2025/09/10

“PCP admite ser Governo se o povo o entender”

O PCP admite ser Governo em Portugal, se o povo português assim o entender, afirma Jerónimo de Sousa, secretário-geral dos comunistas, em entrevista ao SEMANÁRIO. Ao balizar a trajectória futura do partido, o líder do PCP fala, também, do presente, considerando, a propósito da tão falada remodelação ministerial, que a substituição de tal ou tal ministro em nada alteraria a orientação geral do Governo. “A nossa exigência é a da mudança de rumo da política nacional”, conclui Jerónimo de Sousa.

O PSD e o CDS/PP defenderam recentemente a remodelação do Governo. Será que o PCP também a preconiza?
O PSD e o CDS, para fugir à questão de fundo da necessidade de uma outra política, propõem, digamos que, o “trabalho à peça”. Como se a substituição de tal ou tal ministro alterasse a orientação geral do Governo. A nossa exigência é a da mudança de rumo da política nacional.

O Governo, cuja política tem sido bastante criticada pelo PCP, adoptou uma série de reformas estruturais que são indispensáveis à superação da crise que o País atravessa. Atendendo às críticas que fazem, poderá afirmar-se que os comunistas estão contra essas reformas estruturais?
A sua pergunta parte de um pressuposto que rejeitamos. O Governo não está a fazer reformas, está é a desencadear uma ofensiva que visa atingir os direitos dos trabalhadores e dos reformados. Usa o chavão das dificuldades das contas públicas e da sustentabilidade da Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde para ofender e mutilar direitos sociais e laborais. Os resultados estão à vista. A crise não só não foi superada como se instalou.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas do Amaral, é, sem dúvida, uma das personalidades mais marcantes deste Governo. Ainda há bem pouco, a propósito de uma manchete abusiva do “Expresso”, afirmou-se cansado, não do seu trabalho, que cumpre com gosto, mas sim das constantes tropelias que a comunicação social lhe faz. Acha que a direita não perdoa ao professor Freitas do Amaral o seu deslizar para a esquerda?
Vê-se que há uma fixação obsessiva da direita, em particular do CDS, em relação a Freitas do Amaral. Mas será a Freitas do Amaral ou ao ministro dos Negócios Estrangeiros? Haverá algum ajuste de contas fulanizado, mas admito que não seja só isso. Não nos cabe a nós responder à questão.

Falamos da comunicação social. Manuel Maria Carrilho, no seu livro-bomba, lançado recentemente, chama-lhe o “polvo” e responsabiliza-a pela sua derrota em Lisboa. Considera, na realidade, que Manuel Maria Carrilho perdeu as eleições por causa dos “media”?
Não acompanho a justificação dada! Pode ter sido um factor mas não o factor determinante. O PS apresentou-se sem projecto para a cidade, politicamente descredibilizado pela sua postura de colaboração com a gestão Santana Lopes/Carmona e numa postura hegemónica recusando a experiência da coligação “Por Lisboa”. Admito que a culpa maior não foi de Manuel Maria Carrilho, mas não pode branquear a responsabilidade do PS.

Segundo o PCP, os agricultores portugueses têm sido tratados como os funcionários públicos. Ao que sei, os comunistas defendem um orçamento rectificativo para se pagarem as verbas que são devidas a esses agricultores. O PCP acha que são sempre as mesmas as vítimas da crise?
O Estado deve ser uma “pessoa de bem”. O PS teve tempo de alterar os critérios de atribuição das ajudas e não o fez. Logo deveria ter considerado o compromisso do Estado em sede do Orçamento.
O que propomos é a reparação e a resolução do problema pela via de um Orçamento Rectificativo.

Costuma fazer o contraste vivo e gritante entre os lucros astronómicos da banca portuguesa e o desemprego e a pobreza, que grassam no País. Julga que esse contraste é irremediável ou, pelo contrário, tem solução?
É chocante, eu diria quase obsceno, este fosso existente, esta injustiça na repartição da riqueza. Com outra política económica e fiscal é possível alterar este estado de coisas. Será preciso ser economista para perceber como é injusto um pequeno empresário pagar 36% de IRC e um banqueiro pagar 11 ou 12%?…

Os mais pessimistas dizem que Portugal não é viável e que, bem vistas as coisas, o melhor seria a união com a Espanha, para gáudio dos iberistas. Qual a posição do PCP sobre uma hipotética união do nosso país com a Espanha?
Temos um Estado-nação, somos um povo que construiu a sua própria história e que tem o direito de soberanamente defender a sua independência e o seu futuro colectivo. Somos contra o isolacionismo nacionalista. Defendemos uma linha de cooperação e relações abertas com todos os povos e países onde, por razões de proximidade e interdependências, se deve contar com a Espanha.

Com a eleição de Cavaco Silva para Presidente da República, previa-se, em alguns sectores, que o nosso semipresidencialismo poderia evoluir para o presidencialismo. Afinal, as contas saíram furadas e o que se está a assistir, com o estilo apagadíssimo de Cavaco em Belém, é à evolução do semipresidencialismo para o parlamentarismo. É caso para dizer, citando o nosso povo, que a vida é uma caixa de surpresas…
Há dias um “patrão dos patrões”, no meio do aplauso à política do Governo PS, avisava o seu partido (o PSD) para não fazer muito estorvo na oposição. É óbvio que tal “conselho” se estende ao actual Presidente da República que, nestes primeiros tempos, sabendo diferenciar o essencial do acessório, preferirá não o “apagamento” mas o “assentimento” com a política do Governo.

O País vive em democracia, graças ao 25 de Abril, mas a ditadura do mercado ainda não foi derrubada. As leis da oferta e da procura são soberanas e o lucro continua a ser o objectivo supremo. Por outras palavras, é o “salve-se quem puder” e a função reguladora do Estado não existe. Como é que o PCP vê esta demissão do Estado?
Há um princípio constitucional claramente subvertido: o da submissão do poder económico ao poder político. É um exercício de linguagem rebuscada falar do “mercado”. Quer dizer mercado capitalista, quer dizer capitalismo, as suas leis e objectivos designadamente a sua teoria neoliberal de menos Estado social para os trabalhadores e o povo e mais Estado para os interesses e privilégios do capital. O que acontece não é a demissão do Estado. É antes a subjugação dos governos e das suas políticas a tais ditames.

A demissão do Estado em Portugal é semelhante ao que se passa em grande parte dos outros países europeus, onde a globalização desregulada dita a sua lei e os interesses do grande capital prevalecem sobre os da esmagadora maioria das populações. A Europa da direita tem sido uma enorme desilusão…
Admito que haja desilusão entre os que acreditaram que o capitalismo era democratizável, civilizável ou até o fim da História da humanidade, e que vêem que o mundo está mais injusto, mais inseguro, menos democrático. Esta fúria em expoliar os trabalhadores e outras classes e camadas e povos inteiros, procurando recuperar todas as parcelas de domínio perdido no plano económico e social não é por “maldade”. É por razão da sua própria natureza. Lembra-se da fábula do escorpião e da rã?…

Há quem diga, com propriedade, aliás, que o País, com a nova moeda, o euro, não conseguirá sair da crise. Além de ser, em linguagem metafórica, um fato demasiado luxuoso para um pobre como Portugal, o euro é uma moeda forte e os nossos salários são baixos e, como sabe, uma coisa não joga bem com a outra. Comunga do mesmo ponto de vista?
Aquando da adesão ao euro “caiu o Carmo e a Trindade” porque alertámos para a precipitação que seria a consumação de tal acto. Hoje, passados quatro anos, aí estão os relatórios e estudos da UE a provar que fomos o país que mais perdeu. Aliás, ouvir o actual Presidente da República (então primeiro-ministro) a proclamar a necessidade de aumentar a competitividade das empresas portuguesas e saber que só com a adesão ao euro implicou uma perda de 20% de competitividade das nossas empresas, mostra que a culpa continua a morrer solteira em Portugal. Até um dos “crânios” que trabalha com Durão Barroso na Comissão admitiu a semana passada que “Lisboa pode querer deixar a Zona Euro depois de estar 20 anos sem beneficiar da moeda única”. O que seria se fôssemos nós a dizer isto…!

“Também há gente boa na política,
no dirigismo empresarial e desportivo”

A moralização da vida política em Portugal apresenta-se como tarefa inadiável. Muito recentemente, o PCP elaborou um projecto de incompatibilidades para os deputados, designadamente com a advocacia, que foi rejeitado. Acha que quem não aceitou esse projecto estava a pensar nos seus próprios interesses?
É sempre complicado ser juiz em causa própria, não? Mas para um Governo que permanentemente anda a falar do combate aos interesses corporativos e ver o seu Grupo Parlamentar a votar contra este projecto-lei do PCP retira-lhe credibilidade política.

Não lhe parece que o nosso dirigismo, a todos os níveis (o dirigismo político, o dirigismo desportivo, o dirigismo empresarial, etc.), é um dos grandes cancros do País, para não dizer o maior?
É conhecida a fragilidade endémica das classes dominantes e das suas estruturas ao longo da nossa história. Mas recuso generalizações. Também há gente boa em todas as áreas que referiu.

O PCP ainda acalenta o sonho de um dia ser Governo em Portugal?
Por que não, se o povo português assim o entender? Possivelmente tal já poderia ter acontecido se abdicássemos das nossas convicções, da forma séria de estar na política, designadamente se deixássemos cair a exigência de que uma alternativa política que conte com o PCP pressupõe uma política alternativa e de esquerda.

Uma vez no Governo, qual seria a primeira decisão do PCP? Erradicar a pobreza e o desemprego? Denunciar o compromisso de Portugal com a NATO? Retirar o País da União Europeia? Fazer com que houvesse mais justiça social?
Num quadro geral de defesa e concretização das vertentes política, económica, social e cultural e de um Portugal soberano que conforma o nosso regime democrático, haveria que considerar o problema da economia nacional. Promovendo uma política que defendesse o nosso aparelho produtivo e a produção nacional, com elevação do seu perfil e do emprego, que incentivasse o crescimento, que valorizasse o trabalho com direitos, abandonando o modelo esgotado dos baixos salários.
Simões Ilharco

Cavaco no 25 de Abril: com cravo ou sem cravo

Se Cavaco Silva não levar um cravo encarnado, para a cerimónia do 25 de Abril, na Assembleia da República, significará uma opção clara pela normalidade democrática e institucional. Cavaco Silva seria o primeiro Presidente da República a comparecer na cerimónia comemorativa de Revolução sem o cravo característico do pronunciamento militar que depôs Marcelo Caetano e colocou no poder os militares do Conselho da Revolução, abrindo caminho à institucionalização da democracia dos partidos.

Mas, neste caso, o Presidente da República estará a demarcar-se do folclore da esquerda, que elegeu o cravo como símbolo do dia feriado nacional, não deixando de ser criticado pelos apoiantes dos seus opositores na corrida eleitoral.
Porém, se o Presidente da República optar por levar o cravo da Revolução militar, então estará a afastar-se daqueles que agora o elegeram e a abrir caminho para que numa próxima reeleição o Presidente da República possa contar com os votos da esquerda. O simbolismo pode ser tudo numa altura em que o Presidente da República terá que ser especialmente cauteloso nas palavras que escolher para o primeiro discurso presidencial na Câmara dos deputados, depois da sua tomada de posse. Belém tem consciência das expectativas que criou com a eleição do candidato da direita e que se a economia começar a correr tão mal, quanto todos os analistas prevêem, o primeiro visado pode ser o Presidente da República, que acabou eleito por um eleitorado desejoso de um novo D. Sebastião.
Em primeira linha, poderá ser Cavaco Silva a ser sacrificado em vez de Sócrates, que soube gerir as expectativas aproveitando o desempenho da direita nos últimos anos que esteve no Governo. E, neste particular, sem poderes constitucionais para afrontar, nesta conjuntura, o Governo e caracteristicamente agarrado à interpretação literal da Constituição, o Presidente da República poderá evitar grandes e graves críticas à acção do Governo ou ao comportamento dos parlamentares, evitando criar fricção demagógica e alimentar o populismo fácil da crítica ao parlamentarismo. É que se Cavaco Silva optasse por esse caminho, estaria a cobrir a estratégia de José Sócrates de criação de um bloco central institucional, primeiro passo para um presidencialismo de primeiro-ministro, ficando para Cavaco Silva o capital de queixa pelo facto do País continuar a empobrecer.
Nesse contexto, a crítica do Presidente da República ao Governo poderia ser antes substituída pela reflexão sobre a necessidade de rever a Constituição, em matéria de número de mandatos e de representação dos deputados. Depois da especulação do “Expresso”, foi o próprio Marcelo Rebelo de Sousa, no domingo passado, que abriu o caminho à crítica aos deputados faltosos na passada Semana Santa no Parlamento, admitindo que poderia não votar no PSD, caso o seu deputado faltoso se reapresentasse nas próximas eleições.
Mas, sobretudo, o que decorre da falta dos deputados é que o Parlamento pode funcionar com muito menos deputados e, com isso, contribuir para a redução da despesa pública.
Um discurso no sentido de reduzir a Assembleia da República a 130 deputados poderia ser uma sugestão grata a Belém e que, longe de desprestigiar o Parlamento e o semipresidencialismo do nosso sistema político, poderia reforçar a intervenção e melhorar a qualidade da representação política dos portugueses.
Apontar à reforma do sistema político, começando pela valorização do Parlamento e, nomeadamente, pela revisão constitucional que consagre a redução do número de deputados, poderia ser o vector para, indirectamente e sem entrar em confronto com a Assembleia da República, distanciar Belém do comportamento dos deputados, que foi aproveitado mediaticamente para a crítica ao sistema político.
Do lado de Belém percebe-se o cuidado que José Sócrates coloca na questão do Parlamento, mas ninguém é ingénuo para pensar que não é o Governo de José Sócrates o principal beneficiário da crise de credibilidade do Parlamento.
Nos meios políticos, o excesso de expectativa à volta do discurso do Presidente da República pode ser um meio para o neutralizar, pelo que, do lado de Belém, o que será mais importante acabará mesmo por ser a parte simbólica: vai Cavaco Silva, com o cravo da Revolução, tentar agradar à esquerda ou, sem cravo, assumirá a normalidade do regime e das instituições democráticas?

Um País anestesiado

Pela segunda vez em trinta anos, não há greves nem manifestações entre o 25 de Abril e o 1.º de Maio. A primeira vez foi o ano passado, em face da expectativa de um novo Governo e do início de um novo ciclo político. Agora, volvidos 12 meses, a ausência repete-se.

Pela segunda vez em trinta anos, não há greves nem manifestações entre o 25 de Abril e o 1.º de Maio. A primeira vez foi o ano passado, em face da expectativa de um novo Governo e do início de um novo ciclo político. Agora, volvidos 12 meses, a ausência repete-se.
E, quer se queira, quer não, isto implica “arte”, gestão da política e das expectativas.
Os portugueses estão melhor hoje que há um ano atrás? Não, não estão: a economia estagnou e o desemprego aumentou.
Os portugueses vão ficar melhor até ao fim do ano? Não, não vão. Só com o aumento do preço do petróleo o desequilíbrio da balança externa vai ser agravado em mais um por cento do PIB. E um por cento era exactamente aquilo que o País previa crescer este ano.
Não, este ano, vamos voltar à recessão, com impostos mais elevados. As expectativas do Banco de Portugal, da OCDE e do FMI são ainda optimistas e serão revistas em baixa lá para o Verão de novo. E, pior, se contabilizarmos o efeito dos fundos comunitários, em cerca de 2,5% do PIB nacional, podemos dizer que o desempenho da nossa economia representará, este ano, uma redução de 3,5% relativamente ao previsto. Ou seja, sem contar com os fundos da UE, os portugueses destruirão, até ao final do ano e se não houver engenharias estranhas, pelo menos mais 210 mil empregos, aproximando a taxa para os 10%.
Mas, apesar disso, ninguém protesta. O País está anestesiado, entre a crise do utilitarismo do Estado social, que reduziu as classes médias a pagadores de impostos e de prestações da casa própria, do leasing do carro ou escravos de televisor por divisão, e a impossibilidade da revolta contra a injustiça e as iniquidades deste Estado.
As expectativas?! Sócrates avançou com o anúncio de reformas, com efeitos apenas dentro de uma década.
Portanto, José Sócrates não fez nada, não podia fazer nada, mas beneficia ainda do estado de choque provocado por Manuela Ferreira Leite e pela visível inaptidão dos Governos do centro-direita dos últimos anos.
É Teixeira dos Santos que está a beneficiar da gravidade colocada por Manuela Ferreira Leite na gestão das finanças públicas. E o que se espera do reformismo de Sócrates é que ele não vá assim tão longe.
O segredo de Sócrates tem sido, pois, o ter sido eleito à esquerda e estar a governar exactamente ao centro. Isso neutraliza a esquerda e deixa a direita satisfeita. Ou seja, isso torna impossível a contestação.
O problema dos partidos únicos do tempo da AD converte-se no problema do partido único, eleitoralmente de esquerda e conservador nas reformas.
E, depois, Portugal não é a França, onde os “soixante-huitard” se converteram em membros dos Rotários e do Lyons Club, ou ainda da mais conservadora Maçonaria. Em Portugal, não há jovens para denunciar o conservadorismo da elite dominante, não se exige criatividade, não se exige liberdade.
Não ha um jornal que conteste, não há uma televisão que ouse dizer que o rei vai nu, e que os portugueses estão a empobrecer todos os dias e vão continuar a empobrecer ainda mais. Não há ninguém que diga que é um escândalo o que se passou na Casa Pia, ou com o facto do procurador-geral de República não apresentar contas das escutas telefónicas. Ninguém contestou ou criticou sequer o governador do Banco de Portugal por ter vendido o ouro a menos trezentos dólares, quando já se previa que com o petróleo a chegar aos 100 euros, a onça de ouro vai aproximar-se dos novecentos. É clamorosa a incompetente, se não a negligente, gestão do nosso dinheiro feita pelo Banco de Portugal. Ninguém contabilizou os prejuízos das previsões erradas de Constâncio.
Existem leis, mas ninguém as cumpre. E a primeira lei é a fundamental, a Constituição. E a constituição financeira exige a sustentabilidade das finanças públicas. Ou seja, qualquer lei que crie despesa que não seja sustentável é inconstitucional e assim deveria ser declarada pelo Tribunal Constitucional, cabendo a denúncia também ao Tribunal de Contas. Ora, se é insustentável o esquema de pensões criado pelo professor Cavaco Silva nos anos noventa, se os aumentos dos custos com a saúde são impossíveis, como prova a derrapagem das contas públicas e o défice de mais de 6% que tivemos o ano passado, então significa que a lei de bases da Segurança Social é inconstitucional e também que os direitos consagrados irresponsavelmente no Serviço Nacional de Saúde são inconstitucionais.
E visto nesta óptica não há direito que estejamos a pagar, com os nossos impostos, as pensões daqueles que não descontaram para a Segurança Social aquilo que estão a receber. Não existe nenhuma solidariedade intergeracional em fazer pagar aos que trabalham as reformas de todos aqueles que as recebem.
Foi isto que os portugueses perceberam. Ninguém quer mexer muito e todos sabem que é preciso mexer. É preciso dizer que não só é imoral, nesta conjuntura, reformas acima do ordenado do Presidente da República, como é inaceitável que os reformados não participem no esforço de recuperação da economia portuguesa.
Os portugueses, sobretudo os reformados e os funcionários públicos (onde estava a base contestatária de todos os 25 de Abril e primeiros de Maio), sabem que Sócrates acaba por ser mexer apenas na idade da reforma, porque continua, apesar de tudo, a elite de funcionários a comandar ideologicamente o Estado.
Todos temem um Governo que faça o que se tem que ser feito: reduzir a sempre crescente factura da saúde, apenas aos mais necessitados: reduzir a factura da educação aos alunos e à investigação universitária; e cortar todas as reformas acima de três salários mínimos em trinta por cento, reduzindo todas as pensões por pessoa, a um máximo, representado pelo salário do Presidente da República – mesmo aqueles que o recebem em fundos de pensão privados, revertendo o excedente para o Fundo da Segurança Social.
As elites temem o confisco (e estamos todos recordados que, depois de Vasco Gonçalves, foi o inacreditável Bagão Félix que fez nacionalizações, no caso de Fundos de Pensões), sobretudo, porque ele teria por base uma exigência moral em face das dificuldades dos portugueses.
Cada euro que é entregue ao Estado em impostos é menos um euro em emprego. E portanto, cada euro para salários de funcionários públicos e pensões de reforma da Segurança Social, para saúde e para educação, se não for directamente reprodutivo, é também um desperdício imoral, mas é, do ponto de vista legal, uma inconstitucionalidade, porque ineficiente e insustentável. É isso que os portugueses temem e, por isso, se deixam anestesiar.
E nestes termos, todos estamos conscientes, é fácil governar um país anestesiado. A arte decorre apenas do anestesista. No caso a arte não é do PS nem da esquerda. É apenas de José Sócrates.
Porém, há 32 anos atrás o País acordou de uma longa anestesia. Veremos como acorda desta.

A Harmonia das Nações

O mote deste ano para a Festa da Música, a decorrer no Centro Cultural de Belém, de 22 a 24 de Abril, é “A Harmonia das Nações”. Unidas sobre um mesmo tom musical, as principais nações da Europa do século XVII – Portugal, Espanha, França, Itália, Inglaterra e Alemanha – são representadas por dois dos seus mais proeminentes compositores: Carlos Seixas e Francisco António de Almeida, António Soler e Blasco de Nebra, François Couperin e Jean-Philippe Rameau, António Vivaldi e Domenico Scarlatti, Henry Purcell e Georg Friedrich Händel, Georg-Philipp Telemann e J.S. Bach, respectivamente.

O destaque vai obrigatoriamente para os dois portugueses, Seixas e Almeida, onde as obras aqui presentes, de altíssima qualidade, destacarão a divulgação que urge fazer à volta destes dois autores, principalmente Almeida, o mais italiano dos portugueses e sobre o qual pende ainda um véu de desconhecimento grande.
A programação não irá resumir-se apenas à música, muitas outras actividades desenrolar-se-ão um pouco por todo o espaço do CCB. Realce para o ciclo de conferências sobre motivos caros ao movimento Barroco, como o ar, a luz ou o tempo, e para a agenda a cargo do Serviço de Pedagogia e Educação do CCB.
Esta iniciativa, única no espírito da Festa da Música, é sem dúvida um dos seus grandes atractivos. Destinada a um público entre os 6 e os 12 anos, num percurso cuidadosamente pensado, introduz as crianças no universo do Barroco. Este ano, as quatro salas no Jardim das Oliveiras desvendarão o que é esta “Pérola Imperfeita” através da música e jogos. Acompanhados por monitores oriundos das artes do espectáculo, música, teatro e dança, ao mesmo tempo que desempenham as várias actividades propostas, ouvirão histórias e explicações várias. Numa das salas, a sala das coisas barrocas lança-se as mãos à obra – livros de várias formas, jóias, leques, caleidoscópios – estarão entre os objectos a construir sob cuidada orientação, pretende–se criar uma aproximação à corrente artística que marcou a época, o desvio formal que o Barroco trouxe relativamente ao Classicismo, desde logo patente também nos materiais a utilizar, a folha dobrada ou plissada por oposição ao papel liso, por exemplo. Numa outra sala, dos sonhos barrocos está montada uma floresta, representação do sonho barroco e palco para a realização de um baile. A intenção de retomar um espírito festivo através dos adereços usados, como os leques e onde estão preparados jogos de descoberta – quem está atrás da máscara? – e mais uma vez a música como pano de fundo. Na sala sons e duelos musicais, a oportunidade para descobrir sons que fizeram a música como os sinos na arte sacra. No átrio, a ponte para uma outra exposição patente no CCB, o Fridobar, onde uma rainha barroca jaz numa cama e onde estará montado um piano vertical. Instrumentistas no intervalo dos concertos farão breves aparições para tocar peças e conversar com as crianças sobre a música e a vontade de ser músico, um pequeno grande privilégio oferecido aos mais novos. Pretende-se na globalidade criar um interesse na criança, entusiasmá-la para a descoberta da música erudita.
Este programa extra foi realçado por René Martin como extremamente rico, estando em preparação uma viagem pelas mentoras do projecto, Madalena Victorino e Ana Alvelos, ao Japão, o próximo destino da Festa da Música, a fim de lhes prestar formação e passar toda a experiência obtida.
Quanto ao futuro da festa, “está assegurado para os próximos três anos”, diz Mega Ferreira, ao anunciar a entrada de um novo “amigo” para o círculo de mecenas que anualmente ajudam à sua realização. Para o ano espera-se surpresas, pela primeira vez o lugar à música não erudita com a inclusão do fado ou do flamenco como complementos musicais, sob o signo da busca pelas raízes da música encetada por alguns compositores em finais do séc. XIX e início do XX.
Miguel Louro

Chirac compromete Villepin e abre caminho a Sarkozy

“Todos perdem”, escrevia o “New York Times”
em editorial, referindo-se à decisão do Presidente francês, Jacques Chirac, em retirar o apoio ao seu chefe de Governo no que concerne ao Contrato
de Primeiro Emprego (CPE). Após dois meses e meio de manifestações, Chirac não resistiu ao poder das sondagens e rendeu-se às exigências das “ruas”, obrigando Dominique de Villepin a anunciar no início da semana a retirada da polémica lei. Além da humilhação política a que foi exposto, Villepin viu o seu sonho presidencial ser desfeito.

“Todos perdem”, é desta forma que do outro lado do Atlântico se vê a decisão do Presidente francês, Jacques Chirac, de deixar cair a lei do Contrato de Primeiro Emprego (CPE), promovida pelo primeiro-ministro, Dominique de Villepin com o objectivo de flexibilizar o mercado de trabalho, ao permitir que os empregadores despedissem sem justa causa jovens até aos 26 anos nos primeiros 24 meses de trabalho. Esta medida era vista pelo chefe do Governo francês como um importante meio para fomentar de forma equilibrada e justa o emprego entre as camadas mais jovens, num país que nas zonas mais pobres regista taxas de desemprego na ordem dos 50 por cento nas faixas etárias mais jovens, enquanto a média nacional está acima dos 20 por cento.
Convicto de que estava perante uma boa lei, Villepin defendeu-a até onde pôde, assumindo que estava perante uma missão de modo a vergar as forças conservadoras da sociedade francesa, materializadas nos sindicados e associações estudantis. Mas, depois do CPE ter sido aprovado pelo parlamento, promulgado por Chirac, e validado pelo Conselho Constitucional, as “ruas” falaram mais alto e acabaram por impor a sua vontade. Com um ultimato em cima da mesa (que terminaria no próximo dia 17), de um lado, e a convicção de Villepin, do outro, Chirac foi obrigado a tomar o partido das “ruas”, tirando o apoio ao seu chefe de Governo, que foi obrigado a anunciar na segunda-feira a abrogação da lei do CPE. “Não estão reunidas, nem da parte dos jovens nem da parte das empresas, as condições de confiança e de serenidade necessárias para a entrada em vigor do Contrato de Primeiro Emprego”, disse Villepin. “(O CPE) Não foi entendido por todos, lamento isso”, acrescentou.
Chirac não resistiu assim ao poder das sondagens, acabando por se “render”, como referiu o “New York Times” em editorial, e abdicar de uma lei, que além de necessária, poderia ser muito importante para impulsionar um processo de reforma mais amplo no mercado de trabalho francês. Perdeu-se assim uma oportunidade para impor mudanças prementes na sociedade francesa, e mais uma vez o Presidente gaulês preferiu recuar e manter-se à tona das sondagens de popularidade do que seguir em frente com a legislação e sofrer as consequências que daí adviriam. “Como tem sido ao longo destes dez anos, o senhor Chirac parece estar mais preocupado com a sua popularidade – e não abalar o consenso precioso em torno da fobia reformista -, do que dizer algumas verdades aos seus concidadãos”, escrevia Jon Henley, em comentário num blogue associado ao “The Guardian”
A queda do CPE não só é um revés para a França como para a Europa, que se vê a braços com sinais negativos vindos de Paris. Numa altura em que os governantes europeus tentam encetar reformas nos mercados de trabalho (não sendo Portugal uma excepção) poderão emergir forças de bloqueio a esse processo, através dos sindicatos e organizações estudantis nacionais, agora moralizadas com a “vitória” que os seus correligionários franceses obtiveram nas ruas de Paris.
Além da humilhação política a que foi sujeito Dominique de Villepin, sendo obrigado a recuar na sua posição depois de ter dito que ia lutar até ao fim pelo CPE – por isso, por uma questão de coerência, deveria ter apresentado a sua demissão, segundo alguns analistas -, dificilmente conseguirá manter intacto o sonho presidencial para as eleições do próximo ano.
Villepin é o protegido de Chirac, no entanto, ao longo deste processo quem mais beneficiou com as atitudes do Presidente francês foi Nicolas Sarkozy, rival do chefe de Governo na corrida presidencial pelo campo da direita. O líder da União para um Movimento Popular (UMP) e ministro do Interior manteve-se relativamente afastado de toda esta polémica, optando por aparecer nos últimos dias como uma espécie de mediador entre o Governo e frente comum anti-CPE.
A sua estratégia parece ter dado resultado, visto que por agora a crise parece ter sido atenuada, tendo já ontem a câmara baixa da Assembleia Nacional aprovado uma nova lei laboral, na qual o Estado se compromete a ajudar financeiramente jovens que estejam desempregados e em situação precária, e por isso com maiores dificuldades em acederem ao mercado de trabalho. Esta lei será agora votada no Senado.