Depois do Verão, quando os portugueses regressarem de férias, vão ter que aprender a ser pobres de novo. O País verdadeiramente nunca o deixou de o ser. Mas, com o endividamento e os fundos comunitários, fomos construindo a ilusão de que éramos ricos.
Depois do Verão, quando os portugueses regressarem de férias, vão ter que aprender a ser pobres de novo. O País verdadeiramente nunca o deixou de o ser. Mas, com o endividamento e os fundos comunitários, fomos construindo a ilusão de que éramos ricos.
Toda a margem foi esgotada. E, a notícia seguinte é que não só o País está a perder potencial económico, como, ainda, não conseguimos crescer sequer ao nível desse potencial.
Depressão vai durar pelo menos até 2009
E, pior, até pelo menos 2009, o País vai crescer abaixo de um por cento, o que significa que não conseguirá repor o stock de emprego (só a partir de crescimentos acima do crescimento potencial – a União Europeia prevê que o nosso crescimento potencial de Portugal seja de 1,4% em 2005 – é que se consegue começar a criar emprego).
Este ano não é o pior. Ao contrário do que foi dito pelo Governo e inscrito no Programa de Estabilidade e Crescimento, o País está em recessão, e vai continuar no próximo semestre. E, no próximo ano, a crise vai agravar-se.
Portugal já não consegue sequer responder aos estímulos externos. Embora a Espanha esteja a crescer acima dos 3,4%, mesmo acima das melhores expectativas, em Portugal divergimos e nada ganhamos com isso. A solução não é, portanto, exportar mais. Já não conseguimos sequer isso.
Ao défice do Orçamento do Estado, juntamos, agora, o défice comercial – da balança de pagamentos. Este, segundo o INE, aumentou, no primeiro semestre, 35%. As exportações ficaram aquém do previsto. Já nem a AutoEuropa ou o vinho do Porto conseguem manter as suas vendas. Os automóveis caem 10% nas exportações e, nos mercados fora da Europa, por causa do euro valorizado, estamos a perder vendas do vinho do Porto.
Falta dinheiro
Em momento de crise e de medo, encharca-se a economia de dinheiro. Foi isso que aprendemos com a crise de 1929. Porém, aqui fazemos exactamente o contrário. Pelo simples facto que Portugal não tem autonomia monetária e não tem poupança.
Sem dinheiro para investir, restaria o investimento estrangeiro. Porém, esse há muito que já escolheu o que queria comprar: energia, turismo e imobiliário.
Do lado português, nada. Os empresários não têm capital. Os bancos tornaram-se mais restritivos no crédito. As grandes empresas já não reagem e pouco investem; o Estado não investe e, quando o faz, não paga.
O risco de Portugal é o maior dos países da União Europeia. O Estado português é aquele que paga pior e mais tarde. Chega a uma média de atrasos de pagamentos de 89,2 dias e, no caso da Saúde, vai mesmo a oito meses, segundo um relatório da Intrum Justitia.
Mas, o que é dramático é que os investimentos anunciados não se fazem: estamos a criar uma polémica inacreditável à volta do TGV e da Ota. Mas ainda não foi gasto este ano um tostão em nada.
O problema urgente é outro: qualquer casa de risco mostra que 95% das PME portuguesas estão falidas. Ora, são elas que dão emprego, o que augura o pior.
Como se isso não bastasse, vemos os nossos activos a desaparecerem com 100 mil hectares de floresta a arder.
Com fundos comunitários ficamos sem agricultura e sem pescas. Agora, há muito gado no Alentejo: é, apenas, por causa do subsídio! – Não tem rigorosamente impacto algum, nem no crescimento, nem no emprego.
A ideologia económica
A América exportou, depois da guerra, para a Europa, a ideologia neoliberal, que um conjunto de europeus pouco inteligentes leu e proclama com a convicção com que um “mullah” recita os versículos sagrados do Corão.
Ora, é essa gente que é responsável pelo que se passa actualmente em Portugal e na Europa: mesmo quando se constata que está tudo errado, que os resultados são estes, o máximo que lhes ouvimos é que o modelo está certo , a realidade é que não.
E, contudo, aqui ao lado, temos exactamente a experiência de que o modelo está errado. A Espanha descolou a Europa. Concentra, em rede, o apoio às suas PME, ao contrário de Portugal, que as persegue e as destrói. Tem nas Caixas de Crédito o instrumento privilegiado do controlo político e nacional dos sectores económicos, que considera estratégicos. Tem um Governo que não gasta o que não tem, nem espera pelo crescimento económico e o aumento dos impostos para equilibrar o Orçamento do Estado.
Voltar ao real
O País tem um duplo défice (público e comercial) que obriga os portugueses a cair na realidade.
Já todos percebemos que nestas situações as assimetrias aumentam. Mas, sobretudo, pelo efeito de Laffer, a economia paralela está a aumentar exponencialmente. E não é necessariamente droga ou armas ou prostituição. Não!
É contrafacção de têxteis, é falsificação de marcas, é construção civil sem IVA e com matérias-primas compradas em Espanha e, finalmente, é muita, muita corrupção.
Melhor dito: mais que corrupção, mais que subfacturação nas compras dos privados ou mais que o pagamento a funcionários e intermediários, a expectativa está a criar novos devedores, que já estão a gastar por conta do que ainda não receberam, até porque o investimento publico tem sido muito limitado.
E, não vale a pena vir a magistratura, agora, com julgamentos mediáticos de casos exemplares, pois ela já não tem credibilidade alguma.
Ninguém acredita numa acusação do Ministério Público; as investigações policiais estão também desacreditadas, para não falar já na politização dos juízes, que, nesta fase, deveriam ser discretos e não se envolver em ameaças corporativas de greve, o que, mesmo com razões fundadas do lado dos juízes, apenas torna a insegurança mais generalizada na sociedade. A ideia de que “em casa sem pão, todos ralham, e ninguém tem razão”, só agravaria o estado de espírito do país real.
O país real foi de férias
Este, o país real, ainda foi de férias. No seu regresso terá que se confrontar com a realidade dos colégios dos filhos e dos livros para o ano lectivo. Com o supermercado e o fim das promoções. Com as prestações que ficaram por pagar desde Junho. Mas, sobretudo, se não forem um dos 700 mil funcionários públicos, ou dos quase três milhões de pensionistas (a maioria dos quais não contributivos, que o Estado paga, por generosidade e obra de Governos sucessivos, desde 1991), com o problema da falta de liquidez das empresas e dos salários em atraso.
Os portugueses vão ter um choque ao regressarem de férias. Subitamente, o País não é o mesmo. A conversa do optimismo, constatar-se-á, não resultou. A economia não é feita de boa vontade. É, sobretudo, de expectativas e de capital. Aquelas implicam credibilidade. Este, poupança e capacidade de iniciativa.
É claro que nenhum governante quer o pior. Todos agem na convicção que estão a fazer o melhor para o País. Mas, isso não chega.
Para além do trabalho, para além da competência, para além da vontade, são necessárias condições objectivas. E, essas são as de um País que tem andado a viver muito acima das suas possibilidades e que está a pagar, agora, a factura.
O problema é que os empresários desanimaram, que os bancos não entenderam o seu papel na economia e, sobretudo, que o país foi na tonta conversa de exportação da liberdade e da defesa do consumidor.
Destruímos o que tínhamos, não construímos nada de novo. Resta-nos a liquidez que realizamos ao vender as jóias da família. Foi o que já fizeram alguns empresários e farão outros que se lhes seguirão.
Basta ir a Espanha para saber o preço desta liberdade. A gasolina é 21 cêntimos, por litro, mais barata, o IVA é menos 5%, os materiais de construção são, em média, quinze por cento abaixo dos preços nacionais e os salários são, pelo menos, 20% acima dos portugueses.
A Espanha diverge da Europa
Portugal definha, a Europa estagna e a Espanha cresce.
Portugal definha porque a Espanha nos fica com a riqueza, quando lhe compramos o que comemos e o que vestimos. E, depois, acabamos a pagar as dívidas, dando-lhes o capital das nossas melhores empresas. Até a água do Alqueva irá para Espanha e não ficará em Portugal.
A Europa estagna, porque o Banco Central Europeu é incompetente e a Europa política acabou. Em suma, por causa da Alemanha.
A Espanha cresce, porque tem uma estratégia imperial e se apoia, desde há muito, na sua língua e na sua cultura, saltando por cima da desagregação política inevitável, que a recessão lhe traria. É a receita de Carlos V. Hoje, o capitalismo é um instrumento para ao crescimento, mas não é o único – é o lema do sucesso espanhol.
Que venham os espanhóis
Do nosso lado, o nacionalismo está amenizado. Quando falta comida, a política, a liberdade, a independência é posta de lado. Chama-se realismo político.
Foi com esse argumento que as elites aclamaram Filipe de Espanha rei de Portugal em 1580. Na altura, eram os preços dos cereais que impressionavam os portugueses.
Não falta, nem mesmo em Espanha, quem diga, hoje, que Portugal é a autonomia mais barata de Espanha. Eles mandam aqui e não têm que pagar a factura, como acontece com na Catalunha, na Andaluzia, no País Basco ou na Galiza. Pelo simples facto que eles compraram o País e não tiveram que nos dar lugares no Parlamento. Pelo simples facto que o governo de Madrid não perde votos com o descontentamento dos portugueses, ao contrário do que acontece com as autonomias de Espanha.
Enfim, do que se trata é que Portugal, sem fundos comunitários, sem solução ultramarina, sem ouro do Brasil, é inviável.
Aparecemos como uma necessidade da reconquista cristã. Mas, nascemos, como nação, em 1383-85, por impulso inglês, exactamente quando a Inglaterra estava a perder a guerra dos 100 anos. Acabamos por definhar quando os ingleses caíram também e o nosso império marítimo se esgotou, às mãos dos holandeses. Chegou mesmo a carreira da Índia a estar impedida por dois anos.
Salve-se quem puder
Rapidamente percebemos o pesadelo: os nossos barcos desapareceram com a aventura da Armada Invencível e quando os espanhóis perceberam que não tiravam nada daqui alimentaram de tal maneira os impostos, que os mesmos que defenderam a integração, acabaram por aceitar a independência. Mais uma vez são os ingleses que estão por detrás desse proeza.
Agora, como então, não vale a pena ter ilusões com Espanha. Acabaremos sempre por ser joguete entre o choque destes dois impérios com vocação mundial, exactamente como nos últimos novecentos anos: entre os anglo-saxões e os espanhóis.
O mundo mudou. O controlo nos “chips” limitarão a privacidade. As matrículas electrónicas consagrarão o princípio do utilizador-pagador de impostos. O terrorismo transformará o “big brother” em algo de aceitável. Se a Europa falhar não temos tábua de salvação sozinhos e já não vamos a tempo da cooperação com o Brasil e com África. A Espanha quer isto – sempre quis! – e pode estar disponível para pagar o preço.
O Mundo e a tecnologia estão a mudar. O nosso mundo muda também. Mas, não tenhamos ilusões. Sem crescimento económico não haverá nem tecnologia, nem dignidade, nem sequer independência nacional. Salve-se quem puder.