2025/07/04

Socialistas avisam Cavaco que reeleição não está garantida

António Vitorino atacou Cavaco Silva e disse publicamente aquilo que muitos socialistas dizem em privado: o PR deixou de ter uma postura institucional e, objectivamente, Ferreira Leite é a beneficiada com esta mudança de atitude. Em privado, o SEMANÁRIO sabe que esta guerra até já subiu de patamar. Os socialistas andam a deixar sérios avisos de que a reeleição de Cavaco não está garantida.

Depois das legislativas e autárquicas, o país vai entrar em pré-campanha para as presidenciais

António Vitorino atacou Cavaco Silva e disse publicamente aquilo que muitos socialistas dizem em privado: o PR deixou de ter uma postura institucional e, objectivamente, Ferreira Leite é a beneficiada com esta mudança de atitude. Em privado, o SEMANÁRIO sabe que esta guerra até já subiu de patamar. Os socialistas andam a deixar sérios avisos de que a reeleição de Cavaco não está garantida.

Depois das eleições legislativas de 27 de Setembro e das autárquicas de 11 de Outubro, o país não encerra os sufrágios. Pouco mais de um ano depois, o país vai voltar a votar, para as presidenciais, que se devem realizar em princípios de 2011. É provável, aliás, que logo em princípios de 2011, Cavaco possa anunciar a sua recandidatura. O cenário, que chegou a ser muito falado, de Cavaco fazer só um mandato, parece estar hoje afastado, face à nova conjuntura política. No caso de o PSD ganhar as legislativas, Cavaco pode ser uma carta de garantia e conforto para o novo governo. No caso de ser o PS a ganhar, a maioria absoluta parece quase impossível, o que fará com que o papel de Cavaco também seja mais interventivo, quer num cenário de governo minoritário, quer de maioria absoluta.

Perante a onda de crispação que se vive entre o governo e o Presidente da República é, assim, natural que comecem já a existir recados, tendo em vista as próximas presidenciais. Esta semana, no seu espaço de comentário da RTP, António Vitorino abriu as hostilidades contra Cavaco Silva, falando em “activismo declaratório” do Presidente da República, por causa da sua intervenção no negócio da TVI, acrescentando que esperava que a conduta de Cavaco fosse diferente, ainda para mais falando de assuntos internos no estrangeiro, o que, segundo Vitorino, não fazia parte do seu estilo e código de conduta. Vitorino limitou-se a dizer publicamente aquilo que muitos socialistas dizem em privado: o PR deixou de ter uma postura institucional e, objectivamente, Ferreira Leite é a beneficiada com esta mudança de atitude. Ao mesmo tempo dão como exemplo a coincidência de agendas entre Cavaco e Ferreira Leite e alguns sinais evidentes de comunhão, como foi a referência directa de Cavaco à necessidade de uma política de verdade.

Em privado, o SEMANÁRIO sabe que esta guerra até já subiu de patamar. Os socialistas andam a deixar sérios avisos de que a reeleição de Cavaco não está garantida. Esta ameaça parece traduzir, desde já, uma forte vontade de o PS voltar a ter um candidato próprio nas presidenciais, mas desta vez com o partido inteiro mobilizado contra Cavaco. Refira-se que, a concretizar-se esta crispação, será a primeira vez que sucederá no campo de relações do PS e do PSD. Em 1991, Mário Soares foi reeleito, sem que o PSD apresentasse um candidato. Por sua vez, em 2001, o candidato do PSD, Ferreira do Amaral, para além de não ter o perfil adequado para poder sair vitorioso, fez uma campanha pouco crispada contra Jorge Sampaio.
Outro dado que a ameaça socialista a Cavaco parece demonstrar é que muita gente no PS está disposta a encontrar um candidato forte que possa derrotar Cavaco, o que é uma missão difícil e arriscada. Desde que há eleições presidenciais que nenhum Presidente da República deixou de ser reeleito. Neste quadro pode ser difícil ao PS encontrar um candidato forte que esteja disponível para enfrentar Cavaco em situações muito adversas. Porém, não é impossível. Freitas do Amaral, de quem se falou para ser candidato em 2006, antes de Mário Soares mostrar interesse no lugar, é uma forte hipótese. António Guterres é outra hipótese mas duvida-se que o hoje Alto Comissário para os Refugiados, aceite esta missão. Guterres é um homem cauteloso, muito mais que Freitas do Amaral. Outro potencial candidato é Manuel Alegre, que, certamente, aceitaria o desafio. Fora deste campeonato de pesos-pesados, também há a hipótese de Jorge Miranda, um homem que, face ao conflito recente com o PSD por causa do lugar de Provedor de Justiça, poderia ser um bom candidato oficial do PS. Por último, Luís Amado, que chegou a ser falado como cabeça de lista do PS às europeias, e que certamente teria feito uma melhor prestação que Vital Moreira, também é uma possibilidade.
Em termos de perspectivas eleitorais, os melhores colocados parecem ser Manuel Alegre e, sobretudo, Freitas do Amaral.. Apesar de muitos anti-corpos à direita, Freitas era capaz de entrar muito bem no eleitorado do PSD e do CDS e, ao mesmo tempo garantir a base de apoio do PS e conquistar votos à esquerda, do PC ao Bloco. Quanto a Alegre, apesar de mobilizar melhor a esquerda, dificilmente conquista a direita. Por sua vez, pode encontrar algumas bolsas de resistência em eleitorado PS mais tradicional, que não gostou das suas ameaças de ruptura com o PS, e PC, que sempre o viu como um soarista, praticante de uma política que serviu os interesses da direita.

“Qualquer apelo ao voto útil é um erro”

Diogo Feio, juntamente com Nuno Melo, foi eleito para o Parlamento Europeu – mandato que pretende cumprir até ao fim. Em entrevista, na semana do debate do Estado da Nação e a três meses de eleições legislativas, desvaloriza o apelo ao voto útil que o PSD poderá fazer, qualificando-o como um “erro” político.

Diogo Feio, Líder do Grupo Parlamentar do CDS

Diogo Feio, juntamente com Nuno Melo, foi eleito para o Parlamento Europeu – mandato que pretende cumprir até ao fim. Em entrevista, na semana do debate do Estado da Nação e a três meses de eleições legislativas, desvaloriza o apelo ao voto útil que o PSD poderá fazer, qualificando-o como um “erro” político. Sobre o CDS, diz que o objectivo é continuar a crescer e salienta que o partido “poderá exercer o poder com base naquele que é o seu caderno de encargos”.

O ministro das Finanças já veio anunciar o princípio do fim da crise. Faz sentido?

Esta ideia do princípio do fim da crise parece-me, claramente, exagerada. E corresponde, curiosamente, a uma total desorientação do Governo nesta matéria. O ministro Teixeira dos Santos dá um sinal de que a crise poderá estar a terminar. Depois veio corrigi-lo. Antes, o ministro Manuel Pinho tinha declarado que a crise não existiria em Portugal e que o nosso País iria crescer mais do que os restantes países que compõem a Zona Euro. A questão é que todos os relatórios internacionais demonstram que Portugal vai ser um dos países que mais dificuldades vai ter em sair da crise.

E em sua opinião por quê?
O Estado, nestes últimos quatro anos, não criou as condições para que as empresas possam crescer e para que pudesse haver mais investimento. Os problemas estruturais da nossa economia são vários. Começaria por um que não é muito referido: a justiça. Ninguém vai investir num país onde os litígios que mais têm que ver com a vida empresarial, os de natureza fiscal e comercial, demoram largos anos a serem resolvidos. Nos tribunais administrativos e fiscais estão pendentes, aproximadamente, 16 mil milhões de euros – o que corresponde a vários aeroportos de Lisboa. Qualquer investidor que saiba que vai demorar seis ou sete anos a resolver uma pendência não investe. Não é possível ter-se – e com verdade – a presidente do Tribunal de Comércio de Lisboa a dizer que o seu tribunal é o pior sítio do País para se trabalhar.

O CDS também fala reiteradamente na questão da fiscalidade.

Por outro lado, é necessário tornar o nosso sistema fiscal mais competitivo. As empresas necessitam de quebras efectivas e reais em algumas das taxas de impostos que têm de pagar. O Governo vir dizer que baixou o IVA é risível, porque quando entrou tinha o IVA a 19% e quando sair terá a 20%. As pessoas estão atentas a estes elementos. Este Governo não tem a capacidade de vir dizer que vai apostar numa política fiscal de médio prazo e que vai modificar os impostos que deve.

Mas não é irresponsável propor uma diminuição de impostos numa altura em que o défice está tão elevado?

O que o CDS vai propor é que exista um plano de médio prazo em relação à quebra de impostos. Que se olhe para as condições orçamentais e se diga claramente os impostos que serão modificados. A aposta no crescimento tem de ser evidente e os impostos são um dos aspectos essenciais dessa política. A questão do défice prende-se com o facto de se ter feito um caminho para o equilíbrio orçamental que passava, fundamentalmente, pelas receitas. E quando o clima económico se degrada, as receitas também baixam. O Governo está hoje a sofrer do remédio que criou para aquilo a que chamou a “consolidação saudável das contas públicas”.

O Governo, não diminuindo os impostos, está a apostar no investimento público para dinamizar a economia e criar emprego. É o caminho mais correcto?

Não faz qualquer sentido ouvir falar de novo em políticas keynesianas – que foi aquilo que fez o primeiro-ministro. Keynes teve uma teoria económica para uma situação que era completamente diferente da actual, desde logo pela carga fiscal e pelo volume dos défices que eram diferentes. Portanto, a aposta tem de ser no sector empresarial e num clima económico que seja livre. Sinto que em Portugal, neste momento, não há a liberdade económica para que a nossa economia possa crescer. Há uma excessiva dependência do Estado, há um relacionamento entre algumas empresas essenciais na nossa economia e o Estado que é excessivo.

Está a falar, por exemplo, da PT?
Não quero entrar em concretizações. Mas aquilo que me parece é que tem de se modificar claramente a tutela que o Estado tem sobre a economia – que é absolutamente inaceitável no século XXI.

Numa altura de crise, como a que estamos a viver, as pessoas pedem ajuda ao Estado. Foi importante, por outro lado, a CGD ser o banco público porque pode intervir na economia.

O Estado tem um papel essencial nas áreas de apoio social. E aí tem havido falhas e nós temos apontado bastantes. Mas a aposta tem de ser na liberdade. A esquerda defende muito a igualdade. O CDS tem de se apresentar como um partido de direita, de uma direita moderna e contemporânea, que aposta na ideia de liberdade e faz o combate à extrema-esquerda. Não é normal que partidos como o Bloco de Esquerda tenham uma votação tão elevada como a que tiveram nas últimas eleições europeias. É a altura desses partidos definirem qual o posicionamento estratégico que o nosso País deve ter; qual a fórmula que consideram mais correcta para sair da crise; se Portugal deve ou não participar na União Europeia e na NATO; qual a posição que Portugal deve ter relativamente às suas forças de segurança e ao apoio que necessitam; qual o modo que encontram para resolver o problema do desemprego; qual a esperança que dão ao País… Os partidos têm agora de se definir de uma forma muito clara.

Voltando aos investimentos públicos, qual a posição do CDS face às grandes obras públicas?
A opinião do CDS é que tudo deve ser atendido de acordo com o momento em que vivemos. E neste preciso momento vemos um endividamento muito grande na nossa economia. O endividamento corresponde aos impostos do futuro, porque para ser combatido vão ter de se criar receitas. Tudo o que vá criar aumentos excessivos de endividamento neste momento corresponde a um erro. A aposta que a economia nacional deve fazer é pura e simplesmente nas empresas que contribuem para o sector exportador.

Num programa de Governo do CDS nunca estaria presente o projecto do TGV?

Estava a falar das obras públicas em geral. Um projecto como o TGV tem de ser pensado com algumas inquietações. Não percebo por que se está a apostar em fazer o TGV entre o Porto e Lisboa e uma terceira auto-estrada também entre as duas cidades – é um absurdo. Tem que haver uma política de transportes estratégica. O projecto do TGV, a ser feito, tem de ser com uma base sólida. E é nessa base que o CDS está.

O PSD diz que se fosse Governo alterava todas as políticas económicas que foram feitas nesta legislatura, excepto a reforma da Segurança Social. O CDS faria algo parecido?

O CDS tem por hábito não ser um partido tremendista. A nossa ideia é a de apresentar propostas alternativas, muitas delas de ruptura, como foi o caso da educação. Não cabe na cabeça de ninguém que em Portugal não haja liberdade para as famílias escolherem o caminho escolar dos seus filhos. Esta é uma das medidas que pertence ao caderno de encargos do CDS. Só peço às pessoas para ouvirem e lerem as nossas propostas.

José Sócrates acusa a oposição de não ter ideias para o País, de não ter um programa.
O primeiro-ministro não percebeu que não é pelo facto de repetir algumas coisas nos debates quinzenais que elas se tornam verdade. O CDS tem um conjunto de propostas nas áreas da saúde, educação, economia, segurança, impostos, apoio aos mais necessitados, políticas para os idosos, segurança social… Nós temos um conjunto de propostas, muitas já apresentadas no Parlamento, que as pessoas conhecem e que trazem credibilidade, estabilidade e segurança sobre aquilo que o CDS propõe. O CDS, nesta altura em que se apresenta a eleições, é um partido seguro.

Até onde está o CDS disponível para assegurar a governabilidade do País?

O CDS deve ser transparente. E ser transparente é dizer que o partido tem um determinado espaço político, um conjunto de ideias e que será por estas que se irá bater. Portanto, é pura e simplesmente assim que o CDS se vai apresentar ao eleitorado: como um partido autónomo, que tem as suas ideias e que diz, claramente, quais são. O CDS, como as pessoas sabem, tem exercido o poder em Portugal. E poderá exercê-lo com base naquele que é o seu caderno de encargos.

Mas é possível ou não um entendimento pós-eleitoral com o PSD?
Não vale a pena estar a fazer projecções desse género. Nas próximas eleições nada indica que exista uma maioria absoluta de um partido. E, portanto, isto cria uma obrigação especial a todos os partidos – porque todos podem ter responsabilidades. E todos têm de apresentar as suas soluções para o País. E vai ser interessante fazer a comparação entre aquilo que propõe o CDS e o que propõe o PCP e o Bloco de Esquerda. As pessoas devem olhar para as suas propostas e ver quais é que devem ser mais razoáveis para a política portuguesa.

E para uma possível coligação…

À esquerda nota-se algo muito simples: PS, PCP e BE parecem ser partidos incompatíveis. À direita, CDS e PSD não são partidos incompatíveis, mas têm autonomia e ideias próprias. O CDS é o partido da direita e deve dizer ao eleitorado que traz valor acrescentado ao seu espaço político.

Teme o apelo do voto útil no PSD?

Desde logo ainda não ouvi apelo nenhum ao voto útil. Ouvi a presidente do PSD dizer que não vai pedir maioria absoluta. É evidente que num clima em que se diz que ninguém acredita na maioria absoluta de um só partido e se fala até nas condições de governabilidade e em possíveis coligações ao acordos pós-eleitorais, o voto tem todas as condições para ser mais livre do que nunca. As pessoas têm essa perfeita noção e qualquer pedido de voto útil é um erro.

Este calendário eleitoral é o mais favorável para a diminuição da abstenção?

Espero que sim. Mas favorável para a diminuição da abstenção é o exemplo que os partidos dão, a clareza naquelas que são as suas propostas e a forma como se apresentam a eleições. O CDS, tanto nas eleições dos Açores como nas europeias, dos partido do arco parlamentar, foi aquele que menos orçamento apresentou. É uma questão de ética e de responsabilidade perante a situação de crise em que as pessoas hoje vivem. Quanto menos cartazes houver nas rotundas menos abstenção haverá.

Que mensagem quis a direcção nacional do CDS dar ao colocar Ribeiro e Castro como cabeça de lista pelo Porto?

Quis dar, desde logo, a mensagem que o partido está unido perante o desafio eleitoral que agora vai ter pela frente. É o sinal de um partido que sabe estar à altura das responsabilidades que tem. Unido em torno do seu líder e das suas ideias. Um sinal de responsabilidade, credibilidade e transparência.

Tenciona levar até ao fim o seu mandato no Parlamento Europeu?

Fui eleito para um mandato de cinco nos e pretendo, evidentemente, exercê-lo. O único cenário é o de cumprir o mandato para o qual fui eleito.

Não gostaria de ver premiado o seu trabalho na liderança do grupo parlamentar do CDS com um lugar num eventual Governo na próxima legislatura?

Fui eleito para um lugar no Parlamento Europeu, que é um órgão central na política europeia e nacional. O partido deu também aqui um exemplo porque escolheu para candidatos pessoas com um perfil muito idêntico, mais jovens, com propostas, capacidade de intervenção… As pessoas votaram em nós para que façamos no Parlamento Europeu o trabalho que fizemos no Parlamento nacional.

O que seria um bom resultado para o CDS nas eleições legislativas?

Nunca tive por hábito, nas minhas intervenções, fazer determinações muito concretas de resultados. Aquilo que o CDS quer é continuar a crescer e demonstrar a todas as pessoas que as suas ideias são correctas e merecem confiança.

“Deve-se discutir muito seriamente a hipótese do nuclear”

João Soares é um dos rostos principais da ala esquerda socialista. O ex-edil de Lisboa, embora afirme que já provou que na política e no amor não se pode dizer nunca, assegura que a liderança do PS não é nada que esteja no seu horizonte.

João Soares, Presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE

João Soares é um dos rostos principais da ala esquerda socialista. O ex-edil de Lisboa, embora afirme que já provou que na política e no amor não se pode dizer nunca, assegura que a liderança do PS não é nada que esteja no seu horizonte. Sobre a governação de Sócrates, refere que, não obstante existirem ministros que estiveram menos bem, o Governo fez reformas muito importantes: na educação, na Segurança Social, nas finanças públicas ou na saúde. Afirma-se defensor do nuclear, do TGV e um grande fã do Magalhães.

Duarte Albuquerque Carreira
da.carreira@semanario.pt

Numa altura em que a Europa parecia estar a pender para a esquerda, a direita ganha as eleições europeias. Como é que justifica este facto?

Vejo isso com tristeza e como mais uma prova de que, infelizmente, a Europa ainda não encontrou o seu caminho, numa lógica de afirmação no plano internacional dos valores que são os seus. Valores que têm que ver com o sistema social europeu, o respeito pelas regras democráticas… Todos os sistemas de solidariedade social que afirmaram a Europa no Mundo nos melhores momentos da sua história. Mas é sabido que a Europa está a passar por uma crise, não só institucional.

Mas não é um paradoxo? Numa altura em que se anunciava o fim do neo-liberalismo…
Tenho o privilégio de estar a trabalhar, no quadro parlamentar, num cenário internacional muito alargado, que vai desde Vancouver a Vladivostok. É o da Assembleia Parlamentar da OSCE, de que sou presidente desde há um ano. Isso tem-me dado a possibilidade de ter uma visão diferente das coisas. Acompanhei muito as últimas eleições presidenciais americanas. E tenho a convicção, de há uns tempos a esta parte, que é muito dos EUA que vai vir a mudança que vai impulsionar o Mundo, um Mundo confrontado com uma crise de dimensões para tantos inesperadas.

Vê uma dinamismo maior na Administração Obama do que na Comissão Europeia?

Incomparavelmente maior. Sobre essa matéria não tenho nenhuma espécie de dúvidas. A nova Administração americana está a fazer uma verdadeira “revolução” nos EUA e no Mundo. E, infelizmente, a Europa não tem sabido acompanhar. Uma boa parte das pessoas que estão à frente da Europa – e não quero reeditar a questão Durão Barroso – foram cúmplices da anterior Administração Bush.

Mas foi a família política que ganhou as eleições europeias.

Mas isso não significa que a política passe a ser justa pela simples razão de se ter ganho as eleições. Eu já ganhei e perdi eleições, sei bem como essas coisas são.

E o lugar de presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE permite-lhe estar atento à vida política nacional?

Permite. E permite até, se quiser, uma certa distância em relação ao dia-a-dia e aos faits divers portugueses, que talvez ajude a apurar um pouco mais o olhar.

Não foi à reunião da Comissão Política Nacional do PS, órgão no qual tem assento. Se pudesse ter marcado presença, o que diria aos seus camaradas e ao seu Secretário-geral?

Não fui porque estava, nessa noite, a chegar da Ásia Central. Mas teria dito coisas semelhante àquelas que sei que disse, por exemplo, o António José Seguro: só quero ajudar, quero dar o meu contributo para que o PS possa continuar a ser o partido do Governo a seguir às próximas eleições legislativas.

E como é que isso se materializa?

Isso materializa-se, do meu ponto de vista – mas a responsabilidade de conduzir as operações é de quem tem legitimidade interna para o fazer -, conseguindo unir e mobilizar, antes de mais, todo o PS nas suas mais diversas sensibilidades, empenhando-o num combate que vai ser difícil.

Na sua opinião, quais as razões que estão na base do “cartão amarelo” que a população quis mostrar ao Governo através das europeias?

Antes de mais, houve uma onda que varreu os 27 países da UE. Mas pesaram razões internas. E, durante a campanha, como é sabido, não houve uma discussão sobre questões de natureza europeia. Em termos gerais, Portugal é um País difícil de governar, há até aquela velha frase que os romanos quando nos ocuparam disseram sobre os lusitanos… É muito difícil governar Portugal e, ao fim de um certo tempo, as pessoas ficam descontentes com quem tem responsabilidades de poder. Porque o poder é ter que tomar decisões e optar, muitas vezes contra interesses corporativos que estão instalados de uma forma muito viva na sociedade portuguesa. É preciso saber encontrar um equilíbrio entre a vontade de mudar para melhor, e a necessidade de envolver nessa vontade aqueles que têm de ser os principais agentes dessa mudança. No caso da educação, por exemplo, não se pode fazer uma reforma do sistema educativo sem os professores. Mas para se fazer uma reforma minimamente séria do sistema educativo tem-se, em alguma medida, de estar contra aquilo que são os interesses instalados. E é esse equilíbrio que é fácil de definir numa entrevista, e em palavras ditas assim, mas quando se tem a responsabilidade de mexer nas coisas é diferente.

Uma remodelação profunda no Governo antes das europeias teria feito sentido?

Sinceramente acho que não. Acompanho aquilo que foi a posição do primeiro-ministro. E agora uma remodelação teria ainda menos sentido. Não é em ano de eleições que se modificam equipas governativas que têm que ser julgados por aquilo que foram capazes de fazer. É evidente que há pessoas que estiveram menos bem nas suas responsabilidades ao nível do Governo, mas seguramente não esperará que eu lhe diga quem são porque estamos em ano de eleições. E estou certo que não estarão em próximas equipas governativas se o PS ganhar, como desejo, as eleições legislativas.

Um dos actuais ministros que, certamente, não estará num possível futuro Governo socialista é Mário Lino. Que anunciou o adiamento do TGV para a próxima legislatura.

Aí tem um projecto com o qual eu me identifico claramente. E estou à-vontade para falar sobre essa matéria porque sempre disse, em todas as circunstâncias e desde há muitos anos, que o projecto do novo aeroporto é um disparate completo por ser mau para o País e para a região da capital do País. Mas estarmos ligados à rede de comboios modernos de alta velocidade é qualquer coisa de decisivo. Teria sido, do meu ponto de vista, muito mais ajustado ter feito a reforma do sistema ferroviário numa lógica de modernidade do que ter feito a segunda auto-estrada Lisboa-Porto junto ao litoral.

Posso presumir que discorda do adiamento, na melhor das hipóteses por mais uns meses, do projecto do TGV?

Agora não é dramático. São razões de pudor democrático. Lançar o concurso agora ou daqui a três meses é rigorosamente a mesma coisa, estamos a falar de coisas que se arrastam há trinta e tal anos.

José Sócrates mudou de estilo depois de ter perdido as europeias?

Não. Não mudou nem pretende mudar. Nem eu o aconselho, de maneira nenhuma, que mude – ele aliás não precisa dos meus conselhos. Ninguém pode mudar de estilo, sobretudo, numa lógica de proximidade com actos eleitorais como aquela que estamos a viver.

Mas apostar mais no diálogo?

O diálogo é importante. E é importante que o valorizemos, também, numa lógica de imagem. Teria sido desejável que houvesse mais diálogo, nomeadamente com o movimento sindical, ao nível dos professores, e das grandes questões que movimentaram o mundo do trabalhar. É importante que o diálogo exista, e que se passe a imagem desse diálogo, que deixe de haver tanta crispação no relacionamento com o universo sindical.

De acordo com a tradição, o partido que ganha as eleições europeias vence também as legislativas. Isso preocupa-o?
Nunca fiz a reconstituição histórica dessa matéria. Mas não estabeleço uma relação directa… Mas se você está a querer que eu diga que há o risco de perdermos, claro que há o risco de perdermos as eleições legislativas. Isso seria dramático para o País. É preciso que o País tenha a consciência de que se volta – com todo o respeito pessoal que tenho por ela – a velha senhora é o regresso do velho estilo cavaquista, no pior sentido politico da expressão, ainda por cima com Cavaco como Presidente. E coligados com o CDS de Portas.

Ainda pensa que a direita em Portugal é dirigida por uma troika agressiva, impiedosa e muitas vezes despudorada na argumentação política? Disse isto em 2003 referindo-se a Durão Barroso, Paulo Portas e Santana Lopes.

Nessa altura era. Mas reconheço que esse não é o estilo de Manuela Ferreira Leite. Aliás, lembro-me bem – e já que você está a fazer citações – dos comentários que ela fez sobre o Durão Barroso quando foi para a Comissão Europeia e deixou o Governo e o PSD entregue a Santana Lopes. Condenou isso com veemência e honra lhe seja feita por essa atitude.

Que bandeiras gostaria que o seu partido trouxesse para a campanha eleitoral das eleições legislativas?

Em primeiro lugar, o PS tem de valorizar o esforço, importante e incontestável, que foi feito por este Governo em muitas áreas. Sei que na nossa terra há muita dificuldade em ter memória daquilo que de positivo foi feito… Houve transformações importante, nomeadamente no plano das Finanças Públicas. Equilíbrios que foram conseguidos que, agora, em larga medida, estão comprometidos pela grave crise internacional. Depois houve coisas decisivas que foram conseguidas na área da Segurança Social. O Vieira da Silva teve um papel na reforma da Segurança Social que tem de ser sublinhado com uma palavra de gratidão por quem, como eu, seguiu isso com atenção. Correia de Campos, na saúde, fez uma reforma importante. Também há algumas áreas na educação onde se deram saltos qualitativos importantes: a introdução do estudo do inglês, o aumento do tempo de estudo, a questão dos computadores… Sei que é de bom-tom entre muita esquerda pretensamente esclarecida gozar com o computador Magalhães, mas eu sou um fã do Magalhães. Devo-lhe dizer que tenho feito promoção internacional do Magalhães e tenho visto o deslumbramento com que países da Europa, da Ásia Central ou do Cáucaso ficam perante o projecto.

Mas o dr. João Soares não tem um Magalhães.

Não tenho um Magalhães aqui porque o computador que me deram no Parlamento é outro. Mas o meu filho mais novo, o Jonas, já usa o seu Magalhães.

A mensagem que passou não foi essa.
Esse é um dos dramas do tempo que estamos a viver: há, muitas vezes, uma grande diferença entre a realidade de facto e a imagem exterior que passa. E as pessoas que estão concentradas a trabalhar em modificar a realidade de facto no terreno, às vezes, esquecem-se das questões da imagem e consideram-nas secundárias.

Isso num Governo tão profissional quanto à imagem e com agências de comunicação?

Não acredito em agências de comunicação. Olhe, há quem diga que foi isso que me aconteceu em Lisboa: estava tão concentrado no trabalho que estava a fazer no terreno que me borrifei nas questões da imagem, e depois apareceu um Santana Lopes a dizer que fazia 250 mil casas para jovens no centro histórico, ou que fazia uma piscina em cada freguesia, muitos parques de estacionamento… E eu que tinha feito parques de estacionamento, algumas piscinas e muitas casas não me preocupei com a imagem.

Mas também não perdeu por muitos votos, cerca de 800…

856, deve ser um número que só eu sei. Nem o Santana se deve lembrar dele. E há quem diga que mal contados – matéria sobre a qual eu nunca me pronunciei.

Voltando à questão das bandeiras que o Governo deve trazer para a campanha eleitoral das legislativas…

As coisas têm que, cada vez mais, aproximar-se de uma escala humana, próxima das pessoas. Tudo o que tenha que ver com a qualificação é muito importante. Qualificar as pessoas, qualificar o território, qualificar a administração publica. A educação e a saúde são coisas muito sérias. A qualificação da Administração Pública, com a diminuição do peso da burocracia, onde houve por parte deste Governo vontade de mudar mas as coisas não foram tão longe quanto seria desejável. E a qualificação do território, matéria onde se fez um esforço: o investimento nas energias renováveis, eólicas e solares, deixou uma marca, ficámos muito bem qualificados no ranking europeu em matéria de energias renováveis.

A energia nuclear deveria ser uma bandeira para a próxima legislatura?

Pessoalmente, acho que é uma matéria que se deve discutir. Se eu, em vésperas de eleições, aparecer a dizer que se deve avançar para o nuclear, você faz disso um título muito chamativo e depois crucificam-me na praça pública. Deve-se discutir muito seriamente, mas duvido que seja possível fazê-lo em vésperas de eleições. Até porque em Portugal é muito fácil fazer demagogia e crucificar as pessoas quando elas dizem a mais elementar das verdades.

Tenciona fazer campanha ao lado de José Sócrates?

Claro que sim. Farei sempre campanha pelo PS – em todas as circunstâncias. Nunca ninguém me viu não participar numa campanha do meu partido. Participarei muito activamente.

Tenciona recandidatar-se a deputado?

Claro que sim, até para poder continuar o meu mandato como presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE. Onde tenho procurado honrar o Parlamento português e prestigiado Portugal.

Em nome da governabilidade o PS deve estar aberto a um entendimento com o resto da esquerda representada no Parlamento?

Só faz sentido falar sobre essa matéria depois das eleições. O PS tem que pedir uma maioria para poder continuar a governar, em nome daquilo que fez, em nome daquilo que se propõe fazer e em nome, sobretudo, da inquietação que os portugueses teriam em ver voltar o esquema da “velha senhora”: o cavaquismo puro e duro na sua versão mais hard.

E se não tiver essa maioria? É possível a esquerda dialogar entre si?

Isso depois se verá. Mas acho que a esquerda pode dialogar. Defendi isso para Lisboa, antes de qualquer outra pessoa o fazer. E é importante sublinhar que quem pôs em causa essa primeira e única experiência, de unidade da totalidade da esquerda, foi o PSR, com Francisco Louçã. Mas a unidade da esquerda é difícil, sobretudo vendo estes antecedentes.

Mas o desígnio da governabilidade, ainda mais numa altura de profunda crise, não poderá falar mais alto?

O António Guterres provou com muita inteligência, e muita capacidade de realizar na prática, que era possível governar mesmo sem uma maioria absoluta. A verdade é essa. Os primeiros quatro anos do Guterres foram absolutamente excepcionais.

Depois da morte de Francisco Sá carneiro, Cavaco Silva é a grande referência da direita nacional. Acha que a sua acção enquanto PR tem beneficiado o PSD?

Não quero ser injusto e não lhe faria essa acusação. Se o PS não tiver uma maioria absoluta para governar, como alguns desejam, Cavaco Silva vai ter muitas dificuldades como PR. Vai ter que ajudar a fazer equilíbrios que permitam ao País ser governado com o mínimo de estabilidade. Ninguém quer voltar a um período, como já houve na nossa história democrática, em que os governos duravam um ano ou ano e meio no máximo. O País precisa de estabilidade governativa e a necessidade de intervenção do PR, obviamente, terá que ser reforçada. Mas espero que isto não se tenha que provar – até por ele, coitado.

Ainda alimenta a vontade de, um dia, ser secretário-geral do PS?

Dei a cara na altura em que julguei ser importante fazê-lo. E com os resultados que são conhecidos, levei uma cabazada – como outros também levaram. Mas eu levei uma cabazada muito maior do que a do Alegre e, como democrata que sou, aceitei os resultados com a maior das humildades. Nessa matéria, não penso que faça sentido voltar a dar a cara outra vez. Embora, já uma vez um avião que caiu me tenha ensinado que devemos estar preparados para tudo. Mas a liderança do PS não é nada que esteja no meu horizonte. A Roseta é que costumava dizer que “na política e no amor não se pode dizer nunca”. Eu gosto da frase, e acho que já o provei nos dois planos

Tiro a Sócrates

O bombardeamento cavaquista a Sócrates intensificou-se esta semana. O dia de ontem, 25 de Junho, logo a seguir à entrevista de Manuela Ferreira Leite na SIC, foi particularmente difícil para o primeiro-ministro, de autêntica guerra relâmpago. A partir do norte de Portugal, Guimarães, berço da nação, e Braga, a cidade dos arcebispos.

Bombardeamento cavaquista

O bombardeamento cavaquista a Sócrates intensificou-se esta semana. O dia de ontem, 25 de Junho, logo a seguir à entrevista de Manuela Ferreira Leite na SIC, foi particularmente difícil para o primeiro-ministro, de autêntica guerra relâmpago. A partir do norte de Portugal, Guimarães, berço da nação, e Braga, a cidade dos arcebispos. As bombas vieram assinadas: compra da TVI pela PT, simultaneidade das eleições e Concordata com a Santa Sé. Ninguém acredita que há menos de um ano ainda se falava neste país em cooperação estratégica.

A cooperação estratégica parece um artefacto de antigamente. Não deixa de espantar que, há menos de um ano se falasse ainda nela, quando hoje se vive um clima de guerra dura e total entre Belém e São Bento. Esta semana foi particularmente difícil para Sócrates. O dia de ontem ficou mesmo assinado por uma ofensiva de Belém, nunca vista, que começou logo de manhã e se prolongou por todo o dia. Curiosamente, na véspera, Manuela Ferreira Leite tinha estado na SIC, no mesmo palco onde Sócrates esteve há uma semana. A líder do PSD era outra mulher, tranquila, satisfeita, emanado segurança. A entrevista não lhe podia ter corrido melhor. Os inimigos de Sócrates estão a aproveitar a sua grande fragilidade, derivada da derrota nas europeias, para lhe caírem em cima na pior altura. Vale tudo. Sócrates parece ter entrado numa centrifugadora. A frase que mais se tem ouvido nas últimas duas semanas nos meios políticos, naturalmente próximos do PSD, é que Sócrates está a colher o que semeou.
Ontem de manhã, depois de na véspera Sócrates ter sido questionado no Parlamento sobre a compra da TVI pela PT e de Sócrates ter garantido que não sabia nada do negócio, Cavaco Silva instou a PT a esclarecer os portugueses. “Face às dúvidas fortes que neste momento estão instaladas na sociedade portuguesa, é importante que os responsáveis da empresa de telecomunicações expliquem aos portugueses o que está a acontecer entre a PT e a TVI. É uma questão de transparência”, disse o Presidente da Re República. Cavaco fez ainda questão de explicar que não costuma fazer “declarações públicas sobre negócios das empresas”, mas que neste caso entendeu “abrir uma excepção”, “pela natureza do sector que está causa e pela importância nacional da empresa de telecomunicações”. Recorde-se que o governo, através da Golden Share, que detém na PT tem o poder de veto em relação aos negócios da PT.

Sobre esta operação, o presidente do conselho de administração da PT, Henrique Granadeiro, fez ontem saber que “se houvesse qualquer perspectiva de negócio com a Media Capital teria de ser resolvido no conselho de administração”, o que não aconteceu nem se prevê que aconteça.

Na mesma manhã de ontem, Cavaco passou a outro disparo contra José Sócrates, numa matéria muito diferente. A partir de Guimarães. Depois de na semana passada ter ouvido os partidos sobre a data das autárquicas, o governo estava à espera que o PR, que também ouviu os partidos esta semana, marcasse primeiro a data das legislativas. A ser assim, o governo poderia marcar as autárquicas para uma data diferente das legislativas, não cedendo à vontade de Cavaco. Ora o Presidente da República considera agora que o governo é que tem de marcar primeiro a data das autárquicas, argumentando que as leis sugerem este processo. “É o Governo em primeiro lugar que tem de anunciar a sua decisão sobre o dia das eleições autárquicas. E só depois disso é que o Presidente da República pode anunciar a sua decisão. Fá-lo-ei quando chegar o meu tempo. Estarei concerteza preparado para anunciar aos portugueses essa data depois de o Governo anunciar a data das eleições autárquicas”, disse Cavaco Silva. O Presidente da República frisou, em seguida, que “este é o processo sugerido pelas leis em vigor”, uma declaração que deixou muita gente estupefacta. É a segunda vez esta semana que Cavaco se socorre de informações que não do conhecimento comum dos políticos e juristas, já para não falar da generalidade dos portugueses. Cavaco também disse no princípio da semana que os portugueses preferem eleições legislativas e autárquicas em simultâneo, de acordo com os dados de uma sondagem que ninguém conhece.
Ao marcar as legislativas depois de o governo marcar as autárquicas, o Presidente da República tem a porta aberta para, mesmo contra a opinião dos partidos, à excepção do PSD, fazer coincidir os dois actos eleitorais, o que deve ser o mais provável.
Por último, horas depois, em Braga, Cavaco Silva disse esperar que as questões pendentes na Concordata entre o Estado e a Igreja “sejam resolvidas a muito breve prazo”. Cavaco acrescentou que “há boa vontade das duas partes para resolver o problema da regulação da Concordata”, frisando que se trata de assuntos que “já deviam ter sido resolvidos”.
Cavaco Silva respondeu a um apelo lançado pelo Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga que lamentou a demora na assinatura da regulamentação da Concordata, essencial para a aplicação da mesmo. No último mês, vários sectores da direita têm-se insurgido contra a demora do Governo nesta questão. Ao solidarizar-se com este processo, Cavaco deu mais uma machadada a Sócrates e também ao sector mais jacobino do PS, onde pontifica Vital Moreira.
Para além deste bombardeamento cavaquista, Sócrates tem sido fustigado com fogos cruzados, vindo de todos os sectores. Viu empresas que trabalharam com o governo ou que o primeiro-ministro elogiou serem alvo de operações do poder judicial, viu o PSD levantar a questão do saco azul da Fundação Comunicações Móveis, o Freeport recrudescer, o Ministério Público arquivar uma queixa em relação a um artigo que pode muito bem ter ultrapassado os limites da lei.

“O Governo tem de ouvir mais”

Joel Hasse Ferreira, que integrou a lista do PS às eleições do Parlamento Europeu mas que não conseguiu ser eleito, reconheceu que os portugueses, com a sua votação, quiseram mostrar um “cartão amarelo ao Governo”.

Joel Hasse Ferreira, Deputado do PS no Parlamento Europeu

Joel Hasse Ferreira, que integrou a lista do PS às eleições do Parlamento Europeu mas que não conseguiu ser eleito, reconheceu que os portugueses, com a sua votação, quiseram mostrar um “cartão amarelo ao Governo”. Mas existiram mais problemas: “a questão da dupla candidatura, não soubemos explicar bem o imposto europeu nem como é que víamos a questão da reorganização do sistema financeiro e os casos fraudulentos…”. Agora, sendo “tarde para mudar significativamente de políticas”, “o Governo tem de ouvir mais”, defendeu. O socialista falou ainda sobre Cavaco Silva, um homem “perigoso”, que “está a tentar, sem se notar, ter uma certa intervenção na vida pública e política, caminhando para uma solução em que seja ele a governar”.

Ficou desiludido por não ter sido reeleito para mais um mandato no Parlamento Europeu?

À partida, quando me convidaram para nono da lista – embora muitos elementos da direcção do partido preferissem que eu fosse mais acima – foi dito que era o último candidato elegível. Na altura havia um grande estudo internacional feito por uma grande empresa europeia que dava nove deputados para nós, oito para o PSD e depois dois, dois, um. Mas de facto fiquei um pouco surpreendido, não tanto pelo clima que via nas pessoas mas pelas sondagens. Porque, ao contrário do que diz o dr. Paulo Portas, as sondagens prejudicaram o PS e beneficiaram o CDS. Muita gente que é da área do PS, e que tem críticas ao partido, pensou “eles estão com quatro ou cinco pontos de avanço e está segura a vitória e nós podemos não ir votar, votar em branco ou votar numa lista pequena ou até no Bloco. Termos elegido só 7 deputados, para mim, foi uma onda de choque. Fiquei completamente estupefacto.

Como é que explica esse mau resultado?
Houve um tombo geral dos socialistas europeus. Em termos históricos, os partidos socialistas europeus perderam duas oportunidades de ouro. Em primeiro, a seguir à queda do muro de Berlim, não souberam explicar o que era o socialismo real. Que, no conflito entre o estalinismo e o socialismo democrático, havia quem, efectivamente, tinha tido razão. A segunda oportunidade acontece em 1998, quando, numa Europa a 15, os socialistas tinham 12 chefes de governo e ministros das finanças. E hoje, com a Internacional Socialista sem actividade, há um movimento na Europa inverso ao que há nos Estados Unidos. É a primeira vez que há uma administração americana mais progressista do que a Comissão Europeia.

E em termos nacionais, houve um cartão amarelo às políticas do Governo?
Houve. Durante a campanha ouvi vários factores de descontentamento, normalmente os mesmos. E, muitas vezes, até de pessoas afectas ao PS. Ouvi várias críticas. A questão da dupla candidatura, em que não soubemos passar a mensagem que era completamente legítima. Da Saúde, que só renasce quando as pessoas, médicos, enfermeiros, estão conscientes que o antigo ministro integra as listas. Não soubemos explicar suficientemente bem como é que víamos a questão da reorganização do sistema financeiro e os casos fraudulentos. Outra coisa que os portugueses não perceberam foi o imposto.

Não são demasiados erros para uma campanha que se afirmava tão profissional?

A campanha foi profissional, em termos de logística. Não são os profissionais que organizam a campanha, que tratam os carros e da propaganda que têm culpa dos erros políticos.

Vital Moreira foi um mau candidato?

Não. Foi um candidato extremamente bem preparado. Uma pessoa absolutamente brilhante que conhece há vinte anos as questões europeias. Há questões tácticas e de formulação, como a maneira de transmitir a mensagem, de que forma e quando, que às vezes não passam tanto pela construção política. Na questão do imposto a mensagem não passou, as pessoas ficaram com a ideia: “o PS quer mais impostos”.

Havia o mito de que o PS com José Sócrates era imbatível.
Esse mito foi criado pelo povo, pela comunicação social, talvez por alguns dos seus colaboradores… Mas nunca o vi com essa ideia. Aliás, durante toda a campanha vi José Sócrates extremamente concentrado e atento ao que se estava a passar. Se nós, que andamos mais no terreno, íamos recebendo alguns sinais negativos, acredito que ele também fosse recebendo algumas mensagens. Havia esse ideia que Sócrates era imbatível, quase todos os comentadores o diziam, mas eu nunca menosprezei Manuela Ferreira Leite, uma pessoa com capacidades políticas e que será uma desgraça para o País se for eleita primeira-ministra.

Depois desta derrota o PS poderá ser afectado por alguma instabilidade interna? Só havia Manuel Alegre que andava a falar sozinho…
Manuel Alegre assumiu uma posição de estar no PS mas… O sim, mas do Giscard d’Estaing ao de Gaulle. E ele percebeu que não poderia manter isso. É uma pessoa extremamente intuitiva. Alegre foi o primeiro homem, para além do meu pai, que me diz que Cavaco Silva é perigoso. Estávamos no Brasil e ele meteu-se num avião para vir cá quando o Cavaco emerge como grande figura em 1985. A Comissão Política do partido de segunda-feira ocorreu, talvez estranhamente para alguns, num tom extremamente elevado, com um espírito construtivo.

O Governo deve analisar os resultados e mudar de políticas?
É tarde para mudar significativamente de políticas. Podem haver pequenas inflexões e explicar melhor algumas medidas. Há um conjunto de grupos sociais que não têm os prejuízos que se pensam. Ainda agora acabei de ver dados que apontam para uma inflação negativa e os funcionários públicos vão ver a sua remuneração real a subir muito. O problema é passar as mensagens. Também é preciso ouvir mais, há coisas que não é lógico fazer-se. As pessoas estranharam se a estratégia global for muito alterada, mas afinar um conjunto de questões é perfeitamente possível. O que só é possível com um contacto efectivo com a população.

Ainda acredita na reedição da maioria absoluta por parte do PS ou esse cenário já assume contornos utópicos?

A minha fé não anda por esses domínios. Acho que a probabilidade diminuiu, até no tocante à imagem. Há pouco referiu que existia o mito que Sócrates era invencível. Em termos objectivos e comunicacionais essa imagem está ultrapassada.

Mas já não faz sentido Sócrates e dirigentes socialistas pedirem a maioria absoluta?

Podem pedir. Mas a probabilidade, neste momento, não é tão elevada. Daqui a um mês, não sei. Quem é que há dois meses pensava que havia um tipo chamado Paulo Rangel, que só os jornalistas e políticos é que conheciam, que iria ganhar as eleições europeias? Fez uma boa campanha mas com muitas contradições e demonstrando uma ignorância de grande parte dos dossiers europeus. O que significa que a performance comunicacional e política foi boa. Não escondo que a probabilidade de uma maioria absoluta é menor, mas não excluo essa hipótese.

Temos uma direita que parece dialogar com alguma facilidade e uma esquerda que não se consegue entender. Que soluções de governabilidade prevê?

Acho que o professor Cavaco Silva está a tentar, sem se notar, ter uma certa intervenção na vida pública e política, caminhando para uma solução em que seja ele a governar. Esta é uma posição pessoal.
Governos de iniciativa presidencial?

Não precisa. Isso é para gente que não tem a manha dele. Houve várias vezes coincidências no discurso de Manuela Ferreira Leite e do Presidente da República. Basta Cavaco Silva manifestar uma grande preocupação por um assunto e alguns dirigentes da direita vêm-se colar ao que diz. Cavaco Silva é uma pessoa extremamente intuitiva, tem uma boa formação económica. Não é impunemente que num país como o nosso se governa dez anos sem ser em ditadura. Na prática, desde a morte de Sá Carneiro, é o grande líder do centro-direita. Cavaco Silva diz o que quer, em linhas gerais e legíveis, através de grandes princípios, e depois espera que peguem no que disse. Ao mesmo tempo, vai tentando ter com o Governo um modus vivendi que, obviamente, vai tendo rupturas. Teve na área institucional, com o Estatuto dos Açores que Cavaco Silva sobrevalorizou. Na área social, embora o Presidente fale muito sobre o tema, não vejo grandes críticas.

Cavaco Silva falou recentemente sobre as grandes obras públicas…

Sobre os investimentos o Presidente da República tem sido muito prudente. As últimas frases de Cavaco Silva sobre os grandes investimentos têm várias leituras. É como o programa do MFA, tem sempre a leitura progressista, conservadora e a leitura assim-assim. Cavaco faz um discurso que está correcto, ao dizer que é preciso ter cuidado na forma de concretizar os investimentos públicos e é necessário fazer uma selecção. A partir daí, Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas podem construir um discurso, o PS outro e até Jerónimo de Sousa pode lá ir buscar alguma coisa.

O Joel Hasse Ferreira vai voltar para o Parlamento nacional?

Estou a pensar moderadamente nisso. Tenho várias sugestões em cima da mesa. Houve algumas pessoas que me exprimiram o seu interesse em que eu voltasse à Assembleia da República. Mas não pensei ainda. Estou disponível, obviamente, para os combates políticos que sejam necessários. Vejo muito a política em função daquilo que é necessário fazer e onde poderei ser útil. O trabalho que fiz no Parlamento Europeu foi positivo, por vezes com algum desconhecimento por parte da comunicação social. E não havendo combates políticos, tenho uma vida nas empresas, nas universidades…