2023/06/01

David Fonseca lança o seu mais recente livro “Histórias Possíveis”

A arte de contar histórias é um talento raro mas tão necessário no mundo da escrita como o simples acto de comer ou dormir. David Machado, vencedor do prémio Branquinho da Fonseca, revela uma simplicidade e organização ímpar na forma como escreveu o seu mais recente livro de contos “Histórias Possíveis”.

O engenho de um contador de histórias

A arte de contar histórias é um talento raro mas tão necessário no mundo da escrita como o simples acto de comer ou dormir. David Machado, vencedor do prémio Branquinho da Fonseca, revela uma simplicidade e organização ímpar na forma como escreveu o seu mais recente livro de contos “Histórias Possíveis”. O SEMANÁRIO esteve à conversa com o escritor para perceber o que faz um bom contador de histórias.

Num mundo cada vez mais globalizado, onde a reinvenção da forma de contar histórias abunda de forma desmedida, somos bombardeados com narrativas de uma complexidade parodoxal que nos fazem perder todo o interesse no objecto que temos em mãos.
David Machado, um jovem escritor de 31 anos que venceu o Prémio Branquinho da Fonseca 2005, pela Fundação Calouste da Gulbenkian/Semanário Expresso com o livro infantil “A Noite dos Animais Inventados” vem, felizmente, contrariar esta tendência da literatura mundial.
Dotado de um estilo despojado de qualquer pretensiosismo, próprio de alguém que escreve porque gosta e conta histórias porque tem necessidade de o fazer, David Machado lançou recentemente um livro de 16 contos intitulado “Histórias Possíveis”, editado pela Editorial Presença, revelando-nos o seu talento de contador de histórias exímio, cujas personagens são influenciadas por acontecimentos subtis que roçam o bizarro.
Costuma-se dizer que nada na vida acontece por acaso havendo um lugar e um tempo para que tudo aconteça. A forma como o autor tropeçou na escrita aconteceu de foma natural e pouco planeada, embora se tenha desenvolvido de forma consistente a partir do momento em que decidiu não continuar a enveredar pelo mundo da economia e da gestão, curso que tirou no Instituto Superior de Economia e Gestão.
A opção pelos contos acaba por acontecer através de um convite. “Tudo começou com o convite feito por um amigo para escrever contos para um suplemento de um jornal que, a posteriori, teria continuação. Isso acabou por não acontecer. Eu tinha escrito dois primeiros contos e imaginei que podia pegar noutras ideias que tinha num caderno e continuar a escrever contos semelhantes com o mesmo tom e o mesmo número de páginas, para depois apresentá-los a um jornal. E isso também não aconteceu. Foi então que comecei a pensar em escrever um livro esquecendo em definitivo o jornal.” No entanto, David assume que não foi uma experiência que tenha corrido da melhor forma embora admita que “acabou por ser muito importante pela forma como aprendi com os erros que se fazem na escrita, nomeadamente na construção das personagens e na forma como a história se desenrola. Acabei de forma natural por aprender a maneira lógica de contar uma história.”
Outra das marcas da sua escrita acaba por nos ser bastante familiar. Nos seus contos existe um profundo sentido de portugalidade, embora não o assuma de forma explícita, acabando, confessa, por ser um reflexo do binómio campo-cidade que viveu toda a sua vida. “Foi algo que eu vivi ao longo da minha vida sem que eu o tenha conscientemente introduzido nas minhas histórias. Quando escrevi «O Fabuloso teatro do Gigante», foram claras as referências à literatura sul americana, o que me levou a pensar que me poderiam acusar de escrever livros que não eram portugueses. Contudo, acabou por acontecer precisamente o contrário, dizendo-se que eu captava o que era ser português”.
Já no que diz respeito ao portugal rural, patente no conto “Nada Por nós Caetano” David refere as influências que remontam à sua infância passada no campo. “Esse conto é baseado na aldeia da minha avó, onde eu passei sempre as férias. No entanto, os nomes que dou às aldeias são fictícios. Para mim é mais fácil escrever sobre um lugar fictício porque me dá mais liberdade para escrever o que me apetecer”.
Os contos apresentados são feitos de forma milimétrica, obedecendo a uma economia de palavras sempre difícil de gerir para quem escreve histórias que não excedem cinco páginas, com excepção dos dois últimos. Uma das ferramentas passa pela apresentação das personagens através da acção. “A forma de apresentar a acção em primeiro lugar acaba por ser a melhor forma, a meu ver, de apresentar as personagens devido ao formato curto de história pelo qual optei. Isto acaba por colocar o leitor directamente na acção.”
Por fim David Machado optou pelo uso da terceira pessoa nas suas histórias. “Durante muito tempo não escrevi na primeira pessoa devido a um medo que tinha em começar a falar por mim, algo que eu não quero de forma alguma que aconteça. O que eu espero é que um dia consiga distanciar-me o suficiente de mim para escrever na primeira pessoa.”
Nas histórias que nos apresenta destacamos a sua sensibilidade em captar as idiossincracias destas personagens e na descrição que faz das relações personagens com o mundo que as rodeia, que não tendo vidas particularmente excitantes tornam-se especiais pela forma como a sua simplicidade nos é apresentada. Destacamos nesse sentido ” Acostura de Clemente sobre uma costureira que acaba por ser uma espécie de cirurgiã, ou a história sobre um simples empregado de armazém que se torna no maior violinista do mundo, não por uma vontade mas por uma necessidade imperativa.

Contos Infantis

Além deste seu último livro, David Machado tem também mais um livro nos escaparates intitulado “O Fabuloso teatro do Gigante”, igualmente editado pela Editorial Presença, e um série de contos infantis. Esta sua actividade leva-o muitas vezes a estar na presença de crianças com as quais partilha experiências. Embora refira que é um processo interessante a forma espontânea com que as crianças reagem às conversas, considera que seria algo que faria facilmente com adultos.
“A minha relação com as crianças acaba por ser muito casual. Eu escrevi o meu primeiro conto infantil devido a um concurso de contos infantis (Prémio Branquinho da Fonseca). Quando concorri não foi por serem contos infantis. Encarei-o como sendo um pré-requisito que tinha de ser cumprido. Da mesma fora que participei num concurso em que o tema era a velhice ou num da Câmara Municipal de Lisboa em que tinha de escrever sobre a cidade”.
“Não é pelo facto de ir à escolas que excrevo melhor os contos infantis. Contudo, acaba por ser muito importante porque se torna gratificante saber que o livro não pára no momento em que ponho um ponto final. O livro é estudado nas escolas, fazem-se peças de teatro, desenhos, esculturas. Acabamos por partilhar experiências através de conversas. Isso é muito bom. Podiam ser graúdos, embora acabe por ser mais engraçado pelo facto das crianças serem muito espontâneas”.
É com satisfação que vemos David Machado no mundo da literatura. Uma lufada de ar fresco que nos recorda, através do seu engenho, o prazer que temos em ler boas histórias.

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