2025/07/18

A semana negra de Sócrates

Os resultados económicos são fracos, alertou Cavaco Silva no passado domingo, no discurso do 10 de Junho, em Setúbal, deixando o primeiro-ministro com as orelhas a arder. Sócrates ainda não tinha tido tempo de se recompor da forte assobiadela do povo de Setúbal, indignado com as palavras de há um mês do ministro Mário Lino, que chamou “deserto” à margem Sul, e com o aumento do desemprego no distrito. Um dia antes, Mário Soares, numa entrevista, aconselhava José Sócrates a mudar o rumo, virando à esquerda. Aproveitando também para se manifestar chocado pelo facto de Sócrates admirar Tony Blair. Já esta segunda-feira, o governo, cercado pelo Presidente da República e por grupos de interesse poderosos, viu-se obrigado a abrir a porta a Alcochete para localização do novo aeroporto. É a primeira vez que o governo recua numa questão magna, o que pode fragilizar o seu processo de decisão e deixá-lo nas mãos de grupos de interesses.

Os resultados económicos são fracos, alertou Cavaco Silva no passado domingo, na sua intervenção do 10 de Junho, deixando o primeiro-ministro com as orelhas a arder. O Presidente da República nem concretizou os indicadores económicos mas se o tivesse feito, o efeito para o governo ainda teria sido pior. O investimento está estagnado, o desemprego cresce, os portugueses estão cada vez mais endividados, os sectores da construção e do imobiliário, que funcionam como barómetros da saúde das economias, estão em baixa há meses consecutivos. No discurso do Ano Novo de 2007, Cavaco já tinha avisado o governo que os resultados tinham de aparecer. A meio do caminho, sentiu-se já no dever de dizer que a coisa não está famosa. Para um economista como Cavaco, habituado a previsões, não deve ser difícil avaliar que quando os resultados não surgem a meio do ano, é porque também não surgem no final. Ainda por cima, Cavaco queria o investimento português a crescer acima da média europeia, o que, já se viu, nas condições actuais, não passar de uma miragem.
Momentos antes do discurso de Cavaco Silva, José Sócrates tinha sido assobiado pelos setubalenses, indignado com as palavras de há um mês do ministro Mário Lino, que chamou “deserto” à margem Sul no contexto da construção do novo aeroporto, e também com o aumento do desemprego no distrito. Não é a primeira vez que Sócrates é assobiado mas o mau período que atravessa, tornou os assobios mais visíveis e amargos. Por azar, as comemorações do 10 de Junho tinham de ser precisamente em Setúbal, um distrito “maldito” para governos a viverem momentos de crise. Em 1983, quando era primeiro-ministro, Mário Soares conheceu o forte descontentamento do governo. Em 1993, foi a vez do primeiro-ministro, Cavaco Silva, provar o fel dos setubalenses. Curiosamente, com Mário Soares, então Presidente da República, a meter achas na fogueira. Desta vez foi a vez de Sócrates. Ironicamente, Cavaco até foi aplaudido. Nem faltou em Setúbal D. Manuel Martins, conhecido como o bispo vermelho, para tornar as coisas ainda mais difíceis para Sócrates. D. Manuel Martins, que fez a vida negra a Cavaco em 1993, foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo (circunstância que se revelou outro azar para Sócrates) e aproveitou para dizer que “o povo de Setúbal é considerado o mais interventivo, porque não se deixa comer. Uma das marcas da cidadania é não e deixar comer, não se deixar gozar”. Quem ouviu, só se pode ter lembrado do “direito à indignação” de Soares contra Cavaco há dez anos.

Ota na linha da realpolitik

Um dia antes do 10 de Junho, Mário Soares, numa entrevista ao “Expresso”, aconselhava José Sócrates a mudar o rumo, virando à esquerda. Aproveitando também para se manifestar chocado por Sócrates admirar Tony Blair. Vários comentadores já se tinham interrrogado sobre os silêncios de Mário Soares e espantou muita gente o “branqueamento” total que fez no jantar de aniversário ao caso da licenciatura do primeiro-ministro. Tão crítico, contra tudo e todos, inclusivamente contra dirigentes do PS, no tempo de Durão Barroso e Santana Lopes, parecia que Soares tinha enfiado a viola no saco. Por mais um azar de Sócrates, Soares tinha de quebrar o silêncio numa altura péssima para o governo.
Já esta segunda-feira, o governo, cercado pelo Presidente da República e por grupos de interesse poderosos, viu-se obrigado a abrir a porta a Alcochete para localização do novo aeroporto. É a primeira vez que o primeiro-ministro cede numa questão de interesse vital. Se o fim-de-semana tinha sido negro para o executivo, a segunda-feira foi de escuridão completa. No meio de um esforço hercúleo para se justificar, a fragilidade de Sócrates veio ao de cima quando declarou que Alcochete tinha ficado na gaveta porque a Força Áerea não queria abrir mão do campo de tiro. Para um homem que tem a sua popularidade por causa de se marimbar nos interesses, representa um mau momento
Mas é a Força Aérea quem manda no país? Em muitas reformas que já fez, Sócrates levou tudo à frente, provando que o Estado, de que é primeiro-ministro, não fica nas mãos de grupos de interesse. Agora vem dizer que Alcochete nunca avançou por causa de um ramo militar. É mais uma prova que alguma coisa se partiu esta semana com o primeiro-ministro.
Depois de andar dois anos a insistir no aeroporto na Ota, o governo espantou, esta segunda-feira, quando abriu a porta à localização em Alcochete. Estava tudo à espera que Mário Lino abrisse o concurso internacional para a Ota mas o primeiro-minitro fez uma volta de 180 graus sem pestanejar. É quase certo que tudo foi combinado com Sócrates. O ministro até parecia outro. Quase pediu desculpas pelas suas palavras do deserto na margem sul. Sem explicar, claro, que não se faz um aeroporto num sítio onde só há camelos.
No “inner circle” de Sócrates, a situação à volta do aeroporto começou a ser vista como crítica logo depois de Cavaco ter pedido mais debates sobre a localização do aeroporto. No governo percebeu-se bem que o caso era sério com Belém. Pela primeira vez. Quando Mário Lino cometeu a sua gaffe do deserto a situação ficou no limite. Era preciso agir quanto antes. Além do mais, António Costa começava a ficar perigosamente pressionado em Lisboa por causa da insistência do Governo na localização na Ota, a mais de cinquenta quilómetros da capital. As sirenes de alarme soaram quando se soube que a CIP e Francisco Van Zeller viram as portas de Belém franqueadas, para apresentar um dossier a defender a localização do aeroporto em Alcochete.
José Sócrates, com aquele sentido prático das coisas, que tão bem tem demonstrado no plano internacional, na reapolitik com a China, Angola, Venezuela e Rússia, mudou as agulhas na questão do aeroporto. Com Francisco Vanzeller, o homem que ainda há quinze dias disse que os trabalhadores grevistas poupavam muito dinheiro, já que não faziam gastos, José Sócrates fez mesmo um pacto, o que também não é novo no líder do PS. VanZeller ia fazer um estudo sério e aturado sobre Alcochete. Sócrates prometeu que ia ser dispensada uma atenção especial ao dossier, não indo para o lixo.
No seio do governo e dos socialistas, parece haver o convencimento de que a saída para o aeroporto foi airosa. O executivo deixa de estar pressionado politicamente com a OTA. A bola vai passar para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e o PSD não deverá ter espaço de manobra para aceitará a decisão desta prestigiada instituição. Ou seja, se a escolha for pela OTA, tudo o que os social-democratas disseram desta localização, lesiva para o interesse nacional, parece ficar esquecido. Cavaco também deverá calar-se. Não deixará, porém, de ser estranho que uma entidade técnica acabe por tomar uma decisão vital, de carácter político.
É verdade que se o LNEC decidir pela OTA, o governo vê reafirmada a sua opção. No entanto, tal poderá ser uma vitória de Pirro. Um governo que sempre fez gala de decidir, no interesse geral, pode acabar por ficar nas mãos de uma instituição técnica. Ora isto pode vir a ter um alto preço político. O governo pode vir a ser acusado de, pelo facto de não ter sabido tratar politicamente o dossier do novo aeroporto, centrando desde muito cedo as atenções numa só localização e não sabendo transmitir da melhor maneira os estudos já realizados, ter dado margem a que os técnicos decidissem uma questão eminentemente política. É, aliás, por aqui, que Cavaco Silva, sem poder afrontar o LNEC pode aproveitar uma “aberta” para voltar a colocar o governo em xeque na questão do aeroporto.
Neste longo processo sobre a localização do novo aeroporto há muitos enigmas. Cavaco Silva também tem muito que explicar. No tempo em que era primeiro-ministro, Cavaco teve que tomar duas importantes decisões em matéria de obras públicas e tomou-as, na localização da ponte Vasco da Gama e na Barragem do Alqueva. Sem grandes dúvidas, nem debates, nem rebuliços com grupos de interesses. Hoje, as dúvidas e receios que levanta com a construção do novo aeroporto não encaixam bem no passado político de Cavaco, com tudo exposto e confessado, aliás, pela própria caneta na sua “Autobiografia política” (ed. Círculo de Leitores), tal como o SEMANÁRIO recordou na semana passada. A localização da ponte Vasco da Gama foi aprovada formalmente em Conselho de Ministros. Já o Alqueva, segundo o próprio, foi uma decisão pessoal sua, assumindo todas as responsabilidades para o futuro. Não deixa até de poder parecer contraditório, o facto de Cavaco querer resultados económicos e estar tão receoso com os milhares que vão ser gastos. Como o Presidente da República bem sabe, num país com graves problemas estruturais como Portugal, os indíces positivos mais rápidos são conseguidos à custa de grandes investimentos públicos que depois induzem o crescimento do emprego, do consumo e do rendimento.

O que quer Cavaco?

Mas o quer, realmente, Cavaco Silva? Há cada vez mais dados contraditórios. O discurso de Ano Novo foi “perigoso” para o governo, o do 10 de Junho também. Já o manifesto que assinalou o seu primeiro ano, elaborado em Março passado, foi bastante simpático para o executivo, voltando a bater na tecla da cooperação estratégica, da confiança e lealdade e do respeito pelos poderes de cada órgão de soberania. Mas ao mesmo tempo que lembra que não tem poderes executivos, Cavaco deixou-se envolver a fundo no processo do novo aeroporto, que faz parte das competências do governo. Até no campo da doutrina que enforma acção de Cavaco, há dados que dão que pensar. Joaquim Aguiar, assessor político de Belém, no seu livro “O Fim das Ilusões, Ilusões do Fim”, escreve que “quando a relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro é de tipo conflitual, com hostilidade expressa ou com mera cooperação passiva, tanto o eleitorado como os grupos organizados, que dependem da continuidade da trajectória política porque foi nesse quadro que estabeleceram as suas expectativas, utilizaram essas divergências no topo das instituições para impedirem qualquer mudança, referenciando-se a um ou a outro conforme as circunstâncias, mas sempre com o objectivo de impedir a adopção de políticas de mudança.”. Ora, o que se está a passar com o dossier do novo aeroporto parece estar, precisamente, a aumentar o poder dos grupos de interesse, referenciando-se ora a Cavaco, no caso da defesa de Alcochete, ora a Sócrates e ao governo, no caso da defesa da Ota.
O que aconteceu esta semana, com o presidente da CIP, Francisco Vanzeller a entregar o dossier Alcochete a Cavaco é, aliás, muito curioso. Por muito menos, quando Soares fazia reuniões conspiratórias que desgastavam o governo, o então primeiro-ministro Cavaco Silva ia aos arames. Os factos são tão estranhos que há quem ponha a hipótese de uma nova convergência entre Cavaco e Sócrates para desatar o nó Górdio da Ota. Sócrates estaria, então, ao corrente de tudo, das reuniões do grupo de Alcochete, do dossier, da eminência parda do ambiente, Carlos Borrego, como peça essencial e, sobretudo, da recepção de Cavaco a Vanzeller. Este cenário, animador para o executivo, não joga, porém, com o discurso de Cavaco do 10 de Junho dos “fracos resultados”. económicos. Há, assim, quem defenda, que os sinais de crise institucional são mesmo reais e que Sócrates também sabe disso mas que está a fingir que não sabe, à procura de melhores momentos para reagir.

“O que fez a diferença foi a CDU estar ou não no poder da CML”

O candidato da CDU à Câmara Municipal de Lisboa, Ruben de Carvalho, em entrevista ao SEMANÁRIO, considera ser indispensável uma reorganização e uma reestruturação da autarquia, não esquecendo a regularização da actual situação financeira. Por outro lado, mostra-se contra um eventual encerramento do aeroporto da Portela e tem uma posição muito reservada quanto à implementação de portagens nas principais vias de entrada na capital.

Por que é que a CDU é a alternativa para Lisboa?
Quase que poderia pôr o problema ao contrário e responder não tanto como uma pergunta, mas com uma sugestão, de que se olhasse para a realidade de Lisboa nos últimos 30 anos e que se visse quando é que houve uma política diferente, quando é que a cidade resolveu o problema das barracas, quando é que Lisboa desenvolveu os equipamentos desportivos, quando é que Lisboa fez um PDM (Plano Director Municipal), quando é que se desenvolveu uma política de descentralização da câmara para as freguesias com uma actividade directa junto das populações, quando é que isso aconteceu? Aconteceu quando houve uma coligação PS/ PCP e é verdade que, com a gestão de Santana Lopes e Carmona Rodrigues, aconteceu exactamente o contrário. A verdade é que, quer durante a gestão Abecasis, quer na gestão de Santana Lopes e de Carmona Rodrigues, em muitas medidas, é o mesmo PS que apoiou medidas de política de direita. O que fez sempre a diferença em Lisboa foi a CDU e o PCP estarem ou não, no poder da câmara.

Pode enunciar-me as principais prioridades/projectos da sua candidatura à CML?
Temos sublinhado um conjunto de aspectos, mas em todo o caso chamo a atenção para o seguinte. Quando se colocou o problema das eleições intercalares, chamamos a atenção de que seriam uma saída para a crise política, a que a política de direita tinha conduzido a câmara, mas não era seguramente a realização de eleições que iriam dar lugar a uma vereação com uma duração de dois anos e que iriam criar soluções para os problemas. Portanto, quando olhamos para os problemas da cidade, não olhamos a um horizonte de dois anos, mas sim um horizonte mais largo que é único e que torna possível a solução dos problemas que a cidade tem. Entendemos que é indispensável regularizar a situação financeira e gostaria de sublinhar esta situação, porque a esse respeito tem havido bastante confusão. Entendemos que é absolutamente indispensável que nessa regularização financeira, haja dois aspectos prioritários: por um lado, o respeito pelos trabalhadores, pela sua remuneração e pelo seu trabalho, e, por outro, o problema da dívida da câmara aos fornecedores. Dívidas que se referem a pequenos e médios fornecedores, que se ressentem particularmente destes atrasos no pagamento. A segunda questão fundamental é a de reorganizar e reestruturar a câmara no quadro não apenas de uma maior eficiência, mas também no quadro de repor e motivar de novo as hierarquias, as chefias, e os trabalhadores da câmara. Porque se a CML não está completamente paralisada, aos seus trabalhadores o deve, pois a política que foi seguida tê-la-ia paralisado por completo, sendo a grande riqueza da câmara os seus trabalhadores. A terceira questão é a de um inventário rigoroso ao seu património, que permita fazer uma gestão rigorosa. Contudo, devo acrescentar mais dois aspectos também prioritários: a reabilitação urbana, em termos de intervenção urbana na cidade, e a prioridade também ao espaço público e à sua qualidade. Do ponto de vista programático, entendemos que é urgente concluir a revisão do PDM e pôr a funcionar em Lisboa um novo Plano Director Municipal.

O que pensa sobre a actual crise financeira da CML e que medidas tomaria para inverter a situação?
Quando se analisa uma situação económica há três planos diferentes, seja em relação a uma empresa ou a uma instituição. Há um plano económico, há um plano financeiro e há um plano de tesouraria. Uma empresa pode estar com uma situação financeira óptima e com uma situação de tesouraria péssima, e a inversa também é verdadeira. O que se passa com a CML, é que a mesma tem uma situação de tesouraria muito grave, tem uma situação financeira grave, mas não tem uma situação económica de colapso ou de falência. Esta última situação só se daria na altura em que o passivo da câmara fosse superior ao activo e não o é. O conjunto da dívida da câmara a curto, médio e longo prazo, não excede o seu activo, sendo embora certo, que é absolutamente necessário um inventário rigoroso do património, que não existe. Porque só com um inventário rigoroso é possível fazer essa gestão, pois sabe-se que as coisas existem, mas não se sabe em que estado estão, nem quanto é que valem. Em segundo lugar, há que ter rigor e atenção relativamente às despesas e às receitas. Quando numa estrutura com a vastidão que a CML tem, se altera, estraga e perturba o funcionamento da estrutura, tudo se perturba no campo financeiro, seja no campo das receitas ou das despesas. Ora, os últimos seis anos de gestão da direita foram um perfeito caos do ponto de vista da gestão financeira. Estas duas medidas têm de ser tomadas simultaneamente com a estrutura da câmara, com os seus trabalhadores, no sentido de melhorar as receitas, a cobrança de taxas e ver bem as despesas, no sentido de limitá-las. Mas, não com cortes absurdos, mas sim ver onde se está a gastar dinheiro e onde é ou não necessário. Terceira questão, o dr. António Costa tem um cartaz a dizer que é preciso rigor, o que acho curioso porque eu não sei qual é que é a alternativa. Obviamente que é preciso rigor e qualquer pessoa dirá o mesmo, mas, logo a seguir, vem dizer que a câmara está numa situação tal que necessita de um apoio financeiro, em que os contornos ainda não sei muito bem o que sugere, por parte do Governo. Isto é duplamente inconcebível, porque António Costa era o ministro da Administração Interna até há um mês atrás, exactamente na altura em que este Governo, por uma medida arbitrária e em nosso entender ilegal, privou a câmara de uma quantia que, nos termos da lei do Orçamento do Estado, tem direito relativamente á cobrança do IRS, no valor de 35 milhões de euros. Portanto não é necessário que o Estado faça nada em relação à CML, que não seja cumprir as suas obrigações.

Que consequências trará, para o município de Lisboa, a nova Lei das finanças locais?
Subscrevemos a posição da Associação Nacional de Municípios de reserva e crítica em relação à lei das finanças locais. Penso que a Lei das Finanças Locais tem que ser analisada pelos portugueses em duas ópticas. Eu e o meu partido não subscrevemos tudo o que tem acontecido no poder local de norte a sul do País e somos muito críticos em relação a dinheiros mal gastos, a obras mal concebidas, entre outras situações. Mas o que também não esquecemos é que passos enormes que foram dados para o bem-estar das populações e no desenvolvimento do País, só foram possíveis graças ao poder local. Portugal não seria hoje o País que é, se em cada concelho e em cada freguesia, não tivesse havido um esforço dos eleitos locais e dos autarcas. Aqui e ali foram cometidos alguns erros e terá havido práticas menos adequadas, mas para isso existem os tribunais por um lado e o julgamento dos eleitores por outro. Em meu entender, estamos a assistir por parte do actual Governo a uma enorme campanha do ponto de vista ideológico e do ponto de vista político, que é arranjar dois grandes culpados para a situação económica do país: os funcionários públicos e o poder local.

O que acha sobre o actual estado das empresas municipais?
No PCP não temos uma posição de princípio contrário às empresas municipais. De resto, nós próprios, num pelouro que foi gerido pelo PCP na coligação, constituímos uma empresa municipal. O que para nós é absolutamente essencial e é um pressuposto de ordem política, é a primazia do interesse público sobre o interesse privado. Se uma empresa municipal protege e defende melhor o interesse público do que um serviço municipal, admitimos perfeitamente esta hipótese, mas com responsabilidade, porque há aqui um compromisso a assumir. Ora a situação que temos presentemente, é que temos assistido a um alargamento do parque municipal de empresas com direito privado, com alguns aspectos particularmente graves mas onde as situações não são todas iguais. Consideramos que há empresas que são pura e simplesmente para eliminar, porque não há nada que justifique a sua existência. As três sociedades de reabilitação urbana (SRU) não se justificam e não há nenhuma razão para que elas existam.. Assim as SRU não têm razão de existir e são uma despesa suplementar. Depois há empresas que necessitam de uma profunda reestruturação e a primeira sem duvida é a EPUL. Defendemos a extinção das empresas participadas da EPUL, a Imohifen e a AGF e, por outro lado, o repor a EPUL do ponto de vista da sua administração e acção à luz do critério pelo qual ela foi criada.

No seu entender, que implicações terá para a cidade um eventual encerramento do Aeroporto de Lisboa, com a possível construção do aeroporto na OTA?
Penso que deveremos ter sido das primeiras forças políticas que se manifestaram frontalmente contrárias ao encerramento do aeroporto da Portela. Há aqui dois problemas que têm que ser considerados e há alguma mistificação na constante associação de duas coisas. Não ponho em causa que, mais cedo ou mais tarde, se possa tornar necessária a construção de um segundo aeroporto para Lisboa. Primeiro, há uma coisa sobre a qual não tenho dúvidas nenhumas, é que o aeroporto da Portela está longe de estar saturado, ou seja, impraticável. Segundo, que a Portela é uma mais-valia para a cidade de Lisboa, nos mais variados pontos de vista, a começar naturalmente pelo ponto de vista do turismo e pelas características que isso tem. Portanto, ao fazer–se outro aeroporto, há que discutir esse problema. No entanto, encerrar o aeroporto da Portela agora acho que nem sequer é discutível, pois seria um crime contra Lisboa.

Concorda com a implementação de portagens nas principais vias de entrada na cidade de Lisboa?
Do ponto de vista colectivo, enquanto CDU e enquanto PCP, temos uma posição muito reservada em relação a essa situação. Isto quer dizer que em princípio somos contra, porque somos contra a criação de taxas e nomeadamente taxas para a localização do espaço público. No fundo, essas taxas nunca são cegas, sendo apenas para evitar que quem tem menos recursos aceda à cidade, porque quem tem mais recursos, não é por causa de uma taxa que deixará de vir à cidade. Do ponto de vista social, não é uma medida que esteja de acordo com a nossa visão da cidade. Entretanto, é uma verdade que entram por dia cerca de 400 mil carros em Lisboa e que o problema do transporte individual gera problemas gravíssimos na cidade. Porém, a questão das taxas, de que há exemplo noutras capitais europeias, terá de ser estudada seriamente. Mas o problema é este, é que para obviar o problema com que se pretende dar resposta com as taxas, há outras medidas, como a criação da Autoridade Metropolitana de Transportes. Porque o problema da circulação e da mobilidade em Lisboa, não se resolve no estrito limite do concelho de Lisboa. Se entram 400 mil carros, não é em Lisboa que conseguiremos resolver o problema, mas sim de onde eles vêm. E portanto isso requer uma coordenação de trabalho com os concelhos limítrofes, com o poder central que tutela os transportes pesados, como sendo o metropolitano e como são os comboios. Ao inverter o actual quadro, melhora-se também a situação em Lisboa do funcionamento dos transportes públicos.

O que será para a sua candidatura um resultado positivo ou negativo, nestas eleições intercalares?
O que considero globalmente positivo para a minha candidatura nestas eleições intercalares, é que se ponha termo à política de direita em Lisboa e isto para mim e para a força que represento é fundamental. Do ponto de vista de um bom resultado para nós, o bom resultado político será este. O nosso mau resultado será nós podermos dar para essa medida, o melhor contributo possível, sendo certo em nosso entender e já demonstramos, que somos quem mais consistentemente se tem oposto ao que está mal e quem mais consequentemente tem contribuído para o que está bem.

Podemos encarar mais esta sua candidatura à frente dos destinos da cidade de Lisboa, como sendo um sinal de estabilidade por parte da CDU ou antes uma falta de alternativa?
Não tenho grandes dúvidas em dizer que é antes de mais nada um sintoma de estabilidade. Se olharmos para o PCP e para o conjunto da acção do PCP, verificamos que não faltam quadros técnicos com conhecimento e com capacidade e até a própria realidade atesta isso mesmo.

Como reage à afirmação de António Costa, de que a responsabilidade de uma ausência de coligação à esquerda, se deve entre outros também à CDU?
Já várias vezes me foram feitas perguntas acerca desta questão e por exemplo foi-me perguntado se o dr. António Costa me telefonou. Não me telefonou e não sei se o Dr. António Costa disse alguém que me telefonou, mas isso é um problema dele. Pela parte que me toca não recebi nenhum telefonema. Relativamente à questão dessa responsabilidade, penso que da parte do dr. António Costa não é uma posição muito sensata, porque o dr. António Costa sabe perfeitamente que em outras circunstâncias a CDU se manifestou favorável a entendimentos à esquerda. Quando a coligação PS/ PCP perdeu as eleições para o dr. Pedro Santana Lopes há seis anos, propusemos ao PS manter a coligação e portanto conduzir uma oposição em coligação consequente e forte. No entanto, foi o PS que não quis e uns meses mais tarde estava a votar com o Dr. Pedro Santana Lopes, negócios como a permuta do Parque Mayer com a Feira Popular e esta é a realidade. Quatro anos depois colocam-se eleições e nós escrevemos ao PS, a propor uma negociação para refazer a coligação. O PS colocou-nos condições que à partida, qualquer pessoa compreenderia que eram as condições para não fazer uma coligação. Nas actuais circunstâncias, quando o PS que, entretanto, está no Governo, conduz contra as autarquias locais, a politica de hostilidade e que no caso de Lisboa até se manifesta, como já fiz referência, a retirar verbas significativas que deveriam ser entregues.
Quando o Governo de Sócrates trata a CML como se ela não existisse, em situações como a alienação do património do Estado e em situações como a administração do Porto de Lisboa e em empresas que tutela como a carris ou o metropolitano ou a CP, quando tudo isto se passa e globalmente o PS conduz no país todo, uma política a qual, sem qualquer tipo de reserva o PCP se opõe, faz sentido falar em coligações? Não há dois “PS” que eu saiba, que eu saiba só há um. Então o PS que eu conheço e que está no Poder, face ao país segue esta política, que face às autarquias segue a politica que segue, faz sentido uma coligação? É o PCP o responsável pela política que o PS está a seguir? Não é de certeza. Agora, atenção, pois significa isto que nós entendemos que nesta, como em outras circunstâncias, não há nenhuma hipótese de confluências no futuro? A nossa política em termos de poder local sempre tem sido essa, com todas as forças políticas.

Admite algum entendimento pós-eleitoral?
Não um entendimento pós-eleitoral com um carácter que, por exemplo, envolva distribuições de lugares, porque não estamos aqui a discutir esta questão, nem a distribuição de pelouros. O nosso problema não é esse, nós estamos a discutir política e estamos a discutir actos e acções de intervenção política. Sempre que estivermos de acordo com ela, o nosso voto lá estará, sempre que nós estivermos em desacordo com ela, o nosso voto lá estará sempre contra.

Acha que os resultados destas eleições poderão ou não ter uma visão a nível nacional?
Inevitavelmente têm sempre, pois estamos a falar da capital do país e é evidente que haverá conclusões a retirar destas eleições. Mas estas eleições para a CML até acontecem em condições muito particulares, porque são eleições intercalares, provocadas por uma crise política gerada pela acção de direita no poder, apoiada frequentemente pelo Partido Socialista e disso naturalmente haverá a tirar conclusões. Generalizar muito mais do que isto, só com a prudência, o cuidado e o equilíbrio, que uma política responsável implica.

Que pensa sobre a data marcada para a realização destas eleições intercalares?
Quando o problema se colocou, nós no quadro legal e existente manifestamo-nos por eleições ou no dia 1 ou no dia 8 de Julho e isto com dois tipos de preocupações. A preocupação de abreviar o mais possível uma situação de instabilidade da câmara, com comissões administrativas, paralisações de serviços, entre outras coisas e por outro lado, fazer cair as eleições o menos possível já no mês de Julho, para evitar o peso de uma previsível abstenção por causa do período de férias. Houve protestos em relação a isto e há uma decisão do Tribunal Constitucional. Nós não contestamos a decisão do TC, pois se o TC entende que a constituição determina a isso e ela obriga-nos a todos, só que tal facto levanta os dois problemas que referi anteriormente.

A lutapor Ilda Figueiredo

Quando olhamos para os últimos índices publicados
pelo Eurostat, não é difícil constatar as razões profundas do descontentamento e do protesto popular. Somos um dos países da União Europeia com maior percentagem de pobreza (20%) e o que tem a pior situação em termos de desigualdade na distribuição
dos rendimentos

A luta que se vive em Portugal, que teve um ponto alto na greve geral de 30 de Maio, convocada pela CGTP-IN, e que se traduziu na maior jornada de luta que este Governo já enfrentou, é hoje uma realidade que não pode ser ignorada por ninguém.
O mais patético de tudo isto é ver membros do Governo a tentar desmentir o óbvio, a procurar esconder aquilo que a maioria das pessoas viram e sentem, apesar das imensas tentativas de atropelo ao direito à greve, incluindo um célebre despacho do ministro das Finanças que o ministro da Presidência diz que não existiu, porque a Comissão Nacional de Protecção de Dados o considerou ilegal. Mas a verdade é que existiu, e só não foi aplicado exactamente por haver uma instituição pública que, na véspera da greve, tomou a posição devida.
As redobradas explicações, coincidentes, do Governo e das organizações patronais, sobre o impacto da greve e das suas consequências, procurando minimizá-las, são bem sintomáticas das preocupações que lhes provocam este importante salto qualitativo na evolução da luta política em Portugal e das novas perspectivas que abre para o seu aprofundamento num futuro próximo.
O que para todos fica claro é que o Governo não tem uma auto-estrada desimpedida para continuar a correr no seu ataque aos direitos sociais e laborais. Com a luta da greve geral, milhares de trabalhadores precários sentiram a fragilidade do seu vínculo contratual e a limitação prática dos seus direitos constitucionais, incluindo o direito à greve. Perceberam o que quer o Governo e a Comissão Europeia com a chamada “flexigurança”: transformar os trabalhadores efectivos em trabalhadores com vínculos laborais precários para assim dificultar a organização sindical, impedir a luta e o exercício do próprio direito à greve, deixando o trabalhador mais fragilizado, mais só, e mais sujeito à exploração.
Esta greve geral foi, pois, de grande importância, também pelo esclarecimento que permitiu dos métodos a que o Governo está disposto a recorrer para atingir os objectivos que a CIP quer ver concretizados. Foi vê-los, Governo e patronato, a repetir quase o mesmo sobre as estruturas sindicais e a CGTP, sobre os serviços mínimos e sobre os que ousaram lutar. Mas o mais importante de tudo é que também perceberam que não basta dominar a maioria dos órgãos de comunicação social e obter o maior tempo de antena. Nas suas vidas os trabalhadores e a população sentem que há um ataque aos seus direitos, que o desemprego cresce, que o custo de vida aumenta e o acesso à saúde é cada vez mais caro.
Quando olhamos para os últimos índices publicados pelo Eurostat, não é difícil constatar as razões profundas do descontentamento e do protesto popular. Somos um dos países da União Europeia com maior percentagem de pobreza (20%) e o que tem a pior situação em termos de desigualdade na distribuição dos rendimentos. Ou seja, aquele país onde a riqueza produzida está concentrada num menor número de pessoas. A média, na União Europeia, entre os rendimentos de 20% da população que detém os rendimentos mais elevados e os rendimentos de 20% da população com mais baixos rendimentos, é de 4,9, mas, em Portugal, tal relação atinge 8,2, sendo que há gestores privados com ordenados mensais que são superiores a 150 vezes o salário mínimo.
Por isso, a greve geral constituiu um poderoso aviso ao Governo. Não foi um ponto de chegada, mas foi um ponto de passagem para outras lutas!
O Governo sabe que não se pode menosprezar uma greve, que envolveu 140 estruturas sindicais, dezenas de milhar de activistas, mais de sete mil plenários realizados, dezenas de milhar de acções de esclarecimento, e que foi vivida, de uma forma ou de outra, por milhões de pessoas. E, por isso, sabe que, enquanto houver cerca de meio milhão de portugueses no desemprego, mais de 1,2 milhões de trabalhadores com trabalho precário, mais de dois milhões de pessoas em situação de pobreza, haverá lutas para alterar essa situação.
Mas o Governo e o patronato persistem na sua desvalorização, porque querem persistir na alteração das funções e do papel do Estado, na extinção e privatização de serviços públicos, pondo em causa o Serviço Nacional de Saúde. Querem continuar a atacar os mais elementares direitos dos trabalhadores da Administração Pública e das populações. Querem, em nome da flexigurança, facilitar os despedimentos individuais sem justa causa, instituir o chamado despedimento na hora e desregular horários, carreiras, funções, remunerações e condições de trabalho.
Com a sua política o Governo está a conseguir que os grupos económicos e financeiros obtenham os maiores lucros de sempre. Em 2006, apenas oito empresas tiveram 5,3 mil milhões de euros de lucro. O que é um escândalo para um País que tem dos mais baixos salários da União Europeia
Depois desta luta, nada ficará como dantes relativamente ao Governo, à sua arrogância e ao seu desprezo pelas condições de vida de quem trabalha. O Governo sabe que há no País força social e laboral capaz de combater, de resistir e impor uma mudança de rumo da política nacional. Se o Governo persistir em não ouvir o sentimento dos trabalhadores e do povo, se tentar avançar com o propósito da facilitação dos despedimentos individuais sem justa causa, com o despedimento na hora, ficou a saber que há força capaz de o impedir.
É essa a nova lição do momento de luta que estamos a viver.

Deputada do PCP no PE

Agruras e esperanças de um líder mal-amado

Alguns dirigentes social-democratas tinham a secreta esperança de que, no debate mensal de ontem com o primeiro-ministro, se registasse uma “vitória” ou um “destaque especial com alguns louros políticos” para Marques Mendes. Sobretudo, porque o PSD recebeu durante esta semana um conforto do Presidente da República, em relação à Ota. Recorda-se que Cavaco Silva pediu debate, nomeadamente, no Parlamento, para que se possa gerar um consenso tão alargado quanto possível sobre, como, quando, onde e se se avançará para a construção de um novo grande aeroporto em Portugal. Afinal, José Sócrates pôs K.O. Marques Mendes. E na bancada social-democrata, mesmo entre os que se opõem internamente ao actual líder, o ambiente era bastante denso. O PSD saiu quase humilhado desse debate… Sobretudo, a partir do momento em que o líder da bancada do PS, Alberto Martins, veio tornar público um documento assinado por Durão Barroso (então primeiro-ministro) e pelo próprio Marques Mendes, que se referia a uma resolução do Conselho de Ministros sobre a continuação do apoio à futura construção do aeroporto na Ota.

Ontem, no debate mensal, e em relação a Marques Mendes, o primeiro-ministro foi absolutamente implacável na humilhação política. Acresce até que José Sócrates abriu, por parte do PS, a campanha eleitoral em Lisboa. E isso, de acordo com opiniões recolhidas em cima do debate, “pode ser uma faca de dois gumes”, mas, de acordo com as mesmas fontes, faz do novo aeroporto (ou do fim do aeroporto de Lisboa) um tema incontornável da próxima campanha eleitoral para a Câmara Municipal da nossa capital.
Quer Fernando Negrão, ao declarar, há poucos dias que, em seu entender, era impensável que Lisboa ficasse sem um aeroporto de proximidade, quer Helena Roseta, ao afirmar que os lisboetas não foram consultados sobre a desactivação da Portela, tiveram a “arte” de colocar, como tema fulcral a “deslocalização” (como ontem lhe chamou Paulo Portas, no já aludido debate mensal) do aeroporto de Lisboa, na campanha eleitoral que se avizinha.
O próprio António Costa já se sentiu “tocado” com esta questão ao manifestar a opinião que os candidatos devem preocupar-se com os problemas da cidade de Lisboa, em vez de debaterem questões nacionais (citação literal), o que levou já o PSD a dizer qualquer coisa como “então Lisboa ficar sem aeroporto de proximidade não é um problema de Lisboa?”…
Não se conhecem, pelo menos para já, posições do PCP e do Bloco de Esquerda sobre esta matéria e da sua disponibilidade para a debaterem na campanha que se avizinha. Ontem, no Parlamento, ficou claro que o CDS/PP defende a manutenção da Portela, com novos investimentos e com um plano de reagrupamento aéreo que envolvessem, as instalações de Figo Maduro e do Montijo. Está encontrado o grande tema para os debates que se avizinham.

Voltando ao líder do PSD…

Hoje, à noite, Marques Mendes vai estar em Leiria para presidir a mais uma sessão dedicada à reforma do programa do PSD, nas suas múltiplas vertentes. O tema é “Economia e empresas: Portugal competitivo?” com duas intervenções de anteriores ministros das Finanças, com posicionamentos diferentes, ainda ambos ligados ao PSD – João Salgueiro (ministro das Finanças de Pinto Balsemão no início dos anos 80) e Eduardo Catroga (titular da mesma pasta em meados dos anos 90). Esta semana, diversos ex-ministros e outros responsáveis pelo sector da Educação também debateram estes temas, para a mesma finalidade, ou seja, para uma reflexão sobre o futuro programa do partido. Um dos participantes disse-nos que, apesar de não ter havido “nada de especialmente apelativo, havia bastante gente”.
Prossegue, assim, com tranquilidade, uma acção relevante que foi inscrita como um dos objectivos do mandato de Marques Mendes. Cumpri-lo-á até ao fim?
O seu destino político está, neste momento, dependente do resultado que o PSD obtiver nas eleições intercalares de Lisboa. Um mau resultado desencadeia os mecanismos para novo confronto eleitoral no principal partido de oposição (ontem à tarde, depois do “massacre” sofrido por Marques Mendes e infligido por José Sócrates no Parlamento, alguns deputados social-democratas disseram ao SEMANÁRIO que é “chegada a hora de encontrar uma alternativa ao actual líder,” acrescentando mesmo que “é difícil fazer pior”. A pensar nisso está já Luís Filipe Menezes, que em cada crónica semanal que escreve no “Correio da Manhã” não esconde o seu desejo de ascender, tão depressa quanto possível, à liderança dos social-democratas. Consegui-lo-á em breve?
A pergunta tem razão de ser, uma vez que uma nova liderança é tema que é resolvido exclusivamente intramuros, isto é, pelo universo dos militantes do PSD com capacidade eleitoral. Ora, a contagem de espingardas ainda não começou e, ao longo destes quase dois anos, Marques Mendes soube estabelecer relações de muita proximidade com os militantes. Chega para garantir a sua blindagem contra aqueles que o querem desalojar?
“Pelo menos ajuda alguma coisa – comentário irónico de um dirigente próximo de Marques Mendes…
É que o actual líder desdobra-se em presenças, junto das bases e em todas as suas intervenções não lhe escapa a crítica azeda ao modo como o PS e José Sócrates estão a governar o País. Ainda há dias proclamava, em reunião com militantes, “que é preciso encontrar um novo modelo de governação, sob pena de o País não nos levar a sério e não sairmos da cepa torta”. Ao mesmo tempo aconselhava os seus críticos a abandonar “ruídos internos” para que se não diga “se eles não se entendem dentro do partido, como é que os eleitores podem confiar no PSD para governar o País”.
Este é conselho que os seus críticos não querem assumir, exceptuando-se o núcleo barrosista que tem preferido o silêncio ou uma intervenção discreta, melhor dizendo, uma oposição de bastidores, com uma ou outra excepção e colaboração com Marques Mendes, sem perder o contacto e a solidariedade em relação aos seus membros. Fazer esta anotação tem algum relevo, já que os barrosistas (os notáveis e os militantes que lhes são afectos) podem ser determinantes na escolha do futuro líder do PSD, que vier a ser eleito antes das eleições de 2009, seja, num processo desencadeado a seguir ao escrutínio de Lisboa, seja depois de terminado o actual mandato de Marques Mendes. Este grupo, onde se aconchegam muitos antigos membros do Governo, pode fazer sair do seu seio uma personalidade que se abalance a candidatar-se à liderança do partido e os seus membros dizem, embora à boca pequena, que sabem isso e querem ser determinantes nas soluções de direcção que tenham de ser esclarecidas.
Marques Mendes parece aceitar que, depois de 15 de Julho, os acontecimentos se vão precipitar no PSD e agitar o partido num novo “Verão Quente”, com tradução prática em Setembro ou Outubro. Será assim? É o que estamos para ver. Mas o que já vimos é que Marques Mendes não só tem o campo de acção absolutamente minado pelos seus adversários (os internos e os externos), como o seu espaço de intervenção se assemelha (como se viu ontem na Assembleia da República) a um verdadeiro calvário. Resistirá?!…

O ministro intocávelpor Jorge Ferreira

Mas, na verdade e pasme-se!, ainda há coisas que espantam em Mário Lino. Este político inclui-se naquele grupo de elite que nunca desilude. Consegue superar-se quando e onde menos se espera

O que espanta em Mário Lino já não é a teimosia sobre a Ota. Afinal de contas, de teimosos todos temos um pouco, embora também seja verdade que as minhas teimosias são pagas por mim e não pelos contribuintes, ao contrário do que sucede com as teimosias do ministro que, a continuarem no estado obsessivo em que se encontram, vão ser pagas a peso de ouro por todos nós.
O que espanta em Mário Lino já não é o facto de ser ministro de um Estado que acha que não devia existir e ser, portanto, lícito perguntar ao primeiro-ministro que o escolheu e mantém no cargo, se está em condições de garantir ao País que o seu ministro prossegue os interesses nacionais e não aquilo que o ministro julga ser os interesses da Ibéria política que defende às claras.
Afinal de contas, é histórico que algumas das nossas alegadas elites venderam-se a Castela no passado, o que permitiu a filipização da Pátria nos idos do século XVI. Sem essa venda, a filipização não teria, pelo menos, sido tão fácil como foi e tão difícil de terminar como foi.
Também já não espanta em Mário Lino que se permita zombar do primeiro-ministro em público, declarando-se engenheiro com licenciatura e diploma e devidamente inscrito na Ordem dos Engenheiros, suscitando risotas gerais na audiência. É certo que nessa altura ainda a audiência não sabia que poderia incorrer em processos disciplinares pela liberdade do riso. Mas mesmo assim, surpreendeu o ministro com tão grande imprudência sobre a trapalhada do percurso académico de José Sócrates.
Mas, na verdade e pasme-se!, ainda há coisas que espantam em Mário Lino. Este político inclui-se naquele grupo de elite que nunca desilude. Consegue superar-se quando e onde menos se espera.
No final de um almoço promovido pela Ordem dos Economistas sobre a Ota, o ministro disse apenas que “a margem sul é um deserto” e por isso seria uma “obra faraónica” fazer aí o futuro aeroporto de Lisboa. “Na margem sul não há cidades, não há gente, não há hospitais, nem hotéis nem comércio”, opinou, observador e atento, o nosso preclaro governante, acrescentando que, de acordo com um estudo recente, “seria necessário deslocar milhões de pessoas” para essa zona para justificar a construção do novo aeroporto.
Segundo Mário Lino, fazer um aeroporto “no Poceirão ou nas Faias” seria o mesmo “que construir Brasília no Alto Alentejo”. Depois do dislate, sobreveio-lhe o mau gosto. Mário Lino não resistiu a comparar a opção sul do Tejo a um doente aparentemente de boa saúde, mas “com um cancro nos pulmões”.
Não sabemos se Mário Lino está a fazer um campeonato individual do disparate para levar José Sócrates a demiti-lo e poder ir fazer umas férias das maçadas governamentais porventura numa estância turística espanhola. Mas se não é assim, já só uma coisa espanta em Mário Lino: a sua intocabilidade.
Quem tem medo do ministro? E porquê? E o que espera o Presidente da República para mostrar que existe e não é apenas uma alínea da rubrica dos Encargos Gerais da Nação no Orçamento de Estado? Deve haver quem sabe.