2025/09/10

Corrupção regressa à agenda da PGR

Com Pinto Monteiro na Procuradoria-Geral da República é o regresso da seriedade, dos equilíbrios e do bom senso ao Ministério Público. É um verdadeiro 25 de Novembro na magistratura. A Justiça volta a ter um rumo e o Governo dá um sinal: a corrupção volta a ser prioridade depois do interregno Cunha Rodrigues/Souto Moura. É o grande acordo Cavaco/Sócrates para as prioridades da política criminal, na qual Marques Mendes não entrou. E o eanismo desforra-se do Bloco Central de Mário Soares. Mas os inimigos de Sócrates não param. Ferro Rodrigues, chefe da missão portuguesa junto da OCDE, convidou uma missão de combate à corrupção daquele organismo para fazer uma avaliação em Portugal. É a primeira vez que um Estado europeu se sujeita a tal humilhação, ao nível do Burkina Faso ou da Nigéria.
E o mais escandaloso é que é o embaixador português que prejudica a imagem de Portugal diante da perplexidade dos diplomatas da OCDE.

Foi uma longa interrupção, de mais de 15 anos. Desde a nomeação do conselheiro Cunha Rodrigues para a PGR, por acordo entre Almeida Santos e Fernando Nogueira, que a corrupção tinha sido afastada da agenda da PGR. Tudo acabou quando habilmente as competências da Alta Autoridade Para a Corrupção foram transferidas para o Ministério Público e a AACC extinta. A lógica era simples: a simples existência da Autoridade diminuía o Ministério Público. Optou-se pela sua extinção e o trabalho foi esquecido, emergindo primeiro o acordo do Bloco Central na gestão dos caos políticos, a começar no “caso Beleza” e a terminar no “caso da Virgula”, todos destinados a assegurar a sucessão de Fernando Nogueira e a divisão de interesses nos partidos centrais.
Só que, com Cavaco Silva em Belém, regressa a lógica do eanismo: os equilíbrios, o bom senso, o 25 de Novembro no Estado, a lógica da oportunidade.
E o 25 de Novembro no Estado começa pela recondução dos juízes aos tribunais e do Ministério Público a um factor de coesão nacional e de confiança dos portugueses na investigação criminal, acabando a sensação de impunidade e de falta de justiça que o último procurador conseguiu transmitir ao País.

Pinto Monteiro ou o regresso do bom senso

É o regresso do bom senso, mas também uma escolha politicamente relevante, no que diz e no que não diz. Como velha manobra de última hora, o Ministério Público ainda tentou desacreditar o nome do juiz Pinto Monteiro, colocando uma notícia no “Sol”, acusando-o falsamente de ser da “Maçonaria”.
Não era nenhuma mensagem criptada da Opus Dei, como alguns fizeram constar, nem aí estava o dedo de Marques Mendes, o beneficiário do novo jornal do arquitecto José António Saraiva. Podia ser mesmo o PCP e o próprio Ministério Público a quererem desacreditar Pinto Monteiro, para que Cavaco Silva o evitasse. Para eles, Henriques Gaspar seria o melhor candidato: tecnicamente competente, era mais maleável à corporação do Ministério Público e prestava-se ao papel que Souto Moura representou.
Este até ao último momento acabou por ser o que o magistral e napoleónico Cunha Rodrigues sempre quis que fosse: um substituto menos sério, mas sem capacidade de liderança e que jamais apagasse o enorme legado do “il magnifico”. Embora Souto Moura fosse um cultor das artes e um conservador da instituição, estava longe de ser o brilhante e florentino Cunha Rodrigues, talvez um dos magistrados mais politicamente preparados que o País conheceu, que soube gerir como ninguém a necessidade de sobrevivência de Paulo Portas e o seu projecto jornalístico: o “Independente”, usando habilmente as relações e as fugas de informação com Helena Sanches Osório, a verdadeira obreira da demolição e do descrédito do cavaquismo. (Paulo Portas colocou tanto cuidado na morte do “Independente”, usando ingenuamente a própria Inês Serra Lopes e o “Requiem” final – aquele lamentável último número – Ponto Final – de apologia e culto da personalidade de Paulo Portas (por que não reescrevendo a história a seu jeito e proveito?) e também humilhação de Serra Lopes – que até se esqueceu que Helena Sanches Osório é que foi a verdadeira autora da maioria das histórias políticas que fizeram o “Independente”, ao contrário do que escreveu Pacheco Pereira, e que o projecto político era muito mais o de equilíbrio de poderes no Bloco Central, de que Cunha Rodrigues era o fiel, que o do populismo, que Paulo Portas oportunamente haveria de incorporar.

Cavaco e as “virtudes” eanistas

Só que essa habilidade já nem com Cavaco Silva pega e, na terça-feira, o Governo confirmava o acordo para a nomeação de Pinto Monteiro para o lugar de Souto Moura. Era um sinal que o Bloco Central Institucional estava a modificar as regras nascidas do Bloco Central, negociado sob os auspícios de Mário Soares e que se manteve no cavaquismo, com a negociação entre Almeida Santos e Fernando Nogueira, mas que ficaram sem dono a partir de Durão Barroso, com Nuno Morais Sarmento a interferir na justiça e Jorge Sampaio sem autoridade na área.
É neste contexto que começa a ser perceptível a falta de liderança do procurador e começam a aparecer alguns ajustes de contas, que utilizam a ingénua legislação sobre a iniciativa penal de António Costa, aprovada ainda no Governo de António Guterres, a propósito da luta antiterrorista.
Não havendo gestão de recursos, a iniciativa processual estava nas denúncias anónimas que os próprios procuradores faziam a uns e a outros, para vilmente acusarem a classe política e empresarial, ou que os jornais aproveitavam para fazer. Bastava lançar a suspeita de um crime económico, por exemplo, num jornal para imediatamente o inquérito ser aberto. Ora, este sistema veio permitir uma gestão discricionária dos processos, já que os recursos eram necessariamente escassos.
Mas houve um assunto em que sempre se colocou travão: a corrupção. É certo que estimativas nossas apontam para que, no ano de 2005, a corrupção em Portugal pode não ter ultrapassado, em todos os sectores de actividade somados, os 75 milhões de euros, colocando Portugal num dos países com incidência média de corrupção, relativamente ao PIB.
Mas, agitada, primeiro, pela esquerda justicialista, que Maria José Morgado se fez porta- voz, e, depois, pelos sampaístas, com os afastados Ferro Rodrigues e João Cravinho, a questão da corrupção passou a estar na agenda política actual, como essencial à dignificação da classe política, uma das prioridades do mandato presidencial de Aníbal Cavaco Silva, enunciado logo no seu discurso de posse (na linha, aliás, da “verticalidade” e “honestidade” do discurso da regeneração eanista e de Salgado Zenha, dos anos oitenta, exactamente, contra a alegada corrupção do Bloco Central liderado por Mário Soares).
É esta consciência que coloca o professor Cavaco Silva em Belém, muito longe do cavaquismo e muito próximo do eanismo, não sendo, por acaso, a escolha emblemática do próprio general Ramalho Eanes para primeira figura apoiante do Presidente da República na última campanha eleitoral.

Os sinais de Cavaco e Sócrates

Cavaco funciona hoje por sinais criptados, bem diferentes dos tabus do tempo do executivo. E Sócrates percebeu que tem em Cavaco Silva o melhor aliado: e a escolha de Pinto Monteiro, mesmo desagradando ao Ministério Público, apesar do enorme prestígio do magistrado, significa o retomar da linha de Costa Brás no combate à corrupção, um dos principais pilares conceptuais do eanismo.
Sócrates, de uma só nomeação, elimina o problema do Ministério Público, como ainda por cima trava as iniciativas do grupo sampaísta, que julgavam poder embaraçá-lo com a questão da corrupção e do facto dela não constar do Pacto para a Justiça assinado com o PSD.
O Governo estava ciente das manobras de Ferro Rodrigues em Paris, que tinha conseguido mandar a Lisboa uma incómoda missão da OCDE – a mesma que faz os pareceres sobre a corrupção nos países africanos e na América do Sul – para fazer inquéritos sobre a corrupção em Portugal e o facto da nossa legislação não seguir os ditados da OCDE, como acontece com todos os Governos ocidentais, obrigados a seguir as práticas legislativas inventadas pelos americanos e impostas por comodidade aos países democráticos desde a II Guerra Mundial.
A OCDE marcou a visita da sua missão a Lisboa para 2 a 5 de Outubro e, nomeadamente, quer saber por que é que a corrupção nos negócios em Portugal não está versada no Código Penal. Uma questão académica (ver editorial), mas que demonstra prioridades diversas no combate à corrupção. Um embaraço que antecipa, ao escolher Pinto Monteiro e, sobretudo, ao anunciar um novo Código Penal e, para 2007, a definição das prioridades da política criminal, ou seja, a escolha política da gestão dos recursos e dos meios de investigação, que são por definição sempre escassos. Mas o objectivo de Ferro Rodrigues é que saia um relatório de tal modo escandaloso e negro sobre a corrupção em Portugal, que possa colocar dificuldades políticas ao Governo socialista. Era a desforra, contra o aparelho, ainda que isso cause necessariamente prejuízos incalculáveis à imagem de Portugal no estrangeiro. E, pior, depois disso a OCDE proporá a sua estratégia para resolver o problema da corrupção alegadamente muito grave em Portugal, o que significa necessariamente também uma humilhação para o legislador nacional.
Neste contexto, era urgente agir. E a escolha de Pinto Monteiro foi um tiro directo na “estratégia suicida” de João Cravinho e de Ferro Rodrigues. O Governo, com a nomeação, retira margem de contestação à esquerda, espaço de manobra à missão da OCDE, cala o Ministério Público (e sobretudo o PCP dentro da PGR), que ainda alimentou a esperança de manipular Belém (com Henriques Gaspar) e, finalmente, cala a oposição interna sampaísta.
O 25 de Novembro chegou à PGR: o PCP tem os dias contados no Ministério Público.

“Sol” versus “Expresso” A hora da verdade

Amanhã será o primeiro embate entre “Expresso” e “Sol”. No fim, nada ficará na mesma. O mercado alarga nesta altura. Amanhã os portugueses vão comparar o novo “Expresso” de Balsemão, uma cópia do “The Guardian”, e o “Sol”, uma cópia do antigo “Expresso”. Marcelo já começou a guardar distância do novo projecto. Já lhe retirou paternidade política e afirma tratar-se de um projecto apenas jornalístico para acabar com a hegemonia de Balsemão. Os milhões vão funcionar nas primeiras semanas, mas depois quem vai ganhar é quem tiver melhores conteúdos. Na última semana, Balsemão teve azar: a manchete do “Expresso” não era totalmente verdadeira e foi desmentida durante a semana. Amanhã, quem estará na berlinda será o “Sol”: a primeira capa poderá ditar o destino do jornal de Saraiva.

Francisco Pinto Balsemão deixou de falar a Marcelo Rebelo de Sousa. As relações dos dois antigos companheiros revelam o estado de espírito dos dois campos, no momento do maior desafio ao “Expresso”. Amanhã, será o primeiro grande embate entre o “Sol”, dirigido por José António Saraiva, e o “Expresso”, com Henrique Monteiro como director. Balsemão mobilizou meios que nunca se tinham visto na comunicação social. Amanhã imprime 200 mil exemplares, depois de ter criado a sensação de falta, na semana passada, com o “Expresso” praticamente esgotado em todo o País. E oferece mais outro DVD. Os 200 mil DVDs, só em selo (80 cêntimos por exemplar), custam ao maior grupo nacional da comunicação social 180 mil euros (mais de 36 mil contos).
A estratégia do velho senhor da comunicação social é simples: não dar nenhum espaço a Marcelo Rebelo de Sousa e ao “Sol” e fazer com que nenhum leitor compre o “Sol”, porque não conseguiu comprar o “Expresso”. Até no sítio, Balsemão vai mexer: é gratuito na próxima edição.
A revolução começa, também, logo na distribuição, com o substancial aumento de jornais disponíveis. O “Sol” vai sair com 120 mil exemplares e inundar o mercado e os pontos de venda. Para já o negócio é das gráficas. O “Expresso”, mesmo sem a nova gráfica da Mirandela pronta, avança com o novo formato. E os suplementos mantêm-se onde estavam antes, dando um negócio adicional à indústria. A Lisgráfica imprime 200 mil revistas da “Única” e até a Grafisa (a nova gráfica do Semanário no Cacém) faz um esforço adicional para imprimir o suplemento do Golfe do “Expresso”.
Quanto ao “Sol”, foi para a Funchalense, a gráfica de Joaquim Oliveira, da Lusomundo Media, que, tal como o “Sol”, tem relações privilegiadas com o Millennium bcp.
O segundo negócio é o da própria distribuição: Marcelo Rebelo de Sousa e José António Saraiva não têm dúvida quanto aos expedientes que Balsemão costuma usar contra os adversários, que transforma em inimigos. E por isso não acreditaram na bondade da VASP e preferiram ir para a Logista, desconfiando que a VASP ou não distribuiria todos os jornais ou faria um abastecimento intermitente para liquidar o título. A distribuidora não faz um jornal. Mas destrói-o. Dito isto, o “Sol” foi para os espanhóis, representados por Diogo Homem Fernandes. A Logista é uma boa empresa, mas não tem experiência neste segmento de mercado, uma vantagem que Balsemão pode ter do seu lado à partida.

O novo grafismo do “Expresso”

No sábado passado, o mais antigo semanário nacional de referência mudou de grafismo e formato. Foi um risco que o antigo primeiro-ministro decidiu tomar. Até porque a afinação do novo grafismo leva sempre várias semanas e, sobretudo, as mudanças gráficas mobilizam de tal modo as redacções que acabam por descurar as notícias. Foi, aliás, o que aconteceu no sábado passado. Pinto Balsemão decidiu avançar com o novo grafismo, mas não podia controlar o conteúdo. E foi aí que falhou: o “Expresso” não tinha notícias e, azar dos Távoras, a manchete não era correcta: a verdade vinha no Semanário, do dia anterior, em que se afirmava que não haveria pacto na Segurança Social e que, bem pelo contrário, José Sócrates daria esse dossier à esquerda, ao contrário do que afirmava o “Expresso” no dia seguinte. E o efeito foi devastador. Porque, pela primeira vez, as rádios de manhã não deram a notícia de capa do “Expresso”.
Aqui, o tamanho e a habituação são fatais. Uma notícia mesmo falsa, na capa do antigo “Expresso”, era desculpável, lida nas entrelinhas, finalmente convertida em facto político. Num tablóide já não é assim: a falta de notícias e sobretudo a sua falsidade afecta a credibilidade.
Por isso, sem poder controlar o conteúdo, Francisco Balsemão joga naquilo que pode: na força e na competência de um grupo de Comunicação Social que tem recursos e instrumentos que qualquer novato nem imagina. Balsemão, depois da saída de Marcelo do “Expresso” nos anos oitenta, aprendeu uma lição, que só os banqueiros costumam usar: nunca contou tudo, nunca abriu o jogo todo, nunca permitiu que quem soubesse da gestão tivesse a menor noção da edição ou que quem estava na parte comercial soubesse de distribuição. Balsemão, nos últimos 20 anos, não formou nenhum gestor global e por isso quem agora sai do “Expresso” não tem todo o “know–how”. E, hoje, está tudo muito diferente do que foi antes.
O domínio dos grupos económicos é tentacular: dentro da lógica de que “cães grandes não se mordem”, Impresa, Cofina e Lusomundo Media não fizeram guerra entre si. Mas, agora, o “Sol” é um intruso. E, portanto, usam-se e mobilizam-se os meios todos: até mesmo a guerra subterrânea, onde só Balsemão pode chegar.
É certo que, aproveitando a fragilidade do grupo Impresa, com a concentração da atenção na defesa do “Expresso”, por parte do Francisco Pinto Balsemão, o grupo Cofina de Paulo Fernandes decidiu atacar a revista “Visão”. É a imagem de um mundo selvagem: o velho gigante é atacado pelos chacais e hienas, que aproveitam, com oportunidade, o esforço concentrado.

O cerco a Balsemão

Até na televisão, este foi o momento para os directores de informação avançarem com a auto-regulação, o que obviamente apenas vai diminuir a SIC, que seria a estação mais livre nesta altura. Concretamente, a “Sábado” avança com livros gratuitos, tendo o primeiro sido distribuído esta semana (“Inteligência Emocional”). À quinta-feira, a “Visão” começa a sentir o cerco, numa altura em que também não tem notícias e a sua estrutura não dá mostra de se renovar. Paulo Fernandes, um recém-chegado ao negócio, não tem piedade e sobretudo não respeita o “antigo senhor da indústria”.
Mas, do lado do poder político, poderão surgir novidades: a Inspecção-Geral de Finanças poderá estar a investigar as contas do Banco Privado Português. E isso não é necessariamente contra Joe Berardo, que de lá saiu há cinco anos para se juntar a Ricardo Salgado. Os visados são necessariamente, para além de João Rendeiro, Francisco Pinto Balsemão e a família Vaz Guedes. Estes últimos venderam a Somague aos espanhóis e têm feito afirmações surpreendentes, transformando-se em “personas non gratas” no País. Rendeiro pode ser vítima da inveja e do seu próprio sucesso. Porém, pode ser também um aviso ao patrão da Impresa.
Algo para colocar os accionistas do “Sol” de pré-aviso, sobretudo, porque, na festa de lançamento do novo jornal de sábado, não teve nenhum membro do Governo. E sem Governo não há notícias. Dificilmente um projecto jornalístico vinga sem notícias e o sinal dado pelo Governo pode ser um mau presságio para o jornal de Marcelo e de Saraiva. Mas sobretudo pode ser um aviso aos seus accionistas: “Se passarem as marcas podem ser apertados.”

A questão do conteúdo

O novo formato e grafismo do “Expresso” é uma cópia do “The Guardian”. Uma situação que pode levar o jornal inglês a levantar um processo por plágio a Balsemão e arruinar totalmente o “Expresso”. Do lado da Impresa a equação era simples: havia que fazer rapidamente a mudança, uma vez que Saraiva vinha com um projecto gráfico muito próximo do antigo “Expresso”, embora com um formato de tablóide. E a própria revista “Tabu” seria um plágio da antiga “Única”.
Toda a campanha do antigo director do “Expresso” foi muito bem conduzida mediaticamente, culminando ontem com a entrevista na RTP. José António Saraiva assumiu a arrogância de Mourinho e transferiu-a para o jornalismo. Passou a imagem de que o “Expresso” era o próprio. Que tinha sido ele o seu autor. Antes e depois dele, nada, como Mourinho no Porto. Saraiva encarnou tão bem o papel, que começou a acreditar nisso, dando espaço para Balsemão reaparecer. De certo modo, nem percebeu que a presença de Marcelo era a negação disso mesmo. E o “staff” de Balsemão aconselhou-o a avançar directamente para lembrar que ele, sim, tinha sido o fundador do “Expresso” e que o “Expresso” sem Saraiva conseguia renovar-se. Ao contrário de Saraiva que, depois de ter estado no “Expresso”, apenas sabia copiar o próprio “Expresso”. É já neste jogo complexo e subliminar que entra a comunicação mais eficaz.
Dos dois lados, há profissionais que sabem o que estão a fazer. Mas se nos próximos três meses o que se joga é dinheiro, no final o que vingará será o conteúdo. E é aqui que Balsemão pode estar mais frágil. O “Expresso” deixou sair os melhores jornalistas e, embora tenha acesso ao Governo, não se pode converter num mero porta-voz oficioso do PS. Foi isso que prejudicou o Semanário e, sobretudo, é isso que está a tornar irrelevante o “Diário de Notícias”. Será um erro pensar que sem Governo é possível fazer imprensa em Portugal. Mas é um total disparate achar que se faz um projecto jornalístico apenas com o Governo. E por muito forte que seja o nome do “Expresso”, o certo é que o cerco montado pelo cansaço e trinta anos de hegemonia fazem do “Expresso” um alvo relativamente fácil para “Sol” de Marcelo e Saraiva.

O dilema da primeira notícia

É certo que o “Sol” tem mais vedetas jornalísticas e mais conselheiros de Estado como colunistas que o “Expresso”. Mas há grande expectativa quanto às opções. José António Saraiva teve seis meses para preparar a primeira página do “Sol” de amanhã. E tem várias opções:
A primeira é fazer uma manchete com um escândalo trazido por Felícia Cabrita, do estilo da Casa Pia. E já não vale o desgastado Apito Dourado nem as escutas telefónicas divulgadas a conta-gotas, aparentemente sobre todos os inimigos e adversários de Pinto da Costa. Se for um grande escândalo deste tipo, o “Sol” acaba por se nivelar por baixo e Marcelo e Paulo Portas serão os primeiros a sair, condenando o projecto a um fracasso.
A segunda opção será a de fazer um escândalo político: ora, nesta altura, um escândalo político só poderia fazer sentido se fosse sobre o Governo ou a maioria. E, nesta altura, fazer isso era cortar os acessos ao Governo, o que significava que o “Sol” estaria a falar sozinho dentro de duas ou três semanas. Mais, estaria sem publicidade que, basicamente, directa ou indirectamente, funciona sempre com o “diz que disse” do próprio Governo. É o problema de sermos um país pequeno, onde o Governo e o Estado são grandes.
A outra alternativa será arriscar noticias, construídas internamente: por exemplo, anunciar que o Governo pondera convidar Freitas do Amaral para procurador-geral da República ou ouvir alguns deputados para concluir a urgência da revisão constitucional em matéria de número de deputados. Esta seria uma alternativa mais séria, mas, para ter impacto, o “Sol” teria que trazer não quatro ou cinco notícias mas cinquenta ou cem. Sendo esmagador e ganhando desde o primeiro dia a liderança nos noticiários nas rádios da manhã.
A expectativa é grande: no primeiro número, o “Sol” pode perder colunistas, leitores ou a boa vontade do Estado. E em qualquer dos cenários isso pode ser trágico.

A armadilha de Marcelo

Ainda por cima Marcelo Rebelo de Sousa caiu numa armadilha infantil. Quando o projecto do “Sol” foi lançado com dinheiros do BCP e de gente próxima do PSD, era claro que se tratava de um instrumento político para preparar a candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, ou pelo menos para evitar o surgimento de qualquer outra no campo da direita. É certo que Marcelo Rebelo de Sousa é um comentador e não um homem que tenha uma visão ou um projecto político para Portugal. Mas sempre, nunca o escondeu, alimentou um projecto de poder pessoal. Só se o assumisse é que poderia viabilizar o “Sol”, mas acabava por se cobrir de ridículo e desacreditava-se politicamente. E, por isso, no passado domingo, Marcelo foi claro na RTP: o “Sol”não é um projecto político, como foi o Semanário ou o “Independente”. Marcelo afasta a paternidade, não assume e, portanto, torna frágil a única estratégia que seria obviamente vencedora, até porque o seu nome ainda é mágico nos ascensionais e na outra banda.

“Público” reduz no Norte

Marcelo preferiu assassinar o novo semanário de sábado, a comprometer-se pessoalmente. E, por isso, foi claro: trata-se de um projecto jornalístico. Ora isso é o que o “Sol” não pode ser, se quiser vingar, pois não há mercado, mesmo que Balsemão saia fragilizado desta batalha. A prazo, os grupos de comunicação social ganham sempre e o pequeno é péssimo em comunicação social, caso os grandes decidam acabar com eles.
Os diários estão aí para o provar: estão todos com campanhas publicitárias e coleccionáveis para manter vendas, mas os prejuízos são colossais na imprensa dita séria. O próprio “Público” de Belmiro de Azevedo encara reduzir pessoal e, sobretudo, reduzir substancialmente a sua delegação no Porto, numa altura em que a crise económica aperta no Norte e aparentemente não há figuras, nem opinião, de relevo nacional, fora de Lisboa.|

Bruxelas apoia maior envolvimento da CPLP em Timor

Bruxelas apoia um maior envolvimento de tropas da CPLP em Timor em substituição dos contingentes da Malásia, Austrália e Nova Zelândia. Mas sempre no âmbito das Nações Unidas. Entretanto, o Presidente da República timorense, depois de obter a neutralidade da Indonésia e com o apoio da Austrália, avançou na televisão com a ameaça de demissão e antecipação do ciclo eleitoral caso Alkatiri não se demita, depois da “inventona”, feita por uma televisão australiana, da alegada distribuição de armas da polícia às populações pela Fretilin e da prisão domiciliária do demitido ministro do Interior. A crise pode resultar em guerra civil.

A CPLP vai enviar uma missão ministerial a Timor-Leste, com o objectivo de, com as autoridades locais, avaliar a situação e estudar as formas de apoio que a organização poderá conceder a Timor-Leste para ultrapassar a crise actual. Lisboa e Luanda tentam deste modo evitar que, na sequência do “golpe de Estado” de Xanana Gusmão, a Austrália transforme Timor-Leste num protectorado seu. Na segunda-feira em Bruxelas, o secretário-geral Luís Pacheco da CPLP almoçou com Durão Barroso combinando a intenção de envolver tropas da CPLP em Timor, mas no âmbito das Nações Unidas.

CPLP e Portugal querem manutenção da independência de Timor

O apoio diplomático de Bruxelas ao envolvimento militar da CPLP pode ser decisivo para se conseguir afastar militares de países da região, que tenham intenções de domínio sobre a plataforma petrolífera do mais pequeno país lusófono.
Entretanto, a “tentativa de golpe de Estado” em Timor avançou-se ontem com a ameaça de demissão de Xanana Gusmão. O Presidente de Timor, depois de obter também a luz verde da Indonésia, e com o apoio estratégico de Timor, não quer contemporizar com o primeiro-ministro e quer a sua demissão, ameaçando demitir-se ele próprio ainda hoje e, por essa via, antecipar eleições e retirar legitimidade ao Governo da Fretilin. Um “golpe de Estado”, que se tornou imperioso depois do governo de Alkatiri ter dado aos europeus explorações de petróleo em Timor, o que alegadamente terá desagradado à potência hegemónica regional, a Austrália, que está por detrás de todo o golpe de Estado dirigido pelo Presidente da República.
O pretexto para a crise foi a alegada distribuição de armas da polícia à população por parte do primeiro-ministro, que nega a acusação de envolvimento. Entretanto o demitido ministro do Interior, vice-presidente da Fretilin, está em prisão domiciliária, vigiado por tropas australianas, e viu o combate político transformado em acusação judicial.
Percebendo a gravidade da situação, Portugal empenhou-se numa solução negociada, de modo a evitar a guerra civil, acabando por se enviar tropas no âmbito das Nações Unidas para manter a paz no território. Para Lisboa seria convocada uma reunião da CPLP, onde ficava decidido envolver tropas dos países lusófonos na estabilização do país, para evitar que Timor caia na tutela da Austrália.
Os ministros decidem mesmo organizar uma missão de ministros dos Negócios Estrangeiros a Timor, exactamente para tentar evitar a ruptura constitucional e afirmarem o apoio político ao compromisso e a viabilidade do Estado em Timor.
No Conselho de Ministros Extraordinário, ficou ainda decidido condenar as acções que provocaram as vítimas, reiteração do apoio político a Timor e afirmar o direito de soberania de Timor-Leste, fazendo apelo à comunidade internacional para reforçar a assistência humanitária em Timor.
A CPLP endossou o pedido das Autoridades timorenses de constituição de uma nova missão das Nações Unidas, com componentes policial, militar e civil, em apoio aos esforços de Timor em prol da estabilização e consolidação da paz e manifestou a disposição para que países membros integrem a próxima missão da ONU (e que a mesma contemple áreas de desenvolvimento económico e social, direitos humanos, fortalecimento institucional e assistência eleitoral).
Tal como Portugal, Angola pôs à disposição o envio de forças policiais e militares para Timor-Leste, caso seja necessário.

Kofi Anann envia missão

Recorde-se que o golpe iniciou-se em finais de Abril, depois de uma intervenção das forças armadas durante uma manifestação em Díli de cerca de 600 ex-militares (cerca de 40% do total de efectivos do exército timorense), que foram despedidos por abandono das respectivas unidades e na sequência de denúncias sobre alegadas discriminações étnicas por parte dos seus superiores.
Entretanto, o representante de Kofi Annan, que foi para Timor, salientou que “Timor-Leste é temporariamente um país quebrado, mas não é um Estado falhado”.
Sukehiro Hasegawa disse ainda que Ian Martin, enviado especial de Kofi Annan, inicia no próximo dia 26 uma missão de avaliação de duas semanas das necessidades em termos de “capacetes azuis”.
Militares e polícias da Austrália, Malásia, Nova Zelândia e Portugal, num total de cerca de 2 mil efectivos, começaram a chegar no passado dia 25 de Maio a Timor-Leste, correspondendo a um pedido das autoridades timorenses para ajudarem a restabelecer a lei e ordem públicas, face à desintegração da Polícia Nacional e às divisões no seio das forças armadas.
Este mandato deverá estar a terminar no próximo mês, havendo já a intenção de ser continuado. A CPLP, não querendo assumir-se unilateralmente como força de intervenção, deverá actuar no âmbito do chapéu das Nações Unidas, conforme ficou decidido no Conselho de Ministros Extraordinário de Lisboa.
Na próxima Conferència da CPLP, em Bissau, a 14 de Julho, a questão deverá ser debatida ao nível de chefes de Estado e Governo, podendo nessa altura os diplomatas de Lisboa, Brasília e Luanda insistirem numa solução negociada entre a Fretilin e o Presidente, e assegurar a independência de Timor.

Xanana ameaça demitir-se

O desenrolar da crise vai entretanto conhecendo hora a hora novos episódios, numa luta pelo poder sem paralelo e que os serviços de informação portugueses já há muito antecipavam. Xanana Gusmão foi à Indonésia onde obteve o “okay” de Jacarta para avançar com o golpe e ontem subiu o tom dos ataques ao primeiro-ministro, dizendo que se demitiria caso este não assumisse as suas responsabilidades pela actual crise em Timor-Leste.
“Peço responsabilidades ao vosso camarada Mari Alkatiri pela crise que estamos a viver, relativamente à sobrevivência do Estado de direito democrático, ou amanhã [sexta-feira] eu vou mandar uma carta ao Parlamento Nacional, para informar que me demito de Presidente da República”, disse Xanana Gusmão, numa mensagem ao país.
“Tenho vergonha pelo que o Estado está a fazer ao povo e eu não tenho coragem para enfrentar o povo”, afirmou o Presidente da República, justificando a sua decisão, numa manobra política visando retirar espaço mediático ao Governo.
“Peço à população para se acalmar, porque neste momento de crise todos nós temos que fazer uma boa reflexão para que não haja mais violência e destruição no nosso país”, disse ainda Xanana Gusmão, na sua mensagem.
Segundo os serviços da Presidência da República, a mensagem é dirigida “ao povo e aos membros da Fretilin”, o partido no poder em Timor-Leste.

Alkatiri não se demite

O primeiro-ministro timorense, Mari Alkatiri, por seu lado, reiterou que não se demitirá da chefia do Governo, apesar de o Presidente da República, Xanana Gusmão, o ter responsabilizado pela crise vivida em Timor e ter ameaçado demitir-se.
“Não, de modo algum”, respondeu Mari Alkatiri ao ser questionado se reconsideraria a sua decisão de não se demitir do cargo de primeiro-ministro, face à posição limite anunciada por Xanana.
“A situação está tão complexa que uma decisão precipitada pode complicar ainda mais as coisas”, afirmou Alkatiri, contactado telefonicamente em Díli.
Mari Alkatiri criticou a declaração do Presidente da República, afirmando que surge num momento pouco oportuno e numa altura em que ainda está por ocorrer um encontro, pedido pelo primeiro-ministro, com Xanana Gusmão e com o presidente do Parlamento Nacional, Francisco Guterres “Lu-Olo”.
“Acho que não tem lógica nenhuma estar a fazer uma declaração ao público quando tínhamos uma reunião marcada para amanhã [sexta-feira]”, afirmou Alkatiri.
“A vontade de resolver esta questão nunca deixou de existir, por isso mesmo pedimos ainda ontem [quarta-feira] a reunião [com Xanana Gusmão]. Acho que esta declaração veio simplesmente complicar ainda mais a situação”, acrescentou.

Prisão domiciliária para Rogério Lobato

Entretanto, o ex-ministro do Interior de Timor-Leste, Rogério Lobato, ficou a aguardar em prisão domiciliária a instrução do processo em que é acusado de distribuição de armas a civis, segundo fonte judicial.
Rogério Lobato, eleito recentemente vice-presidente da Fretilin, vai aguardar em casa a instrução do processo, porque o tribunal chegou à conclusão de que o Estabelecimento Prisional de Bécora, em Díli, “não oferecia condições de segurança para o arguido”, segundo a mesma fonte.
Desse modo, Rogério Lobato vai ficar em prisão domiciliária, guardado por militares australianos.
Rogério Lobato arrisca uma pena de 15 anos de prisão para os quatro crimes de que é acusado: associação criminosa, posse ilegal de armas, conspiração e tentativa de revolução.
O ex-ministro foi representado por um defensor oficioso, em virtude dos dois advogados que o vão defender, um português e outro macaense, apenas chegarem a Díli na próxima terça-feira, disse o procurador-geral da República, Longuinhos Monteiro.
O ex-ministro do Interior apresentou-se voluntariamente no tribunal de Díli para prestar declarações, no âmbito do processo de averiguações que lhe foi instaurado na passada terça-feira, pelo Ministério Público.
Rogério Lobato é acusado de ter distribuído armas a grupos de veteranos da resistência para eliminar adversários políticos do primeiro-ministro e líder da Fretilin, Mari Alkatiri.
As principais acusações foram feitas por Vicente da Conceição “Railos”, militante da Fretilin e veterano da luta da resistência, que acusa Mari Alkatiri de ter dado ordens a Rogério Lobato para constituir grupos civis armados.
Mari Alkatiri já negou por diversas vezes as acusações de que é alvo, considerando que se trata de uma campanha para fragilizar o Governo e a Fretilin para as eleições de 2007.
Rogério Lobato abandonou o governo timorense um dia depois do Presidente da República, Xanana Gusmão, ter sugerido ao primeiro-ministro a demissão dos ministros do Interior e da Defesa (Roque Rodrigues), no início da presente crise política.
Os dois ministros em causa acabaram por se demitir e foram substituídos por José Ramos Horta, que passou a acumular a pasta de Negócios Estrangeiros com a da Defesa, e por Alcino Baris, que passou de vice-ministro para titular da pasta do Interior.
Entretanto, ontem à tarde, em conferência de imprensa, o secretário-geral adjunto da Fretilin, José Reis, apelou para que as autoridades competentes “diferenciem um processo político de um processo criminal”, considerando que Rogério Lobato, vice-presidente do partido, está a ser alvo de perseguição política.

Fretilin vai propor “solução de compromisso” a Xanana

Na terça-feira, quando Xanana regressava da Indonésia, a Fretilin, por seu lado, ainda acreditava ser possível um entendimento negociado com o Presidente da República e fazia saber que ia propor a Xanana Gusmão uma “solução de compromisso” que respeitasse o quadro constitucional existente, resultante das eleições de 2001, em que o partido obteve 57,37% dos votos.
Segundo Estanislau da Silva, membro da comissão política nacional da Fretilin, seria possível “fazerem-se arranjos aceites por todas as partes e prosseguir com a governação”.
E nesse contexto, Estanislau da Silva admitiu que a demissão do primeiro-ministro, Mari Alkatiri, exigida pelo Presidente da República, seria uma das várias opções em análise, abrindo espaço para o entendimento.
“Vamos ter de ver as vantagens e as desvantagens [da demissão de Alkatiri]. Mas vamos, com certeza, optar por uma solução que sirva a maioria do povo de Timor-Leste”, frisou, sem especificar opções para a “solução de compromisso” que será proposta pela Fretilin.
O Presidente timorense, Xanana Gusmão, exigiu terça-feira, em carta enviada a Mari Alkatiri, a sua demissão da chefia do Governo, face a acusações de que estaria envolvido numa alegada distribuição de armas a civis para eliminação dos seus adversários políticos.
Mari Alkatiri, por seu lado, logo nesse dia fez saber que negava as acusações, feitas por um veterano da resistência à ocupação indonésia, e admitiu que apenas consideraria demitir-se se fosse esse o desejo da Fretilin, partido de que é secretário-geral. A decisão é do seu partido e não do Presidente da República.
Estanislau da Silva considerou que “não se pode deixar cair” o mandato recebido pela Fretilin nas eleições de 2001 e o trabalho dos últimos quatro anos de governação.
“Não podemos deixar este país cair, depois do trabalho que se fez nos últimos cinco ou seis anos e particularmente nos últimos quatro anos de governação”, vincou, ainda no início da semana em Timor.
Estanislau da Silva, que detém a pasta da Agricultura, Florestas e Pescas no executivo liderado por Mari Alkatiri, insistiu que é possível encontrar-se uma “solução de compromisso”.
A “solução de compromisso” deveria ter em conta o “respeito pelas instituições eleitas democraticamente” e ainda o facto de “nos próximos oito meses” se realizarem eleições legislativas, disse.

Xanana ameaça demitir-se no Conselho de Estado

Na quarta-feira a situação evoluiu no pior sentido, com o Presidente timorense, Xanana Gusmão, a ameaçar demitir-se durante a reunião do Conselho de Estado, se o primeiro-ministro, Mari Alkatiri, não aceitasse deixar a chefia do Governo. Xanana Gusmão teria alegado que a crise política não se poderia prolongar por mais tempo e que teria de dar uma satisfação ao povo timorense.
Com esse discurso, o Presidente preparava o “golpe populista” de ontem, quando afirmou não ter coragem de “enfrentar” o povo timorense em face dos resultados económicos da governação da Fretilin e que não lhe restava outra hipótese senão demitir-se.
Perante esta reacção, Mari Alkatiri tentou reduzir a pressão do Presidente e disse, no Conselho de Estado, que avaliava a posição e o papel do Presidente da República como “mais importantes” no contexto da actual crise, pelo que comunicou que iria consultar a direcção da Fretilin sobre a sua possível demissão.
Na reunião do Conselho de Estado, em que participaram dez dos doze conselheiros, cada um dos membros daquele órgão de consulta do Presidente da República se pronunciou sobre a crise política, disse ainda a fonte contactada pela Lusa.
Quatro dos conselheiros defenderam a demissão de Mari Alkatiri, três (incluindo o próprio primeiro-ministro) manifestaram-se contra, dois deixaram a decisão ao chefe de Estado e um não se pronunciou sobre a questão, não tendo havido qualquer votação, acrescentou a mesma fonte.
Após a reunião, que decorreu no Palácio das Cinzas (sede da Presidência da República) durante cerca de seis horas, Mari Alkatiri reuniu-se com o “núcleo duro” do Governo e da Fretilin para consultas sobre uma possível demissão.
Recorde-se que a demissão de Mari Alkatiri tinha já sido exigida por Xanana Gusmão numa carta que endereçou ao primeiro-ministro, a propósito de um programa transmitido por uma televisão australiana sobre a alegada distribuição de armas a civis.
Nessa carta, Xanana Gusmão referiu que no programa são feitas “graves denúncias” sobre o alegado envolvimento de Mari Alkatiri na entrega de armas a civis.
“Tendo visto o programa ‘Four Corners’, que me chocou imensamente, só me resta dar-lhe oportunidade para decidir: ou resigna ou, depois de ouvido o Conselho de Estado, o demitirei, porque deixou de merecer a minha confiança”, escreveu Xanana Gusmão.
“Espero uma resposta sua até às 17h00 de hoje, 20 de Junho de 2006”, lê-se na missiva assinada por Xanana Gusmão. A carta ficaria sem resposta, o que aumentou o tom da disputa.
A acusação de que Mari Alkatiri ordenou a distribuição de armas a civis para eliminar os seus adversários políticos foi feita por Vicente da Conceição “Railos”, um veterano da resistência contra a ocupação indonésia, que afirma liderar um grupo de “segurança interna” da Fretilin, de cerca de 30 homens.
Posteriormente, a Assembleia Constituinte votou a sua transformação no actual Parlamento Nacional, do qual saiu o Governo liderado por Mari Alkatiri, cuja posse ocorreu a 20 de Maio de 2002, dia em que o país se tornou independente.

Timor: apelo urgente ONU já reuniu compromissos de 10,9 milhões de euros

Entretanto, a degradação da situação económica e a necessidade de protecção internacional justificaram novos pedidos de ajuda económica e assistência internacional para Timor.
As contribuições para o apelo de ajuda de emergência para Timor-Leste já ultrapassaram dois terços dos 15 milhões de euros pedidos pela ONU, anunciou ontem o chefe da missão das Nações Unidas em Díli.
Sukehiro Hasegawa, representante especial do secretário-geral da ONU em Timor-Leste, disse em Díli que, desde que foi lançado o apelo de ajuda, a 12 de Junho, os países doadores já anunciaram participações financeiras no valor de 10,9 milhões de euros.
A verba destina-se a financiar três meses de operações humanitárias em Timor-Leste, onde a ONU calcula que existam 145 mil deslocados, na sequência da violência que afecta o país desde o final de Abril.
O apelo de emergência foi anunciado pelo coordenador da ajuda humanitária e representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Díli, Fien Reske-Nielsen.
Sukehiro Hasegawa fez o balanço sobre as contribuições financeiras para o apelo de emergência da ONU durante uma conferência de imprensa, em que deu conta da decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas de prorrogar, por mais dois meses, o mandato da actual missão da organização em Timor-Leste.

BES organiza grupo de patriotas para apoiar a OPA concorrente

O Governo fez saber que não abre mão da “golden shares” e da desblindagem dos estatutos da PT se os fundos avançarem sozinhos. A PT é para portugueses. E para não ficar nas mãos de Belmiro de Azevedo Ricardo Salgado, depois do aumento de capital do BES e da perda do Urquijo, está a preparar um grupo nacional para o acompanhar numa OPA concorrente. Enquanto isso, o ultimato de Belmiro de Azevedo à Autoridade da Concorrência parece poder complicar a vida ao empresário do Norte, comenta-se nos bastidores da OPA à PT.

Numa altura em que a eventual OPA sobre a Brisa está congelada, depois da Autoridade da Concorrência ter impedido o negócio da sua fusão com as Auto-Estradas do Atlântico, os avisos feitos esta semana por Abel Mateus, nos casos das OPAs à Portugal Telecom e ao BPI, podem introduzir alterações significativas nas previsões dos analistas. Para já, na PT, Abel Mateus promete uma posição definitiva para Julho próximo e aparentemente não terá gostado das pressões exercidas por Belmiro de Azevedo.

Ricardo Salgado organiza OPA competitiva

Esta semana, a Sonae fez saber que caso a Autoridade da Concorrência chumbe, na análise aprofundada que está a fazer ao dossier da OPA da Sonae à Portugal Telecom e à PT Multimédia, a fusão entre a Optimus e a TMN, a empresa de telecomunicações do Norte poderá desistir da OPA lançada.
Basicamente, o raciocínio da Sonaecom é que a operação só valeria a pena caso fossem possíveis os ganhos com a fusão das duas marcas. O mercado nacional não aguenta os custos de publicidade e o esforço operacional para o grupo manter duas marcas e apenas a fusão justificaria os ganhos que a Sonae antecipou para pagar a PT ao preço apresentado.
Já a estratégia delineada pela Portugal Telecom de se opor à OPA, aumentando artificialmente os resultados extraordinários em 2005, não só desacreditou a empresa de telecomunicações e a sua gestão anterior, como ainda por cima já havia antes criado espaço para a Sonae vir dizer que ponderava reduzir o preço da OPA em nove cêntimos por acção.
Uma situação que deixou um amargo de boca particular no BES, cujo envolvimento, ao preço médio de 8,30 euros por acção, está a começar a ficar perigoso, e a obrigar eventualmente a manter as reservas para pagar eventuais prejuízos.

Ricardo Salgado reage

Ricardo Salgado não poderia ficar parado diante da perspectiva de uma humilhação desta dimensão feita pelo empresário do Norte. E por isso está a mexer-se. Tentou inicialmente vender a sua posição, facilitando condições para que Miguel Paes do Amaral ou João Pereira Coutinho avançassem. Mas, do lado de Pereira Coutinho, apesar da facilidade da mobilização de fundos, o BES sentiu cautela e pouca vontade de correr riscos para safar terceiros. Já do lado dos “private equities”, o problema da credibilidade de Miguel Paes do Amaral foi apenas o primeiro, já que os fundos queriam manter Zenal Bava e aparentemente o antigo CFO da PT e actual presidente da PTM é incompatível com o financeiro da TVI.
Por outro lado, o Governo fez discretamente saber que usará a “golden share” para impedir o negócio e a desblindagem dos estatutos, caso os “private equities” entrem sozinhos no negócio.
E, em face desta posição do Governo, Ricardo Salgado ficou nas mãos da Sonae, com Belmiro de Azevedo a irritar a Autoridade da Concorrência com a ameaça de não fazer o negócio, caso a fusão seja chumbada por razões de concorrência, e, por outro lado, a ser intimidado pela possibilidade de Belmiro baixar o preço da própria OPA, deixando o BES ainda mais agarrado.

Uma estratégia contra Belmiro

O último ano não tem sido fácil para Ricardo Salgado, depois da história da Portucale e da Operação Furacão. Parece que o arrendatário do regime passou a ser o maior vilão e por isso Salgado optou por uma estratégia mais construtiva e conciliatória, agora que se apercebe que ninguém está aqui para o suportar e, sobretudo, que na época do governo Sócrates não há intocáveis em Portugal.
A suspeita de corrupção no caso da Portugal foi aparentemente congelada, senão mesmo já arquivada pelo Ministério Público. Foi o primeiro passo para a reconciliação do banqueiro com o Regime. Depois a Operação Furacão, sobre o alegado branqueamento de capital de vários bancos, acabou reduzida ao pagamento de 30 milhões de euros pelo conjunto dos cinco bancos investigados. Foi o segundo passo. Entretanto, Ricardo Salgado foi a Angola com o primeiro-ministro e a disposição do grupo modificou-se.
O primeiro passo foi aproveitar para reforçar o capital depois das pressões do Banco de Portugal. Sem explicar nada aos accionistas, alavancou o dinheiro suficiente no BES para ir às compras, ainda que isso tenha dado ao Crédit Agricole 11,5% do BES e o controlo das áreas rentáveis do banco e do grupo financeiro pelos franceses, que a semana passada anunciara, investir pelo menos mais cinco biliões em aquisições este ano, na Europa.

Dinheiro do aumento de capital para ir às compras

Farto de perder, desde 1989, milhões de euros em Espanha, a estratégia evidente do BES deveria ser a de sair de um mercado onde se deu mal, apesar de ser o banqueiro do rei. A compra do Urquijo poderia ser uma maneira de solidificar o Grupo Espírito Santo na gestão de activos em Espanha e de estancar os prejuízos, mas havia um limite de preço. Mais uma vez, e como já havia antes acontecido com o Banco Atlântico, foi o accionista do BCP, o Sabadell de Barcelona, que acabou por comprar, por 760 milhões de euros, o banco espanhol controlado por capitais belgas. Do lado português a situação era incontornável: seria um suicídio para o BES dar mais de 650 milhões pelo Banco Urquijo, mas o certo é que a perda na corrida ao banco deixou Ricardo Salgado, depois do aumento de capital do BES, com dinheiro para ir as compras, e, obviamente, em Portugal, já que no estrangeiro o BES só tem perdido dinheiro. E, em Portugal, não tendo sido possível a reunião com os pequenos bancos como resposta à OPA do BCP sobre o BPI, a ideia de manter posições significativas e pilotar grandes empresas nacionais cheira a reedição da estratégia dos anos noventa, mas é um capital seguro para a gestão de Ricardo Salgado, que, deste modo, acaba por segurar os fluxos financeiros das grandes empresas nacionais.

Reforço na Portugal Telecom

Neste novo cenário e respondendo às exigências do Governo, Ricardo Salgado aparece, agora, em condições de fazer operações que gosta. Já o estava a fazer na EDP, criando um núcleo de suporte a António Mexia, indicado pela Iberdrola e pelo BCP.
Mas a Portugal Telecom, onde a Sonae tem estado a humilhar o BES e os seus accionistas actuais, pode tornar-se de novo uma das bandeiras do grupo, muito embora o BES não tenha vocação industrial e não saiba gerir a PT, como ficou provado na gestão de Horta e Costa.
Henrique Granadeiro, um político escolhido para transição acaba por ser o homem certo para fazer a nova ponte entre o Governo socialista e o BES e facilitar a constituição de um núcleo de empresários financiados com crédito do BES, para se juntarem aos fundos internacionais e à Telefónica no lançamento de uma OPA competitiva à PT, ou, em alternativa, caso a Sonae desista para reconstruir o núcleo duro dos accionistas da PT.
Certa é já a saída de Patrick Monteiro de Barros, que acaba por fazer um bom negócio. A pretexto da incompatibilidade com o Governo depois do chumbo da sua refinaria de Sines, Patrick Monteiro de Barros prepara uma saída tragicómica como gosta. Com conferência de imprensa marcada para 2 de Junho próximo. Irá, admite-se nos meios económicos, dizer que não acredita no Governo nem em Portugal e por isso vende tudo o que tem. A sua casa de Cascais pertence a uma fundação com 30 anos e dificilmente o Governo a apanhará e vende a única coisa que tem em Portugal, a sua posição na PT, pagando as dívidas ao BES e ainda ficando com algumas mais-valias. Depois, dentro de anos, poderá ainda aparecer em algum país africano, sítio onde afinal ganhou dinheiro.
Sem Patrick Monteiro de Barros, Salgado irá provavelmente buscar Ilídio Pinho, que diz estar disposto a meter 250 milhões na PT – mas que, no fim, acabará metendo apenas 50 ou 100, como habitualmente -,já que agora não pode mais contar com Américo Amorim, que furou o acordo na Galp, avançando sozinho e deixando o BES fora da operação.
Provavelmente financiará Joaquim Oliveira em mais 100 ou 200 milhões para que entre também na PT. Poderá ser uma decisão estratégica para o dono da Lusomundo Média, já que a ligação à PT pode voltar a ser estratégica para o grupo, que teve que alavancar perto de 350 milhões de euros no BCP para comprar o “Diário de Notícias” e o “Jornal de Notícias” à PT o ano passado. Acresce que Oliveira foi parceiro da PTM e ainda mantém posições na Sport TV. Podem ainda juntar-se ao grupo o BCP, que faria um Tratado de Tordesilhas com a EDP e eventualmente empresários com interesse no sector, como o próprio João Pereira Coutinho.

Belmiro em risco?

A solução está à vista, portanto. Belmiro poderá já não ter condições para comprar a Portugal Telecom: Ricardo Salgado aproveitará o aumento de capital para manter a gestão industrial da PT e financiar um grupo de patriotas que, com os fundos privados internacionais, poderão prosseguir a estratégia delineada de vender o Brasil à Telefónica e dividir o cabo da rede de cobre, abrindo a possibilidade para um segundo episódio na PT. Eventualmente uma guerra entre Belmiro e João Pereira Coutinho pelo controlo da PT Multimédia.

A mudança do paradigma

A questão do livro de Manuel Maria Carrilho traz, mais uma vez, para o centro da controvérsia política a existência de um triângulo de legitimidades diferentes, cujos pólos – os eleitos, as magistraturas e os jornalistas – concorrem em poder.

A questão do livro de Manuel Maria Carrilho traz, mais uma vez, para o centro da controvérsia política a existência de um triângulo de legitimidades diferentes, cujos pólos – os eleitos, as magistraturas e os jornalistas – concorrem em poder. Este autêntico “Triângulo das Bermudas” faz desaparecer o moderno Estado europeu, emergindo, em seu lugar, as máfias, os poderes informais, os grupos de pressão ilegítimos e até o terrorismo.
Entre estes poderes a questão do equilíbrio e da divisão não se coloca. Não são as funções do Estado que estão em causa. Estes eleitos, magistrados e jornalistas não as exercem, limitando a intervenção executiva ao desempenho dos tecnocratas e a actividade legislativa – para além do folclore dos sampaístas, com os crucifixos e o protocolo – à mera transcrição das directivas de Bruxelas.

Do que se trata é que, no quadro da política espectáculo, a questão da transparência ganha relevância na definição do político, do magistrado ou do jornalista.
A credibilidade dos protagonistas nas sociedades democráticas europeias acaba por corresponder à ideia do super-homem. O eleito tem que estar acima de qualquer suspeita, não ter cadastro e ser um tipo decente. Mas também não pode ter mácula ou pecado. A ideia do homem perfeito, sem passado nem pecado, é a ilusão que acompanha a ideia de político, de magistrado e de jornalista. O político tem que ser sério, a justiça cega e o jornalista independente. É nisto que se quer acreditar.
Porém, a realidade acaba por se impor. O eleito, o magistrado e o jornalista são simplesmente homens como todos os outros, e, por isso, a solução no Estado de direito foi o da afirmação da lei. Criam-se leis para delimitar o âmbito de actuação. Criminalizam-se os comportamentos mais comuns, não cuidando de os prevenir. Não se entende que seja mais importante prevenir um crime que criar uma nova categoria de crimes.
Ao mesmo tempo o poder executivo é entregue à opacidade dos técnicos, as finanças públicas e a Segurança Social são reduzidas à dimensão do contabilista, o poder executivo verdadeiro é confiado a autoridades ditas independentes, chefiadas por homens não eleitos – como a Autoridade da Concorrência, a ANACOM, a CMVM, ou a da Energia, para não falar já na Autoridade das Florestas ou a Agência Alimentar.
O poder executivo sai do universo do eleito e os maiores disparates são cometidos, ditos e proclamados em nome de pseudoconhecimentos técnicos, tão limitados, históricos e ultrapassados, quanto os das ditas autoridades que os controlam.

Cavaco como referência moral

Porém, isto não resulta. O País empobrece. Do que se trata então?
Tudo isto foi, exactamente, a necessidade de manter a governabilidade, no quadro da democracia europeia. Já começamos a admitir que as democracias não são necessariamente apenas aquelas que foram inspiradas na revolução americana.
Mas a tecnocracia continua ainda a acreditar que Keynes é igual a Marx, sem perceber o erro das suas políticas e os excluídos que cria.
É, por isso, que ouvimos disparates como as políticas pró-cíclicas do BCE, imbecilidades como as da falência da Segurança Social e assistimos paralisados à anemia dos consumidores na Europa e ao definhar da nossa economia.
A Europa continuará a exportar Ferraris e Mercedes, agora para a China, para a Rússia e para a Índia. Mas, para além destas jóias acabadas de descobrir pelas novas classes emergentes da Ásia-Pacífico, a indústria deslocaliza-se, ou muda tecnologicamente, redundando necessariamente no desemprego.
É aqui que entramos nós. Sem grandes produções, sem ainda termos dado a volta às expectativas, todos temos que partilhar as preocupações com a dualidade de desenvolvimento e as assimetrias que a globalização acentua nos países perdedores, como Portugal.
Não precisamos rigorosamente nada de más notícias e algumas variações percentuais nas perspectivas do crescimento económico (como vimos nas últimas semanas entre o Governo, o INE, a OCDE ou o BdP) são, do ponto de vista económico, irrelevantes e verdadeiramente não deveriam nem ser sequer notícia.
Mas, a consciência de que a Economia pode estar a agravar o problema social é um sinal de alerta para o próprio Estado. Porque é por aqui que ele deixa de fazer sentido.
Pensar que se ganha maior governabilidade com mais empobrecimento e liquidação das capacidades críticas da Nação é ingénuo, mas pode ser a única solução que temos entre mãos e, nesse sentido, seria lamentável.
É, por isso, que a própria iniciativa do Presidente da República, quando denuncia a pobreza em Portugal, no âmbito do seu “Roteiro para a Inclusão”, não pode ser desligada desta aparente desestruturação do Estado e, sobretudo, da consciência das reduzidas expectativas para os próximos anos.
De certo modo, Belém constitui-se, mais do que como uma válvula de escape de um Regime que não tem soluções, nem oposição – e que não valoriza os seus protagonistas – como a nova referência moral de um País onde a família, a escola e a Igreja parecem ter falhado como formatadores de valores.
A própria consciência de que isto tem que ser assim, destes novos paradigmas, também políticos, deve-nos deixar ainda mais apreensivos e pode até ser perigoso no futuro. Mas, sobretudo, depois da “morte” do político, do juiz e do jornalista, torna irrelevante todas as considerações tecnocratas que se vão fazendo. É que, depois da “caridade”, já só resta Nossa Senhora de Fátima?