2025/07/05

A desagregação do Estado e o terrorismo em Silves

Jorge Coelho não tem dúvidas: a situação é da maior gravidade e vai haver punições na GNR. “Foi a GNR que falhou operacionalmente e tem de haver responsáveis”, disse ao SEMANÁRIO o conselheiro de Estado e antigo ministro com a tutela sobre as forças policiais. A invasão da Herdade da Lameira, filmada pela televisão, com a polícia a assistir, tornou-se, subitamente, naquilo que o Estado não pode ser nem permitir. Fez lembrar as ocupações do Verão Quente. Um acto terrorista que obriga à intervenção do Ministério Público. Mas também um sinal de que a autoridade do Estado está em causa e que a lei não é cumprida em Portugal. Marcelo Rebelo de Sousa, logo na segunda-feira, na entrevista ao “Diário Económico”, explicava: “Há uma certa desmistificação daquilo que era um dos trunfos fundamentais de José Sócrates: sentido de autoridade, liderança, determinação.”

Subitamente, o Estado começou a desfazer-se. A falta de autoridade que José Sócrates tinha reparado, logo no início do seu mandato, e que justificou algum endurecimento disciplinar, acabou por surtir o efeito contrário. Desde o PREC que não víamos a polícia a assistir sem agir à invasão e destruição da propriedade privada em Portugal. Era a terra de um português pobre do Algarve. Se tivesse sido de um estrangeiro, seria um escândalo mundial.
Nada é mais formador da maneira de ser português que a sua própria propriedade privada. Ainda que os bens da Igreja tenham sido confiscados por duas vezes nos últimos trinta anos, sempre que se chegou à propriedade privada os regimes caíram. Porquê? Porque foi aqui que começou o primeiro capitalismo. Foi aqui, com o financiamento do corso e da pirataria, mas sobretudo da aventura marítima para o Norte de África e depois para o resto do mundo que o capitalismo financeiro e comercial teve as suas raízes, por muito que isso custe a Braudel.
É essa essência de ganhar na terra parte do quinhão que Deus nos reservou no céu que fez os portugueses, para além da moral da “Imitação de Cristo”. E quem não entendeu isso não entendeu também qual a razão de um Estado com mais de oitocentos anos e a razão por que os portugueses são nação e são independentes. Ou seja, não é um estadista.

Quatro problemas

Há quatro questões fundamentais na história da invasão da Herdade de Silves, alegadamente por causa dos transgénicos. Em primeiro lugar, estamos perante um acto terrorista. Trata-se de uma organização criminosa, que aterrorizou um lavrador e que lhe invadiu as terras e destruiu as culturas.
Não eram culturas de cannabis ou marijuana, muito elogiadas na primeira página do “Diário de Notícias” de segunda-feira, as dos Açores (Pico) por serem de grande qualidade, segundo os holandeses alegadamente especialistas no consumo dessa produção ilícita. Não. Não era crime. Era a produção de milho devidamente autorizada pelo Estado e cuja produção havia mesmo já sido paga pelo Estado ao agricultor.
É como é isto possível. É possível por causa do ambiente de desagregação do Estado que se vive em Portugal. E não se pode diminuir o acontecido. Atacou-se a propriedade privada e, chamada a intervir, a GNR não fez nada e deixou que a destruição terrorista acontecesse.
Chegamos à segunda questão politicamente relevante: a GNR sempre que é chamada a intervir tem medo das populações. Assistimos a isso em Barrancos, com os toiros, onde a autoridade do Estado foi colocada em causa e a GNR não fez nada para impedir a violação da lei. As polícias ao fim de trinta anos estão traumatizadas, por terem servido o regime político anterior. A GNR, com os comandos incompetentes que tem tido, não serve portanto para nada. Quando há populações não actua. Não é por questão de bom senso. É porque é incompetente, porque ela e o seu ministro da tutela (no caso António Costa foi até ao mês passado o responsável pela GNR) não tem a menor noção do que é o Estado e do que é a autoridade do Estado e do bem público que ela representa, enquanto garantia da paz e da segurança no país. Não há cultura política no Estado nem nas polícias. Elas não sabem o que é essencial e o que é acessório num Estado democrático e de Direito.

Ministro leva dois dias para inquérito
e Cavaco Silva só intervém quatro dias depois

No Estado totalitário elas serviam o Governo e a União Nacional, “mesmo que isso significasse bater em estudantes que protestavam contra o regime”. A GNR, uma espécie de guarda de aparato monárquico como os republicanos sempre gostaram de imitar, não serve para nada. Já não servia no regime anterior. E, agora, sempre que há desordem pública, não actua. Não sendo possível transformá-la numa força militar, seria melhor acabar com a GNR, e o exemplo dado demonstra que é uma polícia sem capacidade e que não serve para cumprir as suas obrigações estatutárias. (Não nos esqueçamos das tropas especiais, com enquadramento militar, que honram o nome de Portugal no Mundo). As chefes não servem, a polícia abusa do poder em algumas situações e quando deve actuar não actua – curiosamente sempre em prejuízo dos mais fracos.
A terceira questão levantada pela invasão da propriedade de Silves tem a ver com a ausência de uma resposta política imediata pelo chefe de Estado e pelo chefe do Governo. Na sexta-feira, ninguém percebeu muito bem o que se passava. No sábado, era o PSD que percebia a enorme gravidade do acto terrorista praticado e a gravidade da desordem em face do Estado democrático. Foi o vice-presidente do PSD, Macário Correia, e depois Luís Marques Mendes que pediram um inquérito rápido. O ministro do Interior, aparentemente, não percebeu o problema e mandou dizer que faria um inquérito. Aliás, o ministro da Administração Interna, que levou uma semana para decidir se aplicava multas a quem conduzisse depois de tomar um Prozac, levou dois dias a dizer que faria um inquérito e – percebendo o embaraço – quatro dias para vir a público dizer que o comportamento da GNR, que todos vimos nas imagens de televisão, foram irrepreensíveis na sua actuação.
Mas, que assunto mais grave que este pode existir para a intervenção do Presidente da República? Não será um sinal de desagregação do Estado as polícias assistirem à invasão da propriedade como no tempo das ocupações selvagens na reforma agrária a questão mais grave do regime, aquela mesma que levou ao 25 de Novembro? Cavaco Silva não percebeu. E não percebeu curiosamente no mesmo dia em que, em entrevista ao “Diário Económico”, Vasco Pulido Valente apontava o dedo a Cavaco Silva e a José Sócrates, dizendo exactamente nessa manhã o que à tarde assistíamos: que não tinham consistência, que não tinham profundidade, que não tinham a menor ideia do que fazer com o País. Premonitório. Pulido Valente poderia acrescentar: nem mesmo ideia de País pareciam ter.
Só às 13 horas e 36 minutos de segunda-feira é que, finalmente, Cavaco Silva aparecia na Lusa a dizer que a lei é para ser cumprida.
O Presidente da República apelou às autoridades competentes para que investiguem a invasão e destruição da exploração de milho transgénico em Silves, na passada sexta-feira, sublinhando ser necessário que “não reste qualquer dúvida de que a lei é para ser cumprida”.
“A violação de propriedade privada é uma violação da lei e espero bem que as autoridades competentes não deixem de fazer as investigações necessárias”, afirmou Cavaco Silva, que falava em Albufeira, à margem de uma cerimónia de homenagem a 200 autarcas algarvios
Para o chefe de Estado, “não podem restar quaisquer dúvidas de que lei em Portugal é para ser cumprida e quem tem o poder para a fazer cumprir não pode deixar de utilizá-lo”.

Governo manda avançar Jaime Silva

Percebendo o crescer da situação, Sócrates, já em Lisboa, dá ordens ao seu ministro da Agricultura, de férias no Algarve, para que avançasse de imediato para o terreno e prometesse ao proprietário apoio jurídico (algo aparentemente ilegal, de acordo com a Ordem dos Advogados, mas que indicia a vontade do Governo em indemnizar integralmente o proprietário-vítima). O Ministério da Administração Interna reafirmava que era “inaceitável” a “destruição de bens patrimoniais alheios” na plantação e confirmava o anúncio de uma investigação ao caso e, à tarde, o ministro da Agricultura, Jaime Silva, visita a Herdade da Lameira.
Entretanto, segundo o DN, o Ecotopia – encontro internacional que decorre em Aljezur e de onde saíram jovens que participaram na destruição de um hectare de milho transgénico, numa herdade em Silves – foi apoiado pelo Instituto Português da Juventude (IPJ). No portal http/juventude.gov.pt, estava destacado na agenda de eventos, na categoria de formação e educação. “19.ª Edição do Ecotopia: é ecológico e é um acampamento internacional! Participa!”, aconselha a página destinada aos jovens.
Contactada pelo DN, a presidente da instituição, Helena Alves, garantiu que o IPJ apenas recebeu um pedido para a divulgação e que não deu apoio financeiro ao Ecotopia. “Limitámo-nos a publicitar o evento, recebemos um pedido através de uma instituição idónea, a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa”, porque é desta faculdade que parte o Gaia – Acção e Intervenção Ambiental, responsável português pela organização do Ecotopia.
No sítio do Gaia surge novamente o logotipo do IPJ e de outras instituições governamentais como o Instituto do Ambiente e o Programa de Apoio às Associações Juvenis (PAAJ). Mas questionada sobre se esta associação recebe dinheiros públicos, Helena Alves diz não ter essa indicação. “Patrocinamos mais de 900 associações, mas penso que não”, refere, acrescentando que o logotipo pode estar na página devido a patrocínios de anos anteriores.
A presidente do IPJ afirmava que vai esperar para ver se a Faculdade de Ciências e Tecnologia retirava o apoio à associação e só aí repensaria o patrocínio. “É uma entidade idónea, serão eles os primeiros a intervir se for caso disso”. Mas admite também retirar o evento do sítio do IPS se as autoridades identificarem uma relação causa-efeito entre o evento e a destruição de propriedade em Silves. “Até agora, não tenho nenhuma confirmação, mas terei de repensar se se confirmar que [o movimento] veio de lá, até porque estamos no sítio a aconselhar a iniciativa.”
Espantoso!

Uma organização do BE com métodos do PCP?

Quem estaria por detrás dos “terroristas verdes” que agora apareciam? Verde Eufémia? Lembrava até no nome as ocupações comunistas. Politicamente, o Partido Comunista é o responsável pela organização infiltrada nas Universidades e no Estado. Não era novo, nem sequer o método era original. As ocupações de terras com televisão a filmar e a GNR a assistir são velhas de trinta anos. Também os jornalistas aplaudiam ou não criticavam o crime em directo. Pelo menos o método é do PCP nos anos quentes de 1975. Tal como agora, transmitido até pela televisão pública (aliás, como então). Gualter Baptista, porém, apareceu nas listas do Bloco de Esquerda e muitos dos participantes no espectáculo terrorista eram estrangeiros, aliás sem documentos e não identificados pela GNR.
O próprio Governo não tem dúvida: a iniciativa está ligada ao Bloco de Esquerda e o apoio de Miguel Portas é inequívoco. Uma afirmação que levou Francisco Louçã a exigir ao primeiro-ministro que se demarcasse da afirmação do seu ministro, mas que ficou sem resposta.

A irresponsabilidade de Miguel Portas

Tal como no PREC o “grupo terrorista” reagia do mesmo modo. Gualter Baptista, como porta-voz do movimento Verde Eufémia, reagiu ao anúncio feito pelo Ministério da Administração Interna da abertura de uma investigação ao caso, afirmando tratar-se de “uma perseguição política” e “uso indevido dos dinheiros públicos”, que deviam estar a ser aplicados na causa contra os transgénicos. O movimento escusa-se a avançar com um calendário de novas iniciativas, mas Gualter Baptista lembra o comunicado em que se incentivava a sociedade civil a aderir à causa e a organizar-se. “Dependerá dos cidadãos que se queiram organizar.”
Depois chegamos ao quarto problema levantado pelo crime. O apoio a actos que aterrorizam populações e que criam grave alarme social, dando a sensação de total ausência do Estado para proteger a propriedade e os cidadãos. Começou, logo, por Miguel Portas. Miguel Portas – curiosamente, com o seu irmão Paulo em silêncio – faz lembrar o pai Nuno Portas, igualmente romântico e perigoso, cujo tipo de actuação nos governos provisórios, aparentemente, só a idade lhe veio resolver.
O apoio ao terrorismo por parte de um responsável do Bloco de Esquerda coloca imediatamente dois problemas ao PS: em primeiro lugar, é insustentável uma coligação em Lisboa com um partido que apoia o terrorismo. Em segundo lugar, o PS, em 2009, não pode contar com o BE se necessitar de uma bengala para chegar à maioria absoluta.
Talvez isso explique o silêncio de Paulo Portas, que obviamente percebeu bem a gravidade da situação: quanto mais o BE se afundar, mais Sócrates precisará do CDS/PP, caso perca a maioria absoluta em 2009. Mas há depois o problema da Câmara Municipal de Lisboa. Pode o partido do Governo ter uma coligação com um pequeno partido escassamente representativo que apoia o terrorismo?
Foi isso mesmo que também Francisco Louçã viu e por isso o Bloco tem agora uma nova tensão interna. Com Louçã a tentar chegar ao Governo e Miguel Portas a apostar em continuar fora do Estado de Direito.

Punição exemplar para a GNR

Do lado das polícias começaram a aparecer as desculpas. Reagindo às acusações de passividade das forças policiais, que têm sido lançadas pelo PSD e pela Confederação dos Agricultores de Portugal – num caso que já adquiriu uma dimensão política, Costa Lima diz que a GNR fez o que devia ter feito face às circunstâncias. “Não foi necessário recorrer à força, porque assim que os agentes ordenaram a paragem da acção de destruição, os activistas obedeceram, sem mostrar resistência.” Face à desproporção numérica entre polícias e invasores, a ordem não chegou, porém, ao mesmo tempo, a todos os activistas, que já se encontravam imersos num vasto milheiral de mais de um hectare.
É então que são chamados reforços policiais, que terão chegado – de acordo com a mesma fonte – “no máximo dez minutos depois”. Mas, antes da chegada dos reforços, 16 efectivos, apareceu um outro autocarro, acompanhado de algumas viaturas ligeiras, perfazendo um total adicional de cerca de 100 activistas. Segundo Costa Lima, “esta segunda vaga de pessoas vinha preparada para continuar o trabalho começado pelo primeiro grupo, mas já não chegou a entrar no campo, pois os agentes ali deslocados já tinham normalizado a situação, antes mesmo da chegada dos reforços”. Ou seja, a GNR sustenta que, apesar de não ter sido capaz de evitar a destruição de um hectare de milho transgénico, “impediu que a devastação fosse maior”.
Quanto à indignação manifestada por alguns sectores da sociedade pelo facto de não ter havido detenções em flagrante delito e de só seis portugueses terem sido identificados – quando a maioria dos manifestantes era estrangeira -, o porta-voz da GNR disse “que foram identificadas as pessoas que os agentes consideraram ser responsáveis pela organização”, acrescentado que “o auto de notícia já seguiu para o Ministério Público, contendo todas as informações relevantes”.
Mas, do lado do PS, há uma certeza, ao que o SEMANÁRIO apurou. Vai haver punição exemplar na GNR dos responsáveis logísticos pela operação. Foi o planeamento da GNR que falhou e “tem de haver responsáveis”, disse Jorge Coelho ao SEMANÁRIO, indignado com a gravidade dos acontecimentos.

Argumento dos terroristas

Esta questão vai finalmente ter ao procurador-geral da República, que naturalmente deverá investigar os actos e acusar os terroristas, bem como todos aqueles que os apoiam, já que o apoio público a actos terroristas é crime no nosso ordenamento jurídico.
Igualmente a tentativa de explicação ou de atenuação do sucedido deverá ser condenada e acusada publicamente. Por exemplo, o Governo vai disciplinarmente actuar contra Margarida Silva, coordenadora da Plataforma Transgénicos fora do Prato, que disse à Lusa que “não nos revemos nos métodos, mas compreendemos os motivos”. Mesmo assim, Margarida Silva não deixa de se congratular com o impacto da iniciativa. “Há anos que nós contestamos os transgénicos com razoabilidade e nunca conseguimos este mediatismo”, diz, esperando que tal contribua para abrir o diálogo.
É, exactamente, o argumento dos terroristas.
Com o crescendo da questão política, o próprio grupo Verde Eufémia começou a desvalorizar o caso.
Igualmente, os militantes do BE envolvidos no acto terrorista devem ser condenados por terrorismo e associação criminosa.

Verde Eufémia diz que ceifa de milho OGM quis “evitar um mal maior”

Gualter Baptista, porta-voz indicado mas que não faz parte do movimento nem participou na acção, explicou que no protesto participaram entre 130 e 140 cidadãos que se mobilizaram contra o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGM), numa estratégia de acção directa e desobediência civil.
“A acção consistiu na ceifa de menos de um hectare de milho, num total de 51 hectares, e numa parada desde Poço Barreto até ao campo de milho”. Além disso, o movimento ofereceu ao agricultor em causa milho biológico suficiente para reconverter os 51 hectares em agricultura biológica. “A proposta continua em cima da mesa”, disse.
O porta-voz garantiu que “o protesto não foi contra o agricultor em particular”.
O movimento nega, em comunicado, “categoricamente que qualquer violência física tenha sido aplicada por qualquer dos activistas” e elogia a “forma adequada como a autoridade actuou à chegada ao local depois da ceifa e de se deparar com os activistas saindo do campo por sua própria iniciativa, embora atacados fisicamente pelos agricultores”.
“No nosso entender, foram esgotadas todas as medidas políticas e judiciais na tentativa de defender os direitos de bem-estar, sociais e ambientais dos cidadãos, o que levou a considerarmos como única restante opção a aplicação de estratégias que vão para além das fronteiras legais. Estratégias de desobediência civil tornaram-se uma ferramenta necessária para produzir mudanças adequadas.”
Em 2004, a Junta Metropolitana declarou o Algarve a primeira zona livre de transgénicos em Portugal. “Mesmo assim, foram introduzidos na região cultivos transgénicos por iniciativa privada de um agricultor”, escreve o movimento no comunicado.

Movimento lança críticas à legislação sobre transgénicos

O Verde Eufémia – que, nas palavras de Gualter Baptista, é um “movimento de cidadãos que não tem uma estrutura” – justificou a acção com a necessidade de se “evitar um mal maior”. “As legislações nacional e comunitária não foram feitas para salvaguardar interesses fundamentais dos cidadãos”, considerou, lembrando que no espaço europeu serão 70 por cento os consumidores que disseram “não” aos transgénicos.
O porta-voz do movimento criticou o papel da Comissão Europeia na defesa dos interesses da indústria agro-biotecnológica e lembrou que, recentemente, Bruxelas rejeitou uma petição de um milhão de cidadãos que pedia a rotulagem nos animais e produtos derivados alimentados com ração OGM.
Gualter Baptista lamentou ainda que a Comissão tenha feito aprovar, com o voto contra do Parlamento Europeu, a directiva comunitária sobre a certificação de Agricultura Biológica, em que os produtos podem conter até 0,9 por cento de transgénicos, quando o defendido seria 0,1 por cento.
No rescaldo do protesto e perante as reacções políticas, incluindo do Presidente da República, o movimento lamenta que a tónica seja colocada no “aspecto criminal” em vez de num “verdadeiro debate” sobre transgénicos.
Gualter Baptista sublinhou que o Ministério da Agricultura está em falta ao não divulgar a informação completa sobre os campos transgénicos, conforme está previsto na legislação, e ao não fazer a avaliação da contaminação dos transgénicos. Segundo o porta-voz, já estão plantados em Portugal quatro mil hectares de transgénicos.
“O movimento Verde Eufémia não é um movimento que se esconde, mas que está aberto à participação da sociedade”, garantiu Gualter Baptista.

Negócio na CML – Sá Fernandes vai controlar Júdice

O acordo político estabelecido entre António Costa e José Sá Fernandes prevê que o vereador do Bloco de Esquerda possa vetar as propostas do Governo para a zona Ribeirinha de Lisboa, que ficará entregue a uma “holding” presidida por José Miguel Júdice e que será aprovada em Conselho de Ministros na rentrée política, em Setembro. Mais um embaraço para o Governo de José Sócrates causado pelo voluntarismo de Costa.

António Costa tomou posse quarta-feira como presidente da Câmara Municipal de Lisboa, numa cerimónia muito concorrida, com o Salão Nobre do edifício totalmente cheio, o dobro das pessoas que estava há dois anos quando Carmona Rodrigues tomou posse, e com um calor abrasador no interior da sala, que fez correr muito suor no rosto de convidados, vereadores e presidente.
A eleição do antigo número dois do Governo de Sócrates ficou marcada pela abstenção, a maior de sempre em Lisboa, com 62.8 por cento dos Lisboetas eleitores a não irem às urnas. A 15 de Julho, o PS elegeu 6 vereadores, a lista encabeçada por Carmona Rodrigues 3 vereadores, o PSD também 3 vereadores, a lista liderada por Helena Roseta 2 vereadores, o PCP igualmente 2 vereadores e o BE 1 vereador, José Sá Fernandes. Dos resultados das eleições intercalares ficou a necessidade de se proceder a coligações pós-eleitorais e encontrar um executivo camarário estável, de modo a assegurar a governabilidade nos próximos dois anos de mandato.
O acordo político entre o Bloco de Esquerda e António Costa, que Helena Roseta e Ruben de Carvalho já recusaram, é mais um embaraço para o governo de José Sócrates, que pretende nomear José Miguel Júdice para gerir as três empresas que ficarão responsáveis pelo reordenamento da zona ribeirinha de Lisboa e Oeiras. Sá Fernandes vai ficar com o pelouro do ambiente na CML e dentro clausulas não escritas do acordo com o Bloco de Esquerda, Costa aceita que Sá Fernandes fiscalize os negócios da zona ribeirinha, que o governo quer transferir para as empresas de Júdice. Mais, no âmbito deste entendimento é referido explicitamente que a Câmara exigirá que qualquer intervenção na frente ribeirinha seja precedida de aprovação pela Câmara, o que confere ao vereador do Bloco um papel decisivo na gestão dos projectos à beira rio.
Tal como aconteceu quando era ministro da Justiça do Governo Guterres e avançou com as escutas telefónicas para permitir o combate ao terrorismo e que afinal apenas serviu para o processo de pedofilia da Casa Pia, e tal como aconteceu quando ministro da Administração interna e decidiu intervir na estrutura de combate a incêndios e destruiu todo o comando operacional nos anos de maior intensidade de fogos no país, mais uma vez o excesso de voluntarismo de António Costa parece estar a embaraçar o PS e o primeiro-ministro José Sócrates, que pretendia tomar as rédeas da recuperação da zona ribeirinha de Lisboa contando para isso, como o SEMANARIO avançou, em primeira mão, com José Miguel Júdice.
Ao fazer um acordo com José Sá Fernandes, António Costa pretendia comprar o silêncio do Bloco de Esquerda, responsável pela desestabilização da anterior maioria. Só que Sá Fernandes, não só não assegura o Orçamento à minoria socialista na vereação, como promete fazer uma fiscalização aos negócios na zona Ribeirinha igual à que fez aos da Braga Parques.
Nos próximos dois anos, diz-se no PS, a CML vai mesmo ficar paralisada. Para além de Costa não ter assegurado a maioria dos vereadores na CML, o que o obrigará a acordos pontuais em cada matéria, o problema mais sensível é ainda a coabitação com um uma maioria do PSD na Assembleia Municipal.
Paula Teixeira da Cruz, presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, órgão que não foi a votos dia 15 de Julho e no qual o PSD dispõe de uma maioria, prometeu uma “lealdade institucional” ao novo executivo. Na cerimónia da tomada de posse, na quarta-feira, Paula Teixeira da Cruz, que na semana passada tinha almoçado com o presidente eleito da Câmara de Lisboa, mostrou-se disponível para uma cooperação institucional entre os dois órgãos. Do lado do PSD há a consciência que a situação da câmara exige rigor da parte de todos e António Costa poderá sempre contar com uma atitude leal da Assembleia Municipal para resolver os problemas financeiros da Câmara. Ou seja, Costa terá o voto do PSD para corrigir a situação financeira da autarquia, mas não pode usar a Câmara Municipal para campanhas eleitorais, com vista a uma vitória em 2009, ano de eleições autárquicas. É o preço do Bloco Central na Câmara da Lisboa.
A presidente da Assembleia Municipal foi a única protagonista dos social-democratas a intervir. No seu discurso dedicado à necessidade de combater a corrupção, Paula Teixeira da Cruz deixou um aviso: “haverá tanta lealdade na concordância como na discordância”. Aos presentes, a presidente da Assembleia Municipal deixou ainda o alerta para os “blocos de interesses instalados na cidade, que a divorciam do cidadão comum”.

Costa consciente das dificuldades

O novo presidente da Câmara de Lisboa está consciente que o apoio de Paula Teixeira da Cruz pode ser, do mesmo modo, uma tábua de salvação para a sua vereação, mas também o seu próprio enterro, tendo bem presente o que aconteceu a Mário Soares, no fim do Bloco Central, em 1985, quando Cavaco Silva ganhou as eleições depois do acordo com o Fundo Monetário Internacional executado nos anos anteriores.
De certo modo, a margem de manobra de António Costa é a mesma que Mário Soares tinha em 1983, aquela que o FMI lhe dava e que agora se traduz pela cooperação institucional de Paula Teixeira da Cruz, comenta-se dentro do PS. Consciente das dificuldades, Costa tentou até ao último momento incluir no acordo com o Bloco de Esquerda o PCP e o grupo de “Cidadãos por Lisboa”, de modo a poder fazer exigências públicas à Assembleia Municipal, tendo em atenção o Orçamento do próximo ano.
Era, por um lado, uma maneira de conseguir limitar o protagonismo perigoso e não previsível de Sá Fernandes e, por outro, diminuir o peso do Bloco no acordo permitiria depois desvalorizar eventuais rupturas que o Bloco de Esquerda tente protagonizar para obter espaço politico e identidade própria antes do próximo processo eleitoral, agendado para Outubro de 2009.

Carmona afastado pelo PS

A possibilidade de aproximação de António Costa a Carmona Rodrigues ficou logo excluída pelo presidente da Câmara, visto que no seio do Partido Socialista surgiram imediatamente vozes a denunciarem a imoralidade do negócio com o antigo presidente da edilidade. Costa foi obrigado para comprar a paz no PS e sobretudo o acordo com o Bloco de Esquerda, a distanciar-se de Carmona Rodrigues.
Recorde-se que todos os vinte e oito processos referentes ao urbanismo na Câmara Municipal de Lisboa passaram agora a ser directamente tutelados pela Procuradora geral adjunta Maria José Morgado, que deixa o processo “Apito Dourado” em Setembro próximo. Em alguns destes processos de Carmona Rodrigues e vereadores da sua lista, como Marina Ferreira, poderão ter que responder em Tribunal e, deste modo, seria embaraçoso para Costa depender politicamente desses vereadores acusados judicialmente.
No PS a intriga vai ainda mais longe. Os socialistas criaram mesmo uma maneira de impedir que Costa conseguisse fazer uma maioria estável, obrigando politicamente o edil de Lisboa a estar todos os dias sobre pressão para conseguir gerir a CML e garantir condições para uma recandidatura em 2009.
Depois de resultados fracos – com menos 14 mil votos dos que obteve Manuel Maria carrilho e beneficiando ainda da maior abstenção de sempre – Costa é considerado ferido mortalmente em termos políticos, pelo que a guerrilha a Sócrates poderia ser o único caminho para o antigo número dois do Governo voltar à ribalta. Única esperança dos sampaistas, definitivamente em declínio dentro do PS, António Costa não deve ser contudo menosprezado, consideram fontes social-democratas. Para o PSD na Câmara de Lisboa, Costa é um político com experiência e com muita capacidade e iniciativa, pelo que será sempre um adversário político de peso.

Sá Fernandes nega ter afastado acordo

Entretanto, o vereador da câmara de Lisboa José Sá Fernandes disse ontem que nunca afastou a hipótese de acordos com o candidato socialista António Costa durante a campanha eleitoral para as eleições intercalares, em reacção às críticas de Helena Roseta, que já abandonou a presidência da Ordem dos Arquitectos para se dedicar à vereação a tempo inteiro, que acusou o candidato apoiado pelo Bloco de Esquerda de dizer uma coisa e fazer outra.
Num jantar com apoiantes, na noite de quarta-feira, Helena Roseta voltou a dizer que não está disponível para trocar lugares por compromissos com António Costa e exigiu um pedido de desculpas ao vereador eleito pelo Bloco de Esquerda, acusando-o de dizer uma coisa e fazer outra.
José Sá Fernandes respondeu à candidata independente, afirmando que ela não percebeu o que foi dito na campanha e sublinhando que apenas prometeu não fazer acordos com Carmona Rodrigues, antigo presidente da autarquia.

“Solidariedade institucional” com AM e “diálogo”
com vereadores

Há margem da polémica e tentando ter o apoio de mais forças políticas, o novo presidente da Câmara de Lisboa afirmou na sua posse que terá “solidariedade institucional” com a Assembleia Municipal e “disponibilidade de diálogo” para trabalhar com todos os vereadores.
No discurso de cerimónia de tomada de posse, António Costa dirigiu-se à Assembleia Municipal de maioria social-democrata garantindo que aquele órgão poderá contar “com um escrupuloso respeito das competências, a maior diligência na satisfação de todas as informações solicitadas e uma leal solidariedade institucional”.
O autarca lembrou os onze anos em que foi deputado municipal – entre 1982 e 1993 – mandatos em que aprendeu “a importância do papel da Assembleia, em particular no acompanhamento e fiscalização da acção do executivo”.
Dirigindo-se aos vereadores, afirmou estar consciente de que lhe é exigida “abertura de espírito, disponibilidade de diálogo, vontade para estabelecer pontes entre todos”. “É o que tenho feito e da minha parte podem estar certos de que assim continuarei a fazer”, sublinhou. Apesar do acordo anunciado entre o PS e o Bloco de Esquerda, os socialistas permanecem em minoria no executivo municipal precisando da colaboração de mais dois vereadores para governar em maioria.

Governo em peso na cerimónia

No Salão Nobre do município totalmente cheio, o número elevado de ministros e de secretários de Estado presentes na cerimónia e que fizeram questão de manifestar o seu apoio público a António Costa não passou despercebido. A ouvir o recém-empossado presidente da Câmara Municipal de Lisboa prometer uma “relação de cooperação estratégica” com o Governo estavam sete ministros e mais de uma dezena de secretários de Estado. Com José Sócrates no Algarve em férias, coube a Pedro Silva Pereira, Luís Amado, Vieira da Silva, Rui Pereira, Nunes Correia, Manuel Pinho e Correia de Campos manifestarem a solidariedade pública do Governo para com o presidente da capital do país.
Costa referiu ainda no seu discurso a necessidade de “pôr a Câmara a funcionar e preparar o futuro”. O presidente da CML definiu os dois anos de mandato como sem espaço para “grandes obras”. Acima de tudo, Costa prometeu rigor na gestão financeira e urbanística. António Costa sublinhou a vontade de mudar, salientando que “os lisboetas votaram na mudança”.
Segundo o presidente da câmara da capital, este será o tempo do “saneamento financeiro, o tempo do esclarecimento e resolução dos diversos casos urbanísticos que mancharam a credibilidade do município, o tempo de uma acção firme e determinada para pôr termo ao desleixo e desmazelo que foram tomando conta da cidade”. Os próximos dois anos servirão também, de acordo com o autarca socialista, para “preparar o futuro”, com o relançamento do “planeamento estratégico” e a conclusão da revisão do Plano Director Municipal. “Preparar a reorganização administrativa da cidade e criar uma verdadeira estrutura de governo metropolitano”, foram outras das medidas anunciadas por António Costa.

“As pessoas estão cansadas dos jogos político-partidários”

Helena Roseta, candidata independente à Câmara Municipal de Lisboa, defende, em entrevista ao SEMANÁRIO, uma maior participação dos cidadãos à frente dos destinos da autarquia, bem como uma efectiva reabilitação da cidade, mostrando-se também contra um eventual fecho do aeroporto da Portela.

Em que medida é que a sua candidatura à CML poderá ser uma alternativa e trazer algo de novo à cidade?
É uma alternativa porque acho que as pessoas chegaram a um ponto, em que estão um pouco cansadas dos jogos político-partidários, tal como tem acontecido. A câmara cai porque os partidos não se entenderam, por haver um clima de suspeição e porque se chegou a uma situação de colapso financeiro. Portanto, acho que é preciso mudar de atitude, mudar de equipa, mudar de gente e sobretudo mudar de maneira de trabalhar e é isso que a minha candidatura propõe. Ela foi viabilizada por 5550 assinaturas, por isso estou aqui com essa legitimidade e aquilo que tenho estado a propor é a necessidade de encontramos um núcleo de medidas de emergência, para aplicar na câmara e na cidade, que permitam inverter o rumo.

Pode enunciar as principais prioridades/projectos da sua candidatura à CML?
A minha candidatura resume-se a duas propostas: reabilitação e participação. Entendemos a reabilitação da cidade como um todo e não apenas a habitação, os fogos devolutos, mas também o espaço público, as ruas, os espaços verdes, reabilitar o próprio sentimento de nos sentirmos agradados e satisfeitos de viver nesta cidade e isso implica uma quantidade enorme de medidas, mas sobretudo mais uma vez uma atitude, porque temos pouco dinheiro e não podemos fazer megaprojectos e essa atitude é o que chamamos de “acupunctura urbana”, ou seja, conseguirmos fazer muito, com pouco dinheiro, independentemente da dívida e que possa ter resultados. Outra coisa que propomos, e que é um traço distintivo da nossa candidatura em relação às restantes, é o problema da participação dos cidadãos, pois toda a gente fala na participação, mas a única candidatura que é realmente participada, desde a sua base e desde a sua origem é esta, tendo inclusive reflexos no nosso programa. Nós estamos já a praticar aquilo que defendemos, que é a participação das pessoas, quer na candidatura e no nosso programa, pois hoje em dia não é possível governar uma cidade, sem que os cidadãos sejam uma parte activa na governação, é isso que ninguém conseguiu fazer até agora e que nós achamos que é imprescindível.

Como caracteriza a gestão autárquica em Lisboa, levada a cabo pelo último executivo?
Acho que chegamos a um ponto de ruptura financeira, não apenas por responsabilidade pelos últimos dois anos, mas por uma responsabilidade acumulada. A câmara chegou a uma situação de desequilíbrio estrutural e está numa situação de desgoverno. Precisamos de agir imediatamente sobre as dívidas imediatas, as de curto prazo, mas precisamos sobretudo de fazer uma reestruturação geral do orçamento da câmara. Temos que baixar a despesa e aumentar a receita. Temos de baixar a despesa sobretudo na contratação de serviços externos, nas assessorias políticas, pois são as coisas onde é preciso cortar. Temos que aumentar a receita, sobretudo com uma melhor cobrança dos impostos municipais, pois há taxas que são cobradas com muito atraso. Há aqui uma quantidade enorme de gente que não está a cumprir o seu dever em relação à cidade. Quanto às medidas de emergência, penso que não há nenhuma maneira de talhar uma situação de asfixia financeira. Vai ter de se declarar a ruptura financeira da câmara e já se devia ter feito isto, por iniciativa do anterior presidente, Carmona Rodrigues, que não o fez. A primeira coisa a fazer, para quem ganhar as eleições, deverá ser fazer uma proposta à Assembleia Municipal e declarar a ruptura financeira, renegociar a dívida com a banca e com os fornecedores. Esta hipótese da ruptura financeira abre a possibilidade da câmara contrair algum empréstimo de imediato, para a renegociação da divida a curto prazo. Senão fizer isso, já ultrapassou todos os limites de endividamento e já não pode pagar.

Que implicações terá, para a cidade, um eventual encerramento do aeroporto de Lisboa, em virtude da possível construção do novo aeroporto na Ota?
É um erro fechar o aeroporto da Portela, porque tem uma função central na cidade. Poderá ter que ser complementado por um aeroporto próximo, mas nunca se pode encerrar em definitivo um aeroporto que faz falta à cidade. Lisboa é uma cidade que está a declinar e quando isso acontece na sua situação de perder actividade e atractividade, tirar-lhe uma solução é um erro. No caso concreto de Lisboa e em termos turísticos, a cidade tem um bom desempenho e tem aumentado a capacidade de atracção turística. Ao darmos uma machadada numa das actividades que até tem um bom desempenho, iremos ter um grande prejuízo para a cidade e por isso opor-me-ei.

Lisboa é hoje uma cidade voltada de costas para o rio Tejo e a duas velocidades, com zonas bem planeadas e estruturadas, mas também uma cidade antiga com vários edifícios devolutos e degradados. Que medidas tomaria para inverter a actual situação?
Em relação à frente ribeirinha, a questão principal é que esse território é gerido de uma maneira diferente do que é o resto da cidade. Para a cidade funciona o PDM onde existem regras e onde os cidadãos têm direito de se pronunciar sobre elas e de ter a sua opinião. No que diz respeito à frente ribeirinha, a regra é outra, porque é a Administração do Porto de Lisboa que tem a tutela desta área e que gere essa área sem ouvir os cidadãos. Penso que isto é quase uma esquizofrenia, porque o território é o mesmo e tem que haver uma nova entidade gestora para a frente ribeirinha, que incorpore a Administração do Porto de Lisboa, a CML, eventualmente a Armada, que também tem funções naquela área e outras entidades públicas, se for caso disso, para gerirem aquele território, como uma condição, de que não se podem aprovar grandes projectos de execução naquela área sem ouvir os cidadãos. Quanto à questão das zonas dos prédios vazios, temos, de acordo com os últimos números, cerca de 70 mil fogos vazios e isto é negativo para a cidade. Há, portanto, uma série de medidas a tomar, conforme estas diferentes classificações. Para os fogos mais degradados que precisam de reabilitação, há projectos que precisam de ser feitos, há financiamento público para a reabilitação através do Programa Pró-Vida, há a possibilidade de tornar mais rápida a aprovação dos projectos de reabilitação, através de uma via verde para a reabilitação e há a possibilidade de se aplicar o que já está na lei, que é uma taxa cada vez mais alta do IMI, enquanto os prédios não estão a ser utilizados para as suas funções. Usando estes instrumentos ou mais alguns, penso que vamos conseguir voltar a dar vida a zonas vazias da cidade.

Admite algum entendimento/coligação pós-eleitoral com alguma força política?
Vai ser necessário que todas as forças políticas se entendam, porque a situação é de tal maneira crítica, que nem sequer admito que as pessoas se estejam a candidatar para irem para a oposição. E, portanto, estão-se a candidatar para a vereação e esta é o executivo municipal. Quando estiver na câmara aquilo que vou querer é que todos participem no executivo, dependendo da vontade de cada um e que tenham também acordado as medidas que vamos tomar. Contudo, vai ser difícil, mas, nem me passa pela cabeça, ver a câmara, nesta fase de crise, a ser governada com uma parte do executivo a tentar governar e a outra parte a tentar desfazer.

Nesta sua candidatura à CML, o que será para si um resultado positivo ou um resultado negativo?
Um resultado positivo é ela existir e esse já o tenho. Seja qual for o resultado que venha a ter, o simples facto de sozinha, sem partidos, sem máquinas, sem agências, sem dinheiro, sem sedes, sem redes, sem estruturas, estar a disputar a presidência da câmara de Lisboa, como o estou a fazer, em condições de “taco a taco” com candidaturas que estão alicerçadas em estruturas, com muita bagagem e com muita experiência, prova duas coisas. Primeiro, que há espaço para uma candidatura com estas características e, por outro lado, prova que há algum reconhecimento das capacidades que eu e as pessoas da minha lista temos nesta matéria. Qualquer resultado que possamos vir a ter vai ser um milagre da cidadania, e eu estou muito convicta que isso está já está a acontecer.

Alcochete pode ser campo de tiro para Sócrates por Paulo Gaião

Numa semana em que Rui Costa se queixou que o Benfica não o defendeu dos ataques de Joe Berardo, Mário Lino também não viu Sócrates defendê-lo dos ataques de Francisco Van Zeller

Sócrates está cada vez com menos espaço de manobra para escolher a Ota como localização para o aeroporto. Muita gente, talvez adivinhando os interesses socialistas que se jogam no Oeste, não tem perdido a oportunidade de provocar o primeiro-ministro, encostando-o mais à parede com a ideia de que o governo não vai desistir da localização na Ota. Marcelo Rebelo de Sousa disse no domingo passado que o negócio está feito. Francisco Van Zeller chegou a dizer, esta segunda-feira, que há forças subterrãneas no próprio ministério das Obras Públicas, ao nivel de secretários de Estado, que tudo vão fazer para que o aeroporto se faça na Ota. Belmiro de Azevedo, que apelida a OTA de nado-morto, também parece convencido que o governo não vai recuar na localização do aeroporto. Lobo Xavier defendeu esta quarta-feira que a localização em Alcochete serve apenas para tapar a hipótese da Portela + 1 não sendo uma alternativa real à OTA.
Ora Sócrates já provou que não se deixa cercar. Quando menos se espera é capaz de encontrar uma saída. A hipótese de o governo escolher Alcochete e calar os que tinham a certeza que o primeiro-ministro ia optar pela Ota pode ser uma jogada política de mestre, feita a menos de dois anos das eleições legislativas. Sócrates também já demonstrou que não fica paralisado pelos interesses que giram à sua volta, fora ou dentro do PS, protegido que está pelo poder que exerce e pelo brilho que as sondagens de popularidade lhe continuam a dar. Não será, assim, pelos alegados interesses socialistas em redor da Ota que Sócrates não deixará de agir e decidir.
O primeiro-ministro também tem sido muito hábil a tomar decisões e não só resolver um assunto mas dois ou três, numa estratégia de largo espectro, onde se matam vários coelhos com uma só cajadada. É verdade que com a escolha de Alcochete, Sócrates poderia ter sérios problemas no governo. Talvez Mário Lino chegasse a pedir a demissão, ele que pôs a cabeça no cepo quando se entusiamou com os desertos na margem sul e os “jamais, jamais”. Mas há males que vêm por bem. O problema com Lino pode ser a oportunidade para Sócrates fazer uma remodelação governamental profunda, a menos de dois anos das eleições legislativas. Aliás, é muito curioso que o homem que se concertou com o governo no sentido de apresentar um estudo sobre Alcochete em nome da CIP, tenha sido o mesmo que atacou o ministério de Mário Lino, sem que Sócrates tenha levantado um dedo em defesa da equipa das Obras Públicas. Ontem o pedido de Alberto Martins para que Lino explique o financiamento do TGV também diz muito.
Também é verdade que o recuo do governo na Ota é uma forma de Sócrates dar razão a Marques Mendes, que há muito se bate contra a localização do aeroporto a Oeste. Mas tal poderá considerar-se uma derrota para Sócrates? Talvez não. As vantagens políticas podem ser muito superiores aos prejuízos. Com a escolha de Alcochete, Sócrates dá uma ajuda Mendes. Mas não tem sido o líder do PSD o principal seguro de vida de Sócrates? Com Mendes, Sócrates não arrisca surpresas e pode ter no bolso as eleições de 2009. Não arrisca, por exemplo, que Luís Filipe Menezes queira tirar o lugar a Mendes e que apareça por aí um velocista do cavaquismo ou do barrosismo (que por acaso estiveram em peso no programa Prós e Contras da RTP1) para prejudicar o caminho triunfal do líder socialista. Por sua vez, com o grande troféu anti-Ota para mostrar, Marques Mendes prova que fez uma bela oposição, o que lhe pode garantir um resultado honroso em 2009, ao ponto de ser suficiente para se querer manter na liderança do PSD depois desta data. Por sua vez, com o recuo na Ota, Sócrates pode obter, ainda, duas pequenas satisfações, com repercussões eleitorais. Obriga Marcelo Rebelo de Sousa, Belmiro de Azevedo, Francisco Vanzeller e Lobo Xavier a retratarem-se. Por outro lado, com a revisão da OTA, Sócrates dá uma bofetada aos detractores que dizem que ele é uma cabeça dura e poderá ganhar ainda mais simpatias junto do eleitorado e da opinião pública. Que, já se percebeu, prefere Alcochete à Ota, sensibilizada pelo argumento fácil de que o Estado não tem de pagar terrenos na margem Sul, ao contrário do que se passa no Oeste.

São Berardo da Luz. Com a liberdade que o dinheiro lhe dá, Joe Berardo veio dizer que o rei vai nu no Benfica. Mas o empresário até podia ter ido mais longe porque há muitos anos que está quase tudo errado no Benfica. Rui Costa é apenas a ponta de um icebergue onde se sentam Luís Filipe Vieira, José Veiga, Fernando Santos, Manuel Vilarinho, até Joaquim Oliveira, um grupo que parece ligado por interesses e conveniências pessoais, passando ao lado da avaliação pelos resultados no Benfica, o que era de todo natural que acontecesse num clube de futebol. Não é normal que depois de não ter tido um único êxito, confirmando em absoluto aquilo que muitos tinham a certeza que ia acontecer, Fernando Santos se tenha atrevido, há cerca de um mês, a garantir, quase com provocação para a comunicação social, que ficava no Benfica. Ora, o facto é que Fernando Santos ficou mesmo. A um mês de começar a nova época de futebol, nunca como hoje os benfiquistas se sentiram tão pouco galvanizados com a equipa, adivinhando já novos fracassos. Valeu-lhes, agora, São Berardo para levantarem os ânimos. Porém, tal como Rui Costa não é o maior culpado mas quem o contratou, aqui a responsabilidade é de quem tem permitido a Fernando Santos estas liberdades.
Não é normal que depois de ter saído da estrutura directiva do Benfica, para gerir judicialmente um caso pessoal, José Veiga tenha voltado ao Benfica, como se não houvesse outros dirigentes. Se Veiga fosse um génio da gestão, se tivesse dado muitos títulos ao Benfica, se fosse detentor do passe de dois ou três jogadores fora-série, podia entender-se o regresso do empresário. Mas Veiga é um gestor vulgar, não tem passes maravilha e a única coisa que conseguiu ganhar para o Benfica foi o título de há três anos, num verdadeiro campeonato de coxos, onde o Benfica ganhou, como podia ter ganho o Sporting ou o Porto, porque o demérito dos três foi igual. Não é normal que o antecessor de Luís Filipe Vieira na presidência do Benfica, homem que detém um lote razoável de accões do Benfica e que continua a ser um homem influente na direcção do clube possa ter anunciado impunemente há cerca de um ano, numa profecia pintada a negro, que o clube não ia ganhar título nenhum… até 2011.

“Há cinco candidatos do sistema e dois falsos independentes”

Manuel Monteiro pretende assumir o papel de José Sá Fernandes da direita na Câmara Municipal de Lisboa. Em entrevista ao SEMANÁRIO, o candidato refere que será “a voz dissidente, a voz anti-sistema, a voz de ruptura com o ‘status quo’ que permitiu que a CML tenha cavalgado para o pântano onde efectivamente se encontra”. Monteiro alertou, ainda, que “controlar os bairros sociais é controlar um sindicato de votos”.

O que é que a sua presença teria acrescentado ao debate de Terça-feira entre sete dos doze candidatos à Câmara Municipal de Lisboa?
É sempre difícil falar em causa própria. O debate demonstrou que há cinco candidatos do sistema e dois falsos independentes, é bom realçarmos isto. Helena Roseta só é candidata independente porque o PS não a quis como candidata, é um facto; Carmona Rodrigues é candidato independente porque o PSD lhe tirou o tapete, se o PSD o quisesse manter ele continuaria a ser o candidato do partido.
Na minha perspectiva, as questões de fundo que dizem respeito a Lisboa não são tratadas e não foram abordadas no debate de terça-feira. Houve uma tentativa de consensos, de coligações… penso que está tudo a tentar dizer: “votem em mim para eu ser vereadorzinho”. A minha lógica, ao contrário, é de ruptura. A CML e a cidade têm problemas que nenhum dos senhores que estiveram no debate tem coragem para abordar.

E Quais são?
Não ouvimos falar da transparência, como factor verdadeiramente incisivo; não ouvimos falar dos fenómenos de corrupção, pois estes senhores pactuaram directa ou indirectamente com o sistema que permitiu a existência de corrupção na cidade de Lisboa, pondo de lado, à esquerda, Sá Fernandes e Ruben de Carvalho. Mas a verdade é que todos estiveram relacionados com o sistema que permite a existência de arquitectos na CML que possuem amplos gabinetes cá fora. Há quem diga que muitas das obras municipais que são aprovadas na cidade de Lisboa são curiosamente aquelas que têm arquitectos cá fora e que simultaneamente também trabalham na Câmara, não ouvimos falar disto.
Se eu lá tivesse estado teria dito que comigo não há vereadores na CML com gabinetes lá fora, teriam de fazer uma opção. Portanto, isto são testemunhos muito objectivos das novidades trazidas pela minha presença. Por outro lado, teria dito que muitas das grandes aberrações que têm sido feitas em Lisboa em matéria urbanística, são feitas com o silêncio da Ordem dos Arquitectos, cuja bastonária é a arquitecta Helena Roseta.

Pretende, portanto, ser um candidato de ruptura, de cisão, de denúncia…Eu sou um candidato dissidente. Embora esteja envolvido numa candidatura, tenho saudades de homens como Nuno Krus Abecassis ou Gonçalo Ribeiro Teles, que falavam de Lisboa com Paixão e que verdadeiramente se dedicaram à cidade. Aquilo a que hoje assistimos, salvo honrosas excepções, é a uma lógica de funcionalismo, isto é, as pessoas são candidatas porque têm de ser candidatas. No debate de terça-feira, o dr. Fernando Negrão até se enganou e falou de Setúbal em vez de Lisboa. Eles são candidatos mas não queriam vestir esse papel, tanto Telmo Correia, como António Costa, ou Fernando Negrão.
Os únicos candidatos, dos sete, que têm uma visão estratégica para a cidade, embora não seja a minha, são Ruben de Carvalho e José Sá Fernandes. Eu sou, num outro patamar que não o da esquerda, a voz dissidente, a voz anti-sistema, a voz de ruptura com o status quo que permitiu que a CML tenha cavalgado para o pântano onde efectivamente se encontra.

Ao Trazer humoristas para a sua campanha não está a denegrir a imagem da democracia?
Quando os partidos pagam milhares de euros para terem os chamados cantores “pimba” nos seus comícios, julgo que essa preocupação não existe. À nossa maneira e em função dos nossos meios, que são claramente menores face às demais candidaturas, estamos a trazer o humor, promovendo jovens actores. Os textos desses jovens actores vão interpretar a mensagem política que me parece essencial e que será a coluna vertebral da minha candidatura.

Falemos dessa mensagem política. O que é que um vereador do PND pode trazer para a Câmara de Lisboa?
A lógica do sistema político é ter de conquistar votos seja onde for e, portanto, não dizer nada que possa pôr em causa a conquista de votos. Eu não. Eu vou ao centro da questão. A minha primeira reforma passaria por extinguir todas as empresas municipais. É preciso dividir Lisboa em quatro grandes áreas e atribuir a concessionários privados os Lixos, os jardins, os estacionamentos. Três áreas muito concretas que entregaria a privados com o compromisso, no contrato de concessão, destes absorverem as pessoas que hoje trabalham na CML. Deste modo, contribuiríamos para o emagrecimento da Câmara e consequente diminuição dos custos de funcionamento.

Diminuição do passivo da CML.
Exacto. Por outro lado, há muito gente avençada na Câmara que trabalha o triplo de muitos senhores que estão no quadro e que não põem lá os pés, embora recebam o ordenado ao fim do mês. Estes senhores têm de ter uma guia de marcha e irem para casa. Como seria fundamental que pessoas que estão nos gabinetes de juristas, de arquitectos ou de engenheiros da Câmara, formalmente a tempo inteiro, mas na prática part-time para depois terem os seus complementos, fossem também convidados a rever a sua situação e a sair.
Em nome da reforma administrativa interviria rapidamente nos bairros sociais. Rendas a dois eurosEstão a brincar comigo! Permitir que continuem a viver pessoas em casas da Câmara que têm segunda habitação fora da cidade de Lisboa e que ostentam níveis de riqueza superiores a muita gente que pede dinheiro a um banco para comprar casa? Não!
Não é admissível que uma empresa que gere a habitação social gaste mais do que aquilo que recebe. O que a GEBALIS gasta na manutenção do parque habitacional, estamos a falar de 25 mil fogos e de 110 mil pessoas, é superior às suas receitas. Hoje, controlar os bairros sociais é controlar um sindicato de votos. Por exemplo, no Bairro da Boavista e no Bairro do Casal dos Machados há grupos de cidadãos organizados em carrinhas para irem votar em determinados partidos. Estas situações conduzem a que as casas sejam atribuídas em função da filiação partidária. E ninguém fala disto…

Que pelouro escolheria se fosse eleito presidente da CML?
Se fosse presidente da CML assumiria para mim a condução estratégica da cidade. Ou seja, não quereria um pelouro específico, mas teria o planeamento como objectivo principal. A questão do planeamento é fundamental. Subsidiariamente teria comigo a educação e a cultura. É um crime estar a acontecer em Lisboa uma situação que se está a verificar no resto do país, que é o encerramento de escolas.