2025/06/25

A indiferença é uma doença social

Crimes, abusos e acidentes acontecem em espaços públicos com uma crescente frequência, alguns destes com contornos macabros, mas cada vez menos impressionam o comum cidadão, que muitas das vezes passa ao lado destas situações sem demonstrar o menor sentimento de preocupação.

• Crimes, abusos e acidentes acontecem em espaços públicos com uma crescente frequência, alguns destes com contornos macabros, mas cada vez menos impressionam o comum cidadão, que muitas das vezes passa ao lado destas situações sem demonstrar o menor sentimento de preocupação. Na sua opinião de que padece a nossa sociedade, tendo em conta esta realidade? O que pode levar ao desinteresse do homem perante aquilo que se passa diante dos seus olhos?
• Considera a indiferença uma doença social?

TRS:
Uma indiferença crónica perante situações que exigem uma responsabilidade cívica dos cidadãos deve ser considerada uma doença social. Este não devia ser o caso sério em Portugal com uma tradição religiosa ainda bastante presente. Mas a integração europeia e a globalização em geral estão a alterar os comportamentos. O bem-estar material tornou-se a prioridade da procura e isto a qualquer custo! É o espírito de capitalismo selvagem que vai dominar cada vez mais. As práticas religiosas que suavizavam as diferenças no passado estão a ser substituída pelos discursos de justiça e direitos humanos! Estamos a viver ironia! Proclamam-se direitos para proteger o que se roubou? Não foi assim que Europa instaurou o direito internacional depois de ter colonizado os territórios alheios? Se está agora a sofrer as consequências dos seus comportamento dos séculos de abusos de direitos, bem o merece.

• Nesta semana, imagens chocantes circularam por todo o mundo global e agitaram principalmente a consciência Italiana – numa praia do referido país, os corpos de duas crianças que se afogaram, jazem na areia perante a total indiferença dos banhistas que continuam a gozar o sol como nada se passasse. De referir um “ligeiro” pormenor: as duas meninas de 11 e 12 anos eram ciganas. Pensa que o racismo é um dos motivos que leva à indiferença social nos dias de hoje?

TRS:
O racismo fez parte da experiência colonial para os milhões das populações das antigas colónias. O Acto Colonial do Estado Novo é uma ilustração disto no Império Colonial português, que por razões diplomáticas designou-o “Províncias Ultramarinas” nos anos 50. Bem dizem os indianos: Justiça humana não existe. A justiça faz-se: É a doutrina de Karma. Todos os problemas ou as doenças sociais do Ocidente são consequências dos seus comportamentos passados. Ninguém escapa ao seu Karma. A União Europeia é uma construção de colonialismo dos brancos pelos brancos. Os ciganos fazem parte deste fenómeno, mas com tempo serão incluídos outros povos dos países do Leste, etc. É o novo racismo de povos “sem cor”!

• A omissão de auxílio é uma conduta criminalizada nos países ditos civilizados, sendo que em Portugal já constitui crime há cerca de 20 anos. No entanto, surge uma questão: porque será necessário criminalizar aquilo que deveria ser do mais puro censo comum?

TRS:
Também não compreendo o que há para criminalizar somente hoje o que devia ser criminalizado em todos os tempos! A não ser que os europeus, incluindo os portugueses, consideram-se mais civilizados hoje! Duvido. Tem é a mania de gabar de possuírem nível moral superior!

• Haverá algo a fazer pela nossa sociedade para inverter este crescente desinteresse social?

TRS:
Seria útil ouvir e praticar o que dizia Pe. António Vieira (estamos a comemorar o 4º aniversário do seu nascimento) no século XVII sobre o Quinto Império: descrevia da seguinte maneira o seu rei ressuscitado (leia-se o «lusófono do futuro»): “soube ser humilde, que é a qualidade que Deus mais que todas busca nos que quer fazer instrumentos de suas maravilhas, sem reparar em outras imperfeições e fraquezas humanas”. (1) Acho que podem fazer muito sentido os mitos e profecias acerca de um destino grandioso de Portugal e da comunidade lusófona, sintetizada no Quinto Império como metáfora da consciência e da fraternidade universal, que todavia só se realizarão se depurados dos luso-centrismos do passado, em colaboração com o melhor de todos os povos e culturas e optando por “nunca mais orgulhosamente sós”.

1) VIEIRA, Padre António, Esperanças de Portugal, Quinto Império do Mundo, Ed. Nova Atica, s/d, p, 75.

Catalina Pestana “não conseguiu irradiar os abusos sexuais …

Adelino Granja foi uma das figuras mediáticas que surgiram aquando do rebentamento do maior escândalo de pedofilia em Portugal. Deu a cara por um monstro escondido – a pedofilia – onde ele próprio não esqueceu a sua própria história. Advogado de duas das vítimas do processo “Casa Pia” e em tom crítico, diz que Catalina Pestana “não conseguiu irradiar os abusos sexuais no interior da instituição”, pois “numa época tão conturbada como a que foi nomeada, centrou-se mais, na colaboração com a investigação criminal”. Sem papas na língua, defende a posição de Marinho Pinto, relativamente à tentativa de decapitação do PS.

Adelino Granja foi um dos rostos públicos da denúncia de crimes no caso “Casa Pia”. Que balanço faz de todo este processo desde o início da mediatização?
Sobre o próprio processo judicial eu não me pronuncio, por questões éticas e deontológicas. Sobre o caso “Casa Pia” e toda a envolvente que criou junto da opinião pública, o balanço que faço terá que ter duas conclusões. A primeira é que as denúncias públicas serviram de emenda a vários níveis, nomeadamente, no campo da justiça, mas acima de tudo na defesa das crianças. Conforme referi publicamente, no início de 2003, as vítimas da Casa Pia serviram de cobaia para as alterações que se vieram a registar na esfera legislativa. A segunda é que não conseguiram manter a honorabilidade da instituição criada em 1780. A ligação da Casa Pia ao campo da pedofilia não dignificou a instituição nem quem por lá passou. Tanto assim, que até levou a actual gestão a alterar o seu símbolo, o que a meu ver não passa de um gesto de cobardia e traição para com uma história secular. O estranho é a passividade dos antigos alunos. Em termos conclusivos, alguma investigação jornalística ultrapassou os seus limites, invadindo e perturbando a investigação criminal.

Então na sua opinião a excessiva mediatização do caso “Casa Pia” afectou o processo de investigação?
Nesse contexto considero que alguma investigação jornalística afectou todo o processo, desde os primórdios e até à actualidade, influenciando a opinião pública, a qual já julgou e tem a sentença há muito tempo, e tentando, nesta parte final, pressionar quem tem o encargo de decidir.

Houve um aproveitamento, político, atirando nomes para a praça pública?
Conforme eu referi, em Janeiro de 2004, quando foi publicada uma notícia num diário, envolvendo o então presidente da República, Jorge Sampaio, e relembrando os nomes de altas individualidades quase todas conotadas com o Partido Socialista, fui de opinião que estava a ser criado um certo aproveitamento político, que não resultou conforme se verificou com os resultados das últimas Legislativas. Não me recordo de ter surgido nomes de altas individualidades ligadas a outros partidos políticos…

Quem são os culpados por este processo se arrastar por tanto tempo?
A culpa pelo arrastar deste processo é de todos nós. Ninguém estava preparado para um processo desta natureza. Daí ficar na história da nossa justiça, como o processo mais prolongado. Todos fomos apanhados de surpresa: a justiça, a política, os cidadãos e as próprias vítimas. De 2002 para cá, processos desta natureza tiveram um tratamento diferente. Lembremo-nos do caso dos Açores, “a Farfalha”. Com um número maior de arguidos e um julgamento rapidamente concluído. O nome e a notoriedade dos arguidos tornou o processo Casa Pia muito complexo.

Muitos criticaram as alterações ao Código Penal, dizendo que se adaptaram para atenuar as penas dos possíveis culpados. Concorda?
Não concordo que as alterações à legislação tivessem como objectivo atenuar as penas dos possíveis culpados. Este “caso” obrigou a alterarem-se as figuras processuais da prisão preventiva, escutas telefónicas, segredo de justiça, bem como as penais ligadas aos crimes contra as crianças. Foi pena ter acontecido após as barbáries relacionadas com crianças indefesas e desprotegidas.

Como classifica o trabalho de Catalina Pestana?
O trabalho de Catalina Pestana, numa época tão conturbada como a que foi nomeada, centrou-se mais na colaboração com a investigação criminal, do que com os objectivos estratégicos, de uma visão global, que um cargo daqueles exigia. Compreendo as dificuldades por que passou num momento tão complexo quanto o que estamos a narrar. Ela própria poderá explicar melhor os caminhos que trilhou e as dificuldades com que se deparou. Penso que se envolveu demasiado no auxílio à investigação criminal de factos praticados antes da sua nomeação, perdendo o controlo do destino da própria Instituição.

Mas considera que a ex-provedora foi importante para erguer moralmente a instituição?
Penso que a sua gestão, ou de qualquer outra pessoa que fosse nomeada, decorrente do cenário onde se inseriu, dificilmente conseguiria erguer moralmente a instituição. As mazelas foram tão profundas, quer na instituição quer na alma de muitos casapianos. A acrescentar o comportamento da actual gerência em nada honra essa alma e o espírito gansíado.

Foi preciso Catalina Pestana sair da Provedoria da Instituição, para vir dizer que continuam a existir abusos sexuais. Como encara estes acontecimentos?
As notícias que vieram a público, pouco tempo depois da saída de Catalina Pestana da gestão da Casa Pia, em nada dignificou a instituição, vindo antes a borrar a imagem que ela tinha tentado criar junto de alguns cidadãos, dando a percepção de que enquanto lá esteve, e foram mais de quatro anos, não conseguiu irradiar os abusos sexuais no interior da instituição. Recordo-me que no início do “caso Casa Pia”, Catalina Pestana chamou-me, juntamente com Pedro Namora, à Provedoria, para nos contermos sobre denúncias que foram publicadas no início de 2003 num matutino. Pedia-nos calma e serenidade. O que ela não fez, aquando da sua saída. Penso que outras razões terão levado Catalina Pestana a tomar aquela atitude. No entanto, a justiça trará a devida resposta. O que todos nós sabemos é que nunca mais se ouviu falar do processo que nasceu desse terramoto.

A actual responsável da Instituição, Joaquina Madeira, disse em Outubro de 2007 que não tinha conhecimento de tais abusos, mais tarde admitiu existirem suspeitas. Considera, que como sempre, não interessa se alguém é abusado ou não?
Pelo que a comunicação social nos deu a entender, nada se passou no interior do colégio. E esse caso não tomou, porque não poderia tomar, as consequências de casos que se prolongaram por décadas, como aquele que ainda está a ser julgado. Apesar das enormes dificuldades de vigilância num colégio interno, não acredito que logo que se tome conhecimento de um abuso, que os responsáveis actuais, ou as próprias vítimas não dêem conhecimento às autoridades competentes.

A posição de Joaquina Madeira ficou fragilizada com estes acontecimentos?
Penso que não. Não conheço estes casos, mas pelo que se observa a nível de notícias, penso que a pessoa de Joaquina Madeira, retirando aquele episódio após a saída de Catalina Pestana, não é muito badalado. A época é outra, mas a nível interno e na vida dos ax-alunos e amigos da Casa Pia, penso que esse nome virá a ser referenciado pela negativa, tendo em atenção a alteração ao símbolo e ao hino da Casa Pia.

A nova Provedora, na sua opinião foi uma boa escolha?
Antes da sua nomeação não conhecia quem viria a ocupar o cargo de gestão nos destinos da Casa Pia. Não sei se foi uma boa escolha ou não. Mas que existem pessoas altamente credíveis e que dariam excelentes orientadores dos destinos de uma instituição centenária, não tenho dúvidas. Entre essas pessoas destaco a Dra. Manuela Eanes, que há décadas dirige a melhor instituição ligada às crianças, o IAC-Instituto de Apoio à Criança e em especial às crianças desprotegidas.

Partilha da opinião, que Joaquina Madeira não merece confiança, porque foi nomeada por Vieira da Silva que, “enquanto porta-voz do PS, atacou claramente as vítimas, desacreditando-as”?
Não concordo com essa opinião. Como também não concordei com a opinião de quem nomeou Catalina Pestana, em Novembro de 2002. A minha interpretação nessa altura foi, como é que uma senhora que na década de 70, uma mulher da considerada extrema-esquerda, é nomeada por um Ministro da Direita. Penso que se deverá separar a crítica que todos os casapianos possam fazer a Vieira da Silva, por aquilo que proferiu durante a investigação do “caso Casa Pia”, com esta nomeação. Penso que foi uma mera coincidência. O que não achei na nomeação desse Senhor para a tutela da Casa Pia. Penso que teria sido politicamente mais correcto nomear uma outra pessoa que nunca tivesse tido qualquer ligação com este caso tão mediático.

Na sua convicção, o que se passou com os alunos da Instituição foi um acto isolado? Ou fazia parte de uma rede internacional?
Essa questão faz parte da investigação criminal e do próprio julgamento em curso. Pelo que retiro dos dados recolhidos junto da comunicação social, penso que não estamos perante a existência de uma rede internacional, como se pretendeu fazer crer no início de todo este processo. Considero também que o que se passou com os alunos da Casa Pia, sempre se passou noutras instituições de acolhimento, como se veio a provar por denúncias de outros casos. O que relevou em todo este caso, foi a referência a pessoas de conhecimento público com a ajuda da comunicação social.

Uma das figuras tão ou mais mediáticas do que os arguidos foi o juiz Rui Teixeira. Considera que foi graças a ele que o processo avançou da simples investigação para acusações formais?
Penso que um dos momentos mais nítidos da imparcialidade da justiça e da quebra do segredo e do sigilo profissional foi quando todos nós observámos a deslocação de Rui Teixeira ao Parlamento para notificar o deputado Paulo Pedroso. Ainda hoje estou para perceber qual o objectivo da referida publicidade a uma mera notificação. Comparo este acto àquele em que no dia 25 de Maio de 2003, quando era do conhecimento público que eu e o Pedro Namora iríamos participar num programa de Herman José, que a autoridade policial decidiu notificá-lo para uma diligência a realizar-se no final da semana seguinte. Foi mais o aparato noticioso desse tipo de notificação, em que se juntavam os ex-alunos mais mediáticos com mais um nome publicamente conhecido, do que do próprio programa. Penso que os actos praticados por Rui Teixeira, integrados no início do rebentar do escândalo, não deixaram de ter o seu ímpeto no espírito de uma população ávida de saber quais teriam sido os que trataram mal tantas crianças. E o juiz Rui Teixeira era, nessa altura, o herói, como se verificou com a “Marcha Branca”.

No seu entendimento, nos momentos em que este juiz esteve à frente do processo, houve justiça?
Sempre acreditei na justiça. Não penso que essa justiça apenas tenha existido no tempo em que Rui Teixeira teve a condução do processo. O que confio é que até ao trânsito em julgado, em que intervêm tantos agentes da justiça – magistrados do Ministério Público, os advogados e os próprios juízes – se concluirá pela decisão mais justa. Agora o que foi criado na opinião pública foi o facto de alguém, depois de acusado por um elevado número de crimes vir a ser despronunciado e não ser levado a julgamento, e outros, no mesmo processo, que foram acusados por um menor número de crimes tenham sido submetidos a julgamento. Não quero com isto dizer que os que estão a ser julgados deveriam ter sido despronunciados. O que quero dizer é que são situações publicamente idênticas e com caminhos completamente diferentes, o que para um cidadão livre de opinião, suscita enormes dúvidas.

Adelino Granja é advogado de algumas das vítimas e ainda esteve envolvido no caso, pois foi aluno da instituição. Até que ponto isto não foi prejudicial para a investigação?
A minha participação como advogado na defesa do “Joel” surgiu no âmbito de um processo em que apenas havia quatro vítimas e um arguido. Nunca esperava que um simples processo judicial fosse “apanhado” por um segundo processo que ficou denominado como “processo Casa Pia”. A minha vida, como aluno interno da Casa Pia, durante onze anos, serviu para dar a conhecer uma vida por vezes muito dramática, nomeadamente no que se refere aos abusos sexuais. A minha participação terá sido para a investigação a mesma que outros alunos e ex-alunos, por forma a tentar explicar ao exterior como durante décadas o poder político se calou perante denúncias desta natureza, como prova a “Revolta dos Gansos”, de Julho de 1980, em que foi dado conhecimento ao Governo e ao Presidente da República de então, casos dessa natureza.

Ainda representa alguns dos jovens que foram molestados sexualmente?
Ainda represento dois ex-alunos da Casa Pia, no âmbito deste processo que decorre em julgamento, aguardando apenas a fase das alegações finais.
Qual é o estado de espírito deles, numa altura que o caso parece esquecido?
Desconforto e desilusão perante o demorar de uma decisão cujo desfecho desconhecem. Sobre um processo que os conduzirá por muitos e muitos anos.

Porque é que tão poucas pessoas vêm defender os jovens que supostamente sofreram os abusos?
A justiça é assim. Mas penso que hoje as crianças têm maior protecção e há cada vez mais advogados, apoiados pela sociedade, que avançam na defesa de crianças abusadas sexualmente. Existe é casos de crianças muito pobres que não conseguem cativar quem os defenda, ao contrário de crianças de famílias mais poderosas que conseguem mediaticamente arrastar multidões de afectos e não só.

Acredita na Justiça?
Sempre acreditei na justiça. Demore o tempo que demorar. Como este processo. Mas também já senti mágoa por não ter conseguido perceber certas decisões que diferem de juiz para juiz ou de tribunal para tribunal.

Na sua opinião, os suspeitos envolvidos são demasiado poderosos para existir justiça?
Não acredito que o poder económico ou a fama de certas pessoas influencie a decisão da justiça. Agora que quem tem dinheiro, encontrando melhores advogados, consegue defender melhor, lá isso acredito. É como a saúde. Dizem que o dinheiro não dá saúde, mas quem tiver mais dinheiro poderá socorrer-se de metodologias diferentes das que não tenham essas capacidades, tornando a sua vida mais prolongada.

O actual procurador-geral da República está a dar suficiente atenção ao processo?
Penso que o actual procurador-geral da República tem outros processos mais mediáticos e mais actuais do que um processo que já se encontra em fase terminal. O actual responsável pela PGR já não tem que se preocupar por este “processo casa Pia”, mas terá que estar atento por outros processos desta natureza, apertado o cerco a presumíveis pedófilos que tentem renascer em volta da instituição.

O actual bastonário, Marinho Pinto, disse que “o processo ‘Casa Pia’ visou decapitar o PS”. Como reage a estas declarações?
Compreendo a posição do actual Bastonário da Ordem dos Advogados. Comungo das suas opiniões sobre a interpretação que faz das sucessivas notícias que envolviam apenas nomes de altas individualidades do PS, uma vez que apenas referiam nomes deste partido. Através de algumas notícias, como em qualquer outro caso, verificou-se a tentativa de ligar esse caso ao PS. Mas isso não passou de uma orientação estratégica de alguns órgãos de comunicação social. O processo nasce de verdadeiros abusos sexuais e com vista a decapitar pedófilos e não determinado partido. Essa interpretação surge da orientação jornalística. Aliás, este é o homem certo no lugar certo, contra um poder enraizado há décadas na Ordem.

Estamos a assistir a uma manipulação da opinião pública na fase final do processo?
Na fase final de cada processo tenta-se auscultar as opiniões que cada um tem sobre o seu desfecho. Ao contrário do final das telenovelas, este caso não terá um fim ao gosto de cada um dos telespectadores ou dos que ao longo destes quase quatro anos têm acompanhado o julgamento do “processo Casa Pia”. Mas penso que ao contrário das telenovelas, quem tem o encargo de decidir não será influenciado pelas opiniões de cada cidadão. O tal julgamento popular, seja qual for a decisão que vier a ser judicialmente decretada, dificilmente se alterará, devido ao enraizamento das notícias massivamente publicadas desde Novembro de 2002. Mas acredito na justiça dos tribunais.|

Entrevista a Francisco Moita Flores, Presidente da Câmara de Santarém

O presidente da Câmara de Santarém, eleito pelo PSD, relativamente à governação de Sócrates, considera que “falta a este Governo, como tem faltado a outros, a dimensão humana das decisões”, todavia critica a nova líder dos sociais-democratas, dizendo que o primeiro-ministro “sabe aquilo que Manuela Ferreira Leite ignora, ou pelo menos despreza.”

Esteve durante 12 anos na polícia. Que experiências mais o marcaram?
O sofrimento. As muitas faces do sofrimento, do medo, da morte. Uma experiência absoluta para que encare a política com outros olhos. Olhando para os que mais precisam de protecção. Para os nossos miúdos, para os nossos velhotes.

Numa entrevista passada referiu que existem dois tipos de polícia, o generoso e o romântico. Em qual se enquadrou?
Não sei. Tenho uma costela romântica que me faz acreditar que é possível sermos todos um pouco mais felizes, se trabalharmos para isso. Mas não deixo de reconhecer que esta utopia só é possível de ser vivida com uma grande dose de generosidade. Acho que recebi essa herança e sinto-me bem com ela.

Como vê a atitude da polícia hoje em dia?
É diferente, mais moderna, mais bem equipada, mas seguramente menos voluntariosa. Seja como for é uma grande polícia.

Concorda que a organização das forças de segurança em Portugal é uma “trapalhada” enquanto não se atribuir a investigação criminal à PJ e a segurança pública à PSP?
Será uma trapalhada enquanto não houver coordenação transversal da informação criminal.

Como comenta a concentração de poderes e competências num Secretário-Geral de Segurança, principalmente colocado sob a alçada do primeiro-ministro?
É perigoso. Muito perigoso. Se não forem tomadas cautelas pode ser um passo para uma eventual governamentalização da investigação criminal.

Que leitura faz do processo de afastamento de Gonçalo Amaral Dias?
O Gonçalo Amaral é um grande polícia que fez um excelente trabalho e que um dia não aguentou a pressão e disse umas coisas desagradáveis aos ingleses. Não o devia ter dito mas também não veio nenhum mal ao mundo por dizê-lo. A verdade é que ele percebia onde está a emperrar a investigação e bem farto de ser insultado, maltratado sem que houvesse uma voz a defendê-lo. De facto, deveria estar calado mas também é verdade que um homem não é de ferro.

Podemos dizer, que juntamente com a novela da pequena Madeleine e o afastamento do coordenador do Departamento de Investigação Criminal de Portimão estamos perante mais um caso de submissão portuguesa à “pérfida Albion”?
Não sei. Vai ser preciso passar mais algum tempo para percebermos até onde chegou a mixórdia.

Mantém a sua convicção de que a Madeleine McCann foi morta na Aldeia da Luz?
Mantenho. Não existem condições materiais para optar por outra solução. O mistério está entre um ou dois dos dez ou doze elementos que entravam naquele apartamento.
Possuo poucos dados para além de ter conhecido o local e as posições de cada um dos intervenientes. É impossível haver um rapto naquelas circunstâncias. Só como hipótese académica.

Na sua opinião, pensa que a imagem da PJ ficou afectada com este caso? Podem os portugueses acreditar na Polícia que temos?
Ficarão algumas mazelas na imagem da PJ que a própria turbulência criminal e a sucessão de crimes resolvidos vão dissolver. Isto, a confirmar-se que não existe qualquer indício e o processo for arquivado. E é claro que os portugueses podem acreditar na sua polícia. Tem uma história de prestígio e o nível de eficácia é dos mais altos da Europa. Não é por um crime não resolvido, no meio de centenas de milhares resolvidos, que se pode aferir da capacidade da PJ

Neste processo que muitas das vezes esteve rodeado de contornos obscuros, no seu entendimento o que falhou?
Vamos ver quando o processo for público. É cedo para fazer essa avaliação.

O arquivo do processo era algo previsível?
Não sei se o processo vai ser arquivado.

Que elações podem-se retirar deste caso, para que um próximo processo não tenha o mesmo desfecho?
Não sei qual vai ser o desfecho mas cada caso é um caso. Não existem fórmulas nem regras. É por isso que a investigação criminal é um conjunto de métodos e não é uma ciência.

Em que aspecto os media influenciaram o decorrer da investigação no caso do desaparecimento de Maddie?
Os aspectos negativos estão relacionados com a natural pressão sobre a investigação. A PJ quer provas, os jornalistas querem notícias. São coisas diferentes. Mas foi positiva a divulgação do problema pois ganhou a atenção de muita gente para os direitos das crianças, para os deveres de protecção em relação aos menores.

Que medidas deveriam ser tomadas para diminuir os raptos a crianças e adolescentes?
Os raptos são difíceis de prever e de prevenir. A única forma de evitá-los, ou pelo menos reduzir a possibilidade, é um controlo directo sobre as crianças.

Considera Portugal um País seguro?
É o país mais seguro da União Europeia.

O que falta a Portugal no seu entender?
Falta muita coisa, embora muito tenha andado, sobretudo desde a adesão à UE. O investimento na educação, como um todo, e não apenas na actividade curricular é a melhor de longo prazo que pode ser feita para o país arrancar do marasmo em que se encontra.

Em sua opinião, o Governo deveria olhar com mais atenção para o aumento da contestação social no nosso país?
Falta a este Governo, como tem faltado a outros, a dimensão humana das decisões. O excesso de racionalidade pode produzir resultados económicos e financeiros, mas não entrega esperança e expectativas. É o problema de uma classe política que perdeu o sentido das pessoas, que se desumanizou e vive obcecado com indicadores económicos.

Concorda com aqueles que acusam o primeiro-ministro de um certo autismo?
José Sócrates só cometeu um erro grave e aí foi autista. Quis fazer um discurso e um mandato de reformas, optimista, pedindo sacrifícios mas prometendo melhor futuro. Ignorou a crise internacional que se aproximava. Quando chegou já era tarde para inflectir o discurso de vitórias. Agora aí estamos, sem saber como sair desta depressão e sem fim à vista.

Como avalia o futuro político e eleitoral para o Governo de José Sócrates, neste contexto de crise económica?
O primeiro-ministro sabe aquilo que a Dra. Manuela Ferreira Leite ignora, ou pelo menos despreza. A vida pública é feita de factos e de imagens. Julgo que José Sócrates tem uma equipa hábil, aliás já se nota a alteração do discurso, e está em condições de vencer as próximas eleições.

Que nota dá à acção do Governo de José Sócrates?
Numa escala de 0 a 5, dava 3 valores.

Revê-se neste PSD com Manuela Ferreira Leite na liderança?
Sou um cidadão independente. Digo o que penso. E em boa verdade não acredito em lideranças de A, B ou C. O problema não é de líderes. Essa capacidade tem-na a Dra. Manuela Ferreira Leite, José Sócrates e outros. O problema essencial é saber qual o programa, a alternativa que a líder do PSD vai propor para sairmos, se é que conseguimos sair, da profunda crise em que estamos mergulhados. Estou á espera. E não tenha dúvidas de que se o projecto for bom, irei apoiá-la. Caso contrário, paciência.

Concorda com a líder quando esta afirma que o TGV não é uma obra prioritária?
Não sei se é ou não prioritária. Não sou especialista em transportes, embora saiba que há por toda a Europa o incremento da rede ferroviária.

Para si o TGV é uma prioridade nacional? E a passar por Santarém?
Para Santarém, espero que o Governo cumpra o programa de obras de melhoria da Linha do Norte que tem em curso.

Que balanço faz deste tempo de mandato à frente da Câmara Municipal de Santarém?
É um balanço muito positivo, embora arrancado a pulso da inércia da vida política local. Santarém, sendo uma das capitais mais próximas de Lisboa foi perdendo peso político, económico e social nas últimas décadas. Inflectir esta derrapagem exigiu muita determinação. Sobretudo por, na altura, sermos uma das Câmaras mais endividadas do país. Conseguimos isso. Anteriormente eram dezoito autarquias, nas quais se incluía Santarém. O número de autarquias mais endividadas passou para 30 e Santarém já não está lá. Depois foi o arranque da modernização do concelho. Contra o atavismo, o medo, a incapacidade de pensar estrategicamente este território. Hoje somos uma das câmaras de referência do país, a mais rápida em processos de decisão urbanística, com maior atractividade externa e a competir ombro a ombro com as autarquias mais competitivas.

Continua um homem motivado?
A motivação não é apenas um acto espontâneo da personalidade. É, sobretudo, um acto de disciplina e combatividade coerente. Claro que nesta perspectiva sou um homem motivado para os grandes desafios que se deparam a Santarém.

Tem fugido sempre a esta questão, mas a pouco mais de um ano das eleições. Os escalabitanos têm presidente para mais 4 anos?
Não fujo à questão. Julgo que ela é resultado de uma agenda e não de avidez. Há mais de um ano que oiço falar nas próximas eleições. É um género de fazer política politiqueira, onde os interesses pessoais falam mais alto que os objectivos superiores da gestão autárquica. As clientelas partidárias não deixam arrumar as bandeiras de uma campanha eleitoral, logo a pensar nas próximas eleições. Não é assim. Não pode ser assim. O país não resiste a isto. Não tomarei qualquer decisão sobre a minha candidatura enquanto não tiver condições para avaliar o trabalho que estamos a desenvolver, os desafios que se colocam e a minha própria situação familiar, de saúde, etc. Faltam 16 meses para as eleições. Quando me candidatei anunciei essa decisão em Março de 2005. Oito meses antes. Chega e sobra para falar sobre essa matéria.

É acusado por muitos, de gastar mais do que devia em eventos culturais, isto, num período em que as palavras de ordem são a contenção de despesas. Como reage a estes comentários?
O pelouro da Cultura é meu. Tenho à minha disposição uma verba que varia entre 1,3 e 1,8 por cento do orçamento. Este ano vamos ficar em 1,2 por cento. Efectivamente alguns dos grandes responsáveis pela degradação de Santarém fazem essa crítica. Durante décadas ignoraram tudo a não ser os seus próprios privilégios. Ainda por cima, são ignorantes. Ninguém acreditaria que entrasse numa autarquia e não investisse em cultura. A crítica seria ao contrário. Mas com os valores que lhe falo, só a mediocridade pode lançar esse tipo de anátemas. Se a Câmara pudesse não investia um virgula qualquer coisa. Chegaria aos 10. Mas se com tão pouco já falam os abutres o que não seria se esta cidade ganhasse a luminosidade que merece.

O vereador do PS Manuel Afonso criticou os “gastos exorbitantes em contratações e mordomias dos novos directores da empresa Águas de Santarém”, para continuarem a fazer o mesmo que os Serviços Municipalizados. Há fundamento para estes gastos?
O vereador Manuel Afonso ignora o que se passa. Faz propaganda política no sentido mais perverso do termo, mas coitado, não tem capacidade para mais. Era o antigo presidente dos Serviços Municipalizados. Tinha a sua corte política de vassalos. Isso acabou. Agora diz disparates. Está certo.

O que prefere: Autarca, Inspector, Escritor ou Professor? E Porquê?
A minha razão de ser é a escrita. Sou escritor por paixão, decisão e modo de vida. Inspector, já fui e não vou voltar a ser. Professor já fui e quando deixar de ser Presidente de Câmara tornarei a ser, autarca é um hiato de entrega à vida pública que obrigatoriamente terá de terminar. Sou contra presidentes-monarcas e contra qualquer clientelismo.

“O primeiro-ministro sabe aquilo que a Dra. Manuela Ferreira Leite ignora, ou pelo menos despreza”

Candidatos à carreira docente sujeitos a exames de três provas

Quem tiver menos de 14 valores numa das três provas – uma comum (Português) e duas específicas (de acordo com o grupo de recrutamento) – será eliminado do ingresso na carreira docente, ainda que seja licenciado e que cumpra um “ano probatório”. Os docentes terão 20 dias úteis para estudar, os exames serão realizados em “centros de provas” e serão “bolsas de professores titulares” a fazer a correcção das provas. Ficam dispensados os que tenham cinco anos de serviço efectivo, que tenham celebrado contrato em dois dos últimos quatro anos e com nota igual ou superior a “Bom”. Sindicatos contestam
a medida que “disfarça o desemprego de milhares”.

Desta vez a exigência de ter “Bom”, isto é, 14 valores, nos exames não é dirigida a alunos, mas aos professores que queiram entrar na carreira docente. Assim o determina o decreto que regulamenta aquela entrada, publicado esta semana em Diário da República.
Na prática, e ao contrário do que se esperava (o Governo chegou a admitir um recuo), a tutela foi intransigente nas regras básicas para ingressar na carreira da docência.
Assim, depois da licenciatura, todos os candidatos terão que passar por três provas, para “assegurar as respectivas capacidades” (de acordo com a opinião do Ministério da Educação), provas essas assim designadas: uma comum e duas específicas, de acordo com o respectivo grupo de recrutamento. E em todas têm de ter um “Bom”, ou seja, não pode ter menos de 14 valores.
Durante duas horas, os candidatos serão obrigados a provar o seu “domínio da Língua Portuguesa, tanto do ponto de vista da morfologia e da sintaxe, como quanto à clareza da sua exposição e da organização das ideias”. Além disso, terá de provar que tem “capacidade de raciocínio lógico, na resolução de problemas” e também de “reflexão sobre a organização e funcionamento da sala de aula, da escola e do sistema educativo”. Isto será a base da chamada “prova comum”.
Todavia, os candidatos poderão ter de efectuar mais duas provas. Desta vez específicas, isto é, na sua área de docência: outro teste escrito e uma oral ou prática, consoante seja oriundo de línguas, ciências experimentais, Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) ou expressões.
Uma coisa é comum e certa, logo à partida: se tiver menos de 14 valores em apenas uma das três, fica excluído da carreira docente. E, tal como acontece em qualquer exame de vulgares alunos, a classificação final é calculada pela média aritmética dos resultados em cada prova.
Como se isto não bastasse, o ingresso da carreira passa a depender de uma prova de avaliação de conhecimentos e competências, seguindo-se depois um “período probatório com a duração mínima de um ano lectivo, durante o qual o trabalho do candidato é supervisionado e avaliado por um professor titular”.
Os professores titulares, que estão no topo da carreira e a quem cabe já as tarefas de gestão e administração das escolas e a avaliação dos colegas para progressão na carreira, vão ter também nas suas mãos a chave da entrada na classe dos candidatos a professores.

Disfarçar o desemprego de milhares

O Governo acha que “com estes exames, a carreira docente fica reservada para quem possui requisitos para um desempenho de grande qualidade”. A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, faz um “balanço positivo das alterações à carreira”. Defende, mesmo, que “as escolas estão a fazer um esforço enorme para combater o abandono e o insucesso escolar”. E, por isso, conclui que “é em função disso que devemos fazer uma avaliação dos resultados”.
Por sua vez, os sindicatos consideram que a medida pretende “única e exclusivamente disfarçar o desemprego”.
Para Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, “todo o estatuto da carreira docente está construído para que o ministério veja num grupo de professores os carrascos dos outros docentes”. Diz o sindicalista, com um certo ar de ironia: “Em 90 minutos, num qualquer azar, o jovem é eliminado. Esquece-se que sai da faculdade já sujeito a quatro outros obstáculos, como a avaliação da formação científica, a avaliação no estágio profissional como contratado. E, quando entra para o quadro, vencidas três etapas, ainda está sujeito a um período probatório de um ano”. Para este dirigente da Fenprof trata-se de “uma prova carregada de uma certeza, a de que milhares de jovens são automaticamente eliminados”. E, é, ainda, “uma forma do ministério dizer que as dezenas de milhar de docentes no desemprego não são afinal professores”.
A dirigente da Federação Nacional de Educação (FNE), Maria Arminda Bragança, condena a imposição de uma nota mínima (14 valores)”. Em seu entender é “uma hipocrisia e coloca mesmo a formação concluída em cursos reconhecidos e financiados pelo Ministério da Ciência e Ensino Superior”. De acordo com esta dirigente da FNE “a existir alguma mudança na formação dos professores, esta teria de ser feita ao nível do Ensino Superior”.

Os exames em pormenor

Os docentes vão ter 20 dias úteis para estudar, uma vez que, no endereço electrónico da Direcção Geral de Recursos Humanos será “anunciada a data da prova, 20 dias úteis antes da sua realização”, assim como “um guia, que informará o candidato, desde os custos da inscrição à bibliografia recomendada”.
Sabe-se, ainda, que os exames serão feitos em “centros de provas”, cujos coordenadores (nomeados pelas respectivas direcções regionais) terão de constituir “bolsas de professores titulares que assegurem a correcção das provas”.
Ficarão dispensados da prova, os docentes com cinco anos de serviço efectivo e que tenham celebrado contrato em dois dos últimos quatro anos (anteriores portanto ao ano lectivo de 2007/2008) e cuja avaliação do desempenho tenha sido igual ou superior da “Bom”.
Mesmo assim, para o cumprimento desta lei, o Governo vai ter aprovar, em despacho, o calendário da prova, a duração das orais, os custos das inscrições e a nomeação do designado Júri Nacional.

Acordo Ortográfico ganha novo ímpeto 17 anos depois

O famigerado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,
ao fim de 17 anos, ganhou um novo impulso. Parece que
os países lusófonos vão ratificar as novas regras da língua escrita. O Governo português anunciou a sua disposição
de aprovar, até ao final do ano, o Protocolo Modificativo
do referido acordo. O ministro Luís Amado parece ter conseguido dar-lhe “novo ímpeto” com a concordância
de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau comprometidas
a “ratificar rapidamente” o Acordo, que já vai na sua terceira versão. E que, na melhor das hipóteses, estará implantado na prática daqui a quatro anos.

O debate sobre o Acordo Ortográfico tem andado a várias velocidades e a ritmos diferentes. Assinado em Lisboa a 16 de Dezembro de 1990 no meio de alguma controvérsia, chegou a ter uma data prevista para a sua entrada em vigor: 1 de Janeiro de 1994. Tal não aconteceu, porque apenas Portugal, Brasil e Cabo Verde o ratificaram.
Todos, de uma forma genérica, sobretudo os políticos concordam agora que o Português teria uma maior projecção no futuro, por ser (actualmente) a quinta língua mais falada em todo o mundo, em termos absolutos, e a terceira no Ocidente depois do Inglês e do Espanhol. Para já o ministro dos Negócios Estrangeiros conta com a disposição manifestada por Angola, Moçambique e Guiné-Bisau de o “ratificarem rapidamente”.
Diz quem sabe que quando todo o processo, legal e diplomático, estiver concluído, serão precisos, pelo menos, mais quatro anos de adaptação, para permitir que os dicionários, manuais escolares e todo o material de aprendizagem se actualize ortograficamente. Isto para Portugal e Brasil, mas quanto ao tempo necessário em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe ninguém se atreve a dar qualquer palpite. Muito menos em relação a Timor-Leste, que não solicitou ainda a adesão ao acordo.
Esperemos que não se regresse à guerra mesquinha de quem cede mais de um e do outro lado do Atlântico. Os especialistas já fizeram contas ao estudo das modificações propostas no Acordo e chegaram à seguinte conclusão: 1,6% do vocabulário será alterado em Portugal, enquanto no Brasil essa mudança só chegará à taxa de 0,45%.
Por sua vez, os políticos assumem que a “Língua Portuguesa ficará mais forte” e que “a unificação do acordo ortográfico trará um maior crédito na área internacional”.
Ninguém tem coragem de assumir que o português de Portugal e o português do Brasil “não mudará, nem facilmente, nem substancialmente”. Há quem diga, por exemplo, que nós continuaremos a dizer “autocarro”, enquanto o brasileiro preferirá usar a palavra “ónibus”, e os angolanos, provavelmente irão manter o “maximbombo”. E há os inventivos que têm pena antecipada de perder a fogosidade e o humor de palavras como “estou sornicando” (bater uma sorna) ou dizer, ao parceiro do lado, “vou bicar”, para expressar que vai tomar uma bica.

Algumas mudanças

Há, no entanto, algumas mudanças no acordo. Passaremos a escrever “ação”, em vez de “acção” e “ato” em vez de “acto” e os brasileiros deixarão de escrever “acadêmico” com acento circunflexo, perfilhando o nosso “académico”. Do lado de lá do Atlântico, também vão ter de abdicar do trema na palavra “tranquilo”. Por cá desaparece da actual grafia além do “c” (exemplo anterior) também o “p”, nas palavras em que essas letras não são pronunciadas, como “baptismo” e “óptimo”. E até o “húmido” deixará de ter o h e passará a ser escrito assim: “úmido”.
De acordo com Malaca Casteleiro, um linguísta de primeira linha desde a primeira hora, o hífen desaparece completamente para os brasileiros, quando o segundo elemento da palavra composta comece com “s” ou “r”, casos em que estas consoantes devem ser dobradas, como em antirreligioso” e “contrarregra”. Acrescenta, ainda, que apenas quando os prefixos terminam em “r” se manterá o hífen. E dá exemplos: hiper-realista, super-resistente.
O acento circunflexo também desaparece de cena nas paroxítonas (palavras com acento tónico na penúltima sílaba) terminadas em “o” duplo (“voo” e “enjoo”), usado na ortografia do Brasil, mas não na de Portugal.
E o mesmo acento – o circunflexo – desaparece também da terceira pessoa do presente do indicativo ou do conjuntivo dos verbos “crer”, “ler”, “dar”, “ver” e seus derivados. Ou seja, passará a escrever-se creem, leem, deem e veem. O acento agudo, deixará de se usar no Brasil, nos ditongos abertos “ei” e “oi” de palavras paroxítonas, como “assembleia” e “ideia”. E o alfabeto, com a incorporação de “k”, “w” e “y”, deixará de ter 23 letras, para passar a contar com 26.

As datas e marcas

Já agora fique a saber que esta história de um Acordo Ortográfico já vem de longe. Até no tempo de Salazar se chegou a mexer na matéria, o que lhe mereceu um encolher de ombros benevolente, ao dizer “deixem andar porque levará ainda muito, muito tempo a concretizar”. “Se chegar a vigorar algum dia…”, acrescentou pata aqueles que o acompanhavam no gabinete de trabalho.
Passo a passo, depois do 25 de Abril, o primeiro pontapé de saída ocorreu a 16 de Dezembro de 1990, quando foi assinado em Lisboa. O dia 1 de Janeiro de 1994 era a data prevista para a sua entrada em vigor. Tal não aconteceu, porque apenas Portugal, Brasil e Cabo Verde o ratificaram.
Quatro anos depois (1998), em Julho, foi assinado o primeiro protocolo modificativo, no qual estava prevista a entrada em vigor do acordo, depois do depósito de ratificação por parte de todos os Estados signatários, mas sem apontar qualquer data.
A 4 de Julho de 2004 assinou-se um novo protocolo modificativo, que prescindiu da aplicação unânime do acordo, dependendo a sua “entrada em vigor da ratificação por três países”. Neste momento uma coisa é para praticamente adquirida. É a de que os manuais escolares e os livros considerados didácticos não vão ser os mesmos nos três continentes, o que não significa que não volte a moda dos chamados prontuários ortográficos, em cada um dos Estados, para mais fácil manuseamento das escolas e redacções de comunicação social.
O futuro o dirá.|