Arrisco mesmo dizer que Portugal tem um potencial único de emigração qualificada, que devia ser canalizada para os PALOP
Espanta-me a pouca atenção que os órgãos de comunicação social portugueses dão à actualidade – política, económica, social, desportiva e de natureza internacional – dos países africanos de língua portuguesa e até de Timor, cujo esforço de reconstrução e alinhamento estratégico estão a passar completamente à margem da opinião pública portuguesa.
Angola, Moçambique e S. Tomé e Príncipe são três países que estão em trânsito acelerado de mudança, na qual os portugueses deveriam estar mais empenhados, quer do ponto de vista do estabelecimento de parcerias contínuas, nos mais diversos sectores, quer no conhecimento mais pormenorizado do que ali se vai passando. A RTP África vai dando alguns “cheirinhos”, mas absolutamente insuficientes, no sentido que de os espaços africanos de língua portuguesa precisam das nossas parcerias – na construção civil, na actividade bancária, nos professores, nos profissionais liberais, no turismo, no investimento empresarial, seja ele agrícola ou industrial.
Entendamo-nos: África não é um novo maná, estão definitivamente enterrados os conceitos coloniais que vigoraram muito para lá do que seria de desejar, mesmo após as independências. Nalgumas questões sensíveis ao nível da pura política de relações de Estado, por exemplo na cooperação militar, Portugal nunca deixou de estar presente. O conceito de cooperação é que foi subvertido, precisa de ser enterrado sem pompa, nem circunstância.
Hoje, pode dizer-se que Moçambique é uma pujante democracia em fase de consolidação. Há um poder e uma oposição, legitimados pelo voto, conscientes, cada qual do seu papel na vida do País. Há um Parlamento Democrático onde se espelham as diversas teses políticas, em absoluta liberdade de expressão. Há uma vontade colectiva de fazer de Moçambique um grande país, de acordo com as suas fantásticas potencialidades e os seus poderosos recursos naturais. A paz é um dado adquirido e pode mesmo dizer-se que é irreversível. Depois de uma prolongada guerra civil, não pode exigir-se mais, nem fingir que não há dificuldades. Claro que existem – Moçambique precisa de duas gerações para ser auto-suficiente em matéria de quadros
Para atingir níveis de preparação escolar, no secundário e na universidade. Para consolidar a rede das suas infra-estruturas em pleno. É aqui que entram os portugueses, com vontade de assumir novos projectos de vida. Arrisco mesmo dizer que Portugal tem um potencial único de emigração qualificada, que devia ser canalizada para os PALOP. Aquilo que ficou dito em relação a Moçambique pode também aplicar-se a Angola, também numa fase de intensa reconstrução. Ainda há dias apanhei na RTP África uma reportagem sobre um novo bairro em construção, com qualidade de fazer inveja a muitos condomínios fechados que por cá se apregoam. Quando oiço dizer ao eng. Sócrates que a sua primeira medida se for eleito primeiro-ministro tem a ver com a preocupação pelos licenciados sem trabalho, penso logo na falta que eles estão a fazer em Angola e Moçambique, obtendo as contrapartidas justas, em matéria de remuneração e de projecto de vida. O colonialismo passou, mas a história que deixou o legado comum da língua subsiste e a estima recíproca pelos cidadãos portugueses é maior do que a relação com emigrantes de qualquer outro país estrangeiro.
O Presidente Jorge Sampaio cumpriu exemplarmente a sua função da mais alta representação do Estado, ao deslocar-se ao Maputo para testemunhar a posse do novo Chefe do Estado moçambicano, Armando Guebuza, que foi, aliás, dilecto colaborador de Samora Machel. Guebuza foi temperado com o tempo, e a sua costela antiportuguesa de 1975 parece hoje muito atenuada.
Tenho comigo uma fotocópia de um manuscrito do Livro de Honra da Barragem de Cahora Bassa onde, em 17 de Setembro de 1986, Samora Machel escreveu, entre outras coisas, o seguinte: “Os trabalhadores moçambicanos e portugueses fraternalmente, juntando o suor do seu trabalho, garantem que este empreendimento sirva os interesses mais altos do desenvolvimento e prosperidade de Moçambique. Moçambicanos e portugueses consolidam aqui a unidade, a amizade e solidariedade cimentadas pelo aço e betão armado que produziu Cahora Bassa.”
A mensagem do primeiro Presidente de Moçambique, há quase 20 anos, precisa agora de ter continuidade. Muitos portugueses, se receberem os adequados estímulos podem
entroncar-se com os moçambicanos, numa parceria atractiva: obterem melhores condições de vida, que não teriam no rectângulo europeu e contribuir decisivamente para o progresso de grande país africano!