Barroso, já demonstrou,(…) que tem a capacidade, ou a sorte, de estar presente no local e no tempo apropriados (…). Ora é o que está a suceder mais uma vez
Negar, negar sempre, mesmo perante a evidência, é um dos segredos do êxito do processo de integração europeia.
Ao alimentar a “roda da decisão” de uma forma que, por vezes, parece exasperante, as instituições europeias mais não fazem do que gerar o tempo de espera indispensável para que seja possível seguir em frente.
Na Europa comunitária, como na natureza, nada se perde e nada se ganha, só que tudo se transforma, segundo um método, um ritmo e um sentido que, mais cedo ou mais tarde, permitem atingir os fins em vista. Pelo menos tem sido sempre assim desde a sua fundação Os bons resultados estão à vista.
Esta é, para já, a lição que pode retirar-se da recente iniciativa da Comissão Europeia que propõe, finalmente com pragmatismo e sentido de oportunidade, o relançamento e a redefinição da Estratégia de Lisboa.
Todos reconhecem, o que ainda há pouco tempo negavam, ou seja, que os objectivos fixados, em Lisboa, não podem ser alcançados no prazo de 10 anos (a partir de 2000), como estava previsto.
O egoísmo dos Estados-membros, as diversidades das características das economias nacionais, a ausência de coordenação eficaz das políticas e a ineficácia da “autoridade” da Comissão, tornaram irrealizáveis as metas fixadas, porque queimaram todos os prazos. O tempo de negar a evidência, entretanto, acabou.
Perante este fracasso, a alternativa era rejeitar o acordo estabelecido ou proceder à reformulação e ao relançamento da Estratégia. Só que para tornar esta segunda hipótese possível era fundamental que passasse o tempo indispensável para que a concreta natureza das coisas tornasse tudo mais visível e mais fácil.
A análise, feita a meio do percurso, por um Grupo de Sábios, presidido por Wim Kok, foi absolutamente decisiva, pois permitiu passar da negação absoluta do insucesso para a necessidade da reformulação da estratégia.
Só isso justifica a citada iniciativa da Comissão, já identificada quando da apresentação ao Parlamento Europeu do Plano de Actividades para 2005, mas agora efectivamente concretizada com a remessa, para o Conselho Europeu da Primavera, da respectiva comunicação. O trabalho do comissário Verheugen, responsável pela actividade económica da União, começa a produzir, também neste sector resultados satisfatórios.
Por seu turno, o Presidente da Comissão, Durão Barroso, já demonstrou, em diversas circunstâncias, que tem a capacidade, ou a sorte, de estar presente no local e no tempo apropriados (fugindo dos locais e dos tempos quando isso é do seu exclusivo interesse). Ora é o que está a suceder mais uma vez.
Aguardam-se, pois, com expectativa, as próximas iniciativas legislativas da Comissão e, em especial, o seu enquadramento político na relação com os Estados-membros.
Há cinco anos, a União Europeia lançou uma Agenda ambiciosa de reformas económicas que deveria ser cumprida até 2010. Não o foi e conseguir reconhecer isto agora, partindo para o essencial (a preservação do espírito de Lisboa), já é muito importante.
A União está muito longe de esgotar o seu potencial de mudança e isto é fundamental para atingir elevados níveis de crescimento económico e de emprego. Não é, contudo, do simples crescimento quantitativo que necessita a Europa. A UE necessita que o crescimento seja sustentado, social e ambientalmente, e que o emprego seja, crescentemente, de melhor qualidade e estabilidade. Só desta forma é possível reforçar a coesão social que é, seguramente, o objectivo mais importante fixado nos Tratados.
A chave para a solução deste problema estará, naturalmente, na capacidade e qualidade da governação europeia, no volume dos recursos disponíveis e no seu uso eficaz e transparente, mas residirá, fundamentalmente, no grau de comando politico da Comissão e na vontade efectiva dos Estados-membros.
O Presidente Barroso reconhece que a economia europeia é o maior bloco comercial do Mundo mas também sabe que isto não chega para a transformar no espaço económico mais atractivo e, muito menos, para assegurar, em plenitude, o seu potencial de desenvolvimento.
Fazer avançar a economia, sem pôr em causa o modelo político europeu de sociedade, é, portanto, o actual grande desafio.
A agenda social, a protecção ambiental, o reforço da identidade europeia com base no conhecimento e a defesa do tecido empresarial mais frágil (que representa 2/3 do volume de negócio e emprega cerca de 90% dos trabalhadores europeus) constituem objectivos que, se cumpridos, reforçarão a atractividade da Espaço Económico Europeu.
Para que isto se torne uma realidade é, no entanto, necessário que todos os membros da União Europeia façam mais e melhor, mas ainda não é claro como é que a actual Comissão os vai obrigar a esse “sacrifício”.
Com efeito, o que agora se propõe é uma substancial mudança nos métodos de funcionamento e decisão, a elaboração de novos métodos e um debate abrangente e empenhado no seio da União, que permita responsabilizar cada país pelo grau das suas realizações.
Esta filosofia é correcta, mas pode não ser suficiente e, para o ser, tem de ser sustentada politicamente, no médio prazo, pela própria União e por cada um dos seus Estados-membros, de forma a estabelecer a necessária coordenação das políticas e a sua crescente harmonização. Só que, isto é mais Europa e nem todos estão preparados para a receber e aceitar.
As soluções nem são tão difíceis quanto, às vezes, se apresentam, pois todos sabem o que é preciso fazer e como o fazer. O difícil é saber como ganhar eleições depois de se ter feito o que se deve.
A Comissão, acabada de nomear, não tem esse problema e muito menos o tem o seu Presidente que, no momento oportuno, o endossou, em Portugal, para o seu, infeliz e trapalhão, sucessor.
Mas essa não é a situação generalizada dos governos europeus.
A palavra final é, como quase sempre, da política.
Uma crescente ambição e uma ousadia não calculista são os ingredientes que separam a concretização dos objectivos, e a atitude, meramente defensiva, de continuar a negar… mesmo perante a evidência.