2025/07/01

Sócrates mais distante da maioria absoluta

O caso Freepoort pode ter tornado mais difícil a obtenção de maioria absoluta por parte do PS. As sondagens publicadas esta semana mostraram que José Sócrates ficou fragilizado. Mesmo com o encerramento do caso, Manuela Ferreira Leite poderá sempre sair beneficiada.

Consequências políticas do caso Freeport

O caso Freepoort pode ter tornado mais difícil a obtenção de maioria absoluta por parte do PS. As sondagens publicadas esta semana mostraram que José Sócrates ficou fragilizado. Mesmo com o encerramento do caso, Manuela Ferreira Leite poderá sempre sair beneficiada. Neste cenário, abrem-se muitas interrogações. Sócrates aceitará governar em minoria? Estará disponível para um Bloco Central ou preferirá um acordo com um pequeno partido? À esquerda ou à direita?

O caso Freepoort pode ter tornado mais difícil a obtenção de maioria absoluta por parte do PS. As sondagens publicadas esta semana mostraram que José Sócrates ficou fragilizado. Mesmo com o encerramento do caso, Manuela Ferreira Leite poderá sempre sair beneficiada. Neste cenário, abrem-se muitas interrogações. Sócrates aceitará governar em minoria? Estará disponível para um Bloco Central ou preferirá um acordo com um pequeno partido? À esquerda ou à direita?
José Sócrates pode ter criado, nos últimos quatro anos, uma imagem que parece pouco adequada às habituais necessidades de um governo de coligação, designadamente negociação e flexibilidade. Sócrates tem uma imagem de determinação, para os seus admiradores, e de teimosia, para os seus detractores. Como ficou provado na questão da avaliação dos professores, onde não cedeu às pressões dos sindicatos, dos professores e até de sectores do PS muito influentes. Neste quadro, uma coligação que tivesse como finalidade principal constituir uma maioria estável e um governo sólido, quer à direita, quer à esquerda, pode não vestir bem a Sócrates. Tal como se demonstrou nos governos de Durão Barroso e Santana Lopes, os executivos de coligação provocam grandes contrariedades ao primeiro-ministro, obrigado a fazer cedências e a não realizar, no fundo, as suas políticas. Ainda para mais, no concreto, tanto Paulo Portas como Francisco Louça não parecem ser líderes, quer um, quer outro, que facilitassem muito a vida a Sócrates. Portas é muito florentino e Louçã, para além das pulsões esquerdistas, muito inconvenientes para um liberal como Sócrates, é um purista. Mesmo assim, atendendo ao que se tem passado no Parlamento nos últimos meses, parece que Portas poderia mais facilmente fazer equipa com Sócrates. Em relação a Francisco Louçã, tem se notado uma grande crispação com o primeiro-ministro, ainda mais saliente porque ambos davam sinais, há dois ou três anos de terem uma excelente relação. Em termos estritamente políticos, uma coligação de Sócrates com o CDS parece mais coerente, face à moderação do líder socialista. A vantagem da coligação com o BE seria, por sua vez, o de esbater a imagem à direita de Sócrates, que não consegue ser atenuada, mal grado os apoios sociais, as nacionalizações e a proposta de regionalização, porque o PCP, através do seu ataque sem tréguas, consegue determinar a imagem de Sócrates.
No entanto, a hipótese de Sócrates recusar — mesmo vencendo as eleições, sem maioria – formar um governo minoritário, deixando essa incumbência a António Vitorino ou mesmo António Costa, parece hoje mais distante. A deterioração acentuada das relações com Cavaco Silva e a pressão do caso Freeport, que há-de manter os seus efeitos por algum tempo, podem obrigar Sócrates a ter de ir a jogo. Na verdade, Cavaco poderia não aceitar que outro socialista dirigisse o governo, sem se ter sujeitado às urnas. Por outro lado, os efeitos do Freeport fazem com que Sócrates tenha de se confrontar, mesmo que as perspectivas não se afigurem brilhantes.
Outro cenário é, naturalmente, o Bloco Central. Neste caso, em virtude de o objectivo máximo desta solução política ser o interesse nacional, a imagem que Sócrates criou de determinação ou teimosia, conforme os entendimentos, poderia ser adequada. A maior dúvida é saber se a dupla com Ferreira Leite funcionaria. Há quem diga que sim. Sócrates até poderia preferir Ferreira Leite, com uma imagem mediática débil, tirando proveito da situação. Recorde-se que no Bloco Central de 1983, Mário Soares tirou benefício da imagem politicamente mais débil de Mota Pinto. Por exemplo, com Passos Coelho na liderança do PSD, Sócrates já poderia ficar mais ameaçado. Nos últimos meses, Passos Coelho tem estado em campanha permanente, aparecendo em várias iniciativas, concedendo várias entrevistas à comunicação social e demarcando-se de Ferreira Leite em várias matérias, como a construção do TGV. A notoriedade pública de Passos Coelho é, assim, crescente. No seio do partido, Passos Coelho também tem apoios crescentes. Tudo junto, o ex-líder do JSD é um virtual candidato à liderança social-democrata, bem como candidato a primeiro-ministro, tal como esta semana, aliás, fez questão de afirmar em entrevista à SIC. No cenário de Bloco Central, Passos Coelho, mesmo que fosse vice de Sócrates – por, entretanto, ter chegado à liderança ou mesmo por Ferreira Leite lhe “oferecer” o lugar, já que nunca foi liquido que a hoje presidente do PSD fosse também candidata a primeiro-ministro – tem potencialidades para tirar partido da situação e tornar-se, com a ruptura do Bloco Central, o líder melhor colocado para vencer novas eleições. Noutro cenário, deixando ser Ferreira Leite a fazer a coligação com Sócrates, Passos Coelho também ficaria bem colocado para ser o sucessor virtual no PS, aparecendo sob os escombros do Bloco Central. Precisamente o que aconteceu com Cavaco em 1985.

Próxima legislatura concita as atenções gerais
Portugal ficaria ingovernável sem maioria absoluta?

Simões Ilharco

Com esta legislatura a chegar ao fim, as atenções viram-se para a próxima. À pergunta do SEMANÁRIO, “Portugal ficaria ingovernável sem maioria absoluta?”, respondem políticos dos mais variados quadrantes. As respostas perspectivam as condições de governabilidade do País, com ou sem maioria absoluta, que poderia ser de um ou mais partidos.

Vitalino Canas
“Difícil sem maioria”

“Portugal teria, nessas circunstâncias, se não houvesse nenhuma maioria absoluta, difíceis condições de governabilidade, tendo em conta a situação em que o País se encontra.”

Ana Drago
“Não, jamais!”

“Não, jamais! A maioria absoluta não é condição de governação, o que interessa é a capacidade democrática de apresentar respostas para os problemas do País.”

Carlos Encarnação
“Já está…”

“Portugal está ingovernável com a maioria absoluta do PS.”

Honório Novo
“Claro que não”

“Claro que não. Há exemplos diversos de governos sem maioria absoluta e que garantem estabilidade política e governabilidade.”

Luís Nobre Guedes
“Não ficaria”

“Não ficaria ingovernável. Portugal precisa de uma maioria absoluta de mais de um partido.”

É um ARTIGO DE OPINIÃO. Se for necessário ilustrar com pessoas a votarem nas eleições.

Legislativas de 2009 – PS mais votado mas PSD ganha as eleições. E agora?

Por José Bourdain
(Politólogo)

Como Politólogo gosto de estudar o comportamento eleitoral dos portugueses.
Tenho acompanhado as diversas sondagens nos media e apesar de umas me merecerem mais crédito que outras (algo que não vou comentar aqui), não deixa de ser curiosa a sondagem da Intercampus (Junho de 2008) que aponta para os seguintes resultados nas eleições legislativas de 2009:
Partidos PS PSD BE CDU CDS-PP
% Votos 36,3% 34,9% 13,4% 10,1% 4,2%

Com base nestas percentagens, fiz alguns cálculos círculo a círculo (distrito), com base nos dados mais recentes do recenseamento eleitoral e reparei que, dada a forma como os votos são distribuídos e caso se verifiquem estes resultados no próximo ano, irá acontecer algo de inédito na história das eleições democráticas em Portugal à o PS é o partido mais votado mas o PSD vence as eleições com mais cinco deputados:
Partidos PS PSD BE CDU CDS-PP
Nº Deputados 88 93 25 19 5

Recordemo-nos que no primeiro mandato de Bush, este ganhou as eleições mas foi o seu adversário que obteve mais votos. Também na Grã-Bretanha já aconteceu por duas vezes o partido mais votado perder as eleições. Mas neste caso estamos perante sistemas eleitorais maioritários onde não é assim tão difícil que tal fenómeno ocorra. Acontece que o Sistema eleitoral português é de Representação Proporcional (apesar de ser dos mais desproporcionais da Europa e do Mundo).

Se realmente este fenómeno se verificar (facto que é perfeitamente possível), será a primeira vez na história de eleições democráticas em Portugal que tal acontecerá e será curioso observar a reacção dos eleitores, ou seja, como é que vão compreender que o partido mais votado perde as eleições. Estarão preparados? Que irá fazer o Presidente da República? Legalmente a solução é simples, ganha o PSD pois elegeu mais cinco deputados.

No entanto, se tal situação ocorrer, poderá gerar um impasse político e agitação social.
No que ao impasse político diz respeito e olhando para o número de deputados que cada partido elege, verifica-se que ao vencer as eleições, o PSD ou optará por um Governo de minoria – logo instável, ou só terá possibilidades de coligação com BE (cenário muitíssimo improvável) ou com o PS (improvável mas não totalmente impossível). No entanto, e se bem se recordam de algumas posições de constitucionalistas em 2005, o Presidente da República poderá convidar a formar Governo partidos que perderam as eleições mas que juntos formem uma maioria estável (situação idêntica à ocorrida em Timor). Neste cenário seria possível uma coligação de esquerda (PS + BE + CDU) – cenário difícil mas não impossível, ou então o PS + BE ou CDU + CDS – cenário que diria quase impossível; se bem que se retirarmos as devidas ilações do último congresso do CDS-PP, o seu líder parece estar disponível para se coligar com qualquer partido para formar Governo.
No que à agitação social diz respeito, poderemos ter uma reacção das pessoas a qualquer um destes cenários. Os apoiantes do PS não vão aceitar que tendo sido o partido mais votado, não seja este a formar Governo. Da mesma maneira que apoiantes do PSD não vão aceitar que tendo vencido as eleições, sejam outros partidos a formar Governo.

A possibilidade deste fenómeno ocorrer – um partido ter mais votos mas outro vencer as eleições, deveria fazer-nos pensar nas injustiças resultantes do actual sistema eleitoral. A título de exemplo, só nas últimas eleições legislativas este sistema deixou de fora mais de 500.000 eleitores, que foram efectivamente votar, pois o resultado seria idêntico quer tivessem votado ou não. Ou seja, o seu voto não serviu para que se sentissem representados. O sistema eleitoral tem de ser discutido publicamente e com seriedade, tem de ser um sistema acima dos partidos e respectivos interesses.

Se isto acontecer, talvez a sociedade civil sinta necessidade de apreciar propostas diferentes de alteração do sistema eleitoral, sendo que esse debate se irá, em meu entender, centrar-se nas seguintes questões:
1. Queremos um sistema maioritário – com menos partidos representados no parlamento mas com governos de maioria?
2. Queremos um sistema mais proporcional – com mais partidos representados e com governos de coligação (pois as maiorias serão difíceis de obter)?
3. Ou queremos uma terceira alternativa? Neste caso existem algumas propostas que já foram avançadas, incluindo uma de minha autoria, em que é possível obter ambas as situações – governos de maioria e mais partidos representados no parlamento?
Pela minha parte estou disponível para a discussão e para dar o meu contributo.

Se é certo que por um lado, este cenário é difícil de acontecer face às sondagens mais recentes – de um partido ter mais votos e perder as eleições, por outro lado não é assim tão difícil. Basta verificar que esta sondagem da Intercampus e outras realizadas no Verão de 2008 apontavam para uma votação próxima entre PS e PSD. As sondagens mais recentes situam PS na casa dos 40% e PSD na casa dos 30%. No entanto, é sabido que os eleitores penalizam os governos em função de dados negativos sobre a economia, desemprego, etc. É precisamente isso que vai acontecer durante os próximos 8 meses até ao dia das eleições. Assim sendo, prevejo efectivamente que as intenções de voto entre PS e PSD vão aproximar-se e que o PSD poderá ganhar as eleições mesmo com menos votos que o PS, facto que não deixa de ser altamente moralizador e motivante para os apoiantes do PSD e para a sua líder (a qual já liderava o partido aquando da sondagem da Intercampus…). Além disso, é bom não esquecer o “Voto Útil” no PSD proveniente da Direita, em particular o eleitorado descontente do CDS que sabendo que o seu partido não tem possibilidade de vencer as eleições poderá votar PSD.

Sarajevo/1914 e Bombaim/2008por Rui Teixeira Santos

A maior ameaça para a Paz mundial não é hoje mais a existência de armas atómicas nem as tensões entre as potências, mesmo com o regresso da América aos valores do multilateralismo – como, aliás, prova a nova equipa de Segurança Nacional de Obama. Nem sequer as operações de uns terroristas fanáticos que vimos em Bombaim na semana passada.

A maior ameaça para a Paz mundial não é hoje mais a existência de armas atómicas nem as tensões entre as potências, mesmo com o regresso da América aos valores do multilateralismo – como, aliás, prova a nova equipa de Segurança Nacional de Obama. Nem sequer as operações de uns terroristas fanáticos que vimos em Bombaim na semana passada. A maior ameaça em 2009 é a escalada dos conflitos regionais, de que, exactamente, o conflito entre o Paquistão e a Índia pode ser paradigmático.
E nesse sentido ninguém está seguro e qualquer rastilho pode constituir a maior ameaça à paz global, numa altura em que a crise económica manifesta sintomas sistémicos que as aspirinas habituais não resolvem.
Com os políticos à procura da solução mais eficaz para sobreviverem à guilhotina eleitoral – e não nos esqueçamos que a guerra é a melhor solução keynesiana -, um facto como Bombaim pode contudo ser o rastilho para o deflagrar de um conflito regional que envolva depois todo o planeta, como aconteceu com Sarajevo, em 1914.

Reiniciar o ciclo político

A quem interessa a crise política e a antecipação das legislativas?

É certo que, de acordo com a Constituição, o Estatuto Político-Administrativo das Regiões Autónomas têm expressamente a forma de leis da Assembleia da República, ou seja, precisa apenas de maioria simples para serem aprovadas, de acordo com o número 3 do art. 166º da CRP. É um pontapé na hierarquia das leis, mas foi decisão constituinte.
Porém, tem sido entendimento do presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, que o facto do estatuto incluir matéria para-constitucional e mexer com leis orgânicas. que necessitam de maior formalidade na aprovação, obriga a que o Estatuto das Regiões Autónomas tenha que ser aprovado por maioria qualificada de dois terços.
Não me parece que tal interpretação possa ser consentida formalmente e se dúvidas houver relativamente à constitucionalidade da derrogação de normas para-constitucionais por diploma menor – mesmo tendo sido previsto e determinado pelo constituinte – seria noutra sede – eventualmente artigo a artigo – que se discutiria a constitucionalidade e nunca relativamente a forma de aprovação do diploma.
Dito isto, depois do PS ter tomado a posição que tomou e depois da aprovação unânime, dos partidos com assento parlamentar do Estatuto, o recuo possível é apenas neste contexto, o proposto por Jaime Gama. Se José Sócrates der ordens para o PS aceitar a interpretação de Jaime Gama, então o conflito institucional com o Presidente da República desaparece, porque o diploma não é aprovado, podendo o Presidente dizer sempre que o Parlamento atendeu às suas preocupações e o PS afirmar que o diploma caiu por falta de apoio parlamentar e não por recuo dos socialistas.
Mas tudo isto parece ser um arranjo demasiado artificial e, sobretudo, passível de iniciativas de parlamentares com vista à reposição da legalidade constitucional que só criaria incerteza e, sobretudo, não dignificaria ninguém.

A questão do Estatuto dos Açores

Dito isto, sobra então o cenário da aprovação do Estatuto Politico-Administrativo dos Açores. E neste contexto, se for aprovado por maioria simples, parece evidente que o Presidente da República sempre poderia enviar o assunto para o Tribunal Constitucional, suscitando a fiscalização preventiva da constitucionalidade formal do diploma. E conhecendo a normal funcionamento do Tribunal, tudo indica que os juízes nunca iriam dar prioridade ao assunto, pelo que a constitucionalidade do diploma nunca seria apreciada antes de seis ou sete meses, ou seja, já em cima das próximas legislativas e, portanto, já sem verdadeiro impacto na actual maioria parlamentar.
Só que a relevância que Belém quis dar ao tema, quando vetou, e o facto do Presidente ter evocado os fundamentos do n.2 do art. 165 da Constituição, em matéria de iniciativa presidencial para a demissão do executivo, deixa hoje pouca margem de manobra ao Presidente da República para não ir até às ultimas consequências.
Ou seja, em nosso entender, o Presidente da República, caso o PS sozinho aprove o Estatuto tal como foi antes vetado pelo Presidente, ou avança para a Convocação do Conselho de Estado, tendo em vista a demissão do Governo e a eventual marcação de eleições legislativas antecipadas – até porque estamos já perto do fim da legislatura – ou Cavaco Silva acaba por sair diminuído e desprestigiado da contenda legal.
Em suma, tendo o PS dito que aprovará o Estatuto da Região Autónoma tal como está, e em nosso entender, sendo totalmente descabida a exigência constitucional dos dois terços para a sua aprovação, no próximo dia 19 de Dezembro o diploma estará aprovado e o Presidente da República tem dez dias para o promulgar ou enviará para o Constitucional, coisa que seria um absurdo depois da comunicação feita ao País e ao Parlamento.
Neste contexto, o Presidente da República só tem uma saída, se quiser manter a face e ser consequente: convocar o Conselho de Estado, demitir o Governo e, depois de ouvidos os partidos, o Conselho de Estado, convocar eleições antecipadas.
É certo que estamos portanto diante de uma crise política em plena crise económica e não chegamos aqui por acaso. Chegamos aqui ao fim de um processo que se foi construindo nos últimos seis meses, conforme temos claramente explicado nestas páginas.
Porém, para o PSD e para os interesses, a instabilidade política vem na pior altura. O processo de substituição de Ferreira Leite no PSD ia ser iniciado em Janeiro e a renovação da alternativa ao governo poderia introduzir um factor que pesaria a favor da oposição. Por outro lado, o desgaste da crise económica, evidentemente irá acentuar-se em 2009, pelo que, para a oposição, quanto mais tarde fossem as legislativas, melhor seria.

A quem interessa esta antecipação

Do lado do partido socialista, e de José Sócrates, o raciocínio é diferente e acredito que a construção do momento tenha sido mais uma demonstração do profissionalismo e pragmatismo desta maioria.
Em primeiro lugar, a crise económica que estamos a viver, não é uma mera crise como as que presenciámos depois da Grande Guerra, mas é a uma crise sistémica e é a primeira crise da globalização, ou seja, em que é espectável que todos os instrumentos conhecidos e que estamos a usar – ao contrário do que se fez em 1929 -mesmo assim se mostram insuficientes para reduzir o dramatismo do problema.
Em segundo lugar, o PS sabe exactamente o contrário do que aquilo que o ministro das finanças tem que dizer ao eleitorado. Que as estatísticas do PIB do INE são meras previsões, mesas estimativas e que efectivamente o país já está em recessão técnica e sobretudo, as medidas tomadas não chegam ao terreno e que a população já está a interiorizar a depressão, o que será fatal para a economia portuguesa.
Sem o parêntesis democrático da dra. Ferreira Leite, o governo Sócrates – nós ensinamos isso em Economia Política – tem a noção que numa crise económica há três momentos politico mediáticos com consequências na popularidade dos governos: (1) o início da crise económica, em que se culpam os governos de a terem provocado; (2) Um segundo momento, em que os governos tomam medidas e portanto sobem nas sondagens, pois o eleitorado acha que vai ser beneficiado; e (3), finalmente, um terceiro momento, em que o eleitorado percebe que as medidas só beneficiaram alguns amigos do governo e que, portanto, o governo deve ser substituído.
Ora, para José Sócrates havia aqui um dilema: sempre que os governos se deixam arrastar para a dita terceira fase é certo que os governos perdem as eleições seguintes; porém, sempre que os governos se meteram com os Presidentes da República e os afrontaram, esses mesmos governos perderam as eleições seguintes, (veja-se os casos do PS com Eanes e do PSD com Sampaio).
O primeiro-ministro teve que decidir seguramente tomando em consideração outros factores relevantes.

O timing das Legislativas

Em primeiro lugar, a questão do timing das legislativas. José Sócrates sabe que, se se cumprisse o calendário eleitoral, as primeiras eleições em Junho próximo seriam as Eleições para o Parlamento Europeu. E, no contexto actual, não só essas eleições Europeias seriam, como sempre são, um momento ideal para o voto de protesto, como se transformarão inevitavelmente numa primeira volta das legislativas. E depois de uma eventual derrota do PS nas Europeias parece evidente que o governo nunca aguentaria o desgaste de três meses, ainda por cima de férias e sem dinheiro.
Em segundo lugar, a contestação da rua e a capitalização da esquerda. O governo reformista de José Sócrates conseguiu algo que não víamos desde o Verão quente de 1975 – e não estou a falar das originais nacionalizações dos bancos do PSD. Ao fazer reformas a partir dos “pacotes comprados” na OCDE – como na Saúde, na Educação ou na Justiça – o PS deixou espaço para a contestação corporativa e, sobretudo, para que o PCP e o BE se apoderassem da rua, por contra ponto à pouca eficiência do Parlamento. E com a esquerda com mais de 20%, como indicam as sondagens, começa a ser difícil, matematicamente é mesmo impossível a maioria absoluta.
Em terceiro lugar, a questão da crise da economia. Este Orçamento de Estado para 2009 dá alguma margem de manobra ao governo, sobretudo jogando com cenários mais favoráveis e juros e petróleo a cair, mas não permite grandes despesas sem um buraco orçamental significativo e o conhecimento público disso antes de eleições – mesmo com a justificação do agravar da crise – transformar-se-iam numa catástrofe para o melhor que este governo tem tido: a seriedade em matéria de consolidação orçamental. Mais ainda, o Governo tem consciência que, para sobrevivermos, precisamos de crédito externo e que ele só vai continuar a existir enquanto passarmos para o estrangeiro uma imagem de que estamos a fazer alguma coisa pelo défice e pela dívida. E um ano eleitoralista poderia conduzir o país ao descalabro de ver o crédito externo cortado, mesmo com avales do Estado, o que necessariamente implicaria uma travagem abrupta no consumo interno, desemprego massivo e, sobretudo, uma contestação social e política que a greve dos professores desta semana seria apenas um tímido ensaio. Ou seja, como temos dito, neste cenário estaria em causa não apenas a maioria politica governamental, mas talvez o sistema democrático, senão mesmo o Regime Republicano. (Que bela data a de 5 de Outubro de 2010 para referendar o Regime!, já o propus há mais de uma década).

Segurar Ferreira Leite

Em quarto lugar, a questão da oposição à direita. O PS percebe que Ferreira Leite é a melhor candidata para ser derrotada nas próximas Legislativas. O PS conseguiu ampliar no espaço mediático duas ou três expressões infelizes da líder social-democrata, que não percebeu o mundo mediático da política e conseguiu afectar a credibilidade da senhora. Obviamente, como partido de poder, o PSD mexeu-se e seria inevitável a substituição da líder por alguém mais novo e seguramente não desgastado, o que, inevitavelmente, roubaria o centro eleitoral ao PS de José Sócrates. Ora, antecipar os timings impede exactamente a substituição da Ferreira Leite e, portanto, o PS tem na oposição um seguro de vida óptimo.
Finalmente, ou melhor, maquiavelicamente, o PS percebeu que neste momento as grandes figuras não cavaquistas do PSD histórico têm projectos políticos individuais que os tornam sempre aliados tácticos da maioria socialista. Assim, Santana Lopes está focalizado na Câmara de Lisboa e portanto não se vai envolver nas Legislativas para não ser contaminado, Durão Barroso está a pensar no seu segundo mandato na Comissão Europeia, apoiado, naturalmente por José Sócrates; e, por último, Marcelo Rebelo de Sousa, que percebeu que Cavaco Silva não deverá ir a segundo mandato, tem pela primeira vez a sua oportunidade de se encontrar com a História, ou seja, de ser finalmente candidato presidencial do PSD, mas que sabe que precisa que o PS ganhe na próxima legislatura para que ele possa ser eleito Presidente da República em 2011 (o que explicará o facto de querer manter Ferreira Leite até às Legislativas, depois de, antes, ter defendido exactamente o oposto)
Todas estas razões, às quais se juntam necessariamente a lição da Economia Política, sobre a relação ciclo económico/intenção de voto, e o crescimento da contestação popular nas ruas, desacreditando o governo e colocando em evidência a sua reduzida qualidade técnica e política, obrigam naturalmente o inner circle de S. Bento a optar necessariamente pela antecipação das Legislativas.
Para o PS ganhar as legislativas, significa poder ganhar a seguir as Europeias e as Autárquicas ainda que, depois, se percam as presidenciais. Aliás, Manuel Alegre encarregar-se-á sempre de destruir qualquer candidatura do PS e o próprio seria o menos desejável Presidente da República que o primeiro-ministro José Sócrates poderia ter, como é evidente.

O fim da cooperação estratégica

É isto que explica a súbita ruptura da “cooperação estratégica entre o Governo e o Presidente da República, esforçando-se os socialistas para que o ónus fique do lado do Presidente da República – coisa que aliás, o Presidente parece ajudar estoicamente, com os erros políticos que tem cometido…
E por isso vale tudo. O PS usa a nacionalização do BPN para dar um tiro em Cavaco Silva, que se mostra visivelmente incomodado, o PS não apoia as famílias no divórcio, como pediu o presidente e finalmente, na Estatuto o PS não recua.
Enfim, tudo indica que vamos para uma renovação antecipada do ciclo político. Uma aceleração do ciclo político, que tem sempre a vantagem de evitar maior esbanjamento de recursos em inaugurações e campanhas desnecessárias. Até nisto, o tempo joga a favor de Sócrates…

Crise e recessão em Portugalpor Rui Teixeira Santos

José Sócrates anunciou, no Parlamento, medidas concretas para resolver a crise financeira em Portugal e para assegurar a confiança no sistema bancário. Garantiu, e bem, que as instituições financeiras nacionais vão ser suportadas pelo tesouro pelo que a fuga de depósitos que temos no caso dos pequenos bancos, mas também dos emigrantes que deixaram de enviar dinheiro para Portugal, não se justifica

As medidas para resolver a crise que Sócrates não tomou

José Sócrates anunciou, no Parlamento, medidas concretas para resolver a crise financeira em Portugal e para assegurar a confiança no sistema bancário. Garantiu, e bem, que as instituições financeiras nacionais vão ser suportadas pelo tesouro pelo que a fuga de depósitos que temos no caso dos pequenos bancos, mas também dos emigrantes que deixaram de enviar dinheiro para Portugal, não se justifica.
Mas, o pacote Sócrates é manifestamente insuficiente, peca por uma óptica excessivamente contabilística e mostra que o Governo não tem competências para resolver a crise actual, nem mesmo para articular um conjunto de medidas do lado da despesa e do lado da receita pública, para evitar a catástrofe que se aproxima nos próximos meses.
Esta é uma crise extraordinária e, portanto, tem que ter como resposta pública medidas extraordinárias. Quanto mais tempo demorar, mais difícil é restaurar a confiança na economia e mais o governo será responsável pelo sofrimento das famílias e pela destruição das empresas.
Da intervenção de José Sócrates no Parlamento, esta semana, registo, contudo, a nota de não ter caído no populismo justicialista fácil, que vimos na incompetente chanceler alemã que, horas antes de fazer a nacionalização dos seus maiores bancos, estava a ameaçar as administrações com prisão e processos sem sequer entender que precisará sempre de todos. O primeiro-ministro, que aprovou o agravamento de medidas penais no caso de crimes financeiros, não foi, portanto, atrás da inveja e do justicialismo suburbano e pequeno burguês que tanto mal sempre fez a Portugal e cujos afloramentos inquisitórios assistimos nos últimos tempos, por exemplo, na linguagem do número dois do PS, o presidente da CML, António Costa, mas, sobretudo, nos abusos de poder e de autoridade do Fisco, da Segurança Social e da ASAE.
Em tempo de guerra – e esta e a primeira grande guerra da globalização – há que ter consciência que o Estado Social tem que ceder para dar lugar ao salvamento da economia. Sem economia, sem crescimento económico, obviamente não há Estado Social. Estamos a falar de momentos excepcionais. Num verdadeiro estado de emergência.
Há, portanto, que reduzir a presença do Estado, na saúde, na educação e na justiça, por exemplo, convertendo o apoio do Estado aos necessitados, nomeadamente aos idosos e aos mais jovens, com a utilização de cheques saúde ou cheques ensino e ficando o Estado, apenas, com as actividades não rentáveis de apoio médico à terceira idade, caso não seja possível contratar com entidades privadas. Do alívio destas despesas, que poderiam ser reduzidas em mais de mil milhões de euros e com o aumento do défice para os 3% no próximo ano, o Estado teria três mil milhões de euros para adoptar medidas públicas de impacto directo nas empresas e nas famílias e na salvação do necessário sistema bancário português.
Além disso, nada impede a constituição de fundos autónomos, nos quais o Tesouro participa e financia, que, a prazo, caso se mostrem insolventes, possam ser levados directamente a Dívida Pública. O critério da eficácia da despesa pública é numa conjuntura destas cumprido integralmente. Em momentos como estes, estas são as medidas a tomar.
Recorde-se que a Europa não existe nesta matéria e que a falta de coordenação demonstrada obriga os governos a pensar autonomamente nos seus cidadãos e nas suas próprias economias. Enfim, mais uma ironia desta crise da globalização…
Tendo em vista o agravamento inevitável da crise económica e a recessão em que o País vai entrar, elenco medidas que, hoje, tomaria ou pressionaria para que outras instâncias tomassem, caso fosse Governo, e que sugiro ao Governo Sócrates que as pondere, para bem dos portugueses. Assim,

– Cedência de crédito aos bancos a 182 dias sem limite pelo Banco Central;
– Compra de acções preferenciais caso seja necessário o reforço de capital em seguradoras e bancos;
– Suspensão das regras da Basileia II e das novas normas contabilísticas internacionais;
– Facilidades temporárias nas regras relativas a provisões, no caso de créditos bancários com garantias reais, para permitir, durante um período determinado, que as famílias em dificuldade possam suspender os pagamentos de créditos à habitação, sem perderem as suas casas e sem custos adicionais;
– Revisão da legislação bancária de modo a especificar as actividades permitidas, nomeadamente reconduzindo os bancos à sua função original de receberem depósitos e fazerem crédito ao investimento e consumo;
– Arquivamento ou suspensão de todos os processos sobre alegadas irregularidades fiscais ou outras no sistema financeiro, nomeadamente, de modo a pacificar a país e podermos contar com a contribuição de todos, sobretudo daqueles que têm mais e maior experiência. Faça-se mesmo uma amnistia se for necessário. Operações Furacão ou processos do BCP são destruição de valor e energia que nestas conjunturas muita falta fazem;
– Redução da taxa do IVA para 16% e pagamento do IVA apenas recebido efectivamente pelas empresas;
– Fim do pagamento especial por conta;
– Reintrodução da bonificação dos juros para compra da habitação própria mesmo para contratos já em vigor, de modo a compensar o aumento dos juros desde o início da crise;
– Criação de fundos autárquicos por Município e com participação do Tesouro para compra e posterior revenda de apartamentos e escritórios que não se vendem;
– Redução a metade das taxas do Imposto Municipal sobre Imóveis;
– Criação de um fundo do Tesouro junto do IACEP para comprar divida (papel comercial ou obrigações convertíveis em capital) directamente às grandes empresas (obras públicas, nomeadamente) desbanqueterizando a relação financeira e levando directamente o dinheiro às empresas;
– Criação no IAPMEI de um fundo do Tesouro para comprar acções preferenciais com rendimento garantido ou quotas abaixo do valor nominal das PME que tenham dificuldade de pagamentos de salários, contribuições e impostos;
– Privatização do ensino primário, secundário e universitário, com venda de escolas e universidades e a introdução do cheque estudante para a categoria dos mais necessitados;
– Privatização do Serviço Nacional de Saúde, que deveria ser orientado para o apoio a idosos, não cobertos pelos sistemas de seguros privados.

Nestes momentos, a clareza dos princípios é necessária. Não se podem permitir atropelos sob pena da intervenção casuística se tornar perversa. Mas é nos momentos de crise que temos também as oportunidades sociais e políticas para reformar e para mudar. E temos que mudar. Este fim-de-semana, assistimos ao “fim do velho mundo”…

O colapso da Europa

A Europa tarda numa decisão

Quando, nos EUA, logo se percebeu a dimensão da crise financeira e se actuou, os europeus – por sinal quem a começaram, em Agosto de 2007 com os primeiros apertos com o Bundesbank a injectar liquidez de emergência em dois bancos alemães expostos ao subprime – ficaram atónitos a ver a crise crescer.
Já tarde, foi ainda a vez dos ingleses actuarem. Mas a Eurozona ficou de novo imóvel. A reunião de Paris do último fim-de-semana foi um fracasso gritante para o Presidente francês, talvez o único europeu a aperceber-se da dimensão da crise. Do lado da Alemanha e do BCE, já estamos no campo da estupidez. Só haveria agora uma maneira de travar o desastre: demitir compulsivamente os governadores do BCE, acabar com a independência dos bancos centrais europeus, injectar ilimitadamente liquidez a 182 dias no sistema, travar todas as fúrias justicialistas, pacificar os mercados financeiros a acreditar que Deus existe.
(Ora ontem finalmente chegou a notícia de que o BCE estaria disposto a injectar a liquidez ilimitadamente mas, infelizmente, vimos a esquerda a mostrar o populismo basista do seu próprio desespero com Brown e Merkel a pedir o julgamento dos banqueiros. A caça às bruxas começa antes mesmo da crise estar sequer a caminho de estar resolvida, mostrando o pior da Europa e por que que é que a crise vai ser muito pior no continente europeu que no resto do mundo.)
A par desta acção de liquidez, é necessário encontrar soluções para recapitalizar os bancos europeus. E para isso até haverá algum dinheiro privado, desde que as emissões de capital sejam feitas através de acções preferenciais, com um prémio pelo menos igual ao exigido no Reino Unido de 10% ou superior (a AIG foi buscar dinheiro à Fed a 11,8% em dólares que, ainda por cima, vão valorizar substancialmente relativamente ao Euro) ou com acções normais, mas com preços significativamente abaixo do par, por exemplo, 35% abaixo do par, aberto a actuais accionistas ou novos investidores. E se houver dificuldade em encontrar recursos nos mercados, então o Estado deverá entrar, num perspectiva de voltar a privatizar essas acções logo que os mercados estabilizem. As nacionalizações nos países latinos são mais complicadas e um erro, pois significam corrupção e falta de transparência. Mas, sobretudo, porque politizam ainda mais a actividade bancária, o que é mau para as PME. E, por outro lado, agora, está-se a nacionalizar problemas, ao contrário das nacionalizações da década de setenta, quando se nacionalizaram bancos e sectores estratégicos rentáveis.
O momento é dramático e exige por isso soluções dramáticas.
Depois temos os impactos nas economias reais. A falta de preparação dos funcionários do BCE e dos governadores dos bancos centrais europeus é hoje evidente: não estão à altura dos problemas e, como burocratas que são, as suas soluções funcionam nos modelos matemáticos, mas nada tem a ver com o negócio, o trading, as empresas e os mercados.
Parece evidente que, actualmente, a inflação não tem relação nenhuma com o nível de moeda emitida e que, portanto, a curva de Philips não serve nesta época de globalização, por três razões: (1) Porque à medida que a crise avança, a falência de empresas e o incumprimento no crédito está a destruir liquidez mais aceleradamente do que aquela que os bancos centrais colocam no sistema; (2) Porque a velocidade da moeda foi fortemente travada por factores psicológicos, ou seja, os bancos pedem liquidez aos bancos centrais mas depois não utilizam, pelo que acaba por não se multiplicar no sistema; e (3) finalmente, empiricamente, observamos que a inflação nos mercados nacionais ou na Eurozona depende da procura global mundial e não do nível de liquidez desse mercado. Ou seja, são os aumentos das matérias-primas, e do petróleo em particular, que provocam aumento de preços e, como agora estão a descer, evidentemente a inflação desce. De onde fica demonstrado que foi um erro subir as taxas de juro.
Constatando estas evidências, o BCE errou nas expectativas e já devia ter baixado a taxa de juros, para evitar a recessão. O BCE, sabemos agora pelos números, aquilo que escrevemos há mais de seus meses, não evita a recessão na Europa, onde o PIB se contraiu já no trimestre anterior em 0,2%.
Estamos a assistir à destruição de emprego e valor por culpa directa do Conselho de Governadores do BCE. Há que assumir responsabilidade e indicar ao senhor Trichet e ao senhor Constâncio o caminho óbvio da dispensa.
Estamos numa recessão, numa recessão global. O BCE errou, mas a União Europeia não conseguiu dar uma resposta concertada. Na reunião do Ecofin, na segunda e terça-feira passadas, os ministros das Finanças decidiram acordar alguma coisa no mês de Novembro. Ou seja, fracassaram qualquer entendimento. Para um problema comum a Europa precisava de uma resposta comum. E ela não existiu, porque na Europa não existe liderança, porque Durão Barroso não tem peso político e porque a senhora Merkel – tal como Adolfo Hitler com Estaline – ainda acha que vai fazer um acordo com Putin, e que a rentabilidade das poupanças dos provincianos alemães é mais importante que o crescimento económico do planeta.
A “senhora” é fraca de espírito e os conselheiros são maus e, portanto, não existe resposta conjunta dos europeus. A Europa atrasa-se e isso fará com que o perigo seja maior.
Faltava, portanto, a acção individual dos Estados. Os mais activos, obviamente, começaram a fazer concorrência desleal, mesmo dentro da Eurozona, com garantia dos depósitos na totalidade e acções competitivas nas remunerações. Por exemplo, em Portugal, a CGD andou nos últimos seis meses a enxugar as poupanças nos outros bancos e a aumentar os seus depósitos, pensando em maiores garantias no sector público que no privado. Mas, agora, está a ser objectivamente assaltada, com os emigrantes a não enviarem mais remessas para Portugal e a levantarem o seu dinheiro para depositarem nos bancos franceses e suíços, por exemplo.

Os problemas nos bancos nacionais

Portugal veio, finalmente, defender os depósitos, mas a legislação ainda não saiu, o que, apenas, agravou a desconfiança relativamente à solvabilidade dos bancos. Todos sabem as dificuldades de liquidez dos maiores bancos e o próprio SEMANÁRIO advertiu para os problemas de “funding” dos pequenos bancos.
Decidido está que os europeus aportarão capital às instituições em dificuldades. Uma sábia decisão. Sabemos, portanto, que nem a Financia, nem o Finibanco, nem o Banco Privado, nem o Banif, nem o Montepio, nem o Crédito Agrícola, vão colocar em causa os depósitos ou em risco o sistema. E, para os grandes bancos, também há soluções nacionais excepcionais. Muito bem! Já se percebeu, também, que o Miguel Cadilhe vai “penar” no BPN e que as autoridades vão limpar o dinheiro ao senhor Coimbra e seus sócios, que vão ser obrigados a fazer os aumentos de capital necessários e, depois, a vender todos os activos para pagarem as dividas e, finalmente, ficarão pobres (a política tem o seu custo – uma pequena “desforra” com a assinatura de Teixeira dos Santos, Vítor Constâncio e Carlos Santos Ferreira, pelo “atrevimento” de Cadilhe no caso BCP).
Quanto aos restantes grandes bancos portugueses, não se entende bem o que se passa, para além da inabilidade de alguns e a má vontade de outros. Bancos, como o BCP, têm colaterais para entregar no BCE e, portanto, não se percebe por que o não fazem, estando objectivamente a prejudicar a economia portuguesa e, sobretudo, as PME empregadoras.
A solução, portanto, começa a ser cada vez mais a passar por cima do próprio sistema bancário, como aconteceu nos EUA, eventualmente com um fundo do tesouro para comprar papel comercial das grandes empresas e obrigações das pequenas. Depois haverá que fazer um pacote de apoio ao investimento, distribuir umas centenas de milhões de dólares directamente a empréstimos às PME empregadoras, para aguentar o emprego e, sobretudo, para reduzir salários em atraso.
Finalmente, há que travar o Fisco e a Segurança Social, através de uma trégua fiscal, eventualmente, com juros de mora mais honestos (o Estado cobra 1% ao mês), por um período inicial de 12 meses, para ver se isto aguenta, e manter esquemas de apoio às empresas com salários e impostos ou prestações e contribuições sociais em atraso. Não vale a pena andar a culpar os pequenos empresários que, na sua maioria, vivem pior que os trabalhadores e que já nem capacidade de pagar as contas dos filhos têm. Não vale a pena estar a querer procurar culpados no meio da crise. Há que salvar a economia, os empregos e evitar a recessão.
E no caso português, temos ainda o específico problema da construção civil e das obras públicas. O Governo, e bem, está a atentar manter o conjunto de obras públicas programado e, assim, a garantir que as grandes empreiteiras não estoiram. Mas há também que socorrer o pequeno empreiteiro com casas que não consegue escoar. Neste particular, o Tesouro e as autarquias deveria criar um fundo em cada município para comparar as casas que não se vendem, por exemplo, a 75% do preço de mercado, antes da crise, para mais tarde o próprio fundo colocar essas casas no mercado. Os pequenos construtores não podem, nem devem, parar e as grandes imobiliárias, se estoirarem, arrastam consigo o sistema bancário.
Medidas direccionadas também para as famílias que não conseguem pagar as prestações das casas ou o leasing. Aí também uma moratória, o alargamento a 75 anos do prazo e a redução do “spread” dos bancos, com a reintrodução da bonificação de juros às famílias carenciadas e aos jovens, pode ser uma medida de emergência.

Os cortes nos juros não chegam às famílias e só beneficiam os bancos

Os bancos centrais de uma forma concertada baixaram esta semana em 0,5% a taxa de desconto no Banco Central. Mas, essa não é a taxa que serve de referência para as famílias ou para os empréstimos às empresas. Por outro lado, uma descida na taxa de juro só a médio prazo é que tem efeito no consumo e no investimento, as duas chaves para o relançamento da economia na Europa.
Entre a decisão de investir e o resultado desse investimento media sempre pelo menos dois ou três anos pelo que a descida da taxa de juros penaliza as poupanças – e não nos esqueçamos que somos um país endividado ao estrangeiro (o défice externo acaba de se agravar em 21%, segundo o INE) e que precisamos de mais poupanças para garantir o “funding” dos bancos – e, por outro lado, numa conjuntura de incerteza poucos são os que mantêm confiança.
Em suma, baixar as taxas de juros não faz chegar o dinheiro às PME, e, como vimos, com a subida da Euribor para níveis recorde ainda ontem, não teve nenhum impacto na taxa que as famílias pagam pelo crédito à compra de habitação própria.
Neste fim-de-semana, quando o primeiro-ministro José Sócrates se sentar, com o seu ministro de Estado e das Finanças, a fechar o OE/2009, seria bom que tivesse estas reflexões presentes e que percebesse que o único caminho para chegar às famílias e às empresas é por via da descida dos impostos, do aumento dos subsídios e da subscrição de obrigações ou capital nas empresas e nos bancos.
É o que se deve fazer numa conjuntura destas.

Prestações Sociais, descida dos impostos, garantia dos depósitos

Governo aproveita discurso de Cavaco e crise mundial para se proteger contra acusações de eleitoralismo
O corte no IRC, os novos apoios às PME, o 13º mês no abono de família, extensivo a todos os escalões, foram algumas das medidas que o governo tomou esta semana, num timing calculado, em plena crise financeira mundial

O corte no IRC, os novos apoios às PME, o 13º mês no abono de família, extensivo a todos os escalões, foram algumas das medidas que o governo tomou esta semana, num timing calculado, em plena crise financeira mundial, antes do Orçamento de Estado para 2009 e depois do discurso de Cavaco Silva no 5 de Outubro, em que este lançou recados ao governo que hoje aparecem traduzidos nas medidas anunciadas. Apesar de algumas medidas poderem ser acusadas de eleitoralismo, Sócrates voltou a provar que não brinca em serviço, acabando por virar a seu favor as palavras do Presidente da República e retirando espaço de manobra a Belém. Cavaco falou, por exemplo, num dos aspectos que mais passou despercebidos, na necessidade de ter impostos razoáveis face ao momento que se vive e o governo fez o que há dias parecia impensável, descendo os impostos. Até a parte do discurso de Cavaco em que apelou à necessidade de falar verdade aos portugueses sobre as dificuldades do país e a crise financeira internacional, teve consequências logo no dia a seguir, quando o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, com a luz verde de Sócrates, assumiu a extrema gravidade dos tempos que se vivem e garantiu aos portugueses que , aconteça o que acontecer, os depósitos de poupança dos portugueses estão garantidos pelo Estado.

O corte no IRC, os novos apoios às PME, o 13º mês no abono de família, extensivo a todos os escalões, foram algumas das medidas que o governo tomou esta semana, num timing calculado, em plena crise financeira mundial, antes do Orçamento de Estado para 2009 e depois do discurso de Cavaco Silva no 5 de Outubro, em que este lançou recados ao governo que hoje aparecem traduzidos nas medidas anunciadas.
Mostrando uma excelente forma no debate parlamentar de ontem, Sócrates anunciou as suas medidas de rajada, deixando atónitas as oposições, sobretudo o PSD. Paulo Rangel voltou a ter um dia mau, parecendo não actualizar o seu discurso, virado para a obsessão do PS com as obras públicas, quando Sócrates tinha falado, essencialmente, nas PME e nos seus mecanismos de ajuda.
Apesar de algumas medidas poderem ser acusadas de eleitoralismo, Sócrates voltou a provar que não brinca em serviço, acabando por virar a seu favor as palavras do Presidente da República. É muito difícil, Belém ter espaço de manobra para dar sinais de descontentamento em relação ao 13 mês de abono de família em Setembro de 2009, um mês antes das eleições legislativas. Mesmo Ferreira Leite pode não ter margem para criticar Sócrates. O mesmo se diga em relação à descida dos impostos. Curiosamente, num dos aspectos que mais passou despercebidos no discurso presidencial do 5 de Outubro, Cavaco falou na necessidade de ter impostos razoáveis face ao momento que se vive. O executivo aproveitou a deixa e fez o que há dias parecia impensável, descendo os impostos, e tirando todo o espaço de manobra para vir denunciar qualquer prática eleitoralista. Há cada vez menos dúvidas que a crise financeira mundial está a beneficiar cada vez mais Sócrates, protegendo as suas medidas da acusação de “eleitoralismo”
Até a parte do discurso de Cavaco em que apelou à necessidade de falar verdade aos portugueses sobre as dificuldades do país e a crise financeira internacional, teve consequências logo no dia a seguir, quando o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, com a luz verde de Sócrates, assumiu a extrema gravidade dos tempos que se vivem e garantiu aos portugueses que , aconteça o que acontecer, os depósitos de poupança dos portugueses estão garantidos pelo Estado. Recordem-se os termos da declaração de Teixeira dos Santos, que pode ter evitado uma corrida aos bancos portugueses: “O governo e o Banco de Portugal têm acompanhado atentamente a evolução da situação financeira internacional, muito em especial na Europa e muito em particular em Portugal. O Banco de Portugal tem acompanhado o evoluir da situação das várias instituições financeiras do sistema financeiro português no sentido de prevenir e de assegurar que a estabilidade financeira de cada uma das instituições e do sistema no seu conjunto é preservada. Os momentos de incerteza que rodeiam a evolução da situação financeira mundial e europeia com certeza que legitimam que cada um se interrogue como é que poderá evoluir esta situação e até que ponto e como a evolução da situação financeira mundial e europeia nos pode afectar. O sistema português tem resistido bem. E as instituições financeiras portuguesas têm desenvolvido esforços para enfrentarem as dificuldades que naturalmente a situação internacional impõe e têm desenvolvido esforços no sentido de assegurar que a sua situação é de estabilidade bem como também de assegurar liquidez às suas operações. Mas uma coisa eu quero assegurar de uma forma clara a todos os portugueses: aconteça o que acontecer, as poupanças dos portugueses em qualquer banco que opere em Portugal estão garantidas.”
No seio do governo, houve grandes hesitações em dar mais cedo essa garantia, à semelhança do que já tinham feito outros pequenos países como a Irlanda, a Dinamarca e a Áustria. Para além de dúvidas sobre se a posição não seria arrojada e temerária, sectores do governo e do PS receavam que uma declaração desse género tivesse efeitos perversos, e em vez de tranqulizar, preocupasse ainda mais as pessoas e agitasse o sistema bancário. Na semana anterior ao 5 de Outubro foi, porém, notório, que Cavaco Silva não estava no mesmo comprimento de onda de governo, tendo feito várias declarações sobre a extrema gravidade da crise. Também no domingo passado, a garantia dada pela chancleler Angela Merkel de que os depósitos dos alemães estavam garantidos, ajudou o governo a avançar, sentindo-se protegido pela tomada de iniciativa de um grande país.
Estas diferenças na forma de lidar com a crise entre Belém e S. Bento correspondem, também, a duas estratégias diferentes de comunicação. Sócrates e o seu governo estão convencidos que os portugueses têm sentido as medidas impopulares na pele, através de actos, sendo dispensável ter um discurso negro, que acentue as dificuldades, criando mais descrença e desconfiança. Cavaco parece ter a ideia de que estas preocupações se podem confundir com um marketing político que ilude a realidade, afastando ainda mais os cidadãos dos seus políticos em virtude da desintonia existente. Foi nesta linha que fez o seu discurso presidencial na Praça do Município. No entanto, de forma a dar satisfação à sensibilidade do executivo, Cavaco fez questão de, ao mesmo tempo que frisou a necessidade de falar verdade, ter uma palavra de forte incentivo aos portugueses para ultrapassarem este momento difícil. Foi esta parte, aliás, que mais agradou a Sócrates, fazendo questão de dizer publicamente que tinha gostado muito do discurso do Presidente da República.

Cavaco apelou a impostos justos e razoáveis e Sócrates aproveitou a deixa

Cavaco apelou a impostos justos e razoáveis e Sócrates aproveitou a deixa, protegendo-se de eventuais acusações de pré-eleitoralismmo. O SEMANÁRIO reproduz as partes do discurso presidencial de maior significado político para as relações com o governo. “Nos nossos dias, é também com esperança, com sonho e com ambição que devemos assinalar o aniversário da República.
O 5 de Outubro tem de ser uma fonte de inspiração e de mobilização para todos os Portugueses.
Precisamos de nos mobilizar. Precisamos de despertar as ambições colectivas que fizeram de Portugal uma nação livre e soberana.
Não escondo que vivemos tempos difíceis. Os Portugueses sabem-no, porque vivem essas dificuldades no seu dia-a-dia.
Muitas famílias têm dificuldade em pagar os empréstimos que contraíram para comprar as suas casas.
Há idosos para quem a reforma mal chega para as despesas essenciais.
Há jovens que buscam ansiosamente o seu primeiro emprego.
Há homens e mulheres que perderam os seus postos de trabalho.
Nascem novas formas de pobreza e exclusão social e, em paralelo, emergem chocantes disparidades de rendimentos.
O que é vivido pelos cidadãos não pode ser iludido pelos agentes políticos.
Quando a realidade se impõe como uma evidência, não há forma de a contornar.
Portugal tem registado fracos índices de crescimento económico. Afastámo-nos dos níveis de prosperidade e de bem-estar dos nossos parceiros europeus. Ainda não invertemos a insustentável tendência do endividamento externo.
Persistem profundas disparidades entre as diferentes regiões.
A situação internacional, por outro lado, não é favorável.
Ao elevado preço do petróleo e dos produtos alimentares alia-se o aumento das taxas de juro.
A ineficiência da regulação e da supervisão dos mercados financeiros, que recentemente emergiu nos EUA, e a dimensão da crise que lhe está associada são fonte de grandes preocupações à escala global.
As economias dos países europeus, nossos principais parceiros comerciais, registam um claro abrandamento (…) “Vivemos tempos difíceis, sem dúvida. O futuro é incerto e, em muitos casos, preocupante.
Porque falo sempre verdade aos Portugueses e porque tenho como princípio conhecer a realidade do País, escutar os meus concidadãos e ouvir as suas preocupações, sei bem que muitos atravessam momentos de incerteza perante o futuro.
Quando o presente é difícil, somos sempre tentados a pensar que o futuro também o será.
Mas, na realidade, o futuro será o que dele fizerem os cidadãos da nossa República.
Os Portugueses já perceberam que não será o Estado a resolver todos os seus problemas.
Têm direito a esperar do Estado que faça bem o que lhe compete fazer. Que seja rigoroso e ponderado no uso dos dinheiros públicos e que os impostos sejam justos e razoáveis.
O Estado tem de garantir dois valores essenciais, a justiça e a segurança. Deve promover o acesso de todos aos cuidados de saúde, como deve oferecer um ensino de qualidade e uma rede de protecção social que proteja os cidadãos nos momentos difíceis da vida.
O Estado nunca pode esquecer aqueles que têm muito pouco, os mais frágeis e desprotegidos, os que se encontram em situação de pobreza.”

“A República é um modelo de virtudes cívicas e éticas.
De todos a República exige uma nova atitude, feita de inconformismo e de esperança. Porque há motivos de esperança, há razões para o inconformismo.
Falo à luz do compromisso de verdade que assumi desde o primeiro dia do meu mandato.
Do mesmo modo que não escondo a verdade dos tempos difíceis que vivemos, não escondo a verdade da minha confiança num Portugal melhor.
A verdade gera confiança, a ilusão é fonte de descrença.”

Cavaco poderá não ser reeleito?

Candidatura presidencial de Manuel Alegre em 2011 poderá unir toda a esquerda

Cavaco poderá ser o primeiro Presidente da República a não ser reeleito?
A hipótese de Manuel Alegre poder ser o candidato oficial do PS às próximas eleições presidenciais de 2011, ameaçando a reeleição de Cavaco Silva, está em cima da mesa, lançada formalmente, no fim-de-semana passado, por Helena Roseta.

A hipótese de Manuel Alegre poder ser o candidato oficial do PS às próximas eleições presidenciais de 2011, ameaçando a reeleição de Cavaco Silva, está em cima da mesa, lançada formalmente, no fim-de-semana passado, por Helena Roseta. Para já, a direcção socialista parece estar apenas a usar esta possibilidade como simples arma de dissuasão em relação ao Presidente da República, visando diminuir a iniciativa de conflitualidade estratégica com o Governo a partir de Belém. Mas o facto é que o quadro estratégico global para envolver uma candidatura do poeta parece estar já a ser montado. António Costa entendeu-se com Helena Roseta em Lisboa e José Sócrates, no próximo Congresso do PS e nas linhas do programa socialista às eleições legislativas de 2009, deverá fazer importantes concessões programáticas a Manuel Alegre e à ala esquerda do PS. O discurso de garantia do sistema de segurança público, feito pelo líder socialista no comício de Guimarães, integra-se já nesta estratégia. Por sua vez, Sócrates, ao renovar as listas dos órgãos dirigentes do PS, também deverá dar alguns lugares proeminentes a apoiantes de Alegre ou a representantes da ala esquerda do PS.

A hipótese de Manuel Alegre poder ser o candidato oficial do PS às próximas eleições presidenciais, ameaçando a reeleição de Cavaco Silva, está em cima da mesa, lançada formalmente, no fim-de-semana passado, por Helena Roseta. Para já, a direcção socialista parece estar apenas a usar esta possibilidade como simples arma de dissuasão em relação ao Presidente da República, visando diminuir a iniciativa de conflitualidade estratégica a partir de Belém. Mas o facto é que o quadro estratégico global para envolver uma candidatura do poeta parece estar já a ser montado. António Costa entendeu-se com Helena Roseta em Lisboa e José Sócrates, no próximo Congresso do PS e nas linhas do programa socialista às eleições legislativas de 2009, deverá fazer importantes concessões programáticas a Manuel Alegre e à ala esquerda do PS. O discurso de garantia do sistema de segurança público, feito pelo líder socialista no comício de Guimarães, integra-se já nesta estratégia. Esta sempre foi uma matéria de eleição da esquerda do PS e dos comunistas, contra o modelo de privatização da segurança social defendido pelos modelos liberais da direita. Por sua vez, Sócrates, ao renovar as listas dos órgãos dirigentes do PS, também deverá dar alguns lugares proeminentes a apoiantes de Alegre ou a representantes da ala esquerda do PS, ligados à anterior direcção de Ferro Rodrigues.

Roseta foi a lebre

Nos últimos três meses a hipótese da candidatura presidencial de Alegre nas eleições de 2011 foi muito comentada em diversos sectores políticos. Alguns socialistas, até do chamado “inner circle” de Sócrates chegaram mesmo, publicamente, a falar sobre ela, com reserva mas aceitando-a. Coube a Helena Roseta, dar , pela primeira vez, um impulso formal e estratégico em relação à candidatura, na sequência, aliás, do seu entendimento com António Costa na Câmara Municipal de Lisboa. Depois deste acordo na capital, os mais atentos aos mecanismos de funcionamento dos fenómenos políticos, ficaram à espera da evolução respectiva. Quando a número 2 do Movimento de Intervenção e Cidadania, o grande suporte político da candidatura de Alegre se entende com António Costa, é quase impossível não ter existido uma articulação prévia com Alegre, relativa às suas intenções políticas no futuro.
Há um ano atrás, o poeta deixava mesmo em cima da mesa a hipótese de formar um novo partido político à esquerda, que tentasse manter a base de apoio alcançada nas presidenciais. Alguns dirigentes do MIC, sobretudo Cipriano Justo, sempre acarinharam muito esta possibilidade, com artigos publicados nos jornais, e algumas bases de apoio do movimento também fizeram sentir essa vontade. Há três meses, quando Alegre participou num comício de esquerda, juntamente com muitos militantes do Bloco de Esquerda, a possibilidade de criação de um novo partido tornou-se ainda mais forte.
No entanto, Manuel Alegre geriu sempre a questão com muito cuidado. A formação de um novo partido de esquerda, na área do PS, poderia estancar a perda de votos à esquerda do PS, fortalecendo a nova formação de Alegre mas podia aproveitar a direita, beneficiando do divisionismo da esquerda para ganhar as legislativas de 2009. Por outro lado, os cuidados de Alegre não devem ter sido alheios ao facto de uma nova organização partidária implicar um grande esforço de organização e financeiro, bem como um elevado grau de coesão. Ora, é sabido que a estrutura organizacional e financeira do MIC é frágil. Por outro lado, a riqueza do MIC tem sido a riqueza de opiniões. Mas isto funciona numa organização quase ad hoc. Num partido tem de haver um forte grau de coesão. O risco de um novo partido, com origem no MC, não ter uma linha estratégica coerente é muito alto, havendo no movimento sensibilidades que defendem entendimentos com o BE, outros com o PCP, outros com ambos e outros ainda sem ninguém. A experiência história das divisões surgidas no antigo PRD é, certamente, um exemplo a lembrar. Por outro lado, é conhecido que a formação de novos partidos em Portugal nunca foi bem sucedida. Para além do caso do PRD, há ainda o exemplo da Nova Democracia. As novas formações que foram constituídas este ano, como o Movimento Esperança Portugal, de Rui Marques, também parecem não estar a ter muito sucesso na divulgação e aceitação da sua mensagem. Esta situação foi, certamente, dissuasora da criação de um novo partido por parte de Alegre. A articulação com Helena Roseta deve, também, ter passado pela elaboração deste diagnóstico.

Reparar uma injustiça

É sabido que, recentemente, José Sócrates teve mesmo um almoço com Manuel Alegre, o que pode ter visado definir estratégias para o futuro. A questão à volta de Alegre, nas últimas presidenciais, sempre foi encarada por Sócrates com algum desconforto. Tal como o poeta já revelou, o convite do PS para que fosse candidato chegou a existir. Só que, depois de Mário Soares se ter atravessado no caminho, querendo ser ele o candidato e achando que tinha hipóteses de ganhar a Cavaco Silva, Sócrates ficou sem espaço de manobra para dizer não ao líder histórico do PS e acabou por arranjar uma grande confusão com Alegre. Repare-se que tudo na vida política de Sócrates tem sido calculado. Para além do peso de Soares, o líder do PS deve ter pensado que não podia passar a contar com Soares como inimigo político, criticando, à esquerda, as suas políticas. Como é sabido, nos últimos dois anos, Soares não só não criticou às políticas liberais de Sócrates, muito atacadas por diversos sectores profissionais e pelo PCP e BE, como ainda fez rasgados elogios a José Sócrates, chamando-lhe o anti-Guterres, numa alusão à sua capacidade de decisão e à tenacidade e dureza para manter as medidas governamentais. Recorde-se que Mário Soares foi muito critico das políticas de Guterres, acusando-as de serem muito liberais.
Depois do excelente resultado eleitoral obtido por Alegre nas presidenciais e da humilhação eleitoral de Soares, ficou no PS e em Sócrates um sabor amargo de que as coisas não tinham sido feitas devidamente e que o eleitorado penalizara esse erro original. Ao longo dos últimos dois anos, tem havido a preocupação do PS de gerir as idiossincrasias de Alegre com pinças, tendo por base o sentimento que, mais tarde ou mais cedo, vai ser necessário reparar a injustiça em relação a Alegre. Essa oportunidade pode chegar, precisamente, nas próximas presidenciais. Ainda para mais, a conjuntura política parece ter dado motivos ao PS para não se deixar ficar refém da estratégia política de Belém. A eleição de Ferreira Leite como líder do PSD veio alterar a situação política, tornando o PS mais frágil aos vetos e mensagens políticas a partir de Belém, como aconteceu recentemente em relação à lei o divórcio e ao Estatuto dos Açores e poderá acontecer, também, em relação à questão do voto presencial dos imigrantes nas eleições legislativas. Por outro lado, para além das compensações políticas que terá que dar à ala esquerda do PS (v. no texto abaixo), o PS também deve saber que, no próximo mandado, caso ganhe as eleições, terá provavelmente que fazer uma viragem política à esquerda, depois de quatro anos de políticas mais moderadas e liberais. Não só mantendo a rota dos costumes modernos, prevendo-se que o casamento dos homossexuais faça parte da agenda política da próxima legislatura como, sobretudo, alterando políticas. A crise financeira e económica mundial, com crescente intervenção do Estado, também parece favorecer a mudança de agulhas, privilegiando alguns esquemas de apoio social e fortes medidas de incentivo ao emprego. Tudo isto, certamente feito com aumento da despesa pública, a que há que juntar os investimentos no aeroporto e no TGV pode avolumar o nível de conflito com Belém. Por sua vez, mesmo no caso de Ferreira perder as legislativas de 2009, o sucessor da actual líder também pode estar nas boas graças de Cavaco, o que também acaba por favorecer a conflitualidade institucional. Em todo este contexto, restam poucas dúvidas de que Alegre pode ser uma boa solução como candidato a Belém. Depois da dispersão da esquerda nas últimas presidenciais, Alegre pode mesmo congregar o apoio do BE e até do PCP, ainda que seja necessário os comunistas digerirem o apoio a um homem que, historicamente, fez sempre o papel do soarismo de quebrar e torcer o PCP. Com esta congregação de votos, restam poucas dúvidas que se fará uma maioria aritmética favorável à eleição de Alegre.

Os riscos para Cavaco

Do lado de Cavaco Silva, a situação pode não ser benéfica. O sucessor de Ferreira Leite pode ser um aliado de Cavaco mas também pode ser uma figura pouca empenhada com Belém ou mesmo hostil ao Presidente da República. O regresso da ala populista ao partido, com Luís Filipe Menezes ou Santana Lopes, poderia ter esse efeito. Mesmo com Passos Coelho na liderança social-democrata, Cavaco só deveria desfrutar, certamente, de vantagens, depois do ex-candidato às directas de Maio deste ano, fazer pagar bem caro politicamente o apoio incondicional a Cavaco, talvez exigindo que Belém passasse por cima das ambições de muitos cavaquistas, como Alexandre Relvas ou António Borges, ou mesmo de homens que estão certos de obter o apoio de Belé, como Nuno Moais Sarmento e Rui Rio, para ver o Palácio de Belém inteiramente dedicado a Passos Coelho.
Em relação ao PP, pondo a hipótese de ele continuar a ser liderado por Paulo Portas ou por outro líder com os mesmo ideais, como Luís Nobre Guedes, é garantido que o apoio a Cavaco não será entusiasta. Ao nível partidário Cavaco conta, por isso, com algumas fragilidades potenciais para a sua reeleição. Em relação à conjuntura económica e social do país, as incertezas também são muitas. Uma situação de crise e forte empobrecimento pessoal, mesmo que Cavaco também tenha grandes preocupações sociais, pode favorecer a eleição de um Presidente da República de esquerda. Outro elemento que pode jogar contra Cavaco reside na reparação de uma injustiça em relação a Manuel Alegre, o que pode mobilizar muitos eleitores no voto no poeta.

O trunfo da reeleição

O grande trunfo de Cavaco reside, naturalmente, no facto de se recandidatar ao cargo. Até hoje, nenhum Presidente da República perdeu uma reeleição. Ramalho Eanes foi reeleito em 1980, mesmo em condições adversas, o que é, sem dúvida um bálsamo para Cavaco. Recorde-se que Mário Soares não apoiou Eanes, ainda que o PS, com António Guterres, Jorge Sampaio e Vítor Constâncio o tenha feito, e que Sá Carneiro e a direita apostaram tudo em Soares Carneiro, de forma a tentar apear Eanes do poder. Jorge Sampaio também foi reeleito em 2001, com relativa facilidade, com o PSD a apresentar Ferreira do Amaral como candidato. Num país que é muito equilibrado e conservador a votar, Cavaco pode beneficiar do efeito psicológico de constituir quase um crime de ingratidão não reeleger um Presidente da República por mais cinco. Por seu lado, este grande trunfo de Cavaco é também o factor principal que pode fazer recuar Manuel Alegre. O poeta não quererá, naturalmente, fazer uma caminhada arriscada, onde só serviria para aumentar o tónus politico da candidatura de Cavaco. Aliás, Helena Roseta, na entrevista que deu no passado fim-de-semana ressalvou, precisamente, o aspecto de Alegre aceitar, ou não, ser candidato.