça e que está a ser demagógico, quando diz que os contribuintes particulares também descontam, porque sabe que isso é mentira, dado que o IRS desconta-se em função do que já foi recebido. Barroso sabe bem que é notável, do ponto de vista comparativo, que, numa economia em recessão, mais de 45% das empresas apresentem lucros, quando todos sabemos ainda que muitas delas não são extintas, porque a burocracia e o custo não o justificam. Barroso não vai intelectualmente “no canto dos cisnes” dos transformistas ex-comunistas e dos oportunistas do costume, que deram cabo de Guterres e que agora elogiam o seu governo, sabendo o caldo em que se está metido.
Barroso sabe isso tudo, mas sabe também que, quanto mais tempo prolongar esta agonia, mais dócil fica o País, quando, por impulso externo, a economia portuguesa acordar deste sonho mau, e que isso o pode beneficiar a si. Ainda para mais, Ferro é o seu seguro de vida, pelo que não tem que se preocupar à esquerda.
O problema de Barroso é mesmo do lado da sua maioria e isso ficou patente também na entrevista a Judite de Sousa, na RTP, falando indirectamente para Pedro Santana Lopes, depois de, em Conselho Nacional, ter imposto o silêncio sobre as presidenciais. O candidato presidencial do Governo “será aquele que melhor servir o interesse nacional” e não o interesse do partido, disse. Santana que se cuide.
No meio da total inutilidade da entrevista do primeiro-ministro, que esteve desnecessariamente a desgastar a sua imagem, antes das férias, fica claro que Barroso quis apenas insistir publicamente que tudo continua com antes e que só depois das ditas férias, eventualmente na “rentrée” do Pontal recomeçarão as hostilidades.
O que fica por saber é se os outros concordam com os dias sossegados que Barroso promete…

O REGRESSO DA POLÉMICA CONSTITUCIONALpor Jorge Ferreira

Alguma direita portuguesa parece ter acordado para o pesadelo ideológico que a Constituição ainda representa. Depois de anos de anestesia, em que o anacronismo ideológico constitucional permaneceu adormecido, eis que subitamente várias vozes se voltam a erguer contra o conservadorismo de esquerda que domina a lei fundamental.

A CIP, que durante anos se bateu por uma Constituição dessocializada, que servisse o futuro da economia e das empresas, desistiu durante muitos anos desta combate. Agora, após a declaração de inconstitucionalidade de quatro normas do Código de Trabalho, lembrou-se de voltar a empunhar a ideia da revisão da Constituição.

O CDS, que passou pela revisão constitucional de 2001 sem que uma ideia se lhe ouvisse sobre a necessidade de alterar profundamente a Constituição, veio agora chamar a atenção para problemas da Constituição que havia negligenciado nos últimos anos.

Cronista aqui, cronista ali, voltou a ser possível ler opinião acerca dos estrangulamentos constitucionais que impedem mudanças essenciais na legislação social, do trabalho, do sistema de segurança social e da saúde.

Isto, para já não falar nas várias matérias do sistema político.

Para quem sempre defendeu a necessidade de uma profunda alteração constitucional em Portugal, estas preocupações cíclicas aparecem como episódios de uma determinada conjuntura política, muito mais do que uma firme convicção na necessidade da reforma constitucional. É pena. Porque a verdade é que Portugal precisa mesmo de uma nova Constituição.

Uma Constituição não socialista. Menos programática e por isso mais respeitada. Mais virada para o futuro, do que museologicamente prisioneira do passado. Mais curta e por isso mais legível e perceptível pelo cidadão comum. Que defenda a soberania do confisco constitucional europeu. Que reforma o sistema político e eleitoral.

Evidentemente que o pretexto do Código do Trabalho é em parte falacioso. A verdade é que este Código (é caso para perguntar qual Código, tantas as cambalhotas que aquele articulado já deu…), é uma oportunidade perdida, que talvez não se repita tão cedo.

Não virá longe o tempo em que a utilidade prática do Código ficará à vista de todos quando virmos o PCP e a CGTP a fazer do seu cumprimento sem cedências uma bandeira política fundamental. Sim, serão eles os principais defensores no futuro deste Código e do seu intransigente cumprimento.

Talvez aí se perceba melhor a dimensão da mudança…

Lisboa, 17 de Julho de 2003

Uma questão de jeitopor Carlos Abreu Amorim

Rui Rio encontra-se numa encruzilhada difícil. A sua vitória na Câmara do Porto apenas lhe deu 6 vereadores (4 do PSD e 2 do CDS), sendo que os socialistas têm exactamente o mesmo número de lugares.

Há, depois, um vereador da CDU, Rui Sá, que desempata o que quer e como quer. Rui Rio queria romper com a lógica dos executivos anteriores. Acabar com os compadrios, os esquemas turvos, a política de engana-tolos do foguetório e das reverências futebolísticas. Mas a intransponível aritmética dos lugares da vereação não lhe permite ir muito longe. Mesmo assim, podia tentar. Conquistar os seus objectivos com aquela dose de engenho que permite que algumas causas políticas sejam alcançadas sem que se perca o mais importante durante o percurso. É essa arte que gradua os políticos. Feita de instinto, de raciocínio e de emoção, de entendimento do verdadeiro sentido das coisas. Costuma-se-lhe chamar jeito. Raramente se aprende ou se ensina – do jeito, diz-se, que das duas uma: ou se tem ou não. Na cidade, Rui Rio engalfinhou-se com tudo ao mesmo tempo. Na ânsia de fazer melhor, perdeu a sabedoria da espera do momento, esqueceu o valor da oportunidade. Quis contestar sem proporção, guerrear sem estratégia. O resultado é uma cidade cada vez mais zangada consigo própria. Que constantemente se automutila no seu amor-próprio. Que somou à decadência, que a submerge há décadas, ressentimentos difíceis de superar.
Claro que resta sempre o enorme e raríssimo benefício de ver alguém indisputadamente sério à frente de uma autarquia local em Portugal. Mas se a honorabilidade de Rui Rio nunca foi posta em causa, já o mesmo não se poderá dizer de algumas das escolhas dos seus colaboradores. Por exemplo, não pode deixar de causar estranheza que quem fez do fim da promiscuidade entre a política e o futebol um cavalo de batalha – e muito bem – nomeie para dirigir a recuperação do comércio da Baixa (e consequente atribuição de avultados fundos comunitários do programa URBCOM) um ex-braço direito de Vale e Azevedo, uma pessoa sem qualquer currículo profissional noutra área que não seja a “grande” que consta nos relvados ou nos corredores de acesso aos balneários dos estádios de futebol; falo do senhor Álvaro Braga Júnior. São contradições entre o que se diz e o que se faz, como acontece neste caso, que tornam a cor da política homogeneamente baça e desmotivante.
Há, no entanto, uma figura que se destaca pela positiva. Alguém que marcou o Porto, no último ano, pela enérgica reviravolta que imprimiu à acção do executivo: o vice-presidente, Paulo de Morais. Temendo-o, a esquerda tornou-o no seu principal alvo. Moções de censura, protestos, manifestações pré-fabricadas. Agora querem retirar-lhe as competências. Mutilá-lo politicamente. Para que Rui Rio, privado do seu principal amparo, fique cada vez mais sozinho.
A esquerda não quer a queda de Rui Rio. Para já. Preferem que ele fique no poder mais um ano e meio, pelo menos. Tempo suficiente para se desgastar sem retorno em conflitos inconsequentes, em acordos mal cumpridos com a CDU, com o constante prenúncio de traição do CDS e com a resistência passiva da máquina burocrática do município. Querem Rui Rio numa espécie de morte lenta de impotência política. Mas, também neste tema, o PS também não está de acordo, internamente. Sentado no regaço do presidente do FCP, Nuno Cardoso quer eleições antecipadas já – será a única forma de as disputar, impedindo a candidatura mais sólida e intelectualmente superior de Francisco Assis. Este seria o candidato socialista mais que provável depois de esgotados os fogachos populistas de Cardoso.
Rui Rio terá de tomar uma decisão nos próximos meses. A escolha é entre permanecer ao sabor das circunstâncias originadas pelos outros, ficando manietado numa teia política de que não conseguirá libertar-se (e que a população não compreende), ou provocar os acontecimentos e liderar a saída da crise. Foi por perceber que a situação na Câmara do Porto está próxima do insustentável que Luís Filipe Menezes se “candidatou” na semana passada. Tratou-se de um esforço desesperado e desastrado de tentar provar que não poderá existir qualquer solução no Porto sem ele. O que não é verdade, como se demonstrou em Dezembro de 2001. Curiosamente, a vitória que levou à demissão de António Guterres pode ser a primeira a desmoronar-se. Mas, como avisadamente dizia um portuense ilustre (embora incompreendido): “Prognósticos? Só no fim do jogo.”

P.S. No domingo passado, no programa “Herman Sic”, foi feito o aviltamento público de um deficiente mental. O apresentador daquele programa, entronizado no papel de “bobo do regime”, divertiu-se às custas de um demente, aproveitando-se da sua incapacidade e por causa dela. Não estranho que o tenha feito, já que essa personagem há muito que se colocou para além da redenção. Apenas considero extraordinário o silêncio das associações de defesa de tudo e mais alguma coisa, das ligas de sei lá o quê, dos grupos de contestatários profissionais, das Igrejas, das Ordens, das corporações, sempre tão dispostas a sentenciar. Agora calam-se. De facto, está em causa um deficiente mental, apenas. Por isso pode ser alvo de troça. Impunemente.