Governo aproveita discurso de Cavaco e crise mundial para se proteger contra acusações de eleitoralismo
O corte no IRC, os novos apoios às PME, o 13º mês no abono de família, extensivo a todos os escalões, foram algumas das medidas que o governo tomou esta semana, num timing calculado, em plena crise financeira mundial
O corte no IRC, os novos apoios às PME, o 13º mês no abono de família, extensivo a todos os escalões, foram algumas das medidas que o governo tomou esta semana, num timing calculado, em plena crise financeira mundial, antes do Orçamento de Estado para 2009 e depois do discurso de Cavaco Silva no 5 de Outubro, em que este lançou recados ao governo que hoje aparecem traduzidos nas medidas anunciadas. Apesar de algumas medidas poderem ser acusadas de eleitoralismo, Sócrates voltou a provar que não brinca em serviço, acabando por virar a seu favor as palavras do Presidente da República e retirando espaço de manobra a Belém. Cavaco falou, por exemplo, num dos aspectos que mais passou despercebidos, na necessidade de ter impostos razoáveis face ao momento que se vive e o governo fez o que há dias parecia impensável, descendo os impostos. Até a parte do discurso de Cavaco em que apelou à necessidade de falar verdade aos portugueses sobre as dificuldades do país e a crise financeira internacional, teve consequências logo no dia a seguir, quando o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, com a luz verde de Sócrates, assumiu a extrema gravidade dos tempos que se vivem e garantiu aos portugueses que , aconteça o que acontecer, os depósitos de poupança dos portugueses estão garantidos pelo Estado.
O corte no IRC, os novos apoios às PME, o 13º mês no abono de família, extensivo a todos os escalões, foram algumas das medidas que o governo tomou esta semana, num timing calculado, em plena crise financeira mundial, antes do Orçamento de Estado para 2009 e depois do discurso de Cavaco Silva no 5 de Outubro, em que este lançou recados ao governo que hoje aparecem traduzidos nas medidas anunciadas.
Mostrando uma excelente forma no debate parlamentar de ontem, Sócrates anunciou as suas medidas de rajada, deixando atónitas as oposições, sobretudo o PSD. Paulo Rangel voltou a ter um dia mau, parecendo não actualizar o seu discurso, virado para a obsessão do PS com as obras públicas, quando Sócrates tinha falado, essencialmente, nas PME e nos seus mecanismos de ajuda.
Apesar de algumas medidas poderem ser acusadas de eleitoralismo, Sócrates voltou a provar que não brinca em serviço, acabando por virar a seu favor as palavras do Presidente da República. É muito difícil, Belém ter espaço de manobra para dar sinais de descontentamento em relação ao 13 mês de abono de família em Setembro de 2009, um mês antes das eleições legislativas. Mesmo Ferreira Leite pode não ter margem para criticar Sócrates. O mesmo se diga em relação à descida dos impostos. Curiosamente, num dos aspectos que mais passou despercebidos no discurso presidencial do 5 de Outubro, Cavaco falou na necessidade de ter impostos razoáveis face ao momento que se vive. O executivo aproveitou a deixa e fez o que há dias parecia impensável, descendo os impostos, e tirando todo o espaço de manobra para vir denunciar qualquer prática eleitoralista. Há cada vez menos dúvidas que a crise financeira mundial está a beneficiar cada vez mais Sócrates, protegendo as suas medidas da acusação de “eleitoralismo”
Até a parte do discurso de Cavaco em que apelou à necessidade de falar verdade aos portugueses sobre as dificuldades do país e a crise financeira internacional, teve consequências logo no dia a seguir, quando o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, com a luz verde de Sócrates, assumiu a extrema gravidade dos tempos que se vivem e garantiu aos portugueses que , aconteça o que acontecer, os depósitos de poupança dos portugueses estão garantidos pelo Estado. Recordem-se os termos da declaração de Teixeira dos Santos, que pode ter evitado uma corrida aos bancos portugueses: “O governo e o Banco de Portugal têm acompanhado atentamente a evolução da situação financeira internacional, muito em especial na Europa e muito em particular em Portugal. O Banco de Portugal tem acompanhado o evoluir da situação das várias instituições financeiras do sistema financeiro português no sentido de prevenir e de assegurar que a estabilidade financeira de cada uma das instituições e do sistema no seu conjunto é preservada. Os momentos de incerteza que rodeiam a evolução da situação financeira mundial e europeia com certeza que legitimam que cada um se interrogue como é que poderá evoluir esta situação e até que ponto e como a evolução da situação financeira mundial e europeia nos pode afectar. O sistema português tem resistido bem. E as instituições financeiras portuguesas têm desenvolvido esforços para enfrentarem as dificuldades que naturalmente a situação internacional impõe e têm desenvolvido esforços no sentido de assegurar que a sua situação é de estabilidade bem como também de assegurar liquidez às suas operações. Mas uma coisa eu quero assegurar de uma forma clara a todos os portugueses: aconteça o que acontecer, as poupanças dos portugueses em qualquer banco que opere em Portugal estão garantidas.”
No seio do governo, houve grandes hesitações em dar mais cedo essa garantia, à semelhança do que já tinham feito outros pequenos países como a Irlanda, a Dinamarca e a Áustria. Para além de dúvidas sobre se a posição não seria arrojada e temerária, sectores do governo e do PS receavam que uma declaração desse género tivesse efeitos perversos, e em vez de tranqulizar, preocupasse ainda mais as pessoas e agitasse o sistema bancário. Na semana anterior ao 5 de Outubro foi, porém, notório, que Cavaco Silva não estava no mesmo comprimento de onda de governo, tendo feito várias declarações sobre a extrema gravidade da crise. Também no domingo passado, a garantia dada pela chancleler Angela Merkel de que os depósitos dos alemães estavam garantidos, ajudou o governo a avançar, sentindo-se protegido pela tomada de iniciativa de um grande país.
Estas diferenças na forma de lidar com a crise entre Belém e S. Bento correspondem, também, a duas estratégias diferentes de comunicação. Sócrates e o seu governo estão convencidos que os portugueses têm sentido as medidas impopulares na pele, através de actos, sendo dispensável ter um discurso negro, que acentue as dificuldades, criando mais descrença e desconfiança. Cavaco parece ter a ideia de que estas preocupações se podem confundir com um marketing político que ilude a realidade, afastando ainda mais os cidadãos dos seus políticos em virtude da desintonia existente. Foi nesta linha que fez o seu discurso presidencial na Praça do Município. No entanto, de forma a dar satisfação à sensibilidade do executivo, Cavaco fez questão de, ao mesmo tempo que frisou a necessidade de falar verdade, ter uma palavra de forte incentivo aos portugueses para ultrapassarem este momento difícil. Foi esta parte, aliás, que mais agradou a Sócrates, fazendo questão de dizer publicamente que tinha gostado muito do discurso do Presidente da República.
Cavaco apelou a impostos justos e razoáveis e Sócrates aproveitou a deixa
Cavaco apelou a impostos justos e razoáveis e Sócrates aproveitou a deixa, protegendo-se de eventuais acusações de pré-eleitoralismmo. O SEMANÁRIO reproduz as partes do discurso presidencial de maior significado político para as relações com o governo. “Nos nossos dias, é também com esperança, com sonho e com ambição que devemos assinalar o aniversário da República.
O 5 de Outubro tem de ser uma fonte de inspiração e de mobilização para todos os Portugueses.
Precisamos de nos mobilizar. Precisamos de despertar as ambições colectivas que fizeram de Portugal uma nação livre e soberana.
Não escondo que vivemos tempos difíceis. Os Portugueses sabem-no, porque vivem essas dificuldades no seu dia-a-dia.
Muitas famílias têm dificuldade em pagar os empréstimos que contraíram para comprar as suas casas.
Há idosos para quem a reforma mal chega para as despesas essenciais.
Há jovens que buscam ansiosamente o seu primeiro emprego.
Há homens e mulheres que perderam os seus postos de trabalho.
Nascem novas formas de pobreza e exclusão social e, em paralelo, emergem chocantes disparidades de rendimentos.
O que é vivido pelos cidadãos não pode ser iludido pelos agentes políticos.
Quando a realidade se impõe como uma evidência, não há forma de a contornar.
Portugal tem registado fracos índices de crescimento económico. Afastámo-nos dos níveis de prosperidade e de bem-estar dos nossos parceiros europeus. Ainda não invertemos a insustentável tendência do endividamento externo.
Persistem profundas disparidades entre as diferentes regiões.
A situação internacional, por outro lado, não é favorável.
Ao elevado preço do petróleo e dos produtos alimentares alia-se o aumento das taxas de juro.
A ineficiência da regulação e da supervisão dos mercados financeiros, que recentemente emergiu nos EUA, e a dimensão da crise que lhe está associada são fonte de grandes preocupações à escala global.
As economias dos países europeus, nossos principais parceiros comerciais, registam um claro abrandamento (…) “Vivemos tempos difíceis, sem dúvida. O futuro é incerto e, em muitos casos, preocupante.
Porque falo sempre verdade aos Portugueses e porque tenho como princípio conhecer a realidade do País, escutar os meus concidadãos e ouvir as suas preocupações, sei bem que muitos atravessam momentos de incerteza perante o futuro.
Quando o presente é difícil, somos sempre tentados a pensar que o futuro também o será.
Mas, na realidade, o futuro será o que dele fizerem os cidadãos da nossa República.
Os Portugueses já perceberam que não será o Estado a resolver todos os seus problemas.
Têm direito a esperar do Estado que faça bem o que lhe compete fazer. Que seja rigoroso e ponderado no uso dos dinheiros públicos e que os impostos sejam justos e razoáveis.
O Estado tem de garantir dois valores essenciais, a justiça e a segurança. Deve promover o acesso de todos aos cuidados de saúde, como deve oferecer um ensino de qualidade e uma rede de protecção social que proteja os cidadãos nos momentos difíceis da vida.
O Estado nunca pode esquecer aqueles que têm muito pouco, os mais frágeis e desprotegidos, os que se encontram em situação de pobreza.”
“A República é um modelo de virtudes cívicas e éticas.
De todos a República exige uma nova atitude, feita de inconformismo e de esperança. Porque há motivos de esperança, há razões para o inconformismo.
Falo à luz do compromisso de verdade que assumi desde o primeiro dia do meu mandato.
Do mesmo modo que não escondo a verdade dos tempos difíceis que vivemos, não escondo a verdade da minha confiança num Portugal melhor.
A verdade gera confiança, a ilusão é fonte de descrença.”