2025/07/02

Socialistas católicos é que fizeram a lei que Cavaco vetou

O projecto do PS sobre a lei do divórcio foi elaborado foi elaborado pelo moderado e católico Guilherme Oliveira Martins, contando entre os primeiros subscritores, Maria do Rosário Carneiro, do movimento humanista ligado ao PS. Na semana passada, em entrevista ao SEMANÁRIO, o padre Vitor Melícias também considerou equilibrada e justa a lei do divórcio vetada por Cavaco. Refira-se que na maioria dos países europeus está em vigor legislação sobre o divórcio semelhante à do projecto dos socialistas.

O projecto do PS sobre a lei do divórcio foi elaborado foi elaborado pelo moderado e católico Guilherme Oliveira Martins, contando entre os primeiros subscritores, Maria do Rosário Carneiro, do movimento humanista ligado ao PS. Na semana passada, em entrevista ao SEMANÁRIO, o padre Vitor Melícias também considerou equilibrada e justa a lei do divórcio vetada por Cavaco. Refira-se que na maioria dos países europeus está em vigor legislação sobre o divórcio semelhante à do projecto dos socialistas. O SEMANÁRIO publica um extracto da exposição de motivos do projecto socialistas, onde se resumem as razões da lei:
“O projecto, elaborado a partir de trabalho para o efeito realizado pelos Professores Guilherme de Oliveira e Anália Torres, procura convergir com a legislação mais recente e com a que vigora na maioria dos países Europeus, como pode ser conferido na publicação Principles of European Family Law Regarding Divorce and Maintenance Between Former Spouses, livro que é produto da actividade da CEFL, Comission on European Family Law em que Portugal também participa. Assume-se esta mudança em três planos fundamentais. Em primeiro lugar, elimina-se a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro, tal como ocorre na maioria das legislações da União Europeia e alargam-se os fundamentos objectivos da ruptura conjugal. O abandono do fundamento da culpa é, aliás, ponto de convergência na legislação europeia como se pode ler na obra atrás citada: “A eliminação a qualquer referência à culpa é consistente com a evolução da lei e da prática nos sistemas legais europeus analisados. Em muitos desses sistemas a culpa foi abandonada. Mesmo os poucos que, de forma parcial, a mantém muitas vezes na prática evoluíram na direcção do divórcio sem culpa. De qualquer dos modos é difícil atribuir culpa apenas a um dos cônjuges” (in Boele-Woelki et al. (2004), Principles of European Family Law Regarding Divorce and Maintenance Between Former Spouses, Commission on European Family Law, Antwerp-Oxford, Intersentia, p.55).
Em segundo lugar, assume-se de forma explícita o conceito de responsabilidades parentais como referência central, afastando assim claramente a designação hoje desajustada de “poder paternal”, ao mesmo tempo que se define a mudança no sistema supletivo do exercício das responsabilidades parentais considerando ainda o seu incumprimento como crime. Finalmente, e reconhecida a importância dos contributos para a vida conjugal e familiar dos cuidados com os filhos e do trabalho despendido no lar, consagra-se pela primeira vez na lei e em situação de dissolução conjugal, que poderá haver lugar a um crédito de compensação em situação de desigualdade manifesta desses contributos.” |

As principais razões do veto de Cavaco

Cavaco Silva vetou o projecto da lei do divórcio, enviando uma mensagem à Assembleia da República onde expõs as razões do veto. O Parlamento pode agora confirmar a lei por maioria absoluta de votos ou alterar o diploma. O SEMANÁRIO recorda as principais razões de Cavaco para se opor ao projecto, na mensagem enviada: “É no mínimo singular que um cônjuge que viole sistematicamente os deveres conjugais previstos na lei possa de forma unilateral e sem mais obter o divórcio e, sobretudo, possa retirar daí vantagens aos mais diversos níveis, incluindo patrimonial. Assim, por exemplo, numa situação de violência doméstica, em que o marido agride a mulher ao longo dos anos – uma realidade que não é rara em Portugal -, é possível aquele obter o divórcio independentemente da vontade da vítima de maus tratos. Mais ainda: por força do crédito atribuído pela nova redacção do nº 2 do artigo 1676º, o marido, apesar de ter praticado reiteradamente actos de violência conjugal, pode exigir do outro o pagamento de montantes financeiros. Se, por comum acordo do casal, apenas o marido contribuiu financeiramente para as despesas familiares, é possível que, após anos de faltas reiteradas aos deveres de respeito, de fidelidade ou de assistência, ele possua ainda direitos de crédito sobre a sua ex-mulher e que esta, dada a sua opção de vida, terá grandes dificuldades em satisfazer (…) Noutro plano, são retiradas à parte mais frágil ou alvo da violação dos deveres conjugais algumas possibilidades que actualmente detém para salvaguardar o seu “poder negocial”, designadamente a alegação da culpa do outro cônjuge ou a recusa no divórcio por mútuo consentimento. Doravante, à mulher vítima de maus-tratos, por exemplo, só restará a via de, após o divórcio, intentar uma acção de responsabilidade contra o seu ex-marido, com todos os custos financeiros e até psicológicos daí inerentes. E, como é óbvio, nessa acção ter-se-á de provar a culpa do ex-cônjuge pelo que, em bom rigor, a culpa não desaparece de todo da vida conjugal: deixa de existir para efeitos de subsistência do vínculo matrimonial mas reemerge no momento do apuramento das responsabilidades, nos termos do disposto no novo artigo 1792º, mas sempre de um modo claramente desfavorável à parte mais frágil, à parte não culpada pela violação de deveres conjugais ou, enfim, à parte lesada pelo ex-cônjuge (…)O novo regime do divórcio, introduzindo uma alteração de paradigma de grande alcance, vem pôr termo a essa presunção, o que implica que as contribuições dadas para os encargos da vida conjugal e familiar são susceptíveis de gerar direitos de crédito sobre o outro cônjuge – ficando todavia em aberto inúmeras questões, nomeadamente a de saber se o crédito de compensação agora criado é renunciável. Além de a vivência conjugal e familiar não estar suficientemente adaptada a uma realidade tão nova e distinta, podendo mesmo gerar-se situações de autêntica “imprevisão” ou absoluta “surpresa” no momento da extinção do casamento, o novo modelo de divórcio corresponde também, até certo ponto, a um novo modelo de casamento, no seio do qual são ou podem ser contabilizadas todas e quaisquer contribuições dadas para a vida em comum. Mesmo a admitir-se a adopção deste novo modelo de casamento, não pode deixar de se salientar o paradoxo que emerge desta visão “contabilística” do matrimónio, uma vez que a filosofia global do casamento gizada pelo novo regime do divórcio corresponde a uma concepção do casamento como espaço de afecto. Sempre que um dos cônjuges entenda que desapareceu esse afecto, permite-se agora que unilateralmente ponha termo à relação conjugal, sem qualquer avaliação da culpa ou de eventuais violações de deveres conjugais. Ora, a par desta visão “afectiva” do casamento, pretende-se que a seu lado conviva uma outra, dir-se-ia “contabilística”, em que cada um dos cônjuges é estimulado a manter uma “conta-corrente” das suas contribuições, e apenas a prática poderá dizer qual delas irá prevalecer. Existe uma forte probabilidade de aquela “visão contabilística” ser interiorizada pelos cônjuges, gerando-se situações de desconfiança algo desconformes à comunhão de vida que o casamento idealmente deve projectar.”|

A economia ao serviço do homempor Maria Valentina Machado

Se é um facto incontestado que sem uma robusta e saudável economia não é possível um desenvolvimento social capaz de satisfazer o Homem, também não é menos verdade, muito antes pelo contrário, que, sem este, aquela nunca será forte e, consequentemente, com capacidade de distribuição da riqueza. Mas a economia não pode escravizar o Homem, porque a razão fundamental daquela é servir este, levando-o a que o seja em plenitude.

A economia portuguesa revelou no 2.º trimestre do ano corrente uma melhoria muito ténue mas que, relativamente à situação de outros parceiros da UE, com crescimentos negativos do PIB ou em franca recessão técnica, podem indiciar uma certa esperança em que arranque definitivamente. No entanto, não se pode esquecer que a economia portuguesa é excessivamente dependente do exterior, com uma forte componente de exportações, o que deve deixar um alerta muito sério, pois com a crise que afecta os países para quem exportamos, é muito provável que aquelas diminuam e consequentemente afecte o pequeno crescimento do PIB.
De qualquer modo e porque a esperança é a última a morrer, devemos estar prudentemente cautelosos mas animados.
Um outro dado que pode ser animador é o facto da taxa de desemprego ter baixado, ainda que muito pouco, no mesmo período de tempo. Contudo, e relativamente ao desemprego, não se deve esquecer que tal melhoria pode apenas dever-se ao emprego temporário que esta época do ano propicia. Logo, é necessário não deixar de fomentar a criação de emprego e tal só pode e deve ser levado a cabo pelos empresários. Ao fim e ao cabo, é nestes que reside a possibilidade de traçar uma estratégia ascendente da nossa economia, tendo sempre presente que esta deve estar ao serviço do Homem e não este escravizado àquela, como, aliás, tem vindo a acontecer. É evidente que em épocas de crise, como aquela que temos vivido e que se arrasta há demasiado tempo, o Homem tem de sacrificar-se para que aquela cresça, ainda que contra ventos e marés. E assim tem acontecido nestes três últimos anos, primeiramente devido ao estado calamitoso em que se encontravam as contas públicas que todos, interna e externamente, reconhecem se conseguiram equilibrar com as medidas corajosas tomadas pelo Governo, mas sobretudo com a imensa capacidade de sacrifício e espírito de compreensão do povo português. Só que essas medidas corajosas e impopulares não afectaram todos por igual mas sim e sobretudo, a chamada classe média, hoje extremamente empobrecida. E quando se pensava que o mau tempo tinha passado e se aproximava a bonança, outros factores, agora externos, surgiram como a especulação do petróleo e seus derivados, a crise financeira americana, com a consequente desvalorização do dólar e suas consequências na economia global, implicando recessão no investimento e o aumento, muitas vezes especulativo, do preço de bens essenciais. É óbvio que uma economia tão dependente do exterior como a nossa tem de reflectir e ressentir-se dessa crise internacional e, por isso, face aos resultados referidos relativos ao 2.º trimestre deste ano, têm de nos deixar esperançados mas muito prudentes e receosos.
Esta crise internacional beneficia apenas as economias daqueles países que, não respeitando os Direitos do Homem e consequentemente os das Crianças, conseguem não apenas sobreviver mas desenvolver-se à custa de condições de trabalho indignas do ser humano, com horários de trabalho excessivos e reduzidos salários e, para escândalo do mundo civilizado, explorando o trabalho infantil, tal como na Europa aconteceu em finais do séc.. XVIII. É óbvio também que nestas condições não pode haver uma sã competitividade global, pois os princípios e os métodos são completamente diversos.
Deseja-se, espera-se e merece-se que a economia portuguesa dê origem ao desenvolvimento do país, não apenas no vector económico mas no vector social. Sabe-se que sem aquele este não é possível desenvolver e por isso mesmo o desenvolvimento social entre nós tem tão pouca expressão mas, quando se espera que a economia portuguesa ainda que tenuamente cresça, é bom recordar que o desenvolvimento adveniente tem de ser harmonicamente distribuído, com justiça e equidade, contemplando os mais desfavorecidos que são, para além dos tais cerca de 2 milhões de pobres, a tal classe média empobrecida que são cerca de 6 milhões de portugueses. E tal tem de se conseguir a curto e a médio prazo, pois, como se tem referido constantemente, os portugueses estão, não apenas cansados de sacrifícios, mas sobretudo indignados, para não dizer revoltados, com as disparidades existentes que separam os mais ricos dos pobres ou empobrecidos, que o mesmo é dizer que separam cerca de 2 milhões de ricos dos restantes 8 milhões.
E essa distribuição harmónica, com justiça e equidade, passa, em primeiro lugar, pela criação de emprego, condição essencial para o desenvolvimento económico e social; passa por uma política de salários justos adequados à capacitação dos trabalhadores, cujo mínimo não pode ser inferior a 500 euros se, de facto, nos queremos aproximar da média europeia; passa ainda pela continuação do esforço na formação académica e profissional dos jovens, tornando-os trabalhadores capacitados; passa pelo reconhecimento, por parte do Estado, que, por si só, não conseguirá os resultados que se esperam a curto prazo, confiando e colaborando com a sociedade civil, sem a qual estaríamos a anos-luz das metas já alcançadas; passa ainda pela não marginalização daqueles que, por qualquer razão, não foram nem estão devidamente qualificados, possibilitando e investindo numa formação contínua recorrente, para o que se exige, não apenas a disponibilidade do Estado, mas igualmente da sociedade civil em geral e das empresas, sindicatos e associações profissionais em especial; passa pelo reconhecimento e não marginalização dos idosos, quer tenham ou não sido trabalhadores, revendo as suas pensões, nomeadamente as de reforma, com base na inflação, mas também com base não apenas no salário mínimo mas também de acordo com o salário médio da sua carreira; passa por uma política firme e eficaz de erradicação da pobreza e discriminação social, com a certeza de que não são somente os pobres os discriminados ou marginalizados, mas também outros que o são apenas por motivos sociais; passa por uma correcta e coerente política de promoção e protecção da família, incentivando a natalidade, a fim de que se rejuvenesça a população portuguesa, condição essencial para uma economia saudável e promissora e, porque é na família que se forma o Homem, actor e usufrutuário da mesma economia; passa pelo desenvolvimento, com justiça e equidade, do mitigado Estado-Providência que temos, também ele fruto da colaboração do Estado e da sociedade civil, no sentido de que ninguém, ninguém mesmo, deixe de usufruir, em plenitude, dos seus direitos de cidadania.
E não se pense que tal é pura utopia porque, de facto, o não é, desde que o desenvolvimento económico se não divorcie do desenvolvimento social. Se os países do Norte europeu conseguiram esse desenvolvimento harmonioso, também os do Sul, onde nos integramos, também terão de o alcançar.
Se é um facto incontestado que sem uma robusta e saudável economia não é possível um desenvolvimento social capaz de satisfazer o Homem, também não é menos verdade, muito antes pelo contrário, que, sem este, aquela nunca será forte e, consequentemente, com capacidade de distribuição da riqueza. Mas a economia não pode escravizar o Homem, porque a razão fundamental daquela é servir este, levando-o a que o seja em plenitude.
A economia não depende somente do capital, mas também e sobretudo do Homem que a torna possível.
A economia só faz sentido quando o objectivo, primeiro e último, é o serviço do Homem.|

Docente da ULHT

CDS e PSD estão a fazer tudo erradopor Rui Teixeira Santos

O mais constrangedor é que estão a fazer tudo errado à direita.

O mais constrangedor é que estão a fazer tudo errado à direita. O CDS, em vez de defender acordos – qualquer tipo de acordos – para se salvar, diz que vai sozinho, não percebendo que sem um discurso de unidade deixa de fazer sentido e coloca-se mesmo à margem do sistema político e o PSD, que deveria afirmar a sua autonomia como alternativa ao governo socialista, não fala noutra coisa que não seja o Bloco Central, dando de barato que o PS ganhará as próximas eleições. A semana passada o PSD chegou mesmo ao ponto – ao convidá-lo para a Universidade de Verão em Castelo de Vide – de insinuar António Vitorino como o nome para suceder a José Sócrates, como primeiro-ministro de um putativo governo de Bloco Central. As manobras de Belém fizeram o resto esta semana.
É evidente que José Sócrates percebeu o recado e não se ficou. No dia seguinte elogiou Leonor Beleza.
De algum modo, José Sócrates percebe que, com Cavaco Silva em Belém e Ferreira Leite no PSD a tentarem convencer as elites e os interesses da necessidade do Bloco Central – o que necessariamente dará mais relevo à posição do Presidente da República, convertido em verdadeiro árbitro entre os dois grandes partidos – o seu espaço pode diminuir e a hipótese de repetir a maioria absoluta nesta conjuntura económica e de contestação social consequente pode ficar comprometida.
Ainda por cima, se António Costa se assumiu sempre como putativo sucessor de José Sócrates, apresentando a solução de uma coligação à esquerda, o arranque de António Vitorino agora, é mesmo, uma aposta séria no Bloco Central e ameaça directamente a autoridade do primeiro-ministro.
O número dois de António Guterres e ex-comissário europeu, António Vitorino, hábil e inteligente como é, obviamente, que aceitou o repto.
Um repto que, no fundo, consubstancia a natureza intrinsecamente eanista do cavaquismo: um projecto político que visa manter a influência pessoal e o poder de intervenção do Presidente Cavaco Silva, para além dos poderes que a Constituição lhe reconhece.
Um repto, em suma, que visa assegurar que o PSD nunca será poder sozinho e que o PS não repete a sua maioria absoluta.
De certo modo, é também o corolário do discurso ideológico catastrofista e ético alimentado por Belém – e pela sua criatura, a silenciosa Manuela Ferreira Leite – que, de algum modo, recicla o eanismo inicial, aprendendo com os seus erros.
Repare-se que o cavaquismo nunca faria um partido de inspiração presidencial como o PRD e, ao contrário de Eanes, usa o próprio Bloco Central para consolidar o seu poder.
Nisto, Aníbal Cavaco Silva sempre foi um pragmático e jesuítico, apesar de se manter sempre acima de qualquer suspeita. Por exemplo, sempre terá sabido das negociatas, da corrupção, nos seus governos, sempre poderá ter sabido das figuras de reputação dúbia e, em boa verdade, nunca combateu isso para além do discurso. Exactamente, como Manuela Ferreira Leite e ao contrário do Presidente Ramalho Eanes, este muito mais reactivo e ingénuo nessa matéria.

A estratégia de Bloco Central
Antes da eleição de Manuel Ferreira Leite como líder do PSD escrevemos duas coisas: que a senhora não tinha uma única ideia sobre Portugal e que, portanto, não tinha políticas alternativas ao PS e que, se porventura aparecesse alguma ideia, ela seria a voz do dono – Aníbal Cavaco Silva. Foi, aliás, o que aconteceu com a questão do financiamento das obras públicas, como todo o País percebeu.
A segunda ideia era que Manuela Ferreira Leite tinha, contudo, uma missão fundamental: a de manter a estabilidade, ou seja, a de assegurar a continuidade do PS à frente do próximo Governo, depois das legislativas de 2009, e, de preferência, em coligação, com o Bloco Central.
O Presidente da República dá mostras, há mais de 29 anos – o seu tempo de política activa -, que é o melhor político realista que o País jamais conheceu desde o professor Oliveira Salazar. Esta semana só o confirmou com a encenação da intervenção televisiva de ontem, onde ficou clara a vontade de intervir.
Para ele, para Cavaco Silva, acima do interesse do País, acima do que é melhor para os portugueses, está a sua primeira missão de um político: a missão de conservar o seu próprio poder e a vontade de intervir mais na área executiva para a qual se julga providencialmente dotado. Tudo o resto vem depois e é instrumental. (De notar que Cavaco pertence àquela geração ridiculamente presumida que, aos 40/50 anos, achava que os de 60/70 eram velhos e incompetentes e que, agora, com 60/70 anos, acha que os que têm 40/50 anos são novos e igualmente incompetentes.)
Esta é, aliás, a extraordinária história política de Aníbal Cavaco Silva que, dissimuladamente e aprendendo com os erros do eanismo, nunca se assumiu como salvador do regime, mas, apenas, como um institucionalista e um defensor da ordem e da Constituição que jurou respeitar e fazer respeitar.
Ora, aos setenta anos, Manuela Ferreira Leite, com o apoio da nomenclatura estatal, que inclui naturalmente a concordância dos mais relevantes poderes fácticos da nossa sociedade, foi mandada para a frente, rodeada dos “órfãos habituais do PSD”, juntando mesmo o pior do Aparelho laranja com um grupo de funcionários do Estado que nunca criou riqueza e que viveu toda a vida à pala da política ou da sua influência nos negócios, e que, verdadeiramente, não representa nada nem ninguém.
Os interesses, esses, obviamente, estão com o poder, no caso com o PS e com o governo socialista, como é natural – e assim deve continuar a ser – e, por isso, nada têm a opor à estratégia cavaquista de manutenção de uma maioria com a mesma agenda.

O cavaquismo existe
Pensar que o cavaquismo não existe é uma tolice. É certo que ele não tem ideologia nem programa político. Tem, apenas, como objectivo preservar o poder do Presidente da República e ampliar a sua influência no executivo, o que, instrumentalmente, serve a estratégia barrosista de desertificação do campo político da direita – para que Durão Barroso, eventualmente, ainda possa suceder a Cavaco Silva em Belém, depois de mais um mandato na CE – e a vaidade de fraca gente – promovida por alguma comunicação social sem assunto, cujos nomes nem vou nomear.
Para além disto, o cavaquismo não é nada. Nem o seu programa reformista ousa ir além das propostas do governo Sócrates, nem sequer tem, hoje, a visão liberalizadora ou correctora das falhas do mercado que Aníbal Cavaco Silva foi obrigado por Bruxelas a implementar no nosso país depois da Adesão à CEE.
Bem pelo contrário, no discurso do cavaquismo há toda uma moral culpada e provinciana, relativamente à riqueza e à iniciativa privada (que não sejam os interesses dos três ou quatro grandes grupos económicos que os governos de Cavaco criaram, discricionariamente, com o dinheiro e as encomendas do Estado – indiscutivelmente o maior cancro da economia portuguesa e razão do estrangulamento das PME), chegando mesmo à demagogia de dar a ilusão que ultrapassa, pela esquerda, o próprio governo socialista. (Muito curiosa, aliás, no mesmo sentido, a proposta de criar mais um escalão no IRS, avançada por Fernando Ulrich, a dar mostras de que quer largar um BPI, sem viabilidade nesta conjuntura, e que poderia equacionar uma carreira política…)
O cavaquismo existe e tem uma agenda clara: impedir que o PSD controle o Governo. Pelo simples facto que, nesse momento, o cavaquismo morre, mesmo que fosse a sempre leal e prestável Manuel Ferreira Leite a ficar como primeira-ministra. Porque, nesse momento, Cavaco Silva perde o estatuto de moderador, para passar a ser solidário com todas as decisões, verdadeiramente, para passar a ser prisioneiro do seu próprio partido ou da maioria que o apoiou.
Esta é a verdadeira natureza do cavaquismo – ou do eanismo reciclado – e, de certo modo, a razão por que Cavaco Silva é actualmente o maior inimigo do PSD e pode, facilmente, comprometer a manutenção do actual sistema de partidos políticos. E tudo isto com a imagem dissimulada do defensor da Constituição.

Caminhos pessoais
Só que os propósitos cavaquistas, mesmo com Cavaco a aparecer na véspera das férias, parecem estar a desmoronar-se. Manuela Ferreira Leite foi longe de mais. E não é apenas Alberto João Jardim a notar, nem tão-pouco apenas Luís Filipe Menezes.
É verdade que o santanismo não existe no PSD, depois da derrota das últimas directas e do abandono em pleno Congresso, e que Santana Lopes faz o seu percurso pessoal, eventualmente, a pensar nas presidenciais. (Em boa verdade a experiência do menezismo – no Grupo Parlamentar – e as próprias directas, se não o beneficiaram, acabaram também por não prejudicar o ex-primeiro-ministro.)
Durão Barroso marca o terreno com Nuno Morais Sarmento, José Luís Arnaut e Matos Correia, a pensar também na Presidência. De algum modo, o seu caminho é, também, pessoal.
E, finalmente, Marcelo Rebelo de Sousa está sempre presente, por aquilo que poderá vir a ser, mesmo que nunca o tenha sido – é esse o seu charme e poder. Faz, assim também, o seu caminho solitário para poder ser presidenciável.
Portanto, os grandes protagonistas da nova esperança estão todos fora da corrida ao PSD e, como Cavaco Silva, apenas olham para o PSD como instrumental de uma estratégia pessoal, tendo em vista o Palácio de Belém e não como alternativa política ao governo socialista.
Tal como Cavaco Silva, também lhes agrada este clima mediático pré-insurreccional de enfraquecimento do poder do Estado e, sobretudo, de desgaste do PS e do primeiro-ministro José Sócrates, que tão bem tem adivinhado Aguiar ou descrito Pacheco Pereira.

Substituição de Ferreira Leite já começou no PSD
Embora na área da actual liderança seja claro o “desembainhar de espadas” para a discussão da sucessão – havendo ambições conhecidas de Morais Sarmento, António Borges, Alexandre Relvas e Rui Rio – verdadeiramente em jogo só estão Nuno Morais Sarmento, por causa de Durão Barroso, e Rui Rio, o presidente da Câmara Municipal do Porto. (Veremos, proximamente, o efeito das intervenções de Belém e as manobras do presidente da Comissão Europeia, ambos de férias em Agosto, nestes equilíbrios dentro do grupo que acompanha a silenciada Manuela Ferreira Leite.)
Curiosamente, nenhum destes nomes é simpático ao eleitorado e, sobretudo, nenhum deles tem sequer o carisma de Ferreira Leite, algo que pudesse ser mais que o partido.
Como escrevemos, logo depois das Directas, a história das sucessões, no PSD, mudou nesta década. O próximo poder nunca sai da liderança anterior e quando isso acontece – como foi o caso com Santana Lopes que se aproximou de Barroso para lhe suceder -, as coisas correm mal.
Portanto, ao designar o vencedor de hoje, o Congresso designa também – no vencido – o vencedor de amanhã. E, no caso, trata-se de Pedro Passos Coelho. (Santana Lopes percebeu isso intuitivamente e foi por isso mesmo que avançou.) E, Pedro Passos Coelho – como ele disse e nós concordamos oportunamente – tinha pela frente um caminho de duas legislaturas.
Criado no “laboratório Ângelo Correia”, que assim segue as passadas de Adriano Moreira – com Manuel Monteiro – ou Cruz Martins – com Durão Barroso – Passos Coelho visivelmente não estava preparado para assumir o lugar de primeiro-ministro.
O objectivo de Ângelo Correia, aliás, também não era – não podia ser – o de tirar o lugar a José Sócrates. Bem pelo contrário. O objectivo era assegurar uma estabilidade alternativa à de Belém, à estabilidade tutelada por Cavaco Silva – de que Ângelo Correia sempre desconfiou. Ficou isso, aliás, claro nos debates entre os candidatos nas directas do PSD.
O que se pretendia mesmo era facultar condições políticas para que José Sócrates, o actual primeiro-ministro socialista, repetisse a maioria absoluta do PS, contudo, em condições honrosas para o PSD, que, naturalmente, chegaria ao poder, com um Passos Coelho rodado, dentro de cinco anos – até porque, em Portugal, no actual sistema político, nenhum partido aguenta mais que duas legislaturas – e, à excepção de Cavaco Silva, por causa do impacto da adesão à CEE, nenhum chega, mesmo, ao fim da segunda legislatura.
Neste tempo, Pedro Passos Coelho poderia sempre preparar-se. E daqui a cinco anos seria um credível primeiro-ministro para Portugal. É, aliás, este, o percurso dos líderes partidários por exemplo no Reino Unido. Alem disso, avançar já, com uma provável vitória do PS à vista, seria colar, desnecessariamente, uma derrota ao currículo do candidato.

A mudança de planos de Passos Coelho
Só que o agravamento da crise social e económica e a estratégia inteligente de Belém – com o sistemático desgaste do governo socialista provando todos os dias que é incompetente e que só produz leis inconstitucionais (Sócrates é recordista de leis mal feitas e inconstitucionais, com efeito) para lá da própria intervenção televisiva do Presidente – pode colocar em perigo a própria maioria socialista.
E a possibilidade do poder de Belém – do eanismo cavaquista ou esse gosto dos presidentes se envolverem nas funções executivas – se estender a um Bloco Central executivo começa a ser claro, sobretudo, quando o Presidente parece querer encenar a marcação da agenda, e quando nem Pacheco Pereira, nem mesmo Ferreira Leite, já o escondem.
Só que Ferreira Leite não tem agenda directa e sobretudo pode – com o Bloco Central – servir as ambições e os interesses pessoais do Presidente Cavaco Silva, o que pode efectivamente comprometer em definitivo o sistema actual de partidos e pode mesmo levar à liquidação do PSD e, portanto, de uma alternativa aos socialistas, que, a prazo, necessariamente, se converteriam no partido hegemónico do sistema político.
É um plano político que – com Sócrates ou sem ele, e já vimos que o Presidente da República prefere que seja sem ele -, obviamente, não interessa ao sistema da alternância democrática e que, portanto, não serve ao PSD.
Ora, neste contexto, faz sentido que a crise no PSD rebente antes mesmo das próximas legislativas e depois da intervenção de Cavaco Silva, mesmo que rebente quanto antes. É certo que há demasiada gente interessada em afastar a influência de Cavaco Silva do poder executivo e de o manter como moderador, nos termos constitucionais.
Há, portanto, uma forte convergência em afastar o cavaquismo e o barrosismo oportunista, que se lhe colou na solução Ferreira Leite, no PSD. Uma linha que era maioritária nas últimas directas.
E, assim sendo, os tiros começaram a ser dados.
O País vai de férias. E, logo na rentrée o próximo Orçamento do Estado será o teste e pode revelar-se como o início de um novo ciclo político.
Sem alternativa e sem discurso, as fragilidades da actual líder do PSD vão ser patentes e tornar-se-á insuportável a sua continuidade. Pacheco Pereira, do púlpito da SIC, não terá qualquer influência e o próprio barrosismo – para defender a estratégia pessoal de Barroso – fará o mesmo que, antes, fez a Pedro Santana Lopes, sendo o próprio executor da sentença de morte de Manuela Ferreira Leite e do sonho eanista de Aníbal Cavaco Silva.

Jardim diz que haverá directas no início do ano
Começou com Alberto João Jardim, que sempre disse que haveria directas no PSD em Janeiro ou Fevereiro, e que pode ser ameaçar com a autonomização do seu grupo parlamentar, fazendo ele o apoio à estabilidade do governo socialista, contra 200 milhões de quatro em quatro anos – uma espécie de queijo limiano madeirense. Continuou com Luís Filipe Menezes e Pedro Santana Lopes nos jornais e, agora, é, inevitavelmente, a vez de Passos Coelho se pronunciar este fim-de-semana.
E, todos irão para férias com a certeza que Cavaco quer mesmo aumentar a sua influência executiva, mas que Manuela Ferreira Leite provavelmente não será a candidata do PSD nas próximas legislativas e que o cavaquismo pode ser, finalmente, enterrado.
A ver vamos!|

O ultimato de Belém: Sócrates ou é humilhado ou é demitido

O Presidente da República avançou ontem com um ultimato à maioria socialista. Em causa o regular funcionamento das instituições democráticas e os equilíbrios constitucionais. Cavaco cria condições para dissolver o Parlamento caso Sócrates não recue.
Os sinais do fim da coabitação são mais que evidentes desde que Manuela Ferreira Leite chegou ao PSD. Foi aliás a líder do PSD quem disse que Sócrates estava a procurar um conflito com Belém a propósito do estatuto da região autónoma, numa matéria que o próprio Constitucional não achou ser inconstitucional, apesar de ter detectado outras nove normas inconstitucionais.
Basicamente, a intervenção de ontem do Presidente da República, não sendo para apresentar a sua renúncia nem a imediata demissão do Governo, não teria nenhuma relevância se não fosse o facto de Belém lhe ter querido dar relevância, deixando em vésperas de férias um ultimato à maioria socialista.

A encenação de Belém
Começou logo pelo anúncio, aliás, falso, ontem às quatro da manhã, no Público, que Cavaco Silva interrompia as suas férias para falar ao País às 20 horas. Era uma mistificação, pois, horas antes, o Presidente da República tinha estado a condecorar, exactamente em Belém, de onde falou, o último secretário-geral da CPLP. Cavaco ainda não tinha ido de férias.
O que significa a segunda intervenção televisiva do Presidente da República neste seu mandato é apenas que Cavaco Silva quer ter mais intervenção e quer começar a preparar o caminho para acabar com a cooperação estratégica e dissolver o parlamento antes que as medidas eleitorais de Sócrates façam qualquer efeito. Ainda por cima na actual conjuntura económica e social, o Presidente sabe que o governo socialista está fragilizado. O método é, aliás, em tudo semelhante ao desgaste que Jorge Sampaio usou para demitir Santana Lopes.
Cavaco Silva pressente que o seu projecto pessoal de dominar o executivo através de Belém e, de facto, presidencializar o regime, através de um equilíbrio entre os dois grandes partidos do centro moderado por ele próprio, só poderia avançar com Ferreira Leite no PSD, mas, por outro lado, pressente que Ferreira Leite não tem condições para se aguentar até ao fim da legislatura e que, portanto, a antecipação pode ser uma oportunidade.

O Bloco Central
E, ao ver os indicadores de confiança ao nível do tempo do Bloco Central, antes da adesão de Portugal à União Europeia, e com o pretexto, aliás, percebido pelos portugueses que o governo Sócrates é pouco competente na elaboração das leis e no respeito da Constituição (é mesmo o recordista das inconstitucionalidades), o Presidente Cavaco Silva sentiu que era o momento adequado e tinha o pretexto certo para tomar a dianteira, aparecer a desgastar a maioria socialista, para, eventualmente, mais tarde, até ter razões adicionais para forçar a demissão do governo de José Sócrates. Ainda por cima do seu lado, Cavaco teria o argumento de evitar que se desbaratem nesta conjuntura os ganhos financeiros e as reformas feitas nos últimos três anos, com o governo em campanha eleitoral.

A lembrar que existe
O Presidente Cavaco Silva aparece no último dia antes de férias para lembrar, basicamente, que está presente e que os portugueses podem contar com ele, sempre vigilante e defensor do regular funcionamento das instituições.
Manuela Ferreira Leite estaria calada exactamente para o eleitorado poder perceber, neste momento, em que o professor Cavaco Silva joga todo o seu prestígio, nestes prolegómenos de um aparente “golpe constitucional”, empurrando o primeiro-ministro para tábuas e impondo-lhe publicamente uma humilhação. Caso o primeiro-ministro não recue, é certo que o Presidente Cavaco Silva dissolverá mesmo a Assembleia da República.
Percebendo a “conspiração de Belém”, José Sócrates multiplicou-se, na última semana, em anúncios de investimentos e obras, computadores, reformas, dinheiro para escolas e tribunais e outra propaganda pré-eleitoral, mostrando um Governo coeso e a trabalhar para resolver a crise ou, pelo menos, atenuar os efeitos da mesma.
Mais ainda, José Sócrates mandou travar os excessos da Administração Pública no ataque às PME e às famílias e avançou com um pacote de financiamento às empresas (mais de 500 milhões), o carro eléctrico e o computador para os jovens, ao mesmo tempo que facilitou 105 milhões de euros ao Governo Regional da Madeira, para pagamento de dividas, tentando comprar a paz com o Governo da Madeira – que pode ser o seu maior aliado contra o cavaquismo.
Só que a situação financeira degrada-se e é necessário impor aos portugueses uma rápida queda do nível de vida para que possam viver com o que ganham sem desperdício – a receita dos saldos de Ferreira Leite.
António Vitorino poderia estar disponível para substituir José Sócrates como primeiro-ministro de um governo de “Salvação Nacional”, bem ao gosto do eanismo cavaquista.
O que fica para ver é se, nestas condições, Aníbal Cavaco Silva tem o mesmo sucesso que teve Jorge Sampaio, quando este conspirou contra Pedro Santana Lopes, abrindo caminho ao governo socialista, curiosamente chefiado por José Sócrates, que, agora, o novo Presidente também quer afastar.
Mas, do que não tenho dúvida alguma é que José Manuel Durão Barroso está ao corrente desta operação cavaquista. A prazo, o deserto, à direita, de novo criado por Cavaco, garante a sua eleição presidencial.
Veremos como reage Sócrates depois disto.|

António Costa corre o risco de ficar “entalado” entre uma coligação ..

As eleições intercalares em Lisboa foram há um ano atrás e já falta pouco para a capital entrar outra vez em pré-campanha, com as autárquicas em todo o país a deverem realizar-se em Outubro de 2009, quase de certeza em simultâneo com as legislativas. As peças já começaram a movimentar-se. António Costa vai assinalar o 15 de Julho na próxima semana, data em que foi eleito, com um jantar onde reúne as suas tropas, visando a sua recandidatura. Helena Roseta há muito que fez saber a sua vontade de se recandidatar e, para além de dever manter a sua base de apoio no Movimento de Intervenção e Cidadania, poderá ter o apoio surpreendente do Bloco de Esquerda.
Francisco Louçã colocou essa hipótese há dois meses. José Sá Fernandes, de candeias às avessas com o BE, poderá, por sua vez, integrar as listas de António Costa. À direita, a salvação poderá estar numa lista única, tirando partido dos problemas de Costa com o Bloco e da quase impossibilidade de uma aliança com o PCP. Pode não fazer sentido os comunistas estarem coligados com o antigo braço-direito de Sócrates na capital e, ao mesmo tempo, fazerem um ataque cerrado ao primeiro-ministro.

As eleições intercalares em Lisboa foram há um ano atrás e já falta pouco para a capital entrar outra vez em pré-campanha, com as autárquicas em todo o país a deverem realizar-se em Outubro de 2009, quase de certeza em simultâneo com as legislativas. As peças já começaram a movimentar-se. António Costa vai assinalar o 15 de Julho na próxima semana, data em que foi eleito, com um jantar onde reúne as suas tropas, visando a sua recandidatura. Helena Roseta há muito que fez saber a sua vontade de se recandidatar e, para além de dever manter a sua base de apoio no Movimento de Intervenção e Cidadania, poderá ter o apoio surpreendente do Bloco de Esquerda. Francisco Louçã colocou essa hipótese há dois meses. José Sá Fernandes, de candeias às avessas com o BE, poderá integrar as listas de António Costa. O mais provável é que o PCP repetia a recandidatura de Ruben de Carvalho, mas alguns cenários não são de excluir, como o lançamento de uma figura mais mediática, de forma a não ver Helena Roseta beneficiar do voto útil da esquerda, ou mesmo aconselhar o voto na arquitecta, dando um duro golpe em Costa. À direita, as movimentações estão mais atrasadas, consequência das mudanças na liderança social-democrata. Depois de se ter criado um balão de ensaio para Santana Lopes ser recandidato e este rejeitar a hipótese, atirando as responsabilidades do combate difícil para os apoiantes de Ferreira Leite, Pedro Passos Coelho viu na semana passada o seu nome lançado por António Capucho, numa entrevista que o presidente da Cãmara de Cascais deu ao SEMANÁRIO. Mas é pouco provável que Passos Coelho aceite o que pode ser mais uma armadilha do que um convite. Fernando Seara é falado para candidato a Lisboa há alguns meses, desde o tempo da liderança de Luís Filipe Menezes, à semelhança de Paula Teixeira da Cruz, a hoje presidente da Assembleia Municipal de Lisboa. No PP, depois da zanga de Paulo Portas com Maria José Nogueira Pinto, o partido não tem um candidato natural e a aliança com o PSD de Ferreira Leite parece ser contra-natura. Para complicar a situação da direita, é quase certo que Carmona Rodrigues deverá repetir a recandidatura de há um ano, quando obteve o segundo lugar na corrida.
Nos últimos meses, chegou a ser muito comentada nalguns sectores políticos a possibilidade de António Costa não se recandidatar à capital, podendo sair em meados do próximo ano para ser cabeça-de-lista pelo PS às eleições europeias de Junho próximo. Esta hipótese alimentava-se dos problemas financeiros em Lisboa e da dificuldade em Costa mostrar obra, saindo para enfrentar o risco de não perder. Há perspectivas, porém, em que a emenda parece pior que o soneto. Neste cenário, Costa teria de arranjar um excelente motivo, ou pretexto, para sair, o que não é fácil. De outro modo, o eleitorado não perceberia que ele se tivesse candidatado nas intercalares, para abandonar o barco um ano depois. É esta, aliás, uma obrigação quase natural que afecta os outros candidatos, como se o projecto apresentado nas intercalares tivesse que ter sequência nas locais de Outubro de 2009. Seria, por isso, pouco coerente e pouco consistente, imagem que não se coaduna com aquilo que se conhece de Costa . Neste quadro, o risco poderia ser alto para o autarca de Lisboa, no sentido de abdicar de Lisboa e receber um mau resultado nas europeias, ainda por cima um sufrágio onde pode vir a verificar-se, com forte probabilidade, um voto protesto no PS por causa da acção do governo. O facto de, com a saída de Costa, outros socialistas de nomeada se lançarem à corrida pela capital e, quem sabe, poderem ser bem sucedidos, poderia baralhar as contas do autarca de Lisboa em relação à sucessão de Sócrates.

Sá Fernandes integra as listas do PS?

Hoje, com o jantar de Costa de terça-feira, a hipótese de abandono da capital parece definitivamente afastada. O autarca de Lisboa deve ter equacionado que não tinha saída possível, pelos motivos políticos já expostos. Por sua vez, em termos de riscos, parece melhor para Costa a hipótese de se recandidatar do que a contrária. O autarca de Lisboa tem a justificação dos problemas financeiros da capital e do pouco tempo de mandato exercido para se salvaguardar, funcionando, ao mesmo tempo, como argumento para se recandidatar e executar plenamente, com um mandato pleno, o projecto que já vem das intercalares. Por outro lado, alguns riscos eleitorais de uma recandidatura parecem calculados. Costa deve sabe que a direita vai ter grandes dificuldades para se unificar. O mais provável é, de facto, apresentar-se dividida, o que beneficia, mais uma vez, o autarca de Lisboa. Recorde-se que no ano passado, Costa teve 30 por cento de votos, muto áquem da fasquia da maioria absoluta que chegou a pedir. Esta divisão da direita tem, ainda, como reverso, favorável a Costa, o facto de o PS não necessitar de entrar em negociações difíceis para fazer uma coligação de esquerda. Mas Costa enfrenta riscos maiores. A perspectiva de Helena Roseta poder ser apoiada pelo Bloco de Esquerda é preocupante para o autarca de Lisboa. Helena Roseta teve 10 por cento de votos há um ano, sem ser apoiada por nenhum partido. Com o apoio do BE, que conseguiu quase dez por cento com Sá Fernandes nas intercalares, Helena Roseta fica nos 20 por cento. Ora, num quadro em que tem possibilidades de vencer, a arquitecta pode entrar numa dinâmica muito complicada para Costa, podendo captar votos junto de mais eleitorado socialista descontente e junto do eleitorado comunista. No caso de o PC, precisamente com receio de perder votos para Roseta, a apoiar também, a vitória da arquitecta poderia estar quase garantida. Refira-se que há um mês, questionado sobre a possibilidade de o BE manter o apoio a Sá Fernandes ou apoiar outro candidato, designadamente Helena Roseta, referiu que tal cenário era uma hipótese, o que deixou surpreendidos muitos bloquistas e até o próprio Sá Fernandes, que manifestou estupefacção, já que Louçã lhe tinha reiterado o apoio há pouco tempo. Esta ruptura do BE com António Costa não é alheia à aproximação gradual que Sá Fernandes tem feito ao PS e surgiu poucos dias depois de ter sido noticiado que o vereador do BE tinha chegado, inclusivamente, a participar numa reunião concelhia do PS. Logo depois das intercalares, quando Sá Fernandes entendeu com António Costa para governar a Câmara, essa decisão do vereador, independente apesar de eleito nas listas do Bloco, causou grande polémica no seio do BE, com vários militantes e dirigentes a criticarem a decisão de Sá Fernandes, por poder esvaziar o projecto do BE e desagradar à sua base de apoio em Lisboa. As relações entre o BE e Sá Fernandes atingiram um tal ponto de ruptura que até iniciativas concretas do vereador são criticadas publicamente por dirigentes do Bloco, designadamente a cedência do espaço do Jardim da Rua das Flores para uma acção comercial. Neste quadro, é quase certo que Sá Fernandes não terá, de facto, apoio do BE para se recandidatar, sendo provável que o vereador bloquista acabe por se integrar nas listas do PS. Nos últimos meses, ao mesmo tempo que se degradam as relações com o BE, melhoram as relações com António Costa. Duvida-se, porém, que Costa colha grandes benefícios eleitorais por ver Sá Fernandes nas listas, ainda que tudo dependa de quem o Bloco lance ou apoie como candidato. Repare-se que o apoio do BE a Helena Roseta também pode não ser pacífico, sendo mais uma solução em que o partido apoia um independente, com o risco acrescido de Helena Roseta estar muito ligada ao MIC de Manuel Alegre.
A circunstância de as autárquicas deverem realizar-se em simultâneo com as legislativas também não parece favorecer Costa. A vitória de Sócrates vai ser o grande objectivo do PS, afectando Costa. O voto na capital é um voto muito politizado, o que faz com que quem vote Sócrates para as legislativas, possa não votar Costa, seguindo uma lógica eleitoral que, em Portugal, tem distribuído os ovos por vários cestos. Uma derrota de Costa em Lisboa poderá hipotecar seriamente o seu futuro político, o que faz com que o desafio seja maior. Costa tem sido considerado no PS o sucessor natural de Sócrates. Quando o hoje primeiro-ministro se lançou na corrida interna do PS, em 2004, houve um pacto de cooperação entre ambos, com vista a evitar lutas fraticidas que só beneficiam os adversários. No governo, Costa foi o braço político de Sócrates e mesmo a sua saída para ser candidato a Lisboa, pode ter sido administrada pelos dois, visando cortar as vazas a António José Seguro, que chegou a mostrar disponibilidade para ser candidato.

A direita coligada

À direita o panorama é ainda mais imprevisível. É quase certo que, no PSD, Passos Coelho não será candidato a Lisboa. O homem que ficou em segundo lugar nas directas de há um mês, teria mais a perder do que a ganhar caso fosse candidato. Se ganhasse, acrescentada pouco valor acrescentado ao seu capital. Passos Coelho já tem o estatuto de estrela ascendente no PSD, na calha para liderar o partido após 2009. Mas se perdesse Lisboa, Passos Coelho poderia ver a sua carreira política ameaçada, invertendo o seu caminho de sucesso. Daí que a ideia da sua candidatura por parte do ferreirismo possa ser um presente envenenado.
Quanto a Fernando Seara, é sabido que o autarca de Sintra não se quer recandidatar pela segunda vez no município e que, no tempo de Menezes, terá mostrado disponibilidade para ser candidato a Lisboa e mesmo recebido a luz verde de Luís Filipe Menezes. Com Ferreira Leite tudo se alterou e, em condições normais, pode não haver lugar para Seara. O ferreirismo vê com maus olhos a ligação de Seara a Menezes, tendo ocupado uma das vice-presidências do partido, e pode mesmo não perdoar o reforço da confiança ao então líder, numa entrevista precipitada ao “Público”, pouco tempo antes de Menezes se ter demitido. Só no caso de a actual direcção não conseguir encontrar um candidato forte das suas hostes, Seara poderá ter algumas hipóteses. Mesmo assim, deverá haver sempre quem torça o nariz a Seara, certamente também com receio de o hoje autarca de Sintra poder ter um desfecho feliz na capital e baralhar ainda mais as contas na corrida à sucessão de Ferreira Leite. Seara, conhecido benfiquista, é um homem muito popular e respeitado que podia, com uma vitória na capital, ganhar capital político para se candidatar a líder do PSD.
Paula Teixeira da Cruz é outra possibilidade. A antiga vice-presidente de Marques Mendes apoiou Ferreira Leite nas Directas e cumpre alguns requisitos que Seara não preenche. As boas relações pessoais e políticas com António Costa, que atingiram o clímax por ocasião do pedido do super-empréstimo de há quase um ano, parecem, porém, diminuir a sua capacidade política de enfrentar o actual presidente da Câmara, protagonizando um projecto verdadeiramente alternativo. Por sua vez, ainda que as perspectivas eleitorais não sejam animadoras, até porque Paula Teixeira a Cruz não é uma figura que crie empatias e não tem grandes dotes de comunicação, o facto é que um desfecho feliz da hoje presidente da Assembleia Municipal em Lisboa podia, à semelhança do que acontece com Seara, baralhar ainda mais as contas na sucessão de Ferreira Leite, com Paula Teixeira da Cruz a posicionar-se, também, como candidata.
Caso se confirme que Seara ou Paula Teixeira da Cruz não têm condições políticas para serem candidatos, Ferreira Leite terá de escolher alguém das suas hostes. Nuno Morais Sarmento, José Luis Arnaut, José Pacheco Pereira, são algumas possibilidades. O risco da corrida faz, no entanto, que qualquer deste candidatos tenha de ponderar bem as consequências políticas de uma derrota na capital, sobretudo Morais Sarmento, que tem ambições de suceder a Ferreira Leite. Uma coligação de toda a direita era a condição que poderia quase garantir uma vitória do PSD em Lisboa, juntando o PP e Carmona Rodrigues numa candidatura única. Tirando partido, aliás, da quase impossibilidade de António Costa em reunir a esquerda à sua volta, em face dos problemas surgidos com o Bloco de Esquerda , e com o facto de o PCP ter uma estratégia nacional de duro ataque ao governo de Sócrates que chocaria com o apoio ao antigo ministro da Administração Interna. António Costa corre, assim, o risco de enfrentar duas frentes que o podem comprimir , de um lado Helena Roseta, do outro uma coligação de direita. Pode ser fatal? Há quem diga que sim. No staff de Costa, nem por isso, porque há quem defenda que a bipolarização favorece o PS, impedindo que o voto útil à esquerda se faça no BE, no PC, ou em Helena Roseta.|

A pensar nas legislativaspor Rui Teixeira Santos

O debate de, ontem, no Parlamento sobre o “estado da Nação” era importante para José Sócrates.

O debate de, ontem, no Parlamento sobre o “estado da Nação” era importante para José Sócrates. O Governo tinha que ir para férias com uma nota de optimismo, com um balanço positivo, para neutralizar a perturbação introduzida na vida pública pela chegada de Ferreira Leite à liderança do PSD e, sobretudo, pela nova proximidade entre Belém e o PSD.
Ficou claro, ao longo da semana, que o Presidente da República não é neutro na agenda do PSD e que Belém, antecipando a perda da maioria absoluta do PS em 2009, se preparou para ter o seu partido presidencial. O primeiro-ministro, aliás, percebendo a gravidade da situação, apressou-se, na terça-feira, a ir a Belém explicar ao Presidente da República os investimentos públicos em estradas.
Este súbito eanismo de Belém – mas que estava na mente dos conselheiros de Belém logo no início do mandato presidencial – só não resulta como alternativa, porque, em menos de três semanas e apesar da enorme boa vontade dos jornais e dos comentadores políticos, começa a ser evidente que o PSD de Ferreira Leite não é alternativa ao PS de José Sócrates.
Não sendo possível uma maioria absoluta alternativa, nem sequer uma vitória relativa da direita, e depois de Manuela Ferreira Leite excluir o bloco central como solução política, a direita dos interesses voltou a olhar para Paulo Portas como o suporte necessário da próxima maioria.

Portas, regressa que estás perdoado
Ostracizado pela média e pela classe bem-pensante, mas sobretudo pelos empresários ricos, Paulo Portas tornara-se um refém de si mesmo, num partido sem representação e esquecido. Parecia condenado à extinção. Cada vez que falava à imprensa, lembrava as histórias dos submarinos, dos helicópteros ou dos carros de combate e da suspeita sem acusação nascia uma espécie de nojo que afastava Portas do centro dos acontecimentos.
Ele próprio não ajudava. Já perdera a novidade da juventude e a passagem pelo Governo tirou-lhe a graça e a ironia.
Subitamente, Paulo Portas volta a ser notícia. A grande burguesia assustada com Ferreira Leite e com o regresso ao pessimismo percebeu rapidamente que a senhora não tinha a menor hipótese de ganhar o poder ao PS. As sondagens ainda não o reflectem em toda a extensão, mas todos perceberam que era o efeito da exposição mediática inicial.
Paulo Portas, por seu lado, provou ser um sobrevivente: viu-os ir e, agora, vê–os regressar, provando mais uma vez que na política portuguesa não há mortes definitivas.

O regresso do Bloco Central
Porém, o segundo cenário do PSD – o Bloco Central, que Ferreira Leite disse excluir – parece também servir a Cavaco Silva e aos estrategas de Belém. Foi, aliás, isso mesmo que ficou patente na intervenção de Paulo Rangel – o terceiro líder parlamentar do PSD em três anos – ontem, no Parlamento. Em nada havia diferença relativamente ao PS, as reformas seriam as mesmas, só faltavam, mesmo, os estudos das obras públicas – contra as quais, aliás, disse, o PSD nada tem desde que justificadas no contexto económico actual. O resto era o estilo. Um estilo notável e certeiro contra a “abstracção numérica” primeiro, contra a falta de rigor e a “mentira” da propaganda depois.
Sentindo que a crise social só se pode agravar e que, em 2009, o País vai estar provavelmente pior que este ano, apesar das terapêuticas anunciadas – as razões são, agora, sobretudo externas, ou têm que ver com os desequilíbrios internos gerados pela adesão à moeda única, como a falta de poupança interna e o forte endividamento externo, para além do défice comercial, que não cessa de aumentar, e crescimento económico inferior à média da União Europeia, ao que o PSD, e bem, juntou opções erradas exclusão da diversificação de dependências externas com a errada opção estratégica de Sócrates pela “Espanha, Espanha, Espanha!” – Belém percebe que tem que haver uma resposta institucional ao provável descrédito acelerado das opções do governo e que a governabilidade passará por entendimentos centrais, que permitam reduzir a tensão social, melhorar o desempenho da economia e garantir a estabilidade política.
Este cenário, aliás, pode ser ainda mais significativo, caso se continue a acentuar a degradação da autoridade do Estado, sobretudo, pela ausência de comando nas polícias e pelo descrédito da justiça, e ou se a crise social se transformar numa verdadeira explosão social, como já admite, por exemplo, António Barreto.

O negócio mais barato
Pouco mais de um mês depois das directas no PSD e apenas duas semanas sobre o seu Congresso, as sondagens ainda mostram a perturbação que esses acontecimentos sempre provocam.
Manuela Ferreira Leite tem, nesta altura, uma notoriedade grande, equivalente à que Menezes teve depois da eleição, mas, em boa verdade, só daqui a dois ou três meses é que poderemos avaliar o impacto da nova liderança do partido da oposição.
Porém, a má prestação de Ferreira Leite na televisão, na única entrevista que deu em quatro semanas de liderança, deixou nas elites uma imagem de alguém que não está preparada, nem tem condições de ganhar ao primeiro-ministro, nem, sobretudo, para gerir o País no contexto actual. (Já o contrário se deve dizer da bem articulada intervenção do novel líder parlamentar do PSD, Paulo Rangel, ontem, no debate sobre o Estado da Nação, que, surpreendentemente, mostrou uma habilidade oratória consistente com a sua mais conhecida intervenção no 25 de Abril.)
Por outro lado, excluindo, à partida, uma coligação à esquerda, manifestamente impossível com José Sócrates, entre um negócio de Bloco Central (sempre mais difícil para José Sócrates, até porque o Presidente da República tem ligações ao PSD, o que pode neutralizar a vantagem relativa do PS) e uma aliança PS-CDS, alguns empresários preferem esta última, pois deixa intacto o regime e a possibilidade de alternância. Por outro lado, todos percebem que o negócio de Paulo Portas é muito mais barato que o negócio do Bloco Central. Portas, como Sócrates, bem consciente, ontem, disse no Parlamento, custa os sete ou oito por cento de responsabilidade limitada de uma coligação, mas pode em 2009 valer bem a estabilidade política e a continuação do PS no Governo.

Um novo Paulo Portas
É a consciência deste regresso de apoios que subitamente parecem ter transfigurado Paulo Portas e o CDS, mobilizando o pequeno partido centrista para o sonho de voltar ao poder, razão da sua luta política, mas sobretudo condição da sua sobrevivência.
Um novo Paulo Portas que, nas jornadas parlamentares nos Açores, começou já a moderar o discurso anti-Sócrates quanto baste e que apareceu, ontem, no Parlamento, claro, sorridente e optimista.
Chegará lá?|

Optimismo versus rigor

O primeiro-ministro foi, ontem, ao Parlamento, ao debate do Estado da Nação. Levava duas ideias força: a culpa era da crise externa e a resposta tem que ser o optimismo.
A primeira ideia força do seu discurso foi que os males de que padece a Nação se devem à crise económica internacional – subida dos preços da energia, dos produtos alimentares e dos juros a que o Governo é alheio – e que eles (os males da Nação) só não são maiores porque o Governo antecipadamente teve resultados que, antes, o PSD de Ferreira Leite não teve, nomeadamente em matéria de consolidação orçamental.
A segunda ideia é que contra o pessimismo, o negativismo e a resignação do PSD regressado, o Governo mantém o ímpeto reformista e acredita que pode fazer a diferença com medidas concretas orientadas para o investimento público, o crescimento económico e a justiça social. Ou seja, Sócrates quis passar a mensagem que mesmo em crise é possível manter o “rumo modernizador de Portugal”.
E, finalmente, o conjunto de medidas anunciadas – que, obviamente, merecem o consenso de todos e que, em nosso entender, só pecam por tardias.
Do ponto de vista mediático, estes são os dois vectores em que Sócrates se vai tentar concentrar para desgastar o PSD de Ferreira Leite, o que pode ser eficaz. Aliás, a sensação de que Sócrates ganhou o debate era evidente.
Já, do lado do PSD, a estratégia consistia em neutralizar os efeitos negativos da entrevista de Ferreira Leite e das explicações de Morais Sarmento, do discurso do “não há dinheiro para nada” e do somos contra o TGV, do pessimismo e da resignação do novo PSD, para a exigência de rigor e transparência na gestão da coisa pública, nomeadamente no investimento público e, por outro lado, na denúncia do facto do Governo estar a aproveitar a margem orçamental para fazer investimentos públicos e acentuar o dirigismo estatal na economia, em vez de reduzir o peso do Estado e facilitar a vida às empresas, sobretudo às PME.
Paulo Rangel surge assim e, pela primeira vez, desde a eleição de Ferreira Leite, com um discurso fracturante e diferenciador, que nem a líder Ferreira Leite foi capaz de ter e muito menos a anacrónica discussão da natureza social-democrática do PSD – como queria Pacheco Pereira, a fazer lembrar debates dos anos setenta do século passado.
E este discurso, se Ferreira Leite o conseguir fazer passar, pode ser muito perigoso para o PS, sobretudo porque os cidadãos estão a sofrer na pele os rigores da crise e os excessos da perseguição fiscal e económica do Estado e não vêem nenhum sacrifício da parte do Governo.
Optimismo de um lado, discurso liberalizador e rigor no Estado do outro. Dois novos discursos diferentes e para seguir no próximo ciclo político – o ciclo eleitoral que começa em Setembro.|

Sobe e Desce

A Subir

Durão Barroso – Recebeu ontem o apoio público do presidente do Conselho Europeu para fazer um segundo mandato à frente na Comissão Europeia. Apesar do Conselho insistir na necessidade da aprovação do Tratado de Lisboa, Durão Barroso, à frente da Comissão Europeia, tem provado que é possível haver consensos mesmo numa Comissão com comissários de 27 países. Estudos académicos mostram que a Comissão Barroso tem sido mais produtiva em termos de legislação e consensos que as anteriores mais pequenas.

José Sócrates – Ganhou o debate do Estado da Nação, dizendo que é nesta altura de crise que os portugueses podem contar com o Estado e só não se pode fazer mais porque, apesar de todo o esforço, ainda não temos as contas com maior folga. José Sócrates garantiu que, apesar do PS ter achado que valeria a pena discutir as sugestões sindicais sobre o mapa judiciário – que será votado na Assembleia da República na próxima semana -, o Governo vai manter os poderes do procurador-geral de República exactamente como estão. Uma desautorização dos excessos do grupo parlamentar do PS?

Paulo Rangel- Foi a grande surpresa da tarde de ontem, com um discurso novo e articulado, tentando recuperar dos estragos das intervenções pouco pensadas de Ferreira Leite. Como estreia, no confronto com o primeiro-ministro, parece que temos homem…

Dias Loureiro – Depois de elogiar Sócrates, na apresentação da sua biografia, surgiu como orador principal na homenagem a Fausto Correia. Presentes Almeida Santos, Jorge Coelho, Pedro Santana Lopes, António Campos, Paulo Mota Pinto, Luís Nazareth, Arlindo de Carvalho, Álvaro Amaro, entre outros, no jantar que esta semana reuniu na FIL cerca de 200 pessoas a convite de Joaquim Couto, o presidente da Casa Académica de Lisboa.

Paulo Portas – Se quer ir para o Governo, depois das próximas legislativas, tem que moderar a sua linguagem. Mas teve graça quando comparou o primeiro-ministro José Sócrates ao xerife de Nottingham por cobrar impostos demasiado altos. A alusão à história mítica de Robin dos Bosques – também como é chamada a taxa que pode vir a ser imposta aos lucros especulativos das petrolíferas – foi feita no discurso de encerramento das jornadas parlamentares que decorreram na ilha Terceira, nos Açores. “Quem era o Robin dos Bosques? Alguém que ia buscar impostos que ilegal e imoralmente o xerife de Nottingham arrecadava”, lembrou o líder do CDS-PP, completando a sua versão da lenda inglesa medieval. “O xerife de Nottingham é o primeiro-ministro José Sócrates: é ele que continua a arrecadar mais impostos, mais receita à custa da economia portuguesa”, disse Paulo Portas, insistindo na pergunta que o CDS-PP tem vindo a fazer sobre o aumento galopante dos preços da gasolina: “Quanto é que o Estado ganhou a mais desde o início da crise dos combustíveis?”

Vítor Constâncio – A divulgação de produtos e serviços financeiros, especialmente através de campanhas publicitárias, vai passar a ter regras mais apertadas no âmbito de um novo diploma regulamentar do Banco de Portugal (BdP), colocado ontem em consulta pública. O projecto de diploma, disponível no sítio da internet do BdP – www.bancodeportugal.pt -, sobre o qual poderão ser dadas contribuições até 10 de Setembro, dá ênfase especial aos princípios de transparência e rigor que devem ser seguidos na divulgação ao público dos produtos e serviços financeiros. A justificar a iniciativa, o BdP sustenta que a experiência revela que a decisão do consumidor é tomada muitas vezes numa fase anterior à pré-contratual, tendo as campanhas publicitárias uma influência determinante. Assim, “a informação inicial não pode deixar de estar igualmente sujeita a princípios de transparência e rigor adequados”, alega o supervisor do sistema financeiro. Entretanto, Constâncio anunciou ontem no Parlamento que vai inibir alguns dos antigos gestores do BCP.

Pinto da Costa – Apesar da inacreditável trapalhada na justiça desportiva e na instrumentalização dos órgãos da Federação Portuguesa de Futebol, o último a rir é o que ri melhor. A UEFA já recebeu toda a documentação solicitada à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) sobre as decisões da última reunião do Conselho de Justiça, mas decidiu aguardar pela deliberação do Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) sobre os recursos apresentados por Benfica e Guimarães. Uma lição para a mesquinhez nacional. Só Portugal é que tem espectáculos destes e ainda os exibe no estrangeiro.|

A Descer

Mariano Gago – Cedeu mais uma vez ao “lobby” publicista e diante do escândalo da falta de médicos foi obrigado a abrir mais lugares em medicina, em vez de abrir o curso de medicina ao ensino privado. Somos o país com o pior rácio de licenciados e o Governo continua a hesitar em avançar com as licenciaturas privadas em medicina. Obviamente, os países de leste e os cubanos têm médicos e escolas para preparar médicos para depois os enviar para Portugal.

Ferreira de Oliveira – A Galp caiu ontem na Bolsa mais de 5,2%, depois do primeiro-ministro ter anunciado um imposto extraordinário de 25% sobre os ganhos derivados da revalorização das reservas obrigatórias. A taxa criada sobre a valorização das reservas das petrolíferas irá dar ao Estado uma receita acima dos 100 milhões de euros.|