O Governo fez saber que não abre mão da “golden shares” e da desblindagem dos estatutos da PT se os fundos avançarem sozinhos. A PT é para portugueses. E para não ficar nas mãos de Belmiro de Azevedo Ricardo Salgado, depois do aumento de capital do BES e da perda do Urquijo, está a preparar um grupo nacional para o acompanhar numa OPA concorrente. Enquanto isso, o ultimato de Belmiro de Azevedo à Autoridade da Concorrência parece poder complicar a vida ao empresário do Norte, comenta-se nos bastidores da OPA à PT.
Numa altura em que a eventual OPA sobre a Brisa está congelada, depois da Autoridade da Concorrência ter impedido o negócio da sua fusão com as Auto-Estradas do Atlântico, os avisos feitos esta semana por Abel Mateus, nos casos das OPAs à Portugal Telecom e ao BPI, podem introduzir alterações significativas nas previsões dos analistas. Para já, na PT, Abel Mateus promete uma posição definitiva para Julho próximo e aparentemente não terá gostado das pressões exercidas por Belmiro de Azevedo.
Ricardo Salgado organiza OPA competitiva
Esta semana, a Sonae fez saber que caso a Autoridade da Concorrência chumbe, na análise aprofundada que está a fazer ao dossier da OPA da Sonae à Portugal Telecom e à PT Multimédia, a fusão entre a Optimus e a TMN, a empresa de telecomunicações do Norte poderá desistir da OPA lançada.
Basicamente, o raciocínio da Sonaecom é que a operação só valeria a pena caso fossem possíveis os ganhos com a fusão das duas marcas. O mercado nacional não aguenta os custos de publicidade e o esforço operacional para o grupo manter duas marcas e apenas a fusão justificaria os ganhos que a Sonae antecipou para pagar a PT ao preço apresentado.
Já a estratégia delineada pela Portugal Telecom de se opor à OPA, aumentando artificialmente os resultados extraordinários em 2005, não só desacreditou a empresa de telecomunicações e a sua gestão anterior, como ainda por cima já havia antes criado espaço para a Sonae vir dizer que ponderava reduzir o preço da OPA em nove cêntimos por acção.
Uma situação que deixou um amargo de boca particular no BES, cujo envolvimento, ao preço médio de 8,30 euros por acção, está a começar a ficar perigoso, e a obrigar eventualmente a manter as reservas para pagar eventuais prejuízos.
Ricardo Salgado reage
Ricardo Salgado não poderia ficar parado diante da perspectiva de uma humilhação desta dimensão feita pelo empresário do Norte. E por isso está a mexer-se. Tentou inicialmente vender a sua posição, facilitando condições para que Miguel Paes do Amaral ou João Pereira Coutinho avançassem. Mas, do lado de Pereira Coutinho, apesar da facilidade da mobilização de fundos, o BES sentiu cautela e pouca vontade de correr riscos para safar terceiros. Já do lado dos “private equities”, o problema da credibilidade de Miguel Paes do Amaral foi apenas o primeiro, já que os fundos queriam manter Zenal Bava e aparentemente o antigo CFO da PT e actual presidente da PTM é incompatível com o financeiro da TVI.
Por outro lado, o Governo fez discretamente saber que usará a “golden share” para impedir o negócio e a desblindagem dos estatutos, caso os “private equities” entrem sozinhos no negócio.
E, em face desta posição do Governo, Ricardo Salgado ficou nas mãos da Sonae, com Belmiro de Azevedo a irritar a Autoridade da Concorrência com a ameaça de não fazer o negócio, caso a fusão seja chumbada por razões de concorrência, e, por outro lado, a ser intimidado pela possibilidade de Belmiro baixar o preço da própria OPA, deixando o BES ainda mais agarrado.
Uma estratégia contra Belmiro
O último ano não tem sido fácil para Ricardo Salgado, depois da história da Portucale e da Operação Furacão. Parece que o arrendatário do regime passou a ser o maior vilão e por isso Salgado optou por uma estratégia mais construtiva e conciliatória, agora que se apercebe que ninguém está aqui para o suportar e, sobretudo, que na época do governo Sócrates não há intocáveis em Portugal.
A suspeita de corrupção no caso da Portugal foi aparentemente congelada, senão mesmo já arquivada pelo Ministério Público. Foi o primeiro passo para a reconciliação do banqueiro com o Regime. Depois a Operação Furacão, sobre o alegado branqueamento de capital de vários bancos, acabou reduzida ao pagamento de 30 milhões de euros pelo conjunto dos cinco bancos investigados. Foi o segundo passo. Entretanto, Ricardo Salgado foi a Angola com o primeiro-ministro e a disposição do grupo modificou-se.
O primeiro passo foi aproveitar para reforçar o capital depois das pressões do Banco de Portugal. Sem explicar nada aos accionistas, alavancou o dinheiro suficiente no BES para ir às compras, ainda que isso tenha dado ao Crédit Agricole 11,5% do BES e o controlo das áreas rentáveis do banco e do grupo financeiro pelos franceses, que a semana passada anunciara, investir pelo menos mais cinco biliões em aquisições este ano, na Europa.
Dinheiro do aumento de capital para ir às compras
Farto de perder, desde 1989, milhões de euros em Espanha, a estratégia evidente do BES deveria ser a de sair de um mercado onde se deu mal, apesar de ser o banqueiro do rei. A compra do Urquijo poderia ser uma maneira de solidificar o Grupo Espírito Santo na gestão de activos em Espanha e de estancar os prejuízos, mas havia um limite de preço. Mais uma vez, e como já havia antes acontecido com o Banco Atlântico, foi o accionista do BCP, o Sabadell de Barcelona, que acabou por comprar, por 760 milhões de euros, o banco espanhol controlado por capitais belgas. Do lado português a situação era incontornável: seria um suicídio para o BES dar mais de 650 milhões pelo Banco Urquijo, mas o certo é que a perda na corrida ao banco deixou Ricardo Salgado, depois do aumento de capital do BES, com dinheiro para ir as compras, e, obviamente, em Portugal, já que no estrangeiro o BES só tem perdido dinheiro. E, em Portugal, não tendo sido possível a reunião com os pequenos bancos como resposta à OPA do BCP sobre o BPI, a ideia de manter posições significativas e pilotar grandes empresas nacionais cheira a reedição da estratégia dos anos noventa, mas é um capital seguro para a gestão de Ricardo Salgado, que, deste modo, acaba por segurar os fluxos financeiros das grandes empresas nacionais.
Reforço na Portugal Telecom
Neste novo cenário e respondendo às exigências do Governo, Ricardo Salgado aparece, agora, em condições de fazer operações que gosta. Já o estava a fazer na EDP, criando um núcleo de suporte a António Mexia, indicado pela Iberdrola e pelo BCP.
Mas a Portugal Telecom, onde a Sonae tem estado a humilhar o BES e os seus accionistas actuais, pode tornar-se de novo uma das bandeiras do grupo, muito embora o BES não tenha vocação industrial e não saiba gerir a PT, como ficou provado na gestão de Horta e Costa.
Henrique Granadeiro, um político escolhido para transição acaba por ser o homem certo para fazer a nova ponte entre o Governo socialista e o BES e facilitar a constituição de um núcleo de empresários financiados com crédito do BES, para se juntarem aos fundos internacionais e à Telefónica no lançamento de uma OPA competitiva à PT, ou, em alternativa, caso a Sonae desista para reconstruir o núcleo duro dos accionistas da PT.
Certa é já a saída de Patrick Monteiro de Barros, que acaba por fazer um bom negócio. A pretexto da incompatibilidade com o Governo depois do chumbo da sua refinaria de Sines, Patrick Monteiro de Barros prepara uma saída tragicómica como gosta. Com conferência de imprensa marcada para 2 de Junho próximo. Irá, admite-se nos meios económicos, dizer que não acredita no Governo nem em Portugal e por isso vende tudo o que tem. A sua casa de Cascais pertence a uma fundação com 30 anos e dificilmente o Governo a apanhará e vende a única coisa que tem em Portugal, a sua posição na PT, pagando as dívidas ao BES e ainda ficando com algumas mais-valias. Depois, dentro de anos, poderá ainda aparecer em algum país africano, sítio onde afinal ganhou dinheiro.
Sem Patrick Monteiro de Barros, Salgado irá provavelmente buscar Ilídio Pinho, que diz estar disposto a meter 250 milhões na PT – mas que, no fim, acabará metendo apenas 50 ou 100, como habitualmente -,já que agora não pode mais contar com Américo Amorim, que furou o acordo na Galp, avançando sozinho e deixando o BES fora da operação.
Provavelmente financiará Joaquim Oliveira em mais 100 ou 200 milhões para que entre também na PT. Poderá ser uma decisão estratégica para o dono da Lusomundo Média, já que a ligação à PT pode voltar a ser estratégica para o grupo, que teve que alavancar perto de 350 milhões de euros no BCP para comprar o “Diário de Notícias” e o “Jornal de Notícias” à PT o ano passado. Acresce que Oliveira foi parceiro da PTM e ainda mantém posições na Sport TV. Podem ainda juntar-se ao grupo o BCP, que faria um Tratado de Tordesilhas com a EDP e eventualmente empresários com interesse no sector, como o próprio João Pereira Coutinho.
Belmiro em risco?
A solução está à vista, portanto. Belmiro poderá já não ter condições para comprar a Portugal Telecom: Ricardo Salgado aproveitará o aumento de capital para manter a gestão industrial da PT e financiar um grupo de patriotas que, com os fundos privados internacionais, poderão prosseguir a estratégia delineada de vender o Brasil à Telefónica e dividir o cabo da rede de cobre, abrindo a possibilidade para um segundo episódio na PT. Eventualmente uma guerra entre Belmiro e João Pereira Coutinho pelo controlo da PT Multimédia.
So gostava que alguém voltasse a ler o chorrilho de disparates que escreveu neste artigo.
Ironia em estado puro.