Vem nos manuais do marketing político que, antes das férias, não se desgasta a imagem com entrevistas, nem se anuncia nada de novo, guardando-se o melhor para a “rentrée”.
E foi com este pano de fundo que Ferro Rodrigues deu uma entrevista à SIC e Durão Barroso deu outra à RTP, tudo na última semana, antes das férias.
E o mínimo que se pode dizer é que ambas as entrevistas foram de uma total inutilidade, fazendo-nos perder por junto duas horas e demonstrando que nem um nem outro estão a ser convenientemente aconselhados.
Se Durão Barroso nada disse de novo (excepto que ia a Cabo Verde e que trabalha catorze horas por dia, o que é bem melhor que ir para o Brasil e estar contactável apenas depois do meio-dia), dando campo para que a oposição se assumisse e aproveitasse este Verão do nosso descontentamento, o que é mais espantoso é que Ferro Rodrigues tenha decidido, em vez disso, fazer oposição ao próprio partido atacando Guterres e o Governo de que fez parte.
Ferro Rodrigues não pode ser ingénuo se quer chegar a primeiro-ministro e liderar o maior partido da oposição, acusando agora a entrevista da SIC de ser conduzida por um transformista ao serviço do ex-comunista Pina Moura que, deste modo, sobrevive à certa morte política e tenta branquear a sua desastrosa governação. Só que isso não pode ser Ferro Rodrigues a dizê-lo, sobretudo quando, agora, os números do buraco orçamental dizem que a derrapagem no défice corrente é superior a trinta por cento e que Ferreira Leite não tem mão no Estado, nem sabe dar a volta à economia.
Barroso foi à RTP dizer, repetir o que ele próprio já tinha dito no Parlamento, ou o que Ferreira Leite tinha dito na televisão. Beneficiava ainda de eventualmente conhecer as perguntas e saber antecipadamente que, nem sobre o golpe de Estado em S. Tomé ou sobre o terrorismo no Iraque, lhe iriam fazer perguntas difíceis, numa demonstração que a RTP faz serviço público ou serve de arma ideológica do Governo.
Ficou claro que os temas do momento são a “justiça” e a “economia”. A justiça já nem preocupa o primeiro-ministro, com a insensatez de José Miguel Júdice, a querer meter juízes e funcionários nas cadeias, e os disparates de alguns magistrados, que até dizem, sem provas, que há “lobbies”, e fazem ameaças nas televisões, para já não falar no Presidente da República, preocupado com o facto de haver quem diga estar preso sem saber porquê, ofendendo assim o maior valor humano a seguir à vida – o da liberdade -, que deve estar acima do Estado de Direito e da conveniência de Estado, conforme decorre da Declaração dos Direitos do Homem.
E se, no caso da justiça, o envolvimento do PS no caso da Casa Pia lhe retira espaço, Barroso sentiu também que nem sequer precisava de alterar uma vírgula ao seu discurso, porque, em matéria económica, Ferro Rodrigues acabava por ser o verdadeiro coveiro do seu próprio partido.
Mesmo assim, Durão Barroso sabe bem que errou ao escolher Ferreira Leite e sabe ainda que a política do Governo em matéria económica é, não só, insensata como ainda incorrecta, estando os resultados desastrosos à vista e mesmo não sendo este o momento para o admitir, é de notar que começo a introduzir no discurso uma nota de maior confiança no futuro, o que é necessário para inverter as expectativas. Barroso não se esforçou muito, para além de “vão de férias e regressem que depois falaremos”, até porque ele e o seu grupo desconfiam dos empresários nacionais, e acham que só com o dinheiro dos estrangeiros é que é possível uma alteração do modelo económico assente basicamente em mão-de-obra. Para entreter os provincianos, o primeiro-ministro fala dos elogios da imprensa estrangeira e do insignificante investimento da Mitsubishi.
Barroso tem noção que o País não está a competir com a Hungria ou a Polónia na captação de investimento estrangeiro, porque hoje já não somos mais uma economia emergente, mas sim um país desenvolvido. E que, assim sendo, nós competimos directamente com os países que mais atraem investimento no planeta e que são exactamente os EUA, a França, a Inglaterra e o Brasil. Ora, aquilo que esses países têm é um mercado interno enorme e optimista, a consumir e a endividar-se para consumir. Portugal foi uma história de sucesso na captação de investimento estrangeiro enquanto o seu mercado interno era atractivo porque os portugueses, dez milhões com um poder de compra interessante, garantiam um mínimo para a sobrevivência de uma indústria que depois exportava o resto. Investimentos como o da AutoEuropa, que salvaram o cavaquismo, foram excepcionais e o País pagou com fundos e isenções fiscais mais à Ford e à WW do que o montante de investimento que em dez anos eles realizaram em Portugal.
Barroso sabe bem que é mais um disparate, para consumo interno, o programa da API para a valorização estratégica do Douro como grande destino turístico, quando sem dúvida o que deveríamos vender era Portugal, limitando isso à imagem do Algarve (a mais competitiva) e de Lisboa (a com maior potencial e que acaba por ainda ser o destino mais exótico dentro da Europa). O Douro não tem, nem qualidade patrimonial, nem clima para concorrer com os circuitos semelhantes, sem um investimento colossal que o País não pode nem deve realizar agora, qualquer economista mediano e não bairrista percebe.
Barroso sabe bem que o pagamento especial por conta é um erro e uma injustiça e que está a ser demagógico, quando diz que os contribuintes particulares também descontam, porque sabe que isso é mentira, dado que o IRS desconta-se em função do que já foi recebido. Barroso sabe bem que é notável, do ponto de vista comparativo, que, numa economia em recessão, mais de 45% das empresas apresentem lucros, quando todos sabemos ainda que muitas delas não são extintas, porque a burocracia e o custo não o justificam. Barroso não vai intelectualmente “no canto dos cisnes” dos transformistas ex-comunistas e dos oportunistas do costume, que deram cabo de Guterres e que agora elogiam o seu governo, sabendo o caldo em que se está metido.
Barroso sabe isso tudo, mas sabe também que, quanto mais tempo prolongar esta agonia, mais dócil fica o País, quando, por impulso externo, a economia portuguesa acordar deste sonho mau, e que isso o pode beneficiar a si. Ainda para mais, Ferro é o seu seguro de vida, pelo que não tem que se preocupar à esquerda.
O problema de Barroso é mesmo do lado da sua maioria e isso ficou patente também na entrevista a Judite de Sousa, na RTP, falando indirectamente para Pedro Santana Lopes, depois de, em Conselho Nacional, ter imposto o silêncio sobre as presidenciais. O candidato presidencial do Governo “será aquele que melhor servir o interesse nacional” e não o interesse do partido, disse. Santana que se cuide.
No meio da total inutilidade da entrevista do primeiro-ministro, que esteve desnecessariamente a desgastar a sua imagem, antes das férias, fica claro que Barroso quis apenas insistir publicamente que tudo continua com antes e que só depois das ditas férias, eventualmente na “rentrée” do Pontal recomeçarão as hostilidades.
O que fica por saber é se os outros concordam com os dias sossegados que Barroso promete…