No passado domingo, depois de vermos e ouvirmos na TVI esse monumental símbolo de isenção que se dá pelo nome de Marcelo Rebelo de Sousa a fazer o “balanço da oposição” e, neste quadro, a apoucar injustamente o PCP, sentimos que era preciso contar aqui uma breve história de proveito e exemplo.
Essa história pode começar referindo que, em mais uma prova de que os comunistas não percebem nem o País, nem o mundo, nem o tempo em que vivem, o PCP resolveu organizar diversas intervenções públicas no Inverno passado sobre a temática dos incêndios florestais, debaixo do princípio racionalmente inquestionável de que é nessa época, e não quando as chamas já estão a espalhar a destruição, a morte e o desespero, que se devem discutir e aprontar medidas de prevenção.
E foi nesse quadro que, em 16 de Novembro de 2002, Carlos Carvalhas visitou o Centro de Operações e Técnicas Florestais na Lousã e de seguida participou numa iniciativa de debate promovida pelo seu partido sobre “Florestas, fogos florestais e desenvolvimento da Serra”. Acrescente-se porém que tanto a visita como o debate foram olimpicamente ignorados pela imprensa escrita e já a RTP, que até se deslocou à iniciativa, o que transmitiu foi uma resposta dada por Carlos Carvalhas a uma pergunta feita pela RTP sobre qualquer coisa que o PS tinha dito naquele dia.
Provando que não desanima às primeiras, em 17 de Dezembro de 2002, lá estava o PCP a organizar uma visita de Carlos Carvalhas, acompanhado dos deputados Lino de Carvalho e Rodeia Machado, aos Bombeiros Voluntários de Almoçageme (Sintra), tendo a comunicação social sido previamente informada de que, nessa ocasião, o secretário-geral do PCP divulgaria “um conjunto de medidas e de propostas legislativas do PCP sobre prevenção e combate aos fogos florestais”. Acrescente-se agora que, excepção em toda esta história, a RTP deu cobertura a esta visita, mas já a maior parte da imprensa escrita, e desde logo os chamados “jornais de referência”, a ignorou completamente.
E, como elemento final e culminante desta história, a 22 de Janeiro deste ano, por agendamento do PCP, a Assembleia da República foi chamada a debater um projecto de Resolução com um conjunto de recomendações com vista a melhorar as políticas de prevenção e combate aos fogos florestais e um projecto de lei, visando a criação de um programa de rearborização das áreas percorridas por incêndios florestais.
Acrescente-se porém que estas iniciativas e este debate parlamentares provocados pelo PCP foram avassaladoramente ignorados pela generalidade da comunicação social, com as televisões e jornais a darem preferência nos seus critérios de cobertura parlamentar ao tema do notariado ou ao tema da venda dos terrenos da Falagueira.
E isto é tanto mais significativo e revelador quanto até é certo que Lino de Carvalho tinha arrancado com a sua intervenção inicial afirmando que “é possível que nesta sala, desde deputados a jornalistas, se interroguem da razão porque, em pleno Inverno e chovendo a potes, o PCP se lembrou de colocar na agenda o dramático problema dos fogos florestais que, anualmente, lá mais para o Verão, incendiarão o País e farão as manchetes da nossa imprensa e terão honras de abertura dos telejornais. Que diabo, por que não esperar lá para Julho ou Agosto quando é o calendário mediático?”.
Ou seja, o silêncio sepulcral dos “media” sobre este debate na AR veio mostrar que nem mesmo as referências ao “calendário mediático” sobre um problema como os incêndios florestais levaram a comunicação social a, por uma vez que fosse, desmentir o retrato que se fazia dos seus critérios clássicos.
Esta história talvez possa servir para ilustrar como é falacioso que uma comunicação social que sabe ser ela a determinar em grande medida o curso e os temas da vida política e a influenciar brutalmente a apreensão pelos cidadãos da acção das diversas forças políticas, pretenda depois aparecer, fardada de imaculada inocência, a julgar tudo e todos, por vezes com uma sobranceria face a terceiros proporcional à sua própria falta de humildade e de espírito autocrítico.
É claro que esta história não mudará nenhuma opinião de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o PCP. Quando muito, mas ainda assim improvavelmente, se a lesse, talvez o professor desabafasse: “Tem graça, eu tinha uma vaga ideia disso, mas estava convencido que tudo se tinha passado com o Francisco Louçã e com o Bloco de Esquerda.”