O debate de, ontem, no Parlamento sobre o “estado da Nação” era importante para José Sócrates.
O debate de, ontem, no Parlamento sobre o “estado da Nação” era importante para José Sócrates. O Governo tinha que ir para férias com uma nota de optimismo, com um balanço positivo, para neutralizar a perturbação introduzida na vida pública pela chegada de Ferreira Leite à liderança do PSD e, sobretudo, pela nova proximidade entre Belém e o PSD.
Ficou claro, ao longo da semana, que o Presidente da República não é neutro na agenda do PSD e que Belém, antecipando a perda da maioria absoluta do PS em 2009, se preparou para ter o seu partido presidencial. O primeiro-ministro, aliás, percebendo a gravidade da situação, apressou-se, na terça-feira, a ir a Belém explicar ao Presidente da República os investimentos públicos em estradas.
Este súbito eanismo de Belém – mas que estava na mente dos conselheiros de Belém logo no início do mandato presidencial – só não resulta como alternativa, porque, em menos de três semanas e apesar da enorme boa vontade dos jornais e dos comentadores políticos, começa a ser evidente que o PSD de Ferreira Leite não é alternativa ao PS de José Sócrates.
Não sendo possível uma maioria absoluta alternativa, nem sequer uma vitória relativa da direita, e depois de Manuela Ferreira Leite excluir o bloco central como solução política, a direita dos interesses voltou a olhar para Paulo Portas como o suporte necessário da próxima maioria.
Portas, regressa que estás perdoado
Ostracizado pela média e pela classe bem-pensante, mas sobretudo pelos empresários ricos, Paulo Portas tornara-se um refém de si mesmo, num partido sem representação e esquecido. Parecia condenado à extinção. Cada vez que falava à imprensa, lembrava as histórias dos submarinos, dos helicópteros ou dos carros de combate e da suspeita sem acusação nascia uma espécie de nojo que afastava Portas do centro dos acontecimentos.
Ele próprio não ajudava. Já perdera a novidade da juventude e a passagem pelo Governo tirou-lhe a graça e a ironia.
Subitamente, Paulo Portas volta a ser notícia. A grande burguesia assustada com Ferreira Leite e com o regresso ao pessimismo percebeu rapidamente que a senhora não tinha a menor hipótese de ganhar o poder ao PS. As sondagens ainda não o reflectem em toda a extensão, mas todos perceberam que era o efeito da exposição mediática inicial.
Paulo Portas, por seu lado, provou ser um sobrevivente: viu-os ir e, agora, vê–os regressar, provando mais uma vez que na política portuguesa não há mortes definitivas.
O regresso do Bloco Central
Porém, o segundo cenário do PSD – o Bloco Central, que Ferreira Leite disse excluir – parece também servir a Cavaco Silva e aos estrategas de Belém. Foi, aliás, isso mesmo que ficou patente na intervenção de Paulo Rangel – o terceiro líder parlamentar do PSD em três anos – ontem, no Parlamento. Em nada havia diferença relativamente ao PS, as reformas seriam as mesmas, só faltavam, mesmo, os estudos das obras públicas – contra as quais, aliás, disse, o PSD nada tem desde que justificadas no contexto económico actual. O resto era o estilo. Um estilo notável e certeiro contra a “abstracção numérica” primeiro, contra a falta de rigor e a “mentira” da propaganda depois.
Sentindo que a crise social só se pode agravar e que, em 2009, o País vai estar provavelmente pior que este ano, apesar das terapêuticas anunciadas – as razões são, agora, sobretudo externas, ou têm que ver com os desequilíbrios internos gerados pela adesão à moeda única, como a falta de poupança interna e o forte endividamento externo, para além do défice comercial, que não cessa de aumentar, e crescimento económico inferior à média da União Europeia, ao que o PSD, e bem, juntou opções erradas exclusão da diversificação de dependências externas com a errada opção estratégica de Sócrates pela “Espanha, Espanha, Espanha!” – Belém percebe que tem que haver uma resposta institucional ao provável descrédito acelerado das opções do governo e que a governabilidade passará por entendimentos centrais, que permitam reduzir a tensão social, melhorar o desempenho da economia e garantir a estabilidade política.
Este cenário, aliás, pode ser ainda mais significativo, caso se continue a acentuar a degradação da autoridade do Estado, sobretudo, pela ausência de comando nas polícias e pelo descrédito da justiça, e ou se a crise social se transformar numa verdadeira explosão social, como já admite, por exemplo, António Barreto.
O negócio mais barato
Pouco mais de um mês depois das directas no PSD e apenas duas semanas sobre o seu Congresso, as sondagens ainda mostram a perturbação que esses acontecimentos sempre provocam.
Manuela Ferreira Leite tem, nesta altura, uma notoriedade grande, equivalente à que Menezes teve depois da eleição, mas, em boa verdade, só daqui a dois ou três meses é que poderemos avaliar o impacto da nova liderança do partido da oposição.
Porém, a má prestação de Ferreira Leite na televisão, na única entrevista que deu em quatro semanas de liderança, deixou nas elites uma imagem de alguém que não está preparada, nem tem condições de ganhar ao primeiro-ministro, nem, sobretudo, para gerir o País no contexto actual. (Já o contrário se deve dizer da bem articulada intervenção do novel líder parlamentar do PSD, Paulo Rangel, ontem, no debate sobre o Estado da Nação, que, surpreendentemente, mostrou uma habilidade oratória consistente com a sua mais conhecida intervenção no 25 de Abril.)
Por outro lado, excluindo, à partida, uma coligação à esquerda, manifestamente impossível com José Sócrates, entre um negócio de Bloco Central (sempre mais difícil para José Sócrates, até porque o Presidente da República tem ligações ao PSD, o que pode neutralizar a vantagem relativa do PS) e uma aliança PS-CDS, alguns empresários preferem esta última, pois deixa intacto o regime e a possibilidade de alternância. Por outro lado, todos percebem que o negócio de Paulo Portas é muito mais barato que o negócio do Bloco Central. Portas, como Sócrates, bem consciente, ontem, disse no Parlamento, custa os sete ou oito por cento de responsabilidade limitada de uma coligação, mas pode em 2009 valer bem a estabilidade política e a continuação do PS no Governo.
Um novo Paulo Portas
É a consciência deste regresso de apoios que subitamente parecem ter transfigurado Paulo Portas e o CDS, mobilizando o pequeno partido centrista para o sonho de voltar ao poder, razão da sua luta política, mas sobretudo condição da sua sobrevivência.
Um novo Paulo Portas que, nas jornadas parlamentares nos Açores, começou já a moderar o discurso anti-Sócrates quanto baste e que apareceu, ontem, no Parlamento, claro, sorridente e optimista.
Chegará lá?|
Optimismo versus rigor
O primeiro-ministro foi, ontem, ao Parlamento, ao debate do Estado da Nação. Levava duas ideias força: a culpa era da crise externa e a resposta tem que ser o optimismo.
A primeira ideia força do seu discurso foi que os males de que padece a Nação se devem à crise económica internacional – subida dos preços da energia, dos produtos alimentares e dos juros a que o Governo é alheio – e que eles (os males da Nação) só não são maiores porque o Governo antecipadamente teve resultados que, antes, o PSD de Ferreira Leite não teve, nomeadamente em matéria de consolidação orçamental.
A segunda ideia é que contra o pessimismo, o negativismo e a resignação do PSD regressado, o Governo mantém o ímpeto reformista e acredita que pode fazer a diferença com medidas concretas orientadas para o investimento público, o crescimento económico e a justiça social. Ou seja, Sócrates quis passar a mensagem que mesmo em crise é possível manter o “rumo modernizador de Portugal”.
E, finalmente, o conjunto de medidas anunciadas – que, obviamente, merecem o consenso de todos e que, em nosso entender, só pecam por tardias.
Do ponto de vista mediático, estes são os dois vectores em que Sócrates se vai tentar concentrar para desgastar o PSD de Ferreira Leite, o que pode ser eficaz. Aliás, a sensação de que Sócrates ganhou o debate era evidente.
Já, do lado do PSD, a estratégia consistia em neutralizar os efeitos negativos da entrevista de Ferreira Leite e das explicações de Morais Sarmento, do discurso do “não há dinheiro para nada” e do somos contra o TGV, do pessimismo e da resignação do novo PSD, para a exigência de rigor e transparência na gestão da coisa pública, nomeadamente no investimento público e, por outro lado, na denúncia do facto do Governo estar a aproveitar a margem orçamental para fazer investimentos públicos e acentuar o dirigismo estatal na economia, em vez de reduzir o peso do Estado e facilitar a vida às empresas, sobretudo às PME.
Paulo Rangel surge assim e, pela primeira vez, desde a eleição de Ferreira Leite, com um discurso fracturante e diferenciador, que nem a líder Ferreira Leite foi capaz de ter e muito menos a anacrónica discussão da natureza social-democrática do PSD – como queria Pacheco Pereira, a fazer lembrar debates dos anos setenta do século passado.
E este discurso, se Ferreira Leite o conseguir fazer passar, pode ser muito perigoso para o PS, sobretudo porque os cidadãos estão a sofrer na pele os rigores da crise e os excessos da perseguição fiscal e económica do Estado e não vêem nenhum sacrifício da parte do Governo.
Optimismo de um lado, discurso liberalizador e rigor no Estado do outro. Dois novos discursos diferentes e para seguir no próximo ciclo político – o ciclo eleitoral que começa em Setembro.|
Sobe e Desce
A Subir
Durão Barroso – Recebeu ontem o apoio público do presidente do Conselho Europeu para fazer um segundo mandato à frente na Comissão Europeia. Apesar do Conselho insistir na necessidade da aprovação do Tratado de Lisboa, Durão Barroso, à frente da Comissão Europeia, tem provado que é possível haver consensos mesmo numa Comissão com comissários de 27 países. Estudos académicos mostram que a Comissão Barroso tem sido mais produtiva em termos de legislação e consensos que as anteriores mais pequenas.
José Sócrates – Ganhou o debate do Estado da Nação, dizendo que é nesta altura de crise que os portugueses podem contar com o Estado e só não se pode fazer mais porque, apesar de todo o esforço, ainda não temos as contas com maior folga. José Sócrates garantiu que, apesar do PS ter achado que valeria a pena discutir as sugestões sindicais sobre o mapa judiciário – que será votado na Assembleia da República na próxima semana -, o Governo vai manter os poderes do procurador-geral de República exactamente como estão. Uma desautorização dos excessos do grupo parlamentar do PS?
Paulo Rangel- Foi a grande surpresa da tarde de ontem, com um discurso novo e articulado, tentando recuperar dos estragos das intervenções pouco pensadas de Ferreira Leite. Como estreia, no confronto com o primeiro-ministro, parece que temos homem…
Dias Loureiro – Depois de elogiar Sócrates, na apresentação da sua biografia, surgiu como orador principal na homenagem a Fausto Correia. Presentes Almeida Santos, Jorge Coelho, Pedro Santana Lopes, António Campos, Paulo Mota Pinto, Luís Nazareth, Arlindo de Carvalho, Álvaro Amaro, entre outros, no jantar que esta semana reuniu na FIL cerca de 200 pessoas a convite de Joaquim Couto, o presidente da Casa Académica de Lisboa.
Paulo Portas – Se quer ir para o Governo, depois das próximas legislativas, tem que moderar a sua linguagem. Mas teve graça quando comparou o primeiro-ministro José Sócrates ao xerife de Nottingham por cobrar impostos demasiado altos. A alusão à história mítica de Robin dos Bosques – também como é chamada a taxa que pode vir a ser imposta aos lucros especulativos das petrolíferas – foi feita no discurso de encerramento das jornadas parlamentares que decorreram na ilha Terceira, nos Açores. “Quem era o Robin dos Bosques? Alguém que ia buscar impostos que ilegal e imoralmente o xerife de Nottingham arrecadava”, lembrou o líder do CDS-PP, completando a sua versão da lenda inglesa medieval. “O xerife de Nottingham é o primeiro-ministro José Sócrates: é ele que continua a arrecadar mais impostos, mais receita à custa da economia portuguesa”, disse Paulo Portas, insistindo na pergunta que o CDS-PP tem vindo a fazer sobre o aumento galopante dos preços da gasolina: “Quanto é que o Estado ganhou a mais desde o início da crise dos combustíveis?”
Vítor Constâncio – A divulgação de produtos e serviços financeiros, especialmente através de campanhas publicitárias, vai passar a ter regras mais apertadas no âmbito de um novo diploma regulamentar do Banco de Portugal (BdP), colocado ontem em consulta pública. O projecto de diploma, disponível no sítio da internet do BdP – www.bancodeportugal.pt -, sobre o qual poderão ser dadas contribuições até 10 de Setembro, dá ênfase especial aos princípios de transparência e rigor que devem ser seguidos na divulgação ao público dos produtos e serviços financeiros. A justificar a iniciativa, o BdP sustenta que a experiência revela que a decisão do consumidor é tomada muitas vezes numa fase anterior à pré-contratual, tendo as campanhas publicitárias uma influência determinante. Assim, “a informação inicial não pode deixar de estar igualmente sujeita a princípios de transparência e rigor adequados”, alega o supervisor do sistema financeiro. Entretanto, Constâncio anunciou ontem no Parlamento que vai inibir alguns dos antigos gestores do BCP.
Pinto da Costa – Apesar da inacreditável trapalhada na justiça desportiva e na instrumentalização dos órgãos da Federação Portuguesa de Futebol, o último a rir é o que ri melhor. A UEFA já recebeu toda a documentação solicitada à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) sobre as decisões da última reunião do Conselho de Justiça, mas decidiu aguardar pela deliberação do Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) sobre os recursos apresentados por Benfica e Guimarães. Uma lição para a mesquinhez nacional. Só Portugal é que tem espectáculos destes e ainda os exibe no estrangeiro.|
A Descer
Mariano Gago – Cedeu mais uma vez ao “lobby” publicista e diante do escândalo da falta de médicos foi obrigado a abrir mais lugares em medicina, em vez de abrir o curso de medicina ao ensino privado. Somos o país com o pior rácio de licenciados e o Governo continua a hesitar em avançar com as licenciaturas privadas em medicina. Obviamente, os países de leste e os cubanos têm médicos e escolas para preparar médicos para depois os enviar para Portugal.
Ferreira de Oliveira – A Galp caiu ontem na Bolsa mais de 5,2%, depois do primeiro-ministro ter anunciado um imposto extraordinário de 25% sobre os ganhos derivados da revalorização das reservas obrigatórias. A taxa criada sobre a valorização das reservas das petrolíferas irá dar ao Estado uma receita acima dos 100 milhões de euros.|