2025/07/17

Brrrrrr… vem aí a maioria absoluta do PS por Paulo Gaião

A seguir ao voto em Soares em 86, o voto com maioria absoluta em Sócrates pode ser o segundo grande fenómeno de voto com a cara tapada em Portugal

O voto de domingo promete ser o mais racional de sempre, com Sócrates na hora certa e no momento certo para vencer com maioria. O eleitorado, que tem sido inteligente a votar, desde que votou pela primeira vez em 1975, já deve ter percebido há muito que se fosse pelos méritos de Santana e Sócrates não votava. Mas, inteligente que é ( como o foi ao votar PS em 75 e 76, Eanes em 80, PRD em 85, Cavaco em 85, 87 e 89, Soares em 86, Guterres em 95, Santana em Lisboa/2001e até, com alguma benevolência, Sampaio em 96) o eleitorado pode votar no domingo, essencialmente, por razões de lógica, raciocínio e estratégia no PS, tapando a cara ao engenheiro Sócrates mas votando, real e estrondosamente, socialista. Pode ser, pois, o segundo grande fenómeno de voto com a cara tapada em Portugal, depois de Cunhal ter criado esta forma de voto em Mário Soares para Belém. Desta vez, a única diferença, é que o eleitorado está, espontâneamente, preparado para votar com palas, ultra-defendido para não cair em tentações desviantes, quer à esquerda, quer à direita, e entregar-se nas mãos do PS. Certamente que não vai ser feliz mas pode vir a ter algum descanso e estabilidade, deixando de andar com o coração apertado e os bofes de fora por causa da política.
Quais as razões deste voto, sem dúvida pouco saudável, mas parece que necessário? Votando, essencialmente para ser (e deixar-se ser) governado, o eleitorado livra-se do comportamento errático de Santana e do casamento instável entre Santana e Portas, votando, no fundo, por uma questão de instinto de sobrevivência, mesmo de estado de necessidade. Quase se entregando nas mãos de uma maioria absoluta do PS, como, em 1926, os portugueses de então se entregaram nas mãos de uma ditadura que não era uma forma curial de governo mas representava uma esperança depois de anos e anos de instabilidade na I República. Como a democracia não permite golpes de Estados, a maioria absoluta do PS pode ser a forma possível e sucedânea de um “putsh”. Em termos mais comezinhos, o eleitorado vai votar em Sócrates como se vota numa administração de condomínio, uma coisa que já de si é chata e ainda mais quando a administração cessante nem as luzes fundidas da escada sabia substituir.
O eleitorado tem a consciência que chegou ao fim da estrada. Daí que possa estar mesmo preparado para, no próximo domingo, engolir coisas que de outra forma não engoliria. Designadamente, as intimidações de Mário Soares de que os portugueses não serão responsáveis se não derem uma maioria absoluta ao PS e, claro, engolir Sócrates com as suas palmoadas cada vez mais irritantes, de que os seus adversários são deprimentes, de que são ridículos, de que tudo é um disparate pegado (assim mesmo), de que ele é o super-Sócrates e os outros são uma cambada de burros. O povo detesta estas volúpias de carácter (não passou despercebido que Sócrates tivesse interrompido o debilitado Jerónimo de Sousa, que pouco tinha aberto a boca, no debate da RTP) e estas manias virtuosas de que está acima dos outros. Dói que se farta na alma, ainda por cima porque deve haver consciência de que estes ares superiores vão aumentar no governo, mas não adianta questionar. O que tem que ser tem muita força. E há sempre pequenos lenitivos para disfarçar a amargura, processos que se criam para nos enganarmos ali, nos iludirmos acolá, autênticos mecanismos de defesa. É possível que, no domingo, muitos portugueses que votam PS construam o seu voto na base de um processo racional deste género, que os visa proteger e encerra em si um pensamento estratégico: o PS governou mal em 2001 mas pode ter governado pior porque governou sem maioria absoluta. O facto de o país ter chegado a um estado em que parece condenado a apostar, favorece Sócrates, como produto novo, e prejudica Santana e Portas, que foram poder e não funcionaram como deveriam ter funcionado. Tudo tem um preço. E o preço a pagar a 20 de Fevereiro, também pelo PP, pode ser o de a direita ser ainda mais penalizada do que o foi nas europeias do ano passado. O povo pode não admitir (não esquecendo, nem perdoando) a rábula ou a peça da vida real (para o caso pouco interessa) que Santana e Portas fizeram no último Outono, zangando-se, reconciliando-se, falando em irem separados às urnas. Na altura, pareceram óbvios os riscos destas atitudes, não se percebendo como é que dois partidos no governo, ainda com um horizonte de dois anos pela frente, podiam andar nestas cogitações, geradoras de preocupações no país e em Belém. Hoje, quando Santana repete que lhe interromperam a legislatura, a lembrança desta instabilidade na coligação é ainda mais negra. Depois, há outro aspecto onde o discurso do PS faz todo o sentido e que pode encaixar que nem uma luva nas linhas com que se cose o eleitorado. Não é só Santana e Portas quem estão a ser julgados a 20 de Fevereiro mas também Durão Barroso, o discurso da tanga, a política de Ferreira Leite, o beco sem saída a que Durão conduziu o país e que está, aliás, na origem do voto humilhante recebido nas europeias de Junho, mais um voto inteligente exercido pelo povo. Por último, o facto de o Parlamento não pode ser dissolvido durante quase dois anos é mais um dado que deverá induzir o eleitorado a votar, forçosamente, Sócrates. Há quem refira que o eleitorado não se rege por vissitudes político-constitucionais. Mas o que interessa é a ideia simples, mais ou menos percebida, que fica de que o país pode ficar ingovernável sem uma maioria absoluta. Fosse do PS ou do PSD. O eleitorado é inteligente mas pensa simples e não gosta de coisas sofisticadas. Esta, talvez, a explicação, para que aquilo que fosse desejável acontecer no próximo domingo, um estrondoso voto contra o sistema, através da abstenção, do voto branco ou do voto nulo, não possa ter lugar. E talvez até seja bom que não aconteça, no fundo com o eleitorado a dar aqui lições da arte de governar a comentaristas que vivem na estratosfera. Percebem-se, porém, as razões invocadas por Agustina Bessa Luís para votar Santana. Como, voltando à metáfora comezinha da administração de condomínio, se percebe que toda a gente simpática do burgo preferisse ter Santana Lopes como vizinho do que José Sócrates (uma pergunta que as sondagens não fizeram). Só que, muitas vezes, não é possível conciliar o útil e o agradável e, perante isto, não vale a pena perder tempo com quimeras do desejo.

A estratégia não ajuda.

Quando Santana Lopes e Paulo Portas acentuam que José Sócrates pode ficar refém do BE e do PCP depois das eleições do próximo domingo podem estar a cometer o erro estratégico de levar os indecisos a votarem no PS, exactamente para que o país possa ser governado, sem condições e sem estigmas, ora porque o BE é contra a NATO, ora porque o PCP é contra a Europa. Ainda por cima, outro erro estratégico, agora da parte do Bloco, pode também favorecer o PS. Quando Francisco Louçã repete que nunca irá para o governo com o PS, pode estar a levar muito votante à esquerda dos socialistas a votar útil em José Sócrates.

Não há razão para a direita perderpor Rui Teixeira Santos

Não há nenhum eleitor que tenha votado em Durão Barroso que vá agora votar em José Sócrates. Bem pelo contrário, o que assistimos é a uma mobilização extraordinária do CDS/PP, que bem pode permitir que o CDS/PP vá buscar votos suficientes para tirar deputados ao PS, por exemplo, em Coimbra ou em Viana do Castelo.

Não há nenhum eleitor que tenha votado em Durão Barroso que vá agora votar em José Sócrates. Bem pelo contrário, o que assistimos é a uma mobilização extraordinária do CDS/PP, que bem pode permitir que o CDS/PP vá buscar votos suficientes para tirar deputados ao PS, por exemplo, em Coimbra ou em Viana do Castelo. E basta isso para que o PS não tenha a maioria absoluta. A única questão agora prende-se com o PSD. Os cabeças de lista abandonaram a campanha, ficando em palco apenas Santana Lopes. (Em boa verdade eles eram todos terceiras figuras, pelo que até pode ter funcionado a favor. Veremos.)
É verdade que o poder não se conquista. O poder perde-se e o que a direita fez foi, exactamente, tudo o que pode para perder o poder: desde Cavaco Silva a Marcelo Rebelo de Sousa, de Pacheco Pereira a Freitas do Amaral, todos fizeram tudo o que podiam e sabiam para que o PSD perdesse estas eleições, no que foram acompanhados pela generalidade de imprensa e da opinião publicada e televisiva. Os governos da AD foram maus e, muito pior, é o desânimo que tomou conta do PSD e dos militantes do PSD nesta campanha. É inexplicável que os cabeças de lista não tenham feito campanha, certos que os seus lugares estavam assegurados. Só que alternativa é o transformismo, o jogo táctico de um guterrismo reciclado e sem soluções, que não entusiasma o País também.
Aliás, o síndroma transformista atacou também nos jornais, num misto de perda de dignidade e de valores, que tornou opaco o regime político. Já se tinha percebido isso com o Presidente da República. No próximo domingo à noite o mesmo Presidente terá definitivamente deixado tudo na mesma ou, pior ainda, contribuído para a falência deste regime político. E o efeito acaba por ser contrário ao pretendido, porque transforma em concreta a vitimização que caracterizou a campanha do PSD, tornando evidente que nada foi coincidência.
É este sentimento de excesso e de jogada traiçoeira que torna improvável que o eleitorado que votou antes no PSD vá agora votar no PS. Já ninguém vai atrás de Marcelo Rebelo de Sousa ou mesmo de Cavaco Silva, depois das cenas dos últimos capítulos. Não é possível julgar, e o eleitorado não o fará, um Governo com quatro meses, por muito mau que tenha sido e por muito inábil que tenha sido a sua comunicação. Por isso mudar não faz sentido, e o eleitorado não sente que pudesse ter melhor. A alternativa é a instabilidade e a instabilidade, neste contexto, significa transformar o País num casino e em dois banqueiros, repetindo a lamentável abordagem do conde de Burnay, em vésperas do colapso da monarquia constitucional. Isso só significaria que os ricos ficariam mais ricos à custa do empobrecimento das classes médias e do endividamento do País (que obviamente os banqueiros agradeciam). E, quanto mais pobre e mais provinciano o País fosse (os banqueiros são mais provincianos do que eram os militares que voltaram para os quartéis, ou que os políticos que falharam e destruíram o Regime Democrático), mais os banqueiros estariam defendidos da concorrência externa que não apareceria, e do futebol à comunicação social, da energia ao abastecimento de água, tudo passaria pela banca e ou pelos seus protegidos.
Há que ter consciência que, não havendo qualquer possibilidade do PS ter maioria absoluta, se não houver uma maioria de centro-direita, o País entra numa espiral de instabilidade que apenas novas eleições legislativas poderão pôr cobro.
Só que a interrupção da legislatura só pode, por imperativos constitucionais, ser feita depois de 20 de Novembro de 2006, ou seja, daqui a cerca de dois anos. Nos próximos seis meses a nova Assembleia não pode ser dissolvida, depois, nos últimos seis meses de mandato do Presidente Sampaio, este perde os poderes de dissolução e finalmente o novo Presidente da República, a ser eleito em Janeiro de 2006, só tomará posse depois de 20 de Março do próximo ano, o que significa que só terá poderes constitucionais para dissolver o Parlamento depois de Setembro, pelo que as eleições antecipadas só poderiam ser marcadas para fins de Novembro ou Dezembro de 2006.
E sem Governo, ou com Governos frágeis e instáveis (primeiro o PS sozinho, depois o PS com o apoio do PP, depois ainda o ensaio à esquerda e finalmente o Bloco Central para aguentar as coisas até às legislativas antecipadas), o poder cairia nas únicas instituições da sociedade civil que funcionam e que ganham com a crise e com o endividamento do Estado e o descontrolo das contas públicas, ou seja, os bancos.
E nesse sentido, parece cedo para que isso aconteça. Parece mesmo insignificante a “entourage” de Pedro Santana Lopes. O eleitorado do PSD até gosta do primeiro-ministro, mas pode ser tentado a dar um voto de protesto contra os Morais Sarmento, os Relvas, os Arnauds, os Aguiar Brancos e toda a gente que o circunda e que só faz perder votos. Só que esses são eleitos de qualquer modo (eis uma das perversidades desta democracia) e se o centro-direita não tiver a maioria, a instabilidade política será também a expressão da falência dos políticos e, portanto, o governo dos banqueiros.
Por muito interessante que seja para o filósofo político a discussão à volta da falência do regime democrático, o certo é que a sua reforma em estabilidade tem-se mostrado mais compatível com o crescimento económico e com o enriquecimento dos países. Se repararmos, toda a Europa, ao contrário de Portugal, tem mantido uma enorme estabilidade política, pelo simples facto que não há nenhuma razão para mudar de Governo e não há alternativas no quadro europeu às políticas actuais. Este realismo explica por que é que Blair vai para o terceiro mandato, por que é que Schroeder vai ganhar as próximas legislativas, ou por que é que Aznar apenas perdeu as eleições em Espanha por causa do atentado de Atocha no 11-M.
E no caso português há ainda uma razão adicional que prejudica substancialmente o PS: os partidos da esquerda, como o Bloco de Esquerda, e, sobretudo, o PCP, com este espantoso líder, Jerónimo de Sousa, conseguem estar a crescer ou pelo menos conseguiram estancar o crescimento do PS à esquerda, o que dificulta muito a vida ao líder do PS. Sem poder crescer à esquerda e com o eleitorado do centro sem vontade de votar no PS, ainda que a “burrice” da elite política da direita a tenha feito entrar num inexplicável processo de autofagia, os socialistas correm o risco de ter criado na comunicação social expectativas demasiado elevadas, que façam do resultado do próximo domingo sempre um mau resultado, prejudicando definitivamente a possibilidade de um governo minoritário. Acresce ainda a falta de credibilidade, num contexto de instabilidade política, do Presidente da República, cuja legitimidade já não servirá para sustentar nenhuma solução política que não tenha clara sustentabilidade parlamentar.
É, por isso, que a direita ainda pode ganhar as eleições de domingo.

Moçambique – um caso exemplarpor Pedro Cid

Arrisco mesmo dizer que Portugal tem um potencial único de emigração qualificada, que devia ser canalizada para os PALOP

Espanta-me a pouca atenção que os órgãos de comunicação social portugueses dão à actualidade – política, económica, social, desportiva e de natureza internacional – dos países africanos de língua portuguesa e até de Timor, cujo esforço de reconstrução e alinhamento estratégico estão a passar completamente à margem da opinião pública portuguesa.
Angola, Moçambique e S. Tomé e Príncipe são três países que estão em trânsito acelerado de mudança, na qual os portugueses deveriam estar mais empenhados, quer do ponto de vista do estabelecimento de parcerias contínuas, nos mais diversos sectores, quer no conhecimento mais pormenorizado do que ali se vai passando. A RTP África vai dando alguns “cheirinhos”, mas absolutamente insuficientes, no sentido que de os espaços africanos de língua portuguesa precisam das nossas parcerias – na construção civil, na actividade bancária, nos professores, nos profissionais liberais, no turismo, no investimento empresarial, seja ele agrícola ou industrial.
Entendamo-nos: África não é um novo maná, estão definitivamente enterrados os conceitos coloniais que vigoraram muito para lá do que seria de desejar, mesmo após as independências. Nalgumas questões sensíveis ao nível da pura política de relações de Estado, por exemplo na cooperação militar, Portugal nunca deixou de estar presente. O conceito de cooperação é que foi subvertido, precisa de ser enterrado sem pompa, nem circunstância.
Hoje, pode dizer-se que Moçambique é uma pujante democracia em fase de consolidação. Há um poder e uma oposição, legitimados pelo voto, conscientes, cada qual do seu papel na vida do País. Há um Parlamento Democrático onde se espelham as diversas teses políticas, em absoluta liberdade de expressão. Há uma vontade colectiva de fazer de Moçambique um grande país, de acordo com as suas fantásticas potencialidades e os seus poderosos recursos naturais. A paz é um dado adquirido e pode mesmo dizer-se que é irreversível. Depois de uma prolongada guerra civil, não pode exigir-se mais, nem fingir que não há dificuldades. Claro que existem – Moçambique precisa de duas gerações para ser auto-suficiente em matéria de quadros
Para atingir níveis de preparação escolar, no secundário e na universidade. Para consolidar a rede das suas infra-estruturas em pleno. É aqui que entram os portugueses, com vontade de assumir novos projectos de vida. Arrisco mesmo dizer que Portugal tem um potencial único de emigração qualificada, que devia ser canalizada para os PALOP. Aquilo que ficou dito em relação a Moçambique pode também aplicar-se a Angola, também numa fase de intensa reconstrução. Ainda há dias apanhei na RTP África uma reportagem sobre um novo bairro em construção, com qualidade de fazer inveja a muitos condomínios fechados que por cá se apregoam. Quando oiço dizer ao eng. Sócrates que a sua primeira medida se for eleito primeiro-ministro tem a ver com a preocupação pelos licenciados sem trabalho, penso logo na falta que eles estão a fazer em Angola e Moçambique, obtendo as contrapartidas justas, em matéria de remuneração e de projecto de vida. O colonialismo passou, mas a história que deixou o legado comum da língua subsiste e a estima recíproca pelos cidadãos portugueses é maior do que a relação com emigrantes de qualquer outro país estrangeiro.
O Presidente Jorge Sampaio cumpriu exemplarmente a sua função da mais alta representação do Estado, ao deslocar-se ao Maputo para testemunhar a posse do novo Chefe do Estado moçambicano, Armando Guebuza, que foi, aliás, dilecto colaborador de Samora Machel. Guebuza foi temperado com o tempo, e a sua costela antiportuguesa de 1975 parece hoje muito atenuada.
Tenho comigo uma fotocópia de um manuscrito do Livro de Honra da Barragem de Cahora Bassa onde, em 17 de Setembro de 1986, Samora Machel escreveu, entre outras coisas, o seguinte: “Os trabalhadores moçambicanos e portugueses fraternalmente, juntando o suor do seu trabalho, garantem que este empreendimento sirva os interesses mais altos do desenvolvimento e prosperidade de Moçambique. Moçambicanos e portugueses consolidam aqui a unidade, a amizade e solidariedade cimentadas pelo aço e betão armado que produziu Cahora Bassa.”
A mensagem do primeiro Presidente de Moçambique, há quase 20 anos, precisa agora de ter continuidade. Muitos portugueses, se receberem os adequados estímulos podem
entroncar-se com os moçambicanos, numa parceria atractiva: obterem melhores condições de vida, que não teriam no rectângulo europeu e contribuir decisivamente para o progresso de grande país africano!

O tempo anormalpor Jorge Ferreira

Os campos agonizam com uma seca de frio e de Inverno e a política agoniza com uma seca de dignidade e de interesse

Portugal regressou ao tempo da Campanha Alegre. Os campos agonizam com uma seca de frio e de Inverno e a política agoniza com uma seca de dignidade e de interesse, com a cumplicidade do “star system”.
Seca de ideias: Santana Lopes e Sócrates fogem das ideias como o diabo foge da cruz. A tirania do ultramarketing político moderno pode ser a perversão da essência da democracia, que é o confronto e o debate de ideias. A ideia é que, quanto menos falar do concreto, mais votos tem.
Constituição, Constituição Europeia, referendo, política orçamental, política económica, Pacto de Estabilidade e Crescimento, investimento, educação, saúde, portagens, sistema fiscal, contrato social, isto é, o que está compreendido nas contrapartidas públicas pelo pagamento de impostos, empresas, acesso à Justiça, tudo isto e muito mais são contratempos que os candidatos concordam em evitar.
Seca de interesse: quando o tema de campanha por excelência é a boataria, nos cidadãos, já de si enfastiados pelo triste espectáculo em que o País vive desde que Durão Barroso foi embora, aumenta a descrença e a indiferença, com o perigo da abstenção a espreitar. Nada garante que os indecisos das sondagens optem por votar.
Seca de democracia: as opções eleitorais do País estão seriamente condicionadas pela mediocracia. São as televisões, não o povo quem decide quem se ouve, quem se vê e, consequentemente, em quem não se vota. Estações privadas fazem coberturas cubanas de discursos cubanos de mais de uma hora, de quem querem e lhes apetece, sem garantirem a equidade no tratamento das várias candidaturas. Violam despudoradamente a Lei e o alegado Estado de Direito está desarmado e não actua. O Presidente da República está calado, como se nada se passasse. Marcelo Rebelo de Sousa também.
O problema é quando começar a chover. A água chegará, mesmo fora de tempo, violenta e arrasadora. E ao queixume das sementeiras agonizantes sucederá o queixume das inundações e da falta de prevenção. Nessa altura se calhar já teremos um novo Governo, que se queixará do anterior e da pesada herança que lhe deixou. A campanha alegre destes dias de telenovelas venezuelanas baratas e de mau gosto dará lugar a mais uma campanha triste de desgraça nacional e do fatalismo lusitano.
Do que isto está mesmo a precisar é de uma varridela. Democrática. Em urnas. Pelo voto. Ousará Portugal?

Alimentar a roda?por Manuel dos Santos

Barroso, já demonstrou,(…) que tem a capacidade, ou a sorte, de estar presente no local e no tempo apropriados (…). Ora é o que está a suceder mais uma vez

Negar, negar sempre, mesmo perante a evidência, é um dos segredos do êxito do processo de integração europeia.

Ao alimentar a “roda da decisão” de uma forma que, por vezes, parece exasperante, as instituições europeias mais não fazem do que gerar o tempo de espera indispensável para que seja possível seguir em frente.

Na Europa comunitária, como na natureza, nada se perde e nada se ganha, só que tudo se transforma, segundo um método, um ritmo e um sentido que, mais cedo ou mais tarde, permitem atingir os fins em vista. Pelo menos tem sido sempre assim desde a sua fundação Os bons resultados estão à vista.

Esta é, para já, a lição que pode retirar-se da recente iniciativa da Comissão Europeia que propõe, finalmente com pragmatismo e sentido de oportunidade, o relançamento e a redefinição da Estratégia de Lisboa.

Todos reconhecem, o que ainda há pouco tempo negavam, ou seja, que os objectivos fixados, em Lisboa, não podem ser alcançados no prazo de 10 anos (a partir de 2000), como estava previsto.

O egoísmo dos Estados-membros, as diversidades das características das economias nacionais, a ausência de coordenação eficaz das políticas e a ineficácia da “autoridade” da Comissão, tornaram irrealizáveis as metas fixadas, porque queimaram todos os prazos. O tempo de negar a evidência, entretanto, acabou.

Perante este fracasso, a alternativa era rejeitar o acordo estabelecido ou proceder à reformulação e ao relançamento da Estratégia. Só que para tornar esta segunda hipótese possível era fundamental que passasse o tempo indispensável para que a concreta natureza das coisas tornasse tudo mais visível e mais fácil.
A análise, feita a meio do percurso, por um Grupo de Sábios, presidido por Wim Kok, foi absolutamente decisiva, pois permitiu passar da negação absoluta do insucesso para a necessidade da reformulação da estratégia.

Só isso justifica a citada iniciativa da Comissão, já identificada quando da apresentação ao Parlamento Europeu do Plano de Actividades para 2005, mas agora efectivamente concretizada com a remessa, para o Conselho Europeu da Primavera, da respectiva comunicação. O trabalho do comissário Verheugen, responsável pela actividade económica da União, começa a produzir, também neste sector resultados satisfatórios.

Por seu turno, o Presidente da Comissão, Durão Barroso, já demonstrou, em diversas circunstâncias, que tem a capacidade, ou a sorte, de estar presente no local e no tempo apropriados (fugindo dos locais e dos tempos quando isso é do seu exclusivo interesse). Ora é o que está a suceder mais uma vez.

Aguardam-se, pois, com expectativa, as próximas iniciativas legislativas da Comissão e, em especial, o seu enquadramento político na relação com os Estados-membros.

Há cinco anos, a União Europeia lançou uma Agenda ambiciosa de reformas económicas que deveria ser cumprida até 2010. Não o foi e conseguir reconhecer isto agora, partindo para o essencial (a preservação do espírito de Lisboa), já é muito importante.

A União está muito longe de esgotar o seu potencial de mudança e isto é fundamental para atingir elevados níveis de crescimento económico e de emprego. Não é, contudo, do simples crescimento quantitativo que necessita a Europa. A UE necessita que o crescimento seja sustentado, social e ambientalmente, e que o emprego seja, crescentemente, de melhor qualidade e estabilidade. Só desta forma é possível reforçar a coesão social que é, seguramente, o objectivo mais importante fixado nos Tratados.

A chave para a solução deste problema estará, naturalmente, na capacidade e qualidade da governação europeia, no volume dos recursos disponíveis e no seu uso eficaz e transparente, mas residirá, fundamentalmente, no grau de comando politico da Comissão e na vontade efectiva dos Estados-membros.
O Presidente Barroso reconhece que a economia europeia é o maior bloco comercial do Mundo mas também sabe que isto não chega para a transformar no espaço económico mais atractivo e, muito menos, para assegurar, em plenitude, o seu potencial de desenvolvimento.

Fazer avançar a economia, sem pôr em causa o modelo político europeu de sociedade, é, portanto, o actual grande desafio.

A agenda social, a protecção ambiental, o reforço da identidade europeia com base no conhecimento e a defesa do tecido empresarial mais frágil (que representa 2/3 do volume de negócio e emprega cerca de 90% dos trabalhadores europeus) constituem objectivos que, se cumpridos, reforçarão a atractividade da Espaço Económico Europeu.

Para que isto se torne uma realidade é, no entanto, necessário que todos os membros da União Europeia façam mais e melhor, mas ainda não é claro como é que a actual Comissão os vai obrigar a esse “sacrifício”.

Com efeito, o que agora se propõe é uma substancial mudança nos métodos de funcionamento e decisão, a elaboração de novos métodos e um debate abrangente e empenhado no seio da União, que permita responsabilizar cada país pelo grau das suas realizações.

Esta filosofia é correcta, mas pode não ser suficiente e, para o ser, tem de ser sustentada politicamente, no médio prazo, pela própria União e por cada um dos seus Estados-membros, de forma a estabelecer a necessária coordenação das políticas e a sua crescente harmonização. Só que, isto é mais Europa e nem todos estão preparados para a receber e aceitar.

As soluções nem são tão difíceis quanto, às vezes, se apresentam, pois todos sabem o que é preciso fazer e como o fazer. O difícil é saber como ganhar eleições depois de se ter feito o que se deve.
A Comissão, acabada de nomear, não tem esse problema e muito menos o tem o seu Presidente que, no momento oportuno, o endossou, em Portugal, para o seu, infeliz e trapalhão, sucessor.

Mas essa não é a situação generalizada dos governos europeus.

A palavra final é, como quase sempre, da política.

Uma crescente ambição e uma ousadia não calculista são os ingredientes que separam a concretização dos objectivos, e a atitude, meramente defensiva, de continuar a negar… mesmo perante a evidência.