2025/07/12

O Antigo Regime acabou este mêspor Rui Teixeira Santos

O que o estrangeirismo do Marquês, uma revolução liberal, a implantação da república e as nacionalizações não conseguiram fazer em dois séculos, acabou por ser feito pelo doutor Barroso, em 2003, com o incêndio de mais de um terço da floresta do País.

De repente, famílias inteiras, que viveram sempre da cortiça, da terra, da vinha, da floresta e dos animais, ficaram sem nada. Se em alguns casos se salvou a casa grande, mais valia que ela tivesse ardido e se tivessem salvo os sobreiros, que levam quarenta anos a crescer. Se os toiros não ficaram carbonizados, onde há agora dinheiro para lhes comprar o pasto?
Se no campo tinham ficado os últimos representantes de uma aristocracia rural, que a tudo, e até ao desenvolvimento, tinha conseguido sobreviver, depois deste fogo tudo ficou consumido. O que do Antigo Regime tinha sobrado, queimou-se agora, seja o modo absentista de fazer agricultura, seja também um certo modo de contrariar os novos formatadores de valores em nome da tradição.
E no drama humano em que o País mergulhou, não ser esperava apenas bombeiros, que não apareceram, nem pagadores de enterros de mortos que não tivemos. Era necessário mais, muito mais. Esta não era a ocasião para férias, nem para vagas propostas de programas económicos de emergência. Esteve mal o Governo, esteve ainda pior a oposição e as superficiais análises de Marcelo na TVI.
Dois dias após o terramoto de 1755, já o Marquês tinha isentado de impostos todo o acesso de materiais de construção à cidade de Lisboa. Não era tempo para reconstruir a cidade velha. Era o momento de fazer uma cidade nova. Na adversidade, surgiu o maior estadista português, dos últimos trezentos anos – o Marquês de Pombal. Porque era competente. Inteligente e bem formado, sabendo o que queria para Portugal, não hesitou em afrontar a velha aristocracia, com casos exemplares. Mais que o mercantilismo, e a substituição das importações, que nos levavam o ouro, com a cerâmica, os têxteis e até a vinha do Douro (com a sua pesada herança agora com as dívidas da Casa do Douro), ou mesmo o rigor autoritário da sua ditadura, o que releva de Sebastião José de Carvalho e Melo foi a capacidade de ter respondido à adversidade, vendo aí a oportunidade para reescrever a História e engrandecer Portugal.
Com uma tragédia da dimensão daquela que agora ocorreu, só a incompetência, a cobardia e a falta de visão da nossa elite política justificam que não se avance de imediato para o verdadeiro plano de reforma fundiária em Portugal. Estamos perante a maior oportunidade que a História nos dá para fazer uma reforma agrária sem dor, que redimensione a propriedade no nosso país e que evite entregar o interior às celuloses. Compete ao Estado criar as condições para que seja feita a reflorestação, com unidades económicas rentáveis. Se for necessária a organização em cooperativas dos produtores, que se faça. Senão, o Estado pode criar mecanismos para uma honesta expropriação por interesse público, sem olhar aos meios necessários para que o Estado respeite as regras do mercado. E, nesse particular, a experiência de expropriações da Brisa, para a construção de auto-estradas, prova bem que não são necessárias irresponsáveis nacionalizações como as de 1975, ou a falta de ética, como nos impostos o ano passado, para que se assegure uma reforma agrária.
O que o Governo tem de decidir é, se quer meter o resto dos agricultores em duas assoalhadas na Amadora ou em Almada, como aconteceu nos últimos quarenta anos, com o fenómeno de urbanização das populações rurais, ou se, ao contrário, queremos povoar o interior do País, dando condições de vida e um modelo agrário viável aos portugueses que queiram sair dos subúrbios e voltar a reconquistar qualidade de vida no interior de Portugal.
É uma oportunidade de ouro, que exige génio, convicção e estadistas à altura. De Trás-os-Montes ao Algarve, arderam mais de duzentos e quinze mil hectares de floresta, provavelmente por causa das condições climatéricas, seguramente porque houve incêndios ateados pelos loucos pirómanos do costume e, também, por alguns interesses menos claros de madeireiros, mas o que é dramático é ver, em face da inexistência de bombeiros competentes, ou de um serviço de protecção civil operacional, um ministro da Administração Interna e um primeiro-ministro a fazerem de bombeiros, em vez de estarem já a planear o novo interior agrícola de Portugal. O que é dramático é que Bagão Félix se preocupe em enterrar os mortos e em pagar funerais e a sobrevivência das vítimas, mas não exista uma palavra para o futuro da floresta em Portugal. O Governo escolhe o mais popular, no curto prazo, e, por isso mesmo, não ficará na história. Repete a velha história de trinta anos de governos anteriores que reforçaram verbas para protecção civil e bombeiros, que, como vimos, só servem quando não há incêndios, nem terramotos, nem grandes acidentes. Ao menos, antes, não se gastava dinheiro nessas coisas, que não servem (não serviram) rigorosamente para nada. Talvez rezar para prevenir, mesmo em Fátima ou na Senhora da Ladeira, fosse política e economicamente mais honesto. Talvez fosse avisado não ficar circunscrito ao fundamentalismo dos economistas oficiais do costume, que, curiosamente, agora, ficaram calados…

Proveito e exemplopor Vítor Dias

No passado domingo, depois de vermos e ouvirmos na TVI esse monumental símbolo de isenção que se dá pelo nome de Marcelo Rebelo de Sousa a fazer o “balanço da oposição” e, neste quadro, a apoucar injustamente o PCP, sentimos que era preciso contar aqui uma breve história de proveito e exemplo.

Essa história pode começar referindo que, em mais uma prova de que os comunistas não percebem nem o País, nem o mundo, nem o tempo em que vivem, o PCP resolveu organizar diversas intervenções públicas no Inverno passado sobre a temática dos incêndios florestais, debaixo do princípio racionalmente inquestionável de que é nessa época, e não quando as chamas já estão a espalhar a destruição, a morte e o desespero, que se devem discutir e aprontar medidas de prevenção.
E foi nesse quadro que, em 16 de Novembro de 2002, Carlos Carvalhas visitou o Centro de Operações e Técnicas Florestais na Lousã e de seguida participou numa iniciativa de debate promovida pelo seu partido sobre “Florestas, fogos florestais e desenvolvimento da Serra”. Acrescente-se porém que tanto a visita como o debate foram olimpicamente ignorados pela imprensa escrita e já a RTP, que até se deslocou à iniciativa, o que transmitiu foi uma resposta dada por Carlos Carvalhas a uma pergunta feita pela RTP sobre qualquer coisa que o PS tinha dito naquele dia.
Provando que não desanima às primeiras, em 17 de Dezembro de 2002, lá estava o PCP a organizar uma visita de Carlos Carvalhas, acompanhado dos deputados Lino de Carvalho e Rodeia Machado, aos Bombeiros Voluntários de Almoçageme (Sintra), tendo a comunicação social sido previamente informada de que, nessa ocasião, o secretário-geral do PCP divulgaria “um conjunto de medidas e de propostas legislativas do PCP sobre prevenção e combate aos fogos florestais”. Acrescente-se agora que, excepção em toda esta história, a RTP deu cobertura a esta visita, mas já a maior parte da imprensa escrita, e desde logo os chamados “jornais de referência”, a ignorou completamente.
E, como elemento final e culminante desta história, a 22 de Janeiro deste ano, por agendamento do PCP, a Assembleia da República foi chamada a debater um projecto de Resolução com um conjunto de recomendações com vista a melhorar as políticas de prevenção e combate aos fogos florestais e um projecto de lei, visando a criação de um programa de rearborização das áreas percorridas por incêndios florestais.
Acrescente-se porém que estas iniciativas e este debate parlamentares provocados pelo PCP foram avassaladoramente ignorados pela generalidade da comunicação social, com as televisões e jornais a darem preferência nos seus critérios de cobertura parlamentar ao tema do notariado ou ao tema da venda dos terrenos da Falagueira.
E isto é tanto mais significativo e revelador quanto até é certo que Lino de Carvalho tinha arrancado com a sua intervenção inicial afirmando que “é possível que nesta sala, desde deputados a jornalistas, se interroguem da razão porque, em pleno Inverno e chovendo a potes, o PCP se lembrou de colocar na agenda o dramático problema dos fogos florestais que, anualmente, lá mais para o Verão, incendiarão o País e farão as manchetes da nossa imprensa e terão honras de abertura dos telejornais. Que diabo, por que não esperar lá para Julho ou Agosto quando é o calendário mediático?”.
Ou seja, o silêncio sepulcral dos “media” sobre este debate na AR veio mostrar que nem mesmo as referências ao “calendário mediático” sobre um problema como os incêndios florestais levaram a comunicação social a, por uma vez que fosse, desmentir o retrato que se fazia dos seus critérios clássicos.
Esta história talvez possa servir para ilustrar como é falacioso que uma comunicação social que sabe ser ela a determinar em grande medida o curso e os temas da vida política e a influenciar brutalmente a apreensão pelos cidadãos da acção das diversas forças políticas, pretenda depois aparecer, fardada de imaculada inocência, a julgar tudo e todos, por vezes com uma sobranceria face a terceiros proporcional à sua própria falta de humildade e de espírito autocrítico.
É claro que esta história não mudará nenhuma opinião de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o PCP. Quando muito, mas ainda assim improvavelmente, se a lesse, talvez o professor desabafasse: “Tem graça, eu tinha uma vaga ideia disso, mas estava convencido que tudo se tinha passado com o Francisco Louçã e com o Bloco de Esquerda.”

Um País frágilpor Pedro Cid

Há algumas injustiças que doem muito, embora todo e qualquer político deva saber que a gratidão é qualquer coisa que não existe nesta actividade, por mais serviços relevantes que se prestem à comunidade.

Os incêndios deste Verão calcinaram o País e geraram um movimento de solidariedade com um impacto notável, que quase nos reconcilia com o tradicional egocentrismo português, a inveja ancestral e tantos outros defeitos colectivos. É, ao mesmo tempo, espantosa a nossa capacidade de nos mobilizarmos para causas e para valores, sem que isso colida com os nossos defeitos estruturais.
É seguramente injusto querer queimar, na praça pública, alguns dos principais dirigentes do Governo, a começar pelo primeiro-ministro. Durão Barroso não foi um líder espalhafatoso – nem as circunstâncias o permitiriam – mas foi um dirigente consistente, determinado, responsável, que respondeu no tempo adequado, a partir do momento em que se ganhou consciência de que estávamos perante uma catástrofe arrasadora. O Governo accionou um programa de emergência, foi buscar dinheiro urgente à dotação provisional e está agora a agir junto da União Europeia para obter auxílios financeiros provenientes do fundo de coesão. Ninguém de boa fé pode acusar o Governo de negligência e certamente todos perceberão que foi feito tudo o que estava ao do Governo para minorar as terríveis provações por que estão a passar as vítimas dos incêndios.
Deve, aliás, salientar-se que a oposição assumiu um comportamento assaz invulgar e que só honra o conjunto da classe política: a hora era de unidade e o apelo do primeiro-ministro para que não se fizesse política em cima destas desgraças foi bem acolhido e aceite por todos os sectores. Esta convergência é também um testemunho silencioso de aprovação tácita das acções que o Governo tomou.
Poucos dias depois do terramoto de 1 de Novembro de 1755, que devastou Lisboa, a História regista uma frase célebre do Marquês de Pombal: “Vamos enterrar os mortos e cuidar dos vivos.” E se na História podemos encontrar verdadeiras lições, aproveitemos a que agora nos bateu à porta: serenados os ânimos, tomadas as medidas adequadas, minorados os sofrimentos, resolvidos, no terreno, os problemas mais urgentes, estaremos em condições de uma reflexão séria, aprofundada e com projecções para o futuro. A política é isso mesmo. O Governo prometeu um Livro Branco sobre o que aconteceu de norte a sul, abrangendo autarquias governadas por social-democratas, por socialistas e por comunistas. Será uma base de trabalho interessante para diagnosticar insuficiências, descuidos, falta de meios, desinteresse de muitos proprietários, deficientes planos de emergência, faltas de coordenação nos diversos escalões de decisão. O Livro Branco pode permitir uma visão de conjunto, nunca antes obtida e que a partir dela se vislumbrem acções, as mais diversas, mas sobretudo de prevenção, que até agora nunca se tinham equacionado. Infelizmente, todas as culpas vão ser minimizadas e, em termos globais, vai poder dizer-se na linha da sabedoria popular, que a culpa morreu solteira. É que, Portugal é, nestas coisas, um País frágil, quase artesanal, tão ao jeito de um certo país de Abril imortalizado por Manuel Alegre. Só agora, com a globalização, com a modernização imperativa por causa da adesão à União Europeia (que tem apenas 20 anos) é que tem havido preocupações, mais rigorosas e tecnicamente desenvolvidas, é que têm estado em cima da mesa preocupações de prevenção do património florestal. Incêndios houve sempre na época do Verão, embora sem a extensão ou a profusão dos últimos anos. E sempre, de um modo ou de outro, os incêndios foram sendo
controlados com limitação dos danos e, sobretudo, sem os dramas humanos que as tragédias deste mês consumaram. Todos tomaram medidas avulso, nos concelhos, mas com pouca eficácia. As alterações recentes que fundiram o Corpo Nacional de Bombeiros com a Protecção Civil não tiveram o tempo suficiente para aplacar divergências e até rivalidades, porque não basta fazer diplomas e determinar orientações, é preciso fazer pedagogia em nome da rentabilização de meios e esta não foi feita ou, pelo menos, não surtiu os efeitos pretendidos.
Culpas? Colectivas, seguramente, acumuladas há décadas e sobretudo nos últimos 25 anos. Governos, autarquias, bombeiros, técnicos florestais, proprietários, etc., etc.
Agora, mais uma vez a sabedoria popular: “Casa roubada, trancas à porta.” Só que desta vez vale a pena, porque é de um país que estamos a falar e porque, apesar da imensa área ardida, há muito mais que não ardeu e as zonas sinistradas podem ser objecto de planos racionais de reflorestação que dentro de um determinado período tornarão o País mais pujante e mais moderno. Por isso, que o Livro Branco se faça e que os técnicos da floresta, ambientalistas, engenheiros, proprietários, agentes políticos, do poder central e do poder local executem como deve ser o seu trabalho no terreno.
Mão pesada para os criminosos? Seguramente. Mas, em paralelo, medidas drásticas para os proprietários que não cuidam das suas florestas. Alguma imaginação pode ser usada – linhas de crédito, com alguns períodos de carência para limpeza de matas, abertura de caminhos, instalação de bocas de incêndio, etc., etc. Um corpo de polícia florestal que não hesite na aplicação da lei e esta pode prever, por exemplo, perdas de propriedade a favor do Estado, quando se entender que a negligência de alguns pode significar o perigo potencial de risco para as comunidades. Ver o Estado como grande proprietário de florestas não é nada que possa repugnar o cidadão comum, desde que o Estado assegure prevenção rigorosa contra incêndios e rentabilidade da floresta a favor do País.
Os incêndios deste Verão contêm várias lições. Com sofrimento e dor ensinaram-nos que não podemos mais ter um país frágil, descoordenado e desprotegido.

Este Governo não é de direitapor Carlos Abreu Amorim

“Quando diz desejar que não se faça política com a
tragédia das pessoas, Durão Barroso está a fazer política com a tragédia das pessoas”

Nos últimos dias, o País parece ter descoberto que este Governo se aproxima perigosamente do seu antecessor no “ranking” da inaptidão. A perplexidade que a actual crise dos fogos florestais levantou não se relaciona com a eventual falta de meios. O problema não está centrado em mais aviões ou na lamentável discussão acerca da melhor ou pior preparação dos bombeiros, voluntários ou profissionais.
Antes de mais, o que se passou nestes trágicos 15 dias serviu para demonstrar, uma vez mais, as imensas lacunas organizativas da nossa Administração. O que se viu foi uma balbúrdia, sem estratégia, nem sentido, uma espécie de “tudo ao monte e muita fé não se sabe bem em quê”. Mas este mal é antigo e de natureza crónica. Não é a este Governo que se devem imputar todas as responsabilidades por uma lógica de actuação administrativa com vícios que incrustaram há décadas. A não ser por tudo continuar cada vez mais na mesma.
Mas o problema maior, inequivocamente constatado, prende-se com a gritante falta de liderança política. A incapacidade em perceber a gravidade do que se estava a passar. Aliado ao esforço boçal de tentar iludir a realidade da tragédia – salientou-se, o Dr. Guilherme Silva, líder parlamentar do PSD, quando afirmou, no passado dia 5 de Agosto, peregrinamente, “que, apesar da extensão das coisas, o número de vítimas foi relativamente restrito e portanto não há dúvida nenhuma que houve uma acção muito eficaz na protecção de vítimas e de bens”. Cedo, porém, foi acompanhado, neste resvalar irreprimível para a falta de senso, pelos ministros da Administração Interna, da Agricultura e do Ambiente. E, claro, do próprio primeiro-ministro. Não por ter proferido qualquer despautério assinalável, mas por manifesta imperícia política e falta de competência do Governo a que preside, para decidir oportuna e meritoriamente. Quando o País necessitava de exemplo e encorajamento, Durão Barroso recitava lugares-comuns, secos e estafados. Quando era preciso chefia e orientação, o primeiro-ministro refugiou-se em declarações inócuas, do tipo daquelas que costumava fazer à saída de reuniões internacionais, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros de Cavaco Silva. Na hora do aperto, quando Portugal queria Governo e um líder, logo percebeu que não tinha nem um, nem outro.
Pela negativa, houve quem comparasse a pose de Durão Barroso com a atitude de Rudolph Giuliani, quando a desgraça do 11 de Setembro aconteceu. Pois é, os grandes homens vêem-se nos grandes momentos; os outros não.
Outra conclusão já é possível, nesta altura. Em regra, este Governo não pauta a sua acção por qualquer parâmetro ideológico. Mas quando o faz, torna-se evidente que prefere as soluções socializantes. Em 31 de Julho, este Governo aprovou uma medida legislativa que dota as Câmaras Municipais de poderes extraordinários para reformar os centros históricos. No fundo, uma verdadeira nacionalização das “Baixas” das cidades.
Na mesma linha, no passado domingo, numa reveladora entrevista, o ministro Sevinate Pinto expôs o seu remédio para resolver os problemas dos fogos florestais: castigar severamente os proprietários. Mais socialista do que qualquer um dos seus predecessores desde os intentos da Reforma Agrária de 1974/75, Sevinate afirmou que as “florestas só poderão melhorar com impostos e limitações à propriedade privada”. Agora percebe-se que este é o verdadeiro “choque fiscal” que estava prometido. O Estado português, sem grandeza para reconhecer o seu lastimoso falhanço na prevenção e no ataque aos incêndios, não hesita em fulminar as principais vítimas: os proprietários privados. Primeiro, promete-lhes subsídios a torto e a direito; depois, ameaça-os com mais impostos e com “limitações” que mais se assemelham a confisco: “O produtor ou adere a bem, ou adere a mal (…), a lei obrigará o interesse privado a ceder à exploração colectiva.» Quase que parece um modelo tipo “Kolkhoz”, gizado por um Governo dito de direita! Afinal, graças às enormes afinidades com o Governo de Guterres, Durão Barroso abeira-se decididamente do mesmo pântano.

Francisco Assis: “Responsável pela tragédia chama-se Durão Barroso”

Francisco Assis, líder do PS/Porto e deputado, diz a verdade sobre o drama dos fogos: “o grande responsável pela tragédia chama-se Durão Barroso”. Não poupando o Governo, cuja incompetência é total, Assis considera que o comportamento do ministro-adjunto, José Luís Arnaut, ao procurar desviar as atenções com os cabeças-de-lista para as europeias, roça os limites da obscenidade.

A acção do Governo no combate aos incêndios foi muito pouco eficaz…

Isso parece-me evidente. De qualquer modo, neste momento o que importa é combater eficazmente os incêndios e prestar, de imediato, todo o auxílio possível às vítimas dos mesmos. No rescaldo desta operação, há um debate político muito sério a realizar e há responsabilidades políticas que têm que ser imputadas e assumidas.

Responsabilidades políticas imputadas a este Governo…

Como é óbvio. Creio que há aqui responsabilidades políticas a dois níveis distintos: uma responsabilidade de carácter genérico que tem a ver com uma opção política fundamental deste Governo, que foi a de, em nome de um fundamentalismo no plano do equilíbrio orçamental, ter procedido a cortes de verbas feito de uma forma cega e irracional, sem atender às consequências que daí poderiam resultar. Hipervalorizou-se o equilíbrio orçamental e esqueceu-se por completo o País. Uma das consequências, porventura a mais trágica no imediato, foi precisamente esta dos incêndios. Poupou-se na prevenção, agravou-se uma catástrofe. Há uma segunda responsabilidade de natureza mais sectorial e que tem a ver com a total incompetência demonstrada no âmbito da coordenação do combate aos incêndios. Há pois um debate a realizar e ilações a retirar do mesmo.

O ministro da Administração Interna, Figueiredo Lopes, ficou bastante “chamuscado”…

Creio que esse é o entendimento geral do País neste momento, mas o problema não se circunscreve meramente à actuação do ministro, é mais lato e mais grave e também não pode, por isso mesmo, ser resolvido pela simples escolha de um bode expiatório.

Estão, de facto, a transformar o ministro da Administração Interna num bode expiatório…

Mas não foi só o ministro da Administração Interna que falhou. Foi todo o Governo, quer porque tomou medidas que objectivamente diminuíram a eficácia da prevenção, como porque não foi capaz, no momento da eclosão da tragédia, de compreender a verdadeira dimensão da mesma.

O grande responsável é o primeiro-ministro, que é o chefe do Governo…

Em última instância, é óbvio que o primeiro-ministro é sempre o responsável máximo pelas insuficiências patenteadas pelo seu Governo. Ainda mais, como é o caso, não se trata apenas de um falhanço sectorial e conjuntural, mas sim de um falhanço que resulta e reflecte o absurdo de uma opção política fundamental deste Governo, precisamente a de tudo subordinar, de forma cega e irracional, ao objectivo de alcançar o equilíbrio
Orçamental por via da adopção de uma política ultra restritiva.

Manuela Ferreira Leite é, então, a grande responsável.

O grande responsável é sempre o primeiro-ministro.

E ele fez muito mal em ir visitar as áreas ardidas com nove mercedes. É preciso não ter o sentido das coisas…

Não conheço em pormenor essa situação, estamos a falar de coisas que têm importância no plano do simbólico, mas que são também facilmente aproveitáveis pela demagogia anti-política mais primária. E por isso não quero desferir nenhum ataque ao primeiro-ministro por esse motivo.

Mas ele foi mal recebido em Mação por causa dos mercedes.

Creio que as pessoas estavam exaltadas na sequência do imenso “stress” por causa dos incêndios de que tinham sido vítimas.

O ministro do Ambiente, Amílcar Theias, foi anedótico…

Foi notoriamente infeliz na consideração que fez e creio que já o reconheceu. Aliás, penso que o debate político não se deve centrar na apreciação daquilo que, apesar de tudo, é do domínio do “fait-divers”, e deve concentrar-se no tratamento das questões essenciais. Frases infelizes todos nós as proferimos de quando em quando.

Mas pedem a cabeça dos ministros da Administração Interna e do Ambiente e já se fala em remodelação ministerial…

Como lhe disse já há pouco, tem que se fazer uma avaliação política de todo este processo e julgo que terão de ser assumidas responsabilidades.

Quais? A demissão dos ministros?

Desde logo, o reconhecimento por parte do Governo doas enormes erros cometidos, tendo em vista a adopção no futuro de políticas com uma diferente orientação.

Mas há quem diga que o Presidente Sampaio deveria censurar o Governo, o que, de certo modo, já fez…

O PR tem actuado neste processo de uma forma assinalável, contribuindo fortemente para impedir a deterioração da confiança dos portugueses nas principais instituições representativas democráticas. O PR levou o conforto e a esperança a milhares de portugueses que se sentiam abandonados. Só temos que estar reconhecidos pela forma como tem vindo a actuar ao longo deste processo.

Foi também muito infeliz o líder parlamentar do PSD, Guilherme Silva, quando afirmou que o número de vítimas foi restrito se tivermos em conta as proporções dos sinistros…

É obviamente uma frase absolutamente lamentável.

Recordo-lhe que o anterior provedor da Casa Pia afirmou que em mil funcionários da instituição só um era acusado de pedofilia e, por ter dito isso, foi demitido por Bagão Félix. Guilherme Silva também deveria ser demitido…

Como já deve ter verificado, o meu estilo não é o de andar a pedir a demissão de quem quer que seja ou promover processos de intenções, seja a quem for. E não esqueço nunca que um homem é sempre mais do que uma frase por mais lamentável que esta se revele.

Acha que esta tragédia poderá penalizar o Governo eleitoralmente?

Não queria estar a fazer nenhuma consideração sobre as hipotéticas consequências eleitorais provocadas por uma tragédia. Não seria certamente um gesto de bom tom.

Mas não julga que a incompetência deve ser punida?

Com certeza. E acho mais. Acho que esta incompetência não é meramente sectorial nem conjuntural, mas é uma incompetência de fundo deste Governo que agora se manifestou nos incêndios, que amanhã se manifestará infelizmente noutros sectores e noutras áreas. E por isso há um debate político a fazer. É bom não esquecer, por exemplo, que o dr. Jorge Coelho se demitiu do Governo na sequência de uma tragédia para a qual a sua acção em nada concorreu. Imagine-se o que é que o dr. Portas e o dr. Durão Barroso estariam agora a dizer se o Governo ainda fosse do PS e eles ainda estivessem na oposição. Mas essa também é a diferença entre o PS e o PSD e o PP, uma diferença de postura quer no Governo quer na oposição. Aliás, já verificámos todos que a incompetência desses senhores no Governo é directamente proporcional à demagogia radical que usavam quando estavam na oposição.

Na linha do que diz, acha que o Governo se deveria ter demitido na sequência da tragédia…

Eu não estou a afirmar isso. O que não tenho dúvidas é que os principais dirigentes e responsáveis do PSD e PP teriam pedido a demissão do Governo se eles próprios ainda estivessem na oposição.

Como vê as notícias que surgem sobre a Casa Pia para desviarem as atenções sobre o drama dos fogos?

Sobre isso aguardo a evolução, que desejo o mais rápida possível, de todo o processo judicial. Agora é evidente que há quem pretenda aproveitar-se deste processo, de forma obscena, para atacar o PS e, em particular, o seu líder.

E também para desviar as atenções da incompetência e da incapacidade deste Governo…

Essa é uma ilação arguta que um velho e conceituado jornalista está a retirar.

Mas não sou só eu. O professor Marcelo Rebelo de Sousa, na sua análise desta semana na TVI, disse que não lembra nem ao careca falar em cabeças-de-lista para as europeias, a um ano de distância das eleições, como fez o ministro-adjunto José Luís Arnaut, para mais quando o País esteve em chamas, mergulhado numa profunda tragédia…

É evidente que esse tipo de comportamento roça os limites da obscenidade e revela pouca preparação para o desempenho dos mais altos lugares do Estado português.

O ministro-adjunto, José Luís Arnaut, foi, assim, totalmente irresponsável…

Creio que sim.