2025/07/08

A pensar nas legislativaspor Rui Teixeira Santos

O debate de, ontem, no Parlamento sobre o “estado da Nação” era importante para José Sócrates.

O debate de, ontem, no Parlamento sobre o “estado da Nação” era importante para José Sócrates. O Governo tinha que ir para férias com uma nota de optimismo, com um balanço positivo, para neutralizar a perturbação introduzida na vida pública pela chegada de Ferreira Leite à liderança do PSD e, sobretudo, pela nova proximidade entre Belém e o PSD.
Ficou claro, ao longo da semana, que o Presidente da República não é neutro na agenda do PSD e que Belém, antecipando a perda da maioria absoluta do PS em 2009, se preparou para ter o seu partido presidencial. O primeiro-ministro, aliás, percebendo a gravidade da situação, apressou-se, na terça-feira, a ir a Belém explicar ao Presidente da República os investimentos públicos em estradas.
Este súbito eanismo de Belém – mas que estava na mente dos conselheiros de Belém logo no início do mandato presidencial – só não resulta como alternativa, porque, em menos de três semanas e apesar da enorme boa vontade dos jornais e dos comentadores políticos, começa a ser evidente que o PSD de Ferreira Leite não é alternativa ao PS de José Sócrates.
Não sendo possível uma maioria absoluta alternativa, nem sequer uma vitória relativa da direita, e depois de Manuela Ferreira Leite excluir o bloco central como solução política, a direita dos interesses voltou a olhar para Paulo Portas como o suporte necessário da próxima maioria.

Portas, regressa que estás perdoado
Ostracizado pela média e pela classe bem-pensante, mas sobretudo pelos empresários ricos, Paulo Portas tornara-se um refém de si mesmo, num partido sem representação e esquecido. Parecia condenado à extinção. Cada vez que falava à imprensa, lembrava as histórias dos submarinos, dos helicópteros ou dos carros de combate e da suspeita sem acusação nascia uma espécie de nojo que afastava Portas do centro dos acontecimentos.
Ele próprio não ajudava. Já perdera a novidade da juventude e a passagem pelo Governo tirou-lhe a graça e a ironia.
Subitamente, Paulo Portas volta a ser notícia. A grande burguesia assustada com Ferreira Leite e com o regresso ao pessimismo percebeu rapidamente que a senhora não tinha a menor hipótese de ganhar o poder ao PS. As sondagens ainda não o reflectem em toda a extensão, mas todos perceberam que era o efeito da exposição mediática inicial.
Paulo Portas, por seu lado, provou ser um sobrevivente: viu-os ir e, agora, vê–os regressar, provando mais uma vez que na política portuguesa não há mortes definitivas.

O regresso do Bloco Central
Porém, o segundo cenário do PSD – o Bloco Central, que Ferreira Leite disse excluir – parece também servir a Cavaco Silva e aos estrategas de Belém. Foi, aliás, isso mesmo que ficou patente na intervenção de Paulo Rangel – o terceiro líder parlamentar do PSD em três anos – ontem, no Parlamento. Em nada havia diferença relativamente ao PS, as reformas seriam as mesmas, só faltavam, mesmo, os estudos das obras públicas – contra as quais, aliás, disse, o PSD nada tem desde que justificadas no contexto económico actual. O resto era o estilo. Um estilo notável e certeiro contra a “abstracção numérica” primeiro, contra a falta de rigor e a “mentira” da propaganda depois.
Sentindo que a crise social só se pode agravar e que, em 2009, o País vai estar provavelmente pior que este ano, apesar das terapêuticas anunciadas – as razões são, agora, sobretudo externas, ou têm que ver com os desequilíbrios internos gerados pela adesão à moeda única, como a falta de poupança interna e o forte endividamento externo, para além do défice comercial, que não cessa de aumentar, e crescimento económico inferior à média da União Europeia, ao que o PSD, e bem, juntou opções erradas exclusão da diversificação de dependências externas com a errada opção estratégica de Sócrates pela “Espanha, Espanha, Espanha!” – Belém percebe que tem que haver uma resposta institucional ao provável descrédito acelerado das opções do governo e que a governabilidade passará por entendimentos centrais, que permitam reduzir a tensão social, melhorar o desempenho da economia e garantir a estabilidade política.
Este cenário, aliás, pode ser ainda mais significativo, caso se continue a acentuar a degradação da autoridade do Estado, sobretudo, pela ausência de comando nas polícias e pelo descrédito da justiça, e ou se a crise social se transformar numa verdadeira explosão social, como já admite, por exemplo, António Barreto.

O negócio mais barato
Pouco mais de um mês depois das directas no PSD e apenas duas semanas sobre o seu Congresso, as sondagens ainda mostram a perturbação que esses acontecimentos sempre provocam.
Manuela Ferreira Leite tem, nesta altura, uma notoriedade grande, equivalente à que Menezes teve depois da eleição, mas, em boa verdade, só daqui a dois ou três meses é que poderemos avaliar o impacto da nova liderança do partido da oposição.
Porém, a má prestação de Ferreira Leite na televisão, na única entrevista que deu em quatro semanas de liderança, deixou nas elites uma imagem de alguém que não está preparada, nem tem condições de ganhar ao primeiro-ministro, nem, sobretudo, para gerir o País no contexto actual. (Já o contrário se deve dizer da bem articulada intervenção do novel líder parlamentar do PSD, Paulo Rangel, ontem, no debate sobre o Estado da Nação, que, surpreendentemente, mostrou uma habilidade oratória consistente com a sua mais conhecida intervenção no 25 de Abril.)
Por outro lado, excluindo, à partida, uma coligação à esquerda, manifestamente impossível com José Sócrates, entre um negócio de Bloco Central (sempre mais difícil para José Sócrates, até porque o Presidente da República tem ligações ao PSD, o que pode neutralizar a vantagem relativa do PS) e uma aliança PS-CDS, alguns empresários preferem esta última, pois deixa intacto o regime e a possibilidade de alternância. Por outro lado, todos percebem que o negócio de Paulo Portas é muito mais barato que o negócio do Bloco Central. Portas, como Sócrates, bem consciente, ontem, disse no Parlamento, custa os sete ou oito por cento de responsabilidade limitada de uma coligação, mas pode em 2009 valer bem a estabilidade política e a continuação do PS no Governo.

Um novo Paulo Portas
É a consciência deste regresso de apoios que subitamente parecem ter transfigurado Paulo Portas e o CDS, mobilizando o pequeno partido centrista para o sonho de voltar ao poder, razão da sua luta política, mas sobretudo condição da sua sobrevivência.
Um novo Paulo Portas que, nas jornadas parlamentares nos Açores, começou já a moderar o discurso anti-Sócrates quanto baste e que apareceu, ontem, no Parlamento, claro, sorridente e optimista.
Chegará lá?|

Optimismo versus rigor

O primeiro-ministro foi, ontem, ao Parlamento, ao debate do Estado da Nação. Levava duas ideias força: a culpa era da crise externa e a resposta tem que ser o optimismo.
A primeira ideia força do seu discurso foi que os males de que padece a Nação se devem à crise económica internacional – subida dos preços da energia, dos produtos alimentares e dos juros a que o Governo é alheio – e que eles (os males da Nação) só não são maiores porque o Governo antecipadamente teve resultados que, antes, o PSD de Ferreira Leite não teve, nomeadamente em matéria de consolidação orçamental.
A segunda ideia é que contra o pessimismo, o negativismo e a resignação do PSD regressado, o Governo mantém o ímpeto reformista e acredita que pode fazer a diferença com medidas concretas orientadas para o investimento público, o crescimento económico e a justiça social. Ou seja, Sócrates quis passar a mensagem que mesmo em crise é possível manter o “rumo modernizador de Portugal”.
E, finalmente, o conjunto de medidas anunciadas – que, obviamente, merecem o consenso de todos e que, em nosso entender, só pecam por tardias.
Do ponto de vista mediático, estes são os dois vectores em que Sócrates se vai tentar concentrar para desgastar o PSD de Ferreira Leite, o que pode ser eficaz. Aliás, a sensação de que Sócrates ganhou o debate era evidente.
Já, do lado do PSD, a estratégia consistia em neutralizar os efeitos negativos da entrevista de Ferreira Leite e das explicações de Morais Sarmento, do discurso do “não há dinheiro para nada” e do somos contra o TGV, do pessimismo e da resignação do novo PSD, para a exigência de rigor e transparência na gestão da coisa pública, nomeadamente no investimento público e, por outro lado, na denúncia do facto do Governo estar a aproveitar a margem orçamental para fazer investimentos públicos e acentuar o dirigismo estatal na economia, em vez de reduzir o peso do Estado e facilitar a vida às empresas, sobretudo às PME.
Paulo Rangel surge assim e, pela primeira vez, desde a eleição de Ferreira Leite, com um discurso fracturante e diferenciador, que nem a líder Ferreira Leite foi capaz de ter e muito menos a anacrónica discussão da natureza social-democrática do PSD – como queria Pacheco Pereira, a fazer lembrar debates dos anos setenta do século passado.
E este discurso, se Ferreira Leite o conseguir fazer passar, pode ser muito perigoso para o PS, sobretudo porque os cidadãos estão a sofrer na pele os rigores da crise e os excessos da perseguição fiscal e económica do Estado e não vêem nenhum sacrifício da parte do Governo.
Optimismo de um lado, discurso liberalizador e rigor no Estado do outro. Dois novos discursos diferentes e para seguir no próximo ciclo político – o ciclo eleitoral que começa em Setembro.|

Sobe e Desce

A Subir

Durão Barroso – Recebeu ontem o apoio público do presidente do Conselho Europeu para fazer um segundo mandato à frente na Comissão Europeia. Apesar do Conselho insistir na necessidade da aprovação do Tratado de Lisboa, Durão Barroso, à frente da Comissão Europeia, tem provado que é possível haver consensos mesmo numa Comissão com comissários de 27 países. Estudos académicos mostram que a Comissão Barroso tem sido mais produtiva em termos de legislação e consensos que as anteriores mais pequenas.

José Sócrates – Ganhou o debate do Estado da Nação, dizendo que é nesta altura de crise que os portugueses podem contar com o Estado e só não se pode fazer mais porque, apesar de todo o esforço, ainda não temos as contas com maior folga. José Sócrates garantiu que, apesar do PS ter achado que valeria a pena discutir as sugestões sindicais sobre o mapa judiciário – que será votado na Assembleia da República na próxima semana -, o Governo vai manter os poderes do procurador-geral de República exactamente como estão. Uma desautorização dos excessos do grupo parlamentar do PS?

Paulo Rangel- Foi a grande surpresa da tarde de ontem, com um discurso novo e articulado, tentando recuperar dos estragos das intervenções pouco pensadas de Ferreira Leite. Como estreia, no confronto com o primeiro-ministro, parece que temos homem…

Dias Loureiro – Depois de elogiar Sócrates, na apresentação da sua biografia, surgiu como orador principal na homenagem a Fausto Correia. Presentes Almeida Santos, Jorge Coelho, Pedro Santana Lopes, António Campos, Paulo Mota Pinto, Luís Nazareth, Arlindo de Carvalho, Álvaro Amaro, entre outros, no jantar que esta semana reuniu na FIL cerca de 200 pessoas a convite de Joaquim Couto, o presidente da Casa Académica de Lisboa.

Paulo Portas – Se quer ir para o Governo, depois das próximas legislativas, tem que moderar a sua linguagem. Mas teve graça quando comparou o primeiro-ministro José Sócrates ao xerife de Nottingham por cobrar impostos demasiado altos. A alusão à história mítica de Robin dos Bosques – também como é chamada a taxa que pode vir a ser imposta aos lucros especulativos das petrolíferas – foi feita no discurso de encerramento das jornadas parlamentares que decorreram na ilha Terceira, nos Açores. “Quem era o Robin dos Bosques? Alguém que ia buscar impostos que ilegal e imoralmente o xerife de Nottingham arrecadava”, lembrou o líder do CDS-PP, completando a sua versão da lenda inglesa medieval. “O xerife de Nottingham é o primeiro-ministro José Sócrates: é ele que continua a arrecadar mais impostos, mais receita à custa da economia portuguesa”, disse Paulo Portas, insistindo na pergunta que o CDS-PP tem vindo a fazer sobre o aumento galopante dos preços da gasolina: “Quanto é que o Estado ganhou a mais desde o início da crise dos combustíveis?”

Vítor Constâncio – A divulgação de produtos e serviços financeiros, especialmente através de campanhas publicitárias, vai passar a ter regras mais apertadas no âmbito de um novo diploma regulamentar do Banco de Portugal (BdP), colocado ontem em consulta pública. O projecto de diploma, disponível no sítio da internet do BdP – www.bancodeportugal.pt -, sobre o qual poderão ser dadas contribuições até 10 de Setembro, dá ênfase especial aos princípios de transparência e rigor que devem ser seguidos na divulgação ao público dos produtos e serviços financeiros. A justificar a iniciativa, o BdP sustenta que a experiência revela que a decisão do consumidor é tomada muitas vezes numa fase anterior à pré-contratual, tendo as campanhas publicitárias uma influência determinante. Assim, “a informação inicial não pode deixar de estar igualmente sujeita a princípios de transparência e rigor adequados”, alega o supervisor do sistema financeiro. Entretanto, Constâncio anunciou ontem no Parlamento que vai inibir alguns dos antigos gestores do BCP.

Pinto da Costa – Apesar da inacreditável trapalhada na justiça desportiva e na instrumentalização dos órgãos da Federação Portuguesa de Futebol, o último a rir é o que ri melhor. A UEFA já recebeu toda a documentação solicitada à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) sobre as decisões da última reunião do Conselho de Justiça, mas decidiu aguardar pela deliberação do Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) sobre os recursos apresentados por Benfica e Guimarães. Uma lição para a mesquinhez nacional. Só Portugal é que tem espectáculos destes e ainda os exibe no estrangeiro.|

A Descer

Mariano Gago – Cedeu mais uma vez ao “lobby” publicista e diante do escândalo da falta de médicos foi obrigado a abrir mais lugares em medicina, em vez de abrir o curso de medicina ao ensino privado. Somos o país com o pior rácio de licenciados e o Governo continua a hesitar em avançar com as licenciaturas privadas em medicina. Obviamente, os países de leste e os cubanos têm médicos e escolas para preparar médicos para depois os enviar para Portugal.

Ferreira de Oliveira – A Galp caiu ontem na Bolsa mais de 5,2%, depois do primeiro-ministro ter anunciado um imposto extraordinário de 25% sobre os ganhos derivados da revalorização das reservas obrigatórias. A taxa criada sobre a valorização das reservas das petrolíferas irá dar ao Estado uma receita acima dos 100 milhões de euros.|

“Paulo Rangel é uma aposta de algum risco”

António Capucho, num exercício especulativo, lança o nome de Pedro Passos Coelho como um possível candidato à Câmara de Lisboa, nas autárquicas em 2009. O histórico social-democrata considera, ainda, que Paulo Rangel, na liderança do Grupo Parlamentar do PSD, é “uma aposta de algum risco”.

Mantém a intenção de se recandidatar à presidência da Câmara de Cascais?
Sim. Já o anunciei publicamente em resposta a um desafio do PSD local. Portanto, disponho-me a um novo mandato de quatro anos.

Quais os principais desafios que antevê para o próximo mandato?
Creio que, à semelhança do que vai suceder a nível nacional, vamos ter um desafio muito importante no domínio social. Ou seja, no acompanhamento de situações drásticas decorrentes do agravamento da crise económica. Mas ao mesmo tempo continuarão os eixos fundamentais de desenvolvimento de Cascais: grande contenção no domínio do urbanismo, grande aposta na requalificação urbana, na habitação social e nas áreas da cultura, educação e desporto.

É essa a visão estratégica que tem para Cascais?
Sim, é a visão estratégica que tenho e que tem tido eco junto dos eleitores – a fazer fé nas sondagens, que apontam para um grau de satisfação bastante razoável.

Agora que a fortaleza de Cascais está nas mãos da autarquia, que futuro terá?
Turístico-cultural. A Câmara recebe-a com essa missão. Dentro da fortaleza temos o palácio do Presidente da República, que vai ser submetido a concurso público – já com projecto aprovado pelo IPPAR – no sentido da sua recuperação com a função de residência oficial do Presidente. A fortaleza dará lugar, também, a um espaço museológico muito importante, que oportunamente será divulgado. O resto do espaço, que representa oitenta a 90 por cento da área, dependerá dos promotores individuais. Mas a vocação fundamental será turismo, hotelaria, restauração… Tudo de elevado nível. E, ao mesmo tempo, iniciativas de carácter cultural. Este caderno de encargos, que foi aprovado na Câmara na segunda-feira passada, dá uma ampla liberdade de opções aos promotores privados.

Posso concluir que a restrição à construção vai continuar, não obstante o grande investimento público?
Restrição à construção ligada a nova habitação. Queremos substituir a construção pela requalificação dos centros urbanos, de alguma maneira desertificados – como acontece em todas as grandes urbes. No entanto, em matéria de obra municipal, temos, ainda, uma aposta importante a fazer, especialmente nas acessibilidades. Ou seja, houve algum atraso na construção das várias acessibilidades, resultante da dificuldade que temos em expropriar, e temos de incrementar essa tarefa no próximo mandato.

Para a semana vamos ter o debate sobre o estado da Nação. Revê-se mais nos elogios da OCDE às reformas levadas a cabo pelo Governo ou na visão mais pessimista traçada por Manuela Ferreira Leite?
Não me parece que a OCDE diga coisas com as quais eu discordo, nomeadamente o esforço que o Governo realizou para conter o défice, alguns sucessos que tive na parte da despesa, por exemplo na reforma da Segurança Social. Agora, em termos gerais, o País está de rastos.

Está de rastos em que aspectos?
No plano económico. Ou seja, na degradação social resultante da crise económica. Para além de determinados tipos de comportamentos autistas e autoritários do Governo, a questão fundamental é que todos os índices – e a realidade – apontam para uma pioria das condições e da qualidade de vida dos portugueses.

Quando o Governo diminui o IVA, aumenta os abonos de família, congela os passes sociais… Não está a tomar as medidas acertadas para melhorar a vida dos portugueses?
Os exemplos que deu são peanuts. São questões pontuais que não escamoteiam o essencial: a situação geral do País. Nomeadamente os passes sociais, onde o Governo se esqueceu de Coimbra e de outras cidades que têm transportes públicos. A verdade é que o agravamento dos preços é generalizado e a capacidade de compra dos portugueses, e da classe média em particular, desceu abruptamente. Portanto, não é com obra pública faraónica que se resolve o problema, é com corte na despesa e incentivo à produção – coisa que o Governo não faz.

Esse será o grande cavalo de batalha do PSD até às eleições?
Isso perguntará à Manuela Ferreira Leite. Mas tudo indicara que sim. Resultou da entrevista de terça-feira que, finalmente, alguém mostra que “o rei vai nu”. Ou seja, que estamos a gastar com o dinheiro dos outros, a endividar o País, sem saber como é que pagamos e sem conhecer a envolvente dessas despesas. Algumas delas aparentemente faraónicas e secundárias. Quando a prioridade deve ser lançada ao relançamento da economia, por um lado, e ao apoio aos mais desfavorecidos.

Mas isso não é o regresso do discurso da “tanga”?
O País precisa de obras públicas. Não precisa de obras públicas que não sejam necessárias, que sejam supérfluas e para as quais não tem a capacidade de pagar. O Governo não tem o direito de atirar para as gerações futuras encargos de obras que são supérfluas, nomeadamente o TGV – isso é mais do que evidente. Chegar ao Porto um quarto de hora antes ou depois daquilo que está previsto é relativamente irrelevante. Chegar depois do que está previsto no TGV significa poupar centenas de milhões de Euros. Não tem nada que ver com o discurso da “tanga”, tem que ver com o discurso da realidade.

E, na sua opinião, quando é que o PSD deve começar a apresentar as suas propostas alternativas?
O PSD, para já, tem de apresentar as orientações de carácter geral, que é o que está a fazer. Progressivamente – não está aberto um calendário eleitoral iminente e a líder do partido ainda está a assumir as suas funções -, sector a sector, o PSD irá detalhando as suas propostas.

Posso concluir que é favorável à gestão do silêncio que tem sido feita?
Não há silêncio nenhum. O que não há é a resposta às interpelações da comunicação social e da oposição, que estão sintonizadas nessa angústia, a Manuela Ferreira Leite, para que ela diga, exactamente, aproximado às centésimas, o que é que pretende fazer em cada um dos sectores da actividade. Manuela Ferreira Leite não tem, muito especialmente, de responder ao Governo. Como ela disse na entrevista à TVI, com grande oportunidade, o Governo não pode pretender ser a oposição da oposição.

Já foi líder do Grupo Parlamentar do PSD. Sentir-se-ia suficientemente legitimado se quase metade da Bancada não tivesse votado em si?
Se fosse no seguimento das eleições anteriores e da escolha de deputados nas eleições anteriores, sentir-me-ia perfeitamente legitimado.

Este Grupo Parlamentar, que parece pouco unido, não vai enfraquecer a liderança de Paulo Rangel?
Estou convencido que a aproximação ao calendário eleitoral e a própria personalidade do Paulo Rangel conduzirão a que a generalidade dos deputados cerrem fileiras em volta da liderança parlamentar. Não podemos é escamotear aquilo que a comunicação social está a escamotear: o Paulo Rangel foi eleito por um Grupo Parlamentar hostil. Ou seja, maioritariamente derrotado no congresso.

O partido, se calhar, também não os soube acolher. Os santanistas, por exemplo, ficaram excluídos deste PSD.
Não me estava a referir, sequer, aos santanistas. Julgava que essa espécie já não tinha tanta relevância como isso. Tem uma representação dentro do partido, depois do congresso, residual. Agora, de facto, há pessoas que estiveram na direcção do Pedro Santana Lopes que estão na direcção do Paulo Rangel.

Hugo Velosa.
E também o José Eduardo Martins. Um por estar ligado à Madeira, outro às áreas do ambiente. Ambos são competentes, estiveram disponíveis e foram convidados. Portanto, não é verdade que haja qualquer exclusão.

Paulo Rangel é a solução ideal ou a possível?
É uma solução arriscada. Na justa medida em que ele é um militante de filiação relativamente recente, por ventura sem o conhecimento tão aprofundado do partido como outros líder parlamentares poderiam ter. Mas a verdade é que já revelou qualidades que o apontam como uma aposta – insisto, de algum risco – extremamente interessante na renovação e na capacidade de confronto com o senhor primeiro-ministro.

Por que razão diz que é uma aposta de algum risco?
Por ser uma pessoa sem grande acolhimento dentro do partido, pois é um militante relativamente recente. Sem uma experiência extraordinária, como outros poderão ter. Mas tem um valor indiscutivelmente elevadíssimo. Já vi três ou quatro prestações dele na televisão em que bateu aos pontos os adversários todos. Paulo Rangel argumenta muito bem porque está muito bem apetrechado.

Falou em renovação. Há quem diga que este PSD é um regresso ao passado. Concorda?
Talvez. Mas acho que a Manuela Ferreira Leite, na Comissão Política, conseguiu dosear os consagrados, que são factores de grande credibilização do PSD, especialmente num momento em que o partido estava de rastos perante a opinião pública, e um conjunto de pessoas que aparece agora – que alguns eu nem sei quem são.

Quem é que falta neste PSD? Isto é, quem é que deveria ter avançado para a primeira linha e não o fez?
Não faço a mínima ideia. Tem de lhe perguntar sobre alguma recusa que possa ter tido.

Manuel Dias Loureiro?
Não sei se foi convidado. Mas se calhar está mais ligado à vida económica e menos disponível para a vida política.

As declarações elogiosas de Dias Loureiro a José Sócrates causaram-lhe espanto?
Não. Não me espantou. Dias Loureiro assumiu uma postura na sua vida virada para a actividade económica e empresarial. Tem todo o direito e tem todo o meu respeito. É, de facto, uma pessoa muito inteligente e assumiu, naturalmente, uma posição simpática para com o primeiro-ministro a propósito da apresentação de uma biografia.

Que posição é que Manuela Ferreira Leite deve reservar dentro do PSD para Pedro Passos Coelho?
Quando o Pedro Passos Coelho faz um discurso no congresso de grande abertura e de grande disponibilidade para colaborar, evidentemente que a Manuela Ferreira Leite é suficientemente inteligente para aproveitar essa disponibilidade. Como? Não me cabe a mim dizer. Não sei se ele está disponível para uma candidatura autárquica.

Falou-se de Pedro Santana Lopes em Lisboa. Em seu entender seria uma boa solução?
Quem falou foi o Marcelo Rebelo de Sousa. É uma hipótese… Depende das circunstâncias na altura. Eleitoralmente, o Pedro Santana Lopes é do melhor que o partido tem. A prova é que ganhou desafios impossíveis. Se é ele o melhor candidato? Imagine que Manuel Ferreira Leite tem outra ideia. Imagine que Manuela Ferreira Leite acha que o Pedro Passos Coelho é melhor candidato. Imagine que o Pedro Passos Coelho até está disponível. O Passos Coelho teve muito melhor impacto no congresso, em termos de votos, do que Pedro Santana Lopes. Estou a especular. Eu acho que deve haver um esforço por parte da direcção nacional, como houve quando eu me candidatei (com o Carlos Encarnação em Coimbra, o Rui Rio no Porto, o Santana Lopes na Figueira, o José Vitorino em Faro, o Fernando Seara em Sintra) para que nomes do PSD com projecção nacional se candidatassem a municípios em relação aos quais tinham alguma ligação.

E espera que haja, outra vez, esse empenho autárquico?
A Manuela Ferreira Leite sabe que a eleição autárquica tem enorme relevância. A direcção nacional do partido deve fazer um esforço junto dos militantes que podem prosseguir a carreira política, no sentido de quando têm capacidade eleitoral e competência técnica se possam candidatar às câmaras.

Poderá existir alguma falta de modernidade na nova liderança do PSD? Ferreira Leite, na terça-feira, referiu que “a família tem como objectivo a procriação”. Os ventos que sopram da Europa não são já outros?
E a família não tem como objectivo a procriação? Eu estou-me nas tintas para os ventos que sopram na Europa. Nós temos as nossas convicções. Assino por baixo o que disse Manuela Ferreira Leite. Total respeito pelas ligações homossexuais, recusa determinante em equiparar as relações homossexuais às relações heterossexuais. Para mim é mais uma questão de denominação do que outra coisa. Irrita-me que chamem casamento a uma relação entre homossexuais.

Já referiu que se vai recandidatar à Câmara de Cascais em 2009. Para além desse desafio, está disponível para mais algum?
Não. Eu já fui líder parlamentar duas vezes, ministro duas vezes, membro do Conselho de Estado, secretário-geral do PSD duas vezes, vice-presidente da Comissão Política duas vezes e três vezes presidente de câmara. Esta última função é onde melhor e mais me realizo pessoal e profissionalmente. Não tenho nenhum desejo, nenhuma vontade e nenhuma disponibilidade para voltar à vida política activa em Lisboa.|

António Costa começa a preparar autárquicas de 2009

O PS/Lisboa Começa a mobilizar os militantes e a preparar as eleições autárquicas de 2009, tendo em vista uma renovação do mandato à Câmara Municipal de Lisboa, desta vez acompanhado pela Assembleia Municipal. Para tal, num curto espaço de tempo, haverá lugar a actividades como desde logo, este fim-de-semana, a II Universidade de Verão na universidade Lusófona, a reunião da Comissão Política Concelhia e no dia 15, um Jantar de comemoração do primeiro ano desde a eleição de António Costa na CML.

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, o seu executivo camarário e o PS/Lisboa começam a preparar as eleições autárquicas de 2009, tendo em vista uma nova vitória e uma possível maioria absoluta do PS na Câmara e na Assembleia Municipal, que neste momento se encontra orientada pela maioria do PSD.
Para tal, arrancam já este mês com três grandes iniciativas, as quais em primeiro lugar a II Universidade de Verão, depois haverá lugar à reunião da comissão política da concelhia de Lisboa e por fim um Jantar de comemoração do primeiro aniversário de António Costa como presidente da CML.
É assim o encadear de acções que visam mobilizar e começar a preparar o caminho para 2009 que se figura difícil.
A II Universidade de Verão do PS/Lisboa, é já esta sexta-feira e sábado na Universidade Lusófona. Sexta-feira começa com o tema “o novo relacionamento com os Munícipes” sendo o moderador, José Manuel Mesquita, seguido do painel subordinado ao tema “a Simplificação Administrativa” com os oradores Maria Manuel Leitão Marques e António Gameiro, sendo o último painel do dia subordinado ao tema “o Simplis – Lisboa” com Marcos Perestrello, o vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa. No Sábado, a discussão começará logo de manhã e será sobre “as Formas de Participação dos Munícipes”, com a moderação de Teresa Damásio, passando-se aos temas da “Cidadania e os Decisores” com a participação de José Fialho e “Os Mecanismos de Participação” com Manuel Meirinho. Da parte da tarde, o debate será subordinada ao tema “o Orçamento Participativo” e “Os Modelos Europeus” com a participação de Pere Alcober e “a Proposta para Lisboa” com o próprio António Costa.
Quanto ao segundo momento, a reunião da Comissão Política Concelhia do PS/Lisboa, este é o órgão máximo da estrutura Concelhia, e vai contar com a presença do Presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, podendo neste dia começar a desenhar-se a estratégia autárquica Lisboeta para 2009, visto que este órgão cumpre mandato até Março de 2010.
Por fim, haverá ainda um jantar de comemoração do primeiro aniversário da eleição de António Costa enquanto presidente da CML. Este jantar irá ocorrer no dia 15 deste mês na FIl da Junqueira, em agradecimento à união gerada à volta da sua candidatura, aproveitando para mobilizar para lutas futuras.
Surgiu apenas recentemente como ponto negativo as declarações de Joaquim Raposo, presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa e da Câmara Municipal de Lisboa ao considerar “estranho” o anúncio feito quarta-feira por José Sócrates sobre a redução do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), defendendo que o Governo “não se pode demitir das suas responsabilidades”.
Em entrevista à RTP, o primeiro-ministro classificou como “inadmissível” o aumento de 15 por cento que o IMI registou em 2007 e adiantou que o Governo vai alterar os limites máximos daquele imposto para reduzir o encargo fiscal dos proprietários de casas, contando com a compreensão das autarquias. O autarca da Amadora referiu que o poder central “não pode criar problemas aos outros para resolver os seus próprios problemas” e contestou os argumentos apresentados José Sócrates para justificar a medida. António Costa, por seu lado já deu o seu acordo às medidas anunciadas pelo primeiro–ministro.|

“Os polacos vieram cá e ajoelharam”

Na biografia de Sócrates, esta semana lançada, fica-se a perceber porque é que o “não” da Irlanda ao Tratado de Lisboa foi uma derrota pessoal para o primeiro-ministro e advinha-se a estratégia portuguesa futura: depois de ter ajoelhado os polacos, como disse Sócrates, há que ajoelhar os irlandeses. O livro, da autoria de Eduardo Maio, editado pela Esfera dos Livros, intitula-se “O Menino de Ouro do PS” e nele também se diz que Sócrates pensa em política vinte e quatro horas por dia. Talvez porque não seja mulher, como disse Manuela Ferreira Leite esta semana.

Na biografia de Sócrates, esta semana lançada, fica-se a perceber porque é que o “não” da Irlanda ao Tratado de Lisboa foi uma derrota pessoal para o primeiro-ministro e advinha-se a estratégia portuguesa futura: depois de ter ajoelhado os polacos, como disse Sócrates, há que ajoelhar os irlandeses. O livro, da autoria de Eduardo Maio, editado pela Esfera dos Livros, intitula-se “O Menino de Ouro do PS” e nele também se diz que Sócrates pensa em política vinte e quatro horas por dia. Talvez porque não seja mulher, como disse Manuela Ferreira Leite esta semana. O SEMANÁRIO publica extractos da obra:
“O primeiro-ministro pôs, no entanto, toda a sua ambição e empenho, nessa presidência. A sua costela transmontana fez o resto. José Sócrates começou a desenhar a sua estratégia de sucesso para a presidência na noite em que a presidência alemã obteve o mandato para abrir as negociações entre os Estados-membros com o objectivo de aprovar o novo tratado: “Nessa noite eu pensei: agora vou lá dentro e vou dizer aos meus colegas que nós vamos aprovar o tratado. Vou abrir a Conferência Intergovernamental já em Julho e vamos aprovar o tratado em Outubro. Não vai ser em Dezembro, vai ser em Outubro!”, conta José Sócrates, explicando a seguir que a sua intuição política lhe dizia para correr esse risco, “quanto mais tempo lhes desse mais tempo havia para aparecerem propostas criativas. Além disso, se falhássemos a aprovação em Outubro ainda podíamos tentá-la em Dezembro. Então, fui lá dentro e disse-lhes: quero que saibam uma coisa. Tenho esta presidência toda clarinha no meu espírito. Isto vai passar-se assim – vamos abrir a CIG no dia 21 de Julho e vamos fazer a CIG mais pequena de toda a história europeia. Tudo isto vai terminar não em Dezembro, como estão a pensar, mas em Outubro, e em Outubro vamos ter um acordo. Um silêncio! E de repente: toda a gente a bater palmas. Isso é que é atitude!”, descreve o socialista. “Foi aproveitar o momento”, explica. “Porque é que eu queria em Outubro? Porque se aprovasse o tratado em Outubro ainda o assinávamos cá, durante a presidência portuguesa, como assinámos.”
A Polónia foi o país que mais dificuldades trouxe aos planos de José Sócrates: “Tínhamos ali uma questão crítica com a Polónia. Eu fiz assim. Primeiro tirámos toda a gente da frente para isolar a Polónia. Depois eu fui à Polónia e disse ao Presidente e ao primeiro-ministro: eu estou aqui muito disponível para ajudar a construir uma solução que proteja os interesses polacos. Sou sensível a isso. Mas quero que saibam de uma coisa: a cláusula de Ionina não figurará no tratado. Não é esse o meu entendimento do que está no tratado. E o presidente polaco perguntou-me: mas isto não é já para o conselho de Outubro, pois não? Porque esse conselho é dois dias antes das eleições polacas. E eu respondi: eu sei. Mas quem marcou as eleições foram os senhores, depois do conselho já estar marcado. A seguir tentaram convencer-me dos argumentos deles”, recorda José Sócrates, “e eu rematei: sabe, senhor presidente, eu nasci em 57, fui eleito para o Parlamento nacional em 87, um ano depois do meu país ter aderido à Europa. Dediquei toda a minha vida ao ideal europeu. Eu gosto demasiado da Europa para ser durante a minha presidência que vou alterar um conselho europeu por causa de uma questão interna e de uma agenda de um país membro. Não faço isso! Tenho a maior consideração pela Polónia mas isso, eu não faço. Eu não adio! Não quero olhar para trás e dizer: há aqui um acto de que me envergonho e desse acto eu tenho vergonha. E não o fiz. E eles vieram cá e ajoelharam. Assinaram o acordo dois dias antes das eleições na Polónia”, remata José Sócrates. “Aqueles seis meses foram infernais. Em trabalho e em tensão”, relembra. “Conciliar a agenda política interna e a agenda política internacional. Estava muita coisa em jogo. Eu sentia que tinha uma especial responsabilidade. Isso tirava-me o sono. Algumas vezes acordava a pensar nisto. Como resolver? Porque até aos momentos decisivos há uma grande ansiedade. Não calcula a alegria que eu e aquela gente toda tivemos no dia em que assinámos o acordo, porque são meses a pensar nisto, foi desde Outubro de 2006. A partir de Janeiro todas as sextas-feiras reunimos o grupo da presidência (…)

“Uma intensidade louca”

Noutra parte da biografia, sobre a dedicação de Sócrates ao cargo, pode ler-se: “Estudioso e trabalhador José Sócrates dedica-se ao governo praticamente o tempo todo. “Vive para aquilo com uma intensidade louca!”, afirma em tom de pasmo um dirigente do PS. “Ele dedica agora vinte e quatro horas do dia à governação”, confirma Edite Estrela, “Isso é o que mais lhe deve ter custado, ao decidir ser líder do PS, foi deixar a sua vida pessoal, deixar de ter tempo para ele e para a família.”
Desde que está no governo, José Sócrates vê os filhos ao fim-de-semana, mantendo com eles, no resto dos dias, o contacto por telefone. As férias em conjunto, em vários momentos do ano ajudam a diminuir as saudades (…)
Quando António Guterres se afastou da liderança, no final de 2001, ficou mais claro para Sócrates, e para muitos socialistas, que, muito provavelmente, o poder do partido se abriria, um dia, para ele. O socialista foi exímio na gestão dos seus passos desde então “avec son faux air de Dustin Hoffman sous des cheveux poivre et sel coupés court”, escreveu a “Le Point” a 19 de 007 – “com um certo ar de Dustin Hoffman, debaixo do cabelo grisalho de corte curto, com os seus fatos Armani ou Hugo Boss que irritam a ala esquerda do seu partido este socialista iconoclasta nunca prometeu a Lua a ninguém”. Como o próprio diz “não estou no governo para facilidades nem para vender simpatias”. José Sócrates gere o governo do país doseando a esperança e a confiança com as fortes dificuldades que o atravessam. No final do primeiro ano no poder, o primeiro-ministro avisou os portugueses que o pior ainda estava para vir.” (…)

O tabu

Sobre o tabu da recandidatura de Sócrates a PM, o livro aflora o seguinte: “José Sócrates vive a nostálgica lucidez de que a sua passagem pelo governo do país é efémera. Ainda antes de ser líder do PS, conversando com o seu amigo Joaquim Valente, o socialista reflectia sobre a mudança do poder em Espanha, o fim abrupto da longa governação de José Maria Aznar, e interrogava-se sobre se valia a pena tanto sacrifício pessoal e tanto envolvimento em nome de um projecto político que, inevitavelmente, acabaria abreviado à simples escuma dos dias, com a erosão do tempo. José Hermínio, seu amigo da Covilhã, tem razão, a comunicação da política foi-lhe rarefazendo o riso: “Sou muito obcecado com o meu trabalho, muito concentrado”, começa José Sócrates, em busca das razões, “esta governação foi uma governação muito difícil e muito exigente. Nunca passei por momentos de facilidade. Foram sempre momentos muito exigentes. Três anos…”, Sócrates arrasta a frase, como quem avalia o fardo que carregou, “três anos de dificuldades, de combates, de luta, de obstáculos, e talvez isso…”. Deixe as suas marcas?” (…). Apesar de ter no horizonte a possibilidade dos socialistas se revalidarem no poder, Sócrates recita constantemente o destino: “um político termina sempre com uma derrota”, preparando-se para o enfrentar, um dia.”|

“O PS teria de fazer uma ruptura com as políticas que tem há 30 anos”

Agostinho Lopes, em entrevista ao SEMANÁRIO, avisa que, face à “política de direita” do Governo de José Sócrates, é “inevitável que a luta de resistência e de contestação aumentem de dimensão e volume”. O deputado comunista destaque, ainda, que os socialistas teriam de “fazer uma ruptura com as políticas que estão em cima da mesa há trinta anos” para existir uma coligação com o PS em 2009.

O senhor e o secretário-geral Jerónimo de Sousa foram recebidos, na terça-feira, pelo primeiro-ministro. Um dos temas que esteve em cima da mesa foi o Tratado de Lisboa. Com que impressão saiu da reunião?
A impressão que fiquei é que o Governo de Portugal, em sintonia com outros governos da UE, quer ultrapassar uma decisão democrática de um povo, violando as mais elementares regras da democracia.

Mas se o Tratado de Lisboa não for aprovado a Europa terá de funcionar a 27 com as regras que estipulou para Quinze.
Desde o Tratado de Nice verificou-se algum impasse assim tão significativo? Alguma decisão tão importante que não tenha sido tomada? Há uma questão de fundo que julgo que ainda não foi ultrapassada: a soberania dos Estados. A UE é uma união de Estados independentes e soberanos, o que significa que nada pode ultrapassar esta questão de fundo. Cada um dos países que compõem a UE, para além da cooperação e da articulação de políticas comuns, não entregam a sua soberania de decisão. De facto, o Tratado de Lisboa, como o chumbado Tratado Constitucional, argumenta que uma questão de boa funcionalidade dos órgãos da UE exige uma alteração das regras de funcionamento. O que se trata, no entanto, é de justificar, numa situação onde a decisão das grandes potências (particularmente o eixo França-Alemanha) poderia ser posta em causa por uma maioria de outros países, a imposição, de facto, da institucionalização de um directório das grandes potências, para acautelar qualquer sobressalto desse ponto de vista.

Um bloqueio do eixo Berlim-Paris.
Que até ao momento tinha funcionado sem a necessidade de outras alterações institucionais. Isto é a ideia de que no quadro de uma Europa alargada a 27 se exige, do ponto de vista institucional, as alterações que garantam sempre que o directório das grandes potências vinga a sua vontade. Daí as alterações introduzidas.

Então, na opinião do PCP, o quadro funcional da UE deve manter-se?
Não, o quadro deve ser alterado. O Tratado de Lisboa propõe a alteração das regras da UE, com o estabelecimento de uma assimetria clara no exercício do poder, atribuindo a alguns países a capacidade de decidirem em questões centrais. Aspecto que já estava presente em Maastricht.

E é a esse aspecto que o PCP se opõe?
Essa é uma das vertentes: a configuração do poder político. A situação de uma grande potência, por si só, conseguir bloquear a opinião da grande maioria dos outros países. A configuração federal da UE, que tem, ainda por cima, associada a si a inexistência de um Orçamento eficaz. Na UE existe um reforço brutal dos comandos federais e, depois, um orçamento comunitário reduzido a menos de um por cento do PIB.

Que mais aspectos são criticados pelo PCP? Na Irlanda falava-se da ameaça da liberalização da IVG ou do casamento entre homossexuais…
No Tratado de Lisboa há todo o problema da institucionalização das orientações neo-liberais. Em grande parte pode dizer-se que algumas dessas orientações já vigoram como políticas comuns, como directivas ou regulamentos. Mas agora transformam-se essas regras em direito institucional. De facto, um Tratado neo-liberal em contraposição absoluta com a Constituição Portuguesa. Este Tratado consagra a concorrência não-falseada como critério decisivo na regulamentação da vida económica dos países da UE. Outra vertente que não é pouco criticável é o claro reforço de toda a perspectiva da UE como potência militar, como um pólo imperialista dotado de capacidades militares próprias que lhe possibilitam intervir no mundo – coisa com a qual estamos profundamente em desacordo.

Em conclusão, posso interpretar que o PCP defende menos Europa?
Não defendemos menos Europa porque não confundimos a UE com a Europa. Se me pergunta se defendemos menos UE, digo-lhe que defendemos outro rumo para UE. No sentido de uma Europa de cooperação entre Estados soberanos, independentes e iguais em direitos. E essa cooperação não pode violar os limites inalienáveis das soberanias nacionais.

Qual o objectivo da Jornada de Informação e Esclarecimento contra o aumento do custo de vida, que o PCP vai promover?
Em primeiro lugar, a ideia de dar voz, através de um partido político, a gravíssimos problemas que atingem inúmeras camadas de portugueses. Não apenas trabalhadores ou reformados, mas também muitos milhares de pequenos empresários que estão a viver uma situação angustiante do ponto de vista dos seus rendimentos, com dificuldades em fazerem frente ao dia-a-dia das suas famílias.

Acha que a sociedade do bem-estar em que hoje vivemos está em crise? A tal sociedade capitalista…
Não acredito que a sociedade Portuguesa, para os desempregados do Vale do Ave ou para os reformados com pensões de 200 ou 300 Euros, seja de bem-estar. Tenho dúvidas que para milhares de portugueses que olham para o futuro com grande inquietação – estão desempregados, continuam com um posto de trabalho precário ao fim de muitos anos de vida laboral, jovens portugueses que tiraram um curso superior e vêem milhares desempregados licenciados, até nas áreas técnicas – a sociedade portuguesa seja de bem-estar ou animadora.

A sociedade de bem-estar nunca existiu, é uma ideia falsa?
A sociedade portuguesa tem tido períodos em que conseguiu responder, minimamente, ao conjunto das necessidades fundamentais. É uma evidência que a sociedade portuguesa, naqueles anos subsequentes ao 25 de Abril, deu resposta a um conjunto muito importante de necessidades dos cidadãos. Ao nível da educação, da alimentação, da saúde, até do ponto de vista das férias – aquilo que milhares portugueses só descobriram depois do 25 de Abril. Mas desde aí, com excepção de períodos muito curtos onde existiu uma ligeira recuperação do poder de compra, somos confrontados com uma sociedade profundamente desigual. E a desigualdade social agravou-se significativamente nos últimos anos.

Mas as causas desta crise em que hoje vivemos são externas, não existe uma responsabilidade, pelo menos directa, do Governo.
Não tenho essa ideia. Não podemos deixar de reflectir sobre as consequências da crise financeira, dos preços do petróleo, do preço dos bens alimentares – muito ligados à especulação -, que estão a cair em cima do País. Outro problema é esta conjuntura externa encaixar-se numa situação de dificuldades estruturais, como a desigualdade social, o País de baixos salários, de precariedade laboral, de profundas assimetrias regionais, de fragilidades no tecido económico, que são consequência de trinta anos de uma política errada.

Mas este Governo, dentro da margem das Contas Públicas controladas, poderia ir mais longe?
Poderia ir muito mais longe. Portugal tinha todas as razões para não cumprir o Plano de Estabilidade e Crescimento. Desde logo, a sua própria fragilidade estrutural, que não foi vencida com estes vinte anos de UE. Tínhamos todas as razões para colocar aos nossos parceiros comunitários a necessidade de um período suficientemente longo para que o País pudesse vencer todos esses défices estruturais.

Mas as Finanças Públicas fortalecidas não é algo de saudável para o País?
É um objectivo. Mas a questão é como atingimos esse objectivo. Desde que se começou a perspectivar a nossa entrada para a moeda única que a redução do défice é um objectivo. Mas o espantoso é que sucessivos governos, desde Cavaco Silva a Santana Lopes, foram colocando esse objectivo, e cada um que sai do Governo deixa o Orçamento de Estado pior do que o encontrou. E repete-se o filme: nova avaliação independente do défice, subidas dos impostos…

Há uma falsa obsessão pelo controlo das Finanças Públicas?
Há um problema estrutural: nós não respondemos ao aumento das Finanças Públicas sem antes aumentarmos a produção. Ou antes, nós respondemos, mas sacrificando grande parte da população portuguesa, a começar pelo seu principal capital que são os trabalhadores. A actual situação tem alargado o leque das camadas sacrificadas, começando a atingir as camadas médias, sectores com elevadas qualificações e, mais do que nunca, a generalidade das pequenas empresas.

A contestação nas ruas, que o PCP tem liderado, é a estratégia para ganhar aos socialistas e 2009?
Não é propriamente uma estratégia nova contra este Governo. É evidente que quando a situação política, a ausência de respostas e as medidas do Governo penalizam generalizadamente a população, o inevitável é que a luta de resistência e de contestação aumentem de dimensão e volume. Nós estamos a assistir – e isso é um facto novo – ao alargamento muito significativo da luta para lá dos trabalhadores e reformados, para sectores de pequenos empresários.

Como os transportadores?
Sim, que uma parte significativa são pequenos empresários. Os agricultores. Todo o sector do comércio, que é provavelmente um dos sectores que mais dificuldade enfrenta neste momento.

A contestação nas ruas é para manter?
Nós consideramos – e dizemo-lo muitas vezes – que as soluções políticas nascem da luta, Nós, pela nossa parte, dinamizaremos, tanto quanto for possível, essa luta em torno das reivindicações que consideramos justas e da contestação a medidas do Governo que achamos altamente criticáveis, basta lembrar o pacote laboral.

Tudo aponta no sentido do PS não ter maioria nas legislativas de 2009. Veria com bons olhos uma coligação composta por comunistas e socialistas?
Ao longo destes trinta e quatro anos que o regime democrático leva de vida, o PCP colocou sempre com muita clareza uma questão: para nós o mais importante não é estar no governo nem ter ministros no governo – o que não quer dizer que não nos consideramos com direito a governar, quando o povo português assim o decidir, nós governaremos. A nossa questão fundamental é de políticas. Se olhar para a nossa abordagem crítica, para a nossa intervenção, verificará que não somos daqueles que transformam os problemas da governação em problemas dos homens ou das mulheres que a exercem em cada momento. Não vê o PCP a pedir a demissão deste ou daquele ministro.

Depreendo que se houver um concerto de políticas, o cenário de uma coligação poderá ser real?
Isso significa que o PS teria de fazer uma ruptura com os eixos centrais das políticas que estão em cima da mesa há trinta anos. Os problemas do País exigem uma ruptura com políticas que há trinta anos são guiadas pela direita. Uma questão muito concreta: todo o problema do chamado sector público e das políticas de privatização e liberalização de mercados que o Governo continua a colocar em cima da mesa. Veja-se o caso da Galp. Não é possível que bens e serviços essenciais estejam dominados por uma lógica de lucros e especulativa: a banca, a EDP, os combustíveis…

Por que razão a esquerda, em Portugal, não se consegue entender?

Primeiro, hoje é difícil considerar o PS, pela sua prática políticas, pelas suas orientações políticas fundamentais, como um partido de esquerda. Julgo que o problema central é um problema de escolhas políticas, de funções do Estado, do ponto de vista sobre a UE, da estrutura económica da sociedade portuguesa…

Há quem diga – por exemplo Baptista Bastos num artigo publicado no DN na quarta-feira – que a esquerda está presa a uma matriz ideológica e não soube acompanhar a evolução do mundo. Partilha desta visão?
Há aqui um problema do Baptista Bastos e de muitos articulistas que vão comentando, um bocado afastados da luta política diária – cada um tem a vida que quer e pode. Mas julgo que fazem uma leitura muito superficial daquilo que as diversas forças políticas – e não apenas o PCP – fazem, produzem e escrevem. Não é verdade que os comunistas não leiam, não estudam, não reflictam sobre os problemas e as novas questões que vão sendo apresentadas ao mundo e à sociedade portuguesa.

As soluções que o PCP hoje apresenta não são as mesmas que apresentava há trinta anos?
Não. Temos naturalmente em linha de conta um fim ideológico que permanece, uma estrutura de reflexão marxista-leninista – não temos dúvidas em o afirmar. Mas essa leitura nunca cristalizou sob formas estabelecidas na análise ou na resposta. Pelo contrário, procuramos fazer as leituras que julgamos adequadas à solução. Não por julgarmos ser moda e ser necessário mudar; mas por julgarmos adequadas. Nenhum partido realiza tantos debates específicos, sectoriais, regionais, nacionais sobre os mais diversos temas da sociedade portuguesa como o PCP. Têm todo o direito de estar em desacordo connosco e discordar das nossas propostas. Mas é uma profunda injustiça dizer que o PCP não estuda, não aprofunda, não procura reflectir as novas situações e problemas que o Mundo coloca.|