Rui Rio encontra-se numa encruzilhada difícil. A sua vitória na Câmara do Porto apenas lhe deu 6 vereadores (4 do PSD e 2 do CDS), sendo que os socialistas têm exactamente o mesmo número de lugares.
Há, depois, um vereador da CDU, Rui Sá, que desempata o que quer e como quer. Rui Rio queria romper com a lógica dos executivos anteriores. Acabar com os compadrios, os esquemas turvos, a política de engana-tolos do foguetório e das reverências futebolísticas. Mas a intransponível aritmética dos lugares da vereação não lhe permite ir muito longe. Mesmo assim, podia tentar. Conquistar os seus objectivos com aquela dose de engenho que permite que algumas causas políticas sejam alcançadas sem que se perca o mais importante durante o percurso. É essa arte que gradua os políticos. Feita de instinto, de raciocínio e de emoção, de entendimento do verdadeiro sentido das coisas. Costuma-se-lhe chamar jeito. Raramente se aprende ou se ensina – do jeito, diz-se, que das duas uma: ou se tem ou não. Na cidade, Rui Rio engalfinhou-se com tudo ao mesmo tempo. Na ânsia de fazer melhor, perdeu a sabedoria da espera do momento, esqueceu o valor da oportunidade. Quis contestar sem proporção, guerrear sem estratégia. O resultado é uma cidade cada vez mais zangada consigo própria. Que constantemente se automutila no seu amor-próprio. Que somou à decadência, que a submerge há décadas, ressentimentos difíceis de superar.
Claro que resta sempre o enorme e raríssimo benefício de ver alguém indisputadamente sério à frente de uma autarquia local em Portugal. Mas se a honorabilidade de Rui Rio nunca foi posta em causa, já o mesmo não se poderá dizer de algumas das escolhas dos seus colaboradores. Por exemplo, não pode deixar de causar estranheza que quem fez do fim da promiscuidade entre a política e o futebol um cavalo de batalha – e muito bem – nomeie para dirigir a recuperação do comércio da Baixa (e consequente atribuição de avultados fundos comunitários do programa URBCOM) um ex-braço direito de Vale e Azevedo, uma pessoa sem qualquer currículo profissional noutra área que não seja a “grande” que consta nos relvados ou nos corredores de acesso aos balneários dos estádios de futebol; falo do senhor Álvaro Braga Júnior. São contradições entre o que se diz e o que se faz, como acontece neste caso, que tornam a cor da política homogeneamente baça e desmotivante.
Há, no entanto, uma figura que se destaca pela positiva. Alguém que marcou o Porto, no último ano, pela enérgica reviravolta que imprimiu à acção do executivo: o vice-presidente, Paulo de Morais. Temendo-o, a esquerda tornou-o no seu principal alvo. Moções de censura, protestos, manifestações pré-fabricadas. Agora querem retirar-lhe as competências. Mutilá-lo politicamente. Para que Rui Rio, privado do seu principal amparo, fique cada vez mais sozinho.
A esquerda não quer a queda de Rui Rio. Para já. Preferem que ele fique no poder mais um ano e meio, pelo menos. Tempo suficiente para se desgastar sem retorno em conflitos inconsequentes, em acordos mal cumpridos com a CDU, com o constante prenúncio de traição do CDS e com a resistência passiva da máquina burocrática do município. Querem Rui Rio numa espécie de morte lenta de impotência política. Mas, também neste tema, o PS também não está de acordo, internamente. Sentado no regaço do presidente do FCP, Nuno Cardoso quer eleições antecipadas já – será a única forma de as disputar, impedindo a candidatura mais sólida e intelectualmente superior de Francisco Assis. Este seria o candidato socialista mais que provável depois de esgotados os fogachos populistas de Cardoso.
Rui Rio terá de tomar uma decisão nos próximos meses. A escolha é entre permanecer ao sabor das circunstâncias originadas pelos outros, ficando manietado numa teia política de que não conseguirá libertar-se (e que a população não compreende), ou provocar os acontecimentos e liderar a saída da crise. Foi por perceber que a situação na Câmara do Porto está próxima do insustentável que Luís Filipe Menezes se “candidatou” na semana passada. Tratou-se de um esforço desesperado e desastrado de tentar provar que não poderá existir qualquer solução no Porto sem ele. O que não é verdade, como se demonstrou em Dezembro de 2001. Curiosamente, a vitória que levou à demissão de António Guterres pode ser a primeira a desmoronar-se. Mas, como avisadamente dizia um portuense ilustre (embora incompreendido): “Prognósticos? Só no fim do jogo.”
P.S. No domingo passado, no programa “Herman Sic”, foi feito o aviltamento público de um deficiente mental. O apresentador daquele programa, entronizado no papel de “bobo do regime”, divertiu-se às custas de um demente, aproveitando-se da sua incapacidade e por causa dela. Não estranho que o tenha feito, já que essa personagem há muito que se colocou para além da redenção. Apenas considero extraordinário o silêncio das associações de defesa de tudo e mais alguma coisa, das ligas de sei lá o quê, dos grupos de contestatários profissionais, das Igrejas, das Ordens, das corporações, sempre tão dispostas a sentenciar. Agora calam-se. De facto, está em causa um deficiente mental, apenas. Por isso pode ser alvo de troça. Impunemente.