Se Cavaco Silva não levar um cravo encarnado, para a cerimónia do 25 de Abril, na Assembleia da República, significará uma opção clara pela normalidade democrática e institucional. Cavaco Silva seria o primeiro Presidente da República a comparecer na cerimónia comemorativa de Revolução sem o cravo característico do pronunciamento militar que depôs Marcelo Caetano e colocou no poder os militares do Conselho da Revolução, abrindo caminho à institucionalização da democracia dos partidos.
Mas, neste caso, o Presidente da República estará a demarcar-se do folclore da esquerda, que elegeu o cravo como símbolo do dia feriado nacional, não deixando de ser criticado pelos apoiantes dos seus opositores na corrida eleitoral.
Porém, se o Presidente da República optar por levar o cravo da Revolução militar, então estará a afastar-se daqueles que agora o elegeram e a abrir caminho para que numa próxima reeleição o Presidente da República possa contar com os votos da esquerda. O simbolismo pode ser tudo numa altura em que o Presidente da República terá que ser especialmente cauteloso nas palavras que escolher para o primeiro discurso presidencial na Câmara dos deputados, depois da sua tomada de posse. Belém tem consciência das expectativas que criou com a eleição do candidato da direita e que se a economia começar a correr tão mal, quanto todos os analistas prevêem, o primeiro visado pode ser o Presidente da República, que acabou eleito por um eleitorado desejoso de um novo D. Sebastião.
Em primeira linha, poderá ser Cavaco Silva a ser sacrificado em vez de Sócrates, que soube gerir as expectativas aproveitando o desempenho da direita nos últimos anos que esteve no Governo. E, neste particular, sem poderes constitucionais para afrontar, nesta conjuntura, o Governo e caracteristicamente agarrado à interpretação literal da Constituição, o Presidente da República poderá evitar grandes e graves críticas à acção do Governo ou ao comportamento dos parlamentares, evitando criar fricção demagógica e alimentar o populismo fácil da crítica ao parlamentarismo. É que se Cavaco Silva optasse por esse caminho, estaria a cobrir a estratégia de José Sócrates de criação de um bloco central institucional, primeiro passo para um presidencialismo de primeiro-ministro, ficando para Cavaco Silva o capital de queixa pelo facto do País continuar a empobrecer.
Nesse contexto, a crítica do Presidente da República ao Governo poderia ser antes substituída pela reflexão sobre a necessidade de rever a Constituição, em matéria de número de mandatos e de representação dos deputados. Depois da especulação do “Expresso”, foi o próprio Marcelo Rebelo de Sousa, no domingo passado, que abriu o caminho à crítica aos deputados faltosos na passada Semana Santa no Parlamento, admitindo que poderia não votar no PSD, caso o seu deputado faltoso se reapresentasse nas próximas eleições.
Mas, sobretudo, o que decorre da falta dos deputados é que o Parlamento pode funcionar com muito menos deputados e, com isso, contribuir para a redução da despesa pública.
Um discurso no sentido de reduzir a Assembleia da República a 130 deputados poderia ser uma sugestão grata a Belém e que, longe de desprestigiar o Parlamento e o semipresidencialismo do nosso sistema político, poderia reforçar a intervenção e melhorar a qualidade da representação política dos portugueses.
Apontar à reforma do sistema político, começando pela valorização do Parlamento e, nomeadamente, pela revisão constitucional que consagre a redução do número de deputados, poderia ser o vector para, indirectamente e sem entrar em confronto com a Assembleia da República, distanciar Belém do comportamento dos deputados, que foi aproveitado mediaticamente para a crítica ao sistema político.
Do lado de Belém percebe-se o cuidado que José Sócrates coloca na questão do Parlamento, mas ninguém é ingénuo para pensar que não é o Governo de José Sócrates o principal beneficiário da crise de credibilidade do Parlamento.
Nos meios políticos, o excesso de expectativa à volta do discurso do Presidente da República pode ser um meio para o neutralizar, pelo que, do lado de Belém, o que será mais importante acabará mesmo por ser a parte simbólica: vai Cavaco Silva, com o cravo da Revolução, tentar agradar à esquerda ou, sem cravo, assumirá a normalidade do regime e das instituições democráticas?