O presidente da Câmara de Santarém, eleito pelo PSD, relativamente à governação de Sócrates, considera que “falta a este Governo, como tem faltado a outros, a dimensão humana das decisões”, todavia critica a nova líder dos sociais-democratas, dizendo que o primeiro-ministro “sabe aquilo que Manuela Ferreira Leite ignora, ou pelo menos despreza.”
Esteve durante 12 anos na polícia. Que experiências mais o marcaram?
O sofrimento. As muitas faces do sofrimento, do medo, da morte. Uma experiência absoluta para que encare a política com outros olhos. Olhando para os que mais precisam de protecção. Para os nossos miúdos, para os nossos velhotes.
Numa entrevista passada referiu que existem dois tipos de polícia, o generoso e o romântico. Em qual se enquadrou?
Não sei. Tenho uma costela romântica que me faz acreditar que é possível sermos todos um pouco mais felizes, se trabalharmos para isso. Mas não deixo de reconhecer que esta utopia só é possível de ser vivida com uma grande dose de generosidade. Acho que recebi essa herança e sinto-me bem com ela.
Como vê a atitude da polícia hoje em dia?
É diferente, mais moderna, mais bem equipada, mas seguramente menos voluntariosa. Seja como for é uma grande polícia.
Concorda que a organização das forças de segurança em Portugal é uma “trapalhada” enquanto não se atribuir a investigação criminal à PJ e a segurança pública à PSP?
Será uma trapalhada enquanto não houver coordenação transversal da informação criminal.
Como comenta a concentração de poderes e competências num Secretário-Geral de Segurança, principalmente colocado sob a alçada do primeiro-ministro?
É perigoso. Muito perigoso. Se não forem tomadas cautelas pode ser um passo para uma eventual governamentalização da investigação criminal.
Que leitura faz do processo de afastamento de Gonçalo Amaral Dias?
O Gonçalo Amaral é um grande polícia que fez um excelente trabalho e que um dia não aguentou a pressão e disse umas coisas desagradáveis aos ingleses. Não o devia ter dito mas também não veio nenhum mal ao mundo por dizê-lo. A verdade é que ele percebia onde está a emperrar a investigação e bem farto de ser insultado, maltratado sem que houvesse uma voz a defendê-lo. De facto, deveria estar calado mas também é verdade que um homem não é de ferro.
Podemos dizer, que juntamente com a novela da pequena Madeleine e o afastamento do coordenador do Departamento de Investigação Criminal de Portimão estamos perante mais um caso de submissão portuguesa à “pérfida Albion”?
Não sei. Vai ser preciso passar mais algum tempo para percebermos até onde chegou a mixórdia.
Mantém a sua convicção de que a Madeleine McCann foi morta na Aldeia da Luz?
Mantenho. Não existem condições materiais para optar por outra solução. O mistério está entre um ou dois dos dez ou doze elementos que entravam naquele apartamento.
Possuo poucos dados para além de ter conhecido o local e as posições de cada um dos intervenientes. É impossível haver um rapto naquelas circunstâncias. Só como hipótese académica.
Na sua opinião, pensa que a imagem da PJ ficou afectada com este caso? Podem os portugueses acreditar na Polícia que temos?
Ficarão algumas mazelas na imagem da PJ que a própria turbulência criminal e a sucessão de crimes resolvidos vão dissolver. Isto, a confirmar-se que não existe qualquer indício e o processo for arquivado. E é claro que os portugueses podem acreditar na sua polícia. Tem uma história de prestígio e o nível de eficácia é dos mais altos da Europa. Não é por um crime não resolvido, no meio de centenas de milhares resolvidos, que se pode aferir da capacidade da PJ
Neste processo que muitas das vezes esteve rodeado de contornos obscuros, no seu entendimento o que falhou?
Vamos ver quando o processo for público. É cedo para fazer essa avaliação.
O arquivo do processo era algo previsível?
Não sei se o processo vai ser arquivado.
Que elações podem-se retirar deste caso, para que um próximo processo não tenha o mesmo desfecho?
Não sei qual vai ser o desfecho mas cada caso é um caso. Não existem fórmulas nem regras. É por isso que a investigação criminal é um conjunto de métodos e não é uma ciência.
Em que aspecto os media influenciaram o decorrer da investigação no caso do desaparecimento de Maddie?
Os aspectos negativos estão relacionados com a natural pressão sobre a investigação. A PJ quer provas, os jornalistas querem notícias. São coisas diferentes. Mas foi positiva a divulgação do problema pois ganhou a atenção de muita gente para os direitos das crianças, para os deveres de protecção em relação aos menores.
Que medidas deveriam ser tomadas para diminuir os raptos a crianças e adolescentes?
Os raptos são difíceis de prever e de prevenir. A única forma de evitá-los, ou pelo menos reduzir a possibilidade, é um controlo directo sobre as crianças.
Considera Portugal um País seguro?
É o país mais seguro da União Europeia.
O que falta a Portugal no seu entender?
Falta muita coisa, embora muito tenha andado, sobretudo desde a adesão à UE. O investimento na educação, como um todo, e não apenas na actividade curricular é a melhor de longo prazo que pode ser feita para o país arrancar do marasmo em que se encontra.
Em sua opinião, o Governo deveria olhar com mais atenção para o aumento da contestação social no nosso país?
Falta a este Governo, como tem faltado a outros, a dimensão humana das decisões. O excesso de racionalidade pode produzir resultados económicos e financeiros, mas não entrega esperança e expectativas. É o problema de uma classe política que perdeu o sentido das pessoas, que se desumanizou e vive obcecado com indicadores económicos.
Concorda com aqueles que acusam o primeiro-ministro de um certo autismo?
José Sócrates só cometeu um erro grave e aí foi autista. Quis fazer um discurso e um mandato de reformas, optimista, pedindo sacrifícios mas prometendo melhor futuro. Ignorou a crise internacional que se aproximava. Quando chegou já era tarde para inflectir o discurso de vitórias. Agora aí estamos, sem saber como sair desta depressão e sem fim à vista.
Como avalia o futuro político e eleitoral para o Governo de José Sócrates, neste contexto de crise económica?
O primeiro-ministro sabe aquilo que a Dra. Manuela Ferreira Leite ignora, ou pelo menos despreza. A vida pública é feita de factos e de imagens. Julgo que José Sócrates tem uma equipa hábil, aliás já se nota a alteração do discurso, e está em condições de vencer as próximas eleições.
Que nota dá à acção do Governo de José Sócrates?
Numa escala de 0 a 5, dava 3 valores.
Revê-se neste PSD com Manuela Ferreira Leite na liderança?
Sou um cidadão independente. Digo o que penso. E em boa verdade não acredito em lideranças de A, B ou C. O problema não é de líderes. Essa capacidade tem-na a Dra. Manuela Ferreira Leite, José Sócrates e outros. O problema essencial é saber qual o programa, a alternativa que a líder do PSD vai propor para sairmos, se é que conseguimos sair, da profunda crise em que estamos mergulhados. Estou á espera. E não tenha dúvidas de que se o projecto for bom, irei apoiá-la. Caso contrário, paciência.
Concorda com a líder quando esta afirma que o TGV não é uma obra prioritária?
Não sei se é ou não prioritária. Não sou especialista em transportes, embora saiba que há por toda a Europa o incremento da rede ferroviária.
Para si o TGV é uma prioridade nacional? E a passar por Santarém?
Para Santarém, espero que o Governo cumpra o programa de obras de melhoria da Linha do Norte que tem em curso.
Que balanço faz deste tempo de mandato à frente da Câmara Municipal de Santarém?
É um balanço muito positivo, embora arrancado a pulso da inércia da vida política local. Santarém, sendo uma das capitais mais próximas de Lisboa foi perdendo peso político, económico e social nas últimas décadas. Inflectir esta derrapagem exigiu muita determinação. Sobretudo por, na altura, sermos uma das Câmaras mais endividadas do país. Conseguimos isso. Anteriormente eram dezoito autarquias, nas quais se incluía Santarém. O número de autarquias mais endividadas passou para 30 e Santarém já não está lá. Depois foi o arranque da modernização do concelho. Contra o atavismo, o medo, a incapacidade de pensar estrategicamente este território. Hoje somos uma das câmaras de referência do país, a mais rápida em processos de decisão urbanística, com maior atractividade externa e a competir ombro a ombro com as autarquias mais competitivas.
Continua um homem motivado?
A motivação não é apenas um acto espontâneo da personalidade. É, sobretudo, um acto de disciplina e combatividade coerente. Claro que nesta perspectiva sou um homem motivado para os grandes desafios que se deparam a Santarém.
Tem fugido sempre a esta questão, mas a pouco mais de um ano das eleições. Os escalabitanos têm presidente para mais 4 anos?
Não fujo à questão. Julgo que ela é resultado de uma agenda e não de avidez. Há mais de um ano que oiço falar nas próximas eleições. É um género de fazer política politiqueira, onde os interesses pessoais falam mais alto que os objectivos superiores da gestão autárquica. As clientelas partidárias não deixam arrumar as bandeiras de uma campanha eleitoral, logo a pensar nas próximas eleições. Não é assim. Não pode ser assim. O país não resiste a isto. Não tomarei qualquer decisão sobre a minha candidatura enquanto não tiver condições para avaliar o trabalho que estamos a desenvolver, os desafios que se colocam e a minha própria situação familiar, de saúde, etc. Faltam 16 meses para as eleições. Quando me candidatei anunciei essa decisão em Março de 2005. Oito meses antes. Chega e sobra para falar sobre essa matéria.
É acusado por muitos, de gastar mais do que devia em eventos culturais, isto, num período em que as palavras de ordem são a contenção de despesas. Como reage a estes comentários?
O pelouro da Cultura é meu. Tenho à minha disposição uma verba que varia entre 1,3 e 1,8 por cento do orçamento. Este ano vamos ficar em 1,2 por cento. Efectivamente alguns dos grandes responsáveis pela degradação de Santarém fazem essa crítica. Durante décadas ignoraram tudo a não ser os seus próprios privilégios. Ainda por cima, são ignorantes. Ninguém acreditaria que entrasse numa autarquia e não investisse em cultura. A crítica seria ao contrário. Mas com os valores que lhe falo, só a mediocridade pode lançar esse tipo de anátemas. Se a Câmara pudesse não investia um virgula qualquer coisa. Chegaria aos 10. Mas se com tão pouco já falam os abutres o que não seria se esta cidade ganhasse a luminosidade que merece.
O vereador do PS Manuel Afonso criticou os “gastos exorbitantes em contratações e mordomias dos novos directores da empresa Águas de Santarém”, para continuarem a fazer o mesmo que os Serviços Municipalizados. Há fundamento para estes gastos?
O vereador Manuel Afonso ignora o que se passa. Faz propaganda política no sentido mais perverso do termo, mas coitado, não tem capacidade para mais. Era o antigo presidente dos Serviços Municipalizados. Tinha a sua corte política de vassalos. Isso acabou. Agora diz disparates. Está certo.
O que prefere: Autarca, Inspector, Escritor ou Professor? E Porquê?
A minha razão de ser é a escrita. Sou escritor por paixão, decisão e modo de vida. Inspector, já fui e não vou voltar a ser. Professor já fui e quando deixar de ser Presidente de Câmara tornarei a ser, autarca é um hiato de entrega à vida pública que obrigatoriamente terá de terminar. Sou contra presidentes-monarcas e contra qualquer clientelismo.
“O primeiro-ministro sabe aquilo que a Dra. Manuela Ferreira Leite ignora, ou pelo menos despreza”