2025/06/25

A Europa e o Atlântico – um outro caminhopor G. d’Oliveira Martins

Começa agora o momento mais difícil e complexo da crise iraquiana

Depois da aventura militar – cujos perigos e riscos ficaram plenamente confirmados -, trata-se de saber em que medida haverá condições para reconduzir o processo à esfera das Nações Unidas (como bem têm defendido os britânicos) e de que modo poderá a comunidade internacional contribuir para a estabilização de uma região instável e perigosa.

Devo dizer que estou pessimista quanto a estas possibilidades – uma vez que foram cometidos demasiados erros e que a atitude estratégica da administração Bush parte de uma perigosíssima ignorância da História.

No entanto, julgo que há oportunidades interessantes a explorar, designadamente no tocante à política europeia. Neste ponto, penso que deve haver uma grande determinação, contra quaisquer tentações de cepticismo ou de cinismo. Sem ilusões, do que precisamos é de realismo – de modo a que a Constituição da União Europeia consagre um autêntico equilíbrio de poderes e uma capacidade de afirmação europeia na política externa de segurança e de defesa.

Eis porque a reaproximação europeia a que se tem assistido nos últimos dias deve ser prosseguida. Como tenho defendido, é indispensável que o eixo franco-alemão seja completado por uma Entente Cordiale, que inclua a perspectiva britânica e atlântica.

Jacques Amalric dizia há dias, no “Libération”, que uma vitória na guerra poderia transformar-se numa derrota na paz. Afinal, o resultado desde o início previsível para o conflito não impedirá só por si que “o sonho do Iraque democrático se torne a mais completa utopia”. E isto porque o país é um Estado medieval, com interesses e grupos contraditórios, e uma ditadura fundada em concepções arcaicas, situada no coração de uma das regiões mais explosivas do mundo.

Tudo aponta, de facto, para a eternização da raiva, do medo, da incerteza, da irracionalidade e da violência. E como reagirão as populações? Como será evitado o desenvolvimento de diversos pólos de radicalismo e de irracionalidade? Como será definido um fim à vista para uma situação de excepção que venha a ser decretada? Como reparar os estragos na ordem internacional já produzidos? Por que razão regressam as ameaças de violência? Como garantir eficazmente um combate contra o terrorismo internacional?

Todas estas perguntas representam sérios motivos de medo e de incerteza. A desconfiança instalou-se por toda a parte e as imagens dramáticas de uma guerra que se tem caracterizado por centenas de vítimas civis e pelos efeitos absurdos do “fogo amigo” vão perseguir daqui para a frente a posição norte-americana no mundo.

E o certo é que um dos efeitos imediatos da “desordem estabelecida”, da divisão da Europa e da tensão entre Estados Unidos e Velho Continente é já o enfraquecimento inexorável, com efeitos imprevisíveis, do pólo ocidental. A “lei da selva” ocupa o lugar do direito e de uma ética democrática.

Se nada for feito no sentido de inverter este estado de coisas poderemos temer o pior. A memória da destruição da Europa de 1945 está a desvanecer-se – e há cada vez mais aprendizes de feiticeiros a brincar com o fogo.

E a economia? A recuperação continua a ser adiada. E falta lucidez para encontrar políticas sérias e seguras de carácter anticíclico. As economias ocidentais precisam de investimentos reprodutivos, de políticas activas de emprego, de mais eficiência fiscal e de uma sábia síntese entre os progressos nas economias reais e no capital social e a melhoria da competitividade.

A desorganização da guerra só vai fazer piorar as coisas. Alguns limitar-se-ão a esperar por Godot – e perderão. Outros terão de se pôr ao caminho, tentando perceber que a paz e a reconstrução exigem o espírito de um New Deal mundial e o fim dos erros de um lado e do outro do Atlântico.

Afinal, europeus e norte-americanos têm de compreender que um caminho de divisão e de desinteligências conduzir-nos-á para o abismo, de um lado e do outro do Atlântico. Se os Estados Unidos perderem arrastarão a Europa – e o enfraquecimento da Europa só tornará mais débil a posição norte-americana. Quem apostar na cizânia europeia vê-la-á funcionar como um violento “boomerang”. E quem continuar a apostar na doutrina Monroe (“a América para os americanos”), fiando-se apenas no poder militar e na lógica da superpotência auto-suficiente, terá a surpresa desagradável de acordar um dia como império de pés de barro – como a História ensina, duramente.

Eis porque a parábola dos vimes merece ser recordada. Os vimes separados tornam-se frágeis e vulneráveis, mesmo para um Império, supostamente invencível. Os vimes unidos exigem, porém, na política internacional que não haja subserviência ou dependência, mas autonomia e complementaridade. E a opção europeia exige esta tomada de consciência – de que a união faz a força. E esta crise grave, e o que se lhe vai seguir, se revelou a divisão da Europa, demonstrou a exigência de mais Europa política e de uma tomada de consciência sobre a defesa dos valores e dos interesses comuns.

Há dias, o meu amigo Adam Michnik justificou o seu apoio à posição americana – e fê-lo com argumentos sérios que temos de respeitar. Mas temos de entender o porquê desta tomada de posição de um democrata de sempre e de um grande europeu (ao lado de Bronislaw Geremek ou de Vaclav Havel). No fundo, o que Michnik nos exigiu, a nós europeus, foi maior audácia na criação de instrumentos comuns orientados para a segurança e a paz no continente europeu e no mundo.

Exigiu-nos mais Europa política, como base de uma solidariedade necessária euro-atlântica, assente no multilateralismo e no respeito mútuo e numa convergência voluntária, nunca numa imposição unilateral.

Um Futebol de contrastespor Pedro Martins

A pouco mais de um ano de acolher um campeonato da Europa, o futebol português atravessa uma época recheada de contrastes.

É que se por um lado, F.C.Porto e Boavista estão muito perto de fazer história na Taça UEFA, por outro, há clubes quase a fecharem as portas devido a uma grave crise económico-financeira.

E é com este cenário de grandes contrastes, que o nosso País se prepara para organizar uma competição, que bem aproveitada pode dar em definitivo ao futebol português, o empurrão que lhe falta para que um dia se possa equiparar ao espanhol, italiano ou inglês.

Sim, porque não se pense que uma dupla presença portuguesa, como se deseja, na final da Taça UEFA em Sevilha, seja também só por si, a solução milagrosa para o problema. Não será esse feito de portistas e axadrezados que vai liquidar de imediato os ordenados em atraso, em mais de 80% das equipas profissionais.

Como o próprio presidente do Sindicato dos Jogadores reconheceu a semana passada, “a crise é generalizada, com os incumprimentos a chegarem aos dez meses de ordenados em atraso”. Como resolver o problema?

Reduzindo por exemplo o quadro de jogadores em cada clube. Aliás, e ainda segundo António Carraça, dos 506 jogadores inscritos a época passada na I Liga, 40 não foram utilizados nunca pelos seus treinadores.

Isto para já não falar das provas não profissionais (II Divisão B e III Divisão), onde um número elevado de contratos de trabalho levam muitos jogadores a receberem ordenados na casa dos 500/600 euros, quando se sabe que esta é uma profissão que termina por volta dos 35 anos.

Se a tudo isto juntarmos a má gestão dos clubes ou das SAD´s ainda pior. Veja-se o caso do Vitória de Setúbal, onde Carlos Cardoso é já o terceiro treinador esta época a orientar os sadinos.

Com tantos despedimentos nos últimos meses, são já onze os técnicos que estão a ser indemnizados pela SAD do último classificado da Superliga. Se ao menos os resultados desportivos ajudassem a explicar este tipo de gestão!

Assim não é de admirar que pela primeira vez em Portugal, uma equipa de Futebol através do Sindicato de Jogadores tenha emitido um comunicado de pré-aviso de greve. A situação financeira no Farense é extremamente delicada, ao ponto dos futebolistas admitirem nesta altura não comparecerem no próximo jogo dos algarvios na II Liga, frente ao Alverca.

Perante este cenário, de que vale ao futebol português, os excelentes resultados de F.C.Porto e Boavista nas competições europeias, abrindo mesmo a possibilidade de Portugal ter na época 2005/2006, três equipas na Liga dos Campeões e outras três na Taça UEFA.

É que se os dirigentes dos clubes mas também dos órgãos que gerem o futebol no nosso País não alterarem rapidamente os seus comportamentos, não há Euro 2004 ou final de Sevilha que nos valha.

P.S.: Já a semana passada aqui tinha falado do Estoril Open, lamentando a ausência de nomes sonantes na edição deste ano. Desta vez volto ao tema, para dar os parabéns a João Lagos.

Nem a chuva afastou os amantes do Ténis dos courts do Jamor, e na final, a vitória voltou a sorrir a um desconhecido, o russo Davydenko, que quem sabe não começou no Estoril Open, uma ascensão meteórica como aconteceu o ano passado com o argentino David Nalbandian.

O caso de Paulo Portaspor Rui Teixeira Santos

Parece evidente que Paulo Portas continuará a ser ministro do governo da Convergência Democrática, caso não venha a ser constituído arguido no caso da Moderna.

O ministro está diminuído e cada vez mais manietado politicamente. Mas, como Durão Barroso teve ocasião de dizer ontem, Portas tem sido um ministro competente de Estado e da Defesa.

E é isso que explica a confiança política que Barroso lhe manifesta, embora há um ano atrás lhe desse também a sua confiança e solidariedade pessoal, coisa que agora não refere, embora os seus assessores, logo a seguir, se tenham apressado a dizer que a solidariedade era também pessoal.

Ferro não quer ir para o Governo

Como facto relevante há ainda que considerar o facto de Ferro Rodrigues, a propósito da carta aberta de Braga Gonçalves, ter vagamente relembrado, o que disse há seis meses ou um ano atrás, sobre a honorabilidade do ministro e não ter pedido com veemência a sua demissão.

E isto pode querer dizer duas coisas: ou Ferro prudentemente espera por factos e revelações de Braga Gonçalves, que levem a que pelo menos Portas seja chamado pelos juízes a prestar esclarecimentos, o que naturalmente desacredita a maioria e espera depois que o colectivo de juízes extraia daí as conclusões e eventualmente mande para o Ministério Público extractos das audiências, para eventuais novas acusações, ou, em alternativa, pensará que o arguido ameaçador estará apenas a querer justificar insanidade mental, ameaçando com revelações extraordinárias, que afinal não significam nada e que aliás justificariam o novo pedido do colectivo de juízes para que fosse atestada a sua sanidade mental.

Abandonado e só, ficando com todo o ónus da culpa e com a expectativa de anos na cadeia, é admissível que Braga Gonçalves tenha decidido falar. E nessas circunstâncias também é evidente que a credibilidade do que diz tem que ser secundada com provas materiais evidentes, o que será difícil, pois de outro modo não se entenderia que o Ministério Público não tivesse já ido por aí.

Assim sendo, parece que Portas pode processualmente estar descansado, conforme, aliás, confidenciou aos seus pares do Governo, mas politicamente terá sempre a desconfiança dos seus antigos colegas jornalistas, que não não lhe perdoam o sucesso, e por inveja ou mau carácter não lhe perdoam ter chegado a ministro sem antes ter esclarecido a questão da Moderna.

Portas paga o preço das vidas que arruinou, a “jóia” dos políticos que deitou abaixo, provavelmente pelas mesmas razões que agora se insinuam terem existido na Universidade Moderna, mesmo para além da nenhuma solidariedade que mostrou para com o seu amigo Braga Gonçalves, na hora em que ele mais precisava.

Portas pode bem dizer que o amigo está em pânico, com a acusação a tirar-lhe credibilidade, sobretudo se ele mais tarde vier a fazer acusações aos socialistas na Câmara de Lisboa. As contradições no máximo levarão o ministro Portas a novos depoimentos no Tribunal de Monsanto, mas, daí a uma acusação por factos novos, isso depende dos juízes e do Ministério Público, que até agora não o quiseram acusar e que sobre os factos já conhecidos já não podem constituir Portas como arguido.

Mas o que é, para além do carácter, ou da falta dele, extraordinário é que ninguém quer tirar conclusões políticas da situação que se passa, demonstrando que a oposição em Portugal não está em condições de governar.

Ferro Rodrigues não pede a demissão do Governo, pelo simples facto que não quer ir agora, nesta conjuntura económica e social dificílima ir para o Governo, mas que espera por que o mau tempo passe e que, no momento oportuno, o Presidente da República mande abaixo o Governo e convoque eleições antecipadas.

Mas, demonstrando também que esta situação é cómoda para o governo dominado pelo PSD, que, deste modo, tem politicamente Paulo Portas e o PP neutralizados e dependentes dentro da Coligação.

O “timing” pertence aos juízes do caso Moderna

Ferro sabe que, agindo assim, deixa nas mãos dos juízes a gestão do “timing”, porque Durão Barroso não suspenderá Portas caso este seja apenas testemunha e não seja acusado.

E sabe também que, não pedindo agora a demissão de Portas, ganha tempo para que a crise económica passe, podendo com tempo preparar o regresso dos sampaístas ao poder executivo, com legislativas antecipadas, preparando eventualmente as presidenciais ao sabor da esquerda.

Na reunião com os grupos parlamentares, o primeiro-ministro advertiu exactamente que o próximo ano será o ano mais difícil politicamente. E não é apenas pela questão da Moderna e de Paulo Portas. É sim porque Barroso não pode deixar de colocar o cenário de no momento em que a situação económica começar a mudar, Jorge Sampaio, que até agora tem andado a não fazer nada, decida deixar como herança política “uma maioria, um Governo e um Presidente de esquerda ao País”, retirando assim o espaço de crítica dos guterristas e de Mário Soares ao desempenho de Sampaio em Belém.

Sampaio, à procura do seu lugar na história, poderá ser tentado, agora que já não pode ser reeleito, a intervir a favor da esquerda depois no próximo ano, assegurando assim um percurso surpreendente como o de Mário Soares.

É isso que explica o cuidado redobrado do primeiro-ministro, que não pode deixar um milímetro de pretexto a Sampaio para lhe tirar o tapete. E a maioria governamental sabe que à medida que a situação económica for melhorando, o risco se torna maior.

O PS não quer ir este ano, de recessão económica, como dissemos e aliás o FMI confirmou, para o Governo. Quer que a direita fique com todas as culpas. O Governo, apesar de Portas, tem de gerir o “timing” da retoma económica com cuidado, consciente que até lá não pode perder a confiança total dos portugueses.

Mudança no executivo

E, neste contexto, há muita coisa a mudar no executivo. A remodelação ocorrida esta semana, por causa de Isaltino Morais, não pode ser feita dando a sensação que o primeiro-ministro foi a reboque dos acontecimentos.

Os ajustamentos estavam previstos, o próprio primeiro-ministro cancelou logo a sua deslocação a Cabo Verde, mas na opinião pública parecia que cada dia se demitia um ministro, a cada hora saía um secretário de Estado, como que já ninguém liderasse o processo. Ora isto deve-se a um défice de confiança.

Para além da capacidade de resistência, o PSD tem que começar a mostrar inteligência na gestão mediática da política.

Não é possível numa sociedade mediática ganhar as almas e os votos, se se perde nos media. A guerra moderna e notável do Iraque demonstrou isso mesmo. A campanha notável da América não convenceu quem antes já estava contra, muito embora fosse claramente vencedora no terreno: com apenas 26 mil homens, os anglo-americanos fazem 500 quilómetros e conquistam Bagdad em 22 dias, onde estavam cinco divisões.

É notável a todos os títulos, muda todos os conceitos de guerra e exército clássico, mesmo admitindo a superioridade aérea americana e os condicionalismos da guerra digital. Saddam perdeu a guerra mas teve vitórias notáveis na comunicação social, o que lhe permite, se estiver vivo e se quiser ter ainda um papel político relevante no futuro, para perigo de toda a humanidade.

Má gestão da descida da Sisa

O que se passou com a redução da taxa da Sisa, esta semana, é bem sinal do que não se pode fazer: com a remodelação em curso, o desemprego a aumentar e a recessão a castigar os portugueses mais que os restantes europeus, é evidente que o Governo não tinha nem condições para celebrar Atoleiros, nem razões para celebrar o primeiro aniversário.

A ideia de anunciar extemporaneamente a extinção do imposto sobre doações e sucessões e a redução da Sisa, é evidente que teria impacto imediato no mercado imobiliário nacional (e não apenas e mediação imobiliária, como disse a ministra no Parlamento), adiando decisões de compra.

E como é evidente sob pena de paralisia do mercado e de extinção das receitas para as autarquias, o Governo teria que imediatamente pensar em compensações para os municípios, já castigados com a proibição de endividamento, e sobretudo antecipar o efeito, mexendo desde já na taxa actual do imposto sobre a transacção imobiliária. Ora é evidente que a mudança de estratégia no Ministério das Finanças não foi intempestiva, mas ponderada seguramente.

Só que o surgiu na opinião pública foi que Ferreira Leite que foi contra o choque fiscal acabou por ser surpreendida pelas críticas dos mediadores imobiliários e por pressão do Governo acabou por antecipar o que pretendia fazer em 2004, apenas porque não estudou convenientemente o efeito da medida anunciada no Conselho de Ministros extraordinário de Fronteira.

O efeito da medida acaba por ser neutralizado pela má gestão da comunicação, e este parece ser o maior problema de um Governo, que ainda não percebeu que sem comunicação social dificilmente se consegue actuar ao nível da confiança dos agentes económicos.

À espera do milagre!por Manuel dos Santos

As ” boas” notícias não param de surgir na economia portuguesa.

Premiados, como já estamos, com a mais baixa taxa de crescimento real do PIB em 2002 e 2003, no contexto da Europa, caminhamos agora a passos largos, para o topo dos países com o maior nível de desemprego.

Nos últimos doze meses, segundo o organismo estatístico europeu, foi Portugal o país que registou o maior agravamento do desemprego – a respectiva taxa ultrapassou já uns preocupantes 6,7% da população activa. É bom recordar, em tempo de avaliação de heranças, que o nível de desemprego se situava em 4,3 pontos percentuais quando o actual Governo assumiu funções.

Curiosamente, esta situação que nos coloca já num “invejável” 6.º lugar na União Europeia não tem tido a repercussão que merecia e, sobretudo, que devia em Portugal.

Este destino ficou, aliás, traçado desde o início.

Ao preocupar-se mais com a herança financeira dos socialistas, do que com a correcção das medidas de política reais ajustadas à nova situação de enquadramento da economia portuguesa, o actual Governo estava a construir o cenário que, agora, desgraçadamente vivemos.

A sociedade portuguesa não pode aguentar por muito mais tempo as condições de pressão que resultarão de um nível de desemprego muito elevado, e o funcionamento dos chamados estabilizadores automáticos, ou está esgotado, ou dificilmente se põe em marcha tendo em conta as opções orçamentais (irreversíveis) do actual Executivo.

Resta-nos pois a esperança de que estejamos a viver apenas uma crise conjuntural e que, com a recuperação da economia europeia (para quando?), estaremos brevemente em condições de salvar o “essencial”.

Mas mesmo esta esperança mingua quando verificamos o ambiente de pessimismo (sem par) que se vive na sociedade e, nomeadamente, nos agentes económicos nacionais.

Foi, de resto, o desapontamento com o falhanço das expectativas de crescimento elevado (tendo em conta a modernização da economia europeia e por arrastamento da economia nacional) mas, sobretudo, a dramatização da situação económica, feita sem lógica sem nexo, que conduziram à actual situação.

Há pois boas razões para pensar que a situação económica (e social) corresponde a uma crise estrutural, que é agravada por factores exógenos, mas que inevitavelmente terá consequências muito fortes sobre o futuro e a qualidade do desenvolvimento e da coesão económica e social do País.

É urgente, portanto, lançar um profundo debate na sociedade portuguesa, juntando o que pode ainda ser juntado, eliminando o que deve ser eliminado, mas, nomeadamente, criando condições de verdade e transparência que sirvam para mobilizar os portugueses para a recuperação.

A obsessão com o défice orçamental (agora também criticada pelo ex-ministro Miguel Cadilhe, como já o fora antes por João César das Neves) e o completo autismo social que condicionam e manietam a acção governativa, têm de ser rapidamente ultrapassadas.
Reconheça-se, no entanto, que não se vive um período particularmente favorável ao debate das questões internas na sociedade portuguesa.

A agenda política, do interesse dos portugueses, surge completamente invertida.

Quando ainda era possível discutir (e fazer) alguma coisa, surgiu o caso da Moderna, logo a seguir à corrupção de alguns agentes policiais, depois a suposta rede de pedofilia, de imediato a problemática da saúde pública pela via da questão da carne de frango poluído com nitrofuranos, finalmente, a guerra no Iraque e as diversas posições sobre ela assumidas na nossa sociedade.

Entretanto, o “tal” desemprego foi crescendo, o Investimento Directo Estrangeiro está reduzido a limites impensáveis, o rendimento real das pessoas (que conseguem manter emprego) cai todos os dias, os investimentos públicos e privados estão praticamente congelados (correndo-se sérios riscos de perdas significativas de fluxos financeiros comunitários) e as chamadas reformas estruturais, ou não saíram do papel ou se limitaram a criar vagas, no aparelho de Estado e organismos conexos, para receber a enorme legião de “companheiros” da armada laranja.

É certo que no Mundo as coisas não vão melhor. Os tradicionais motores da economia europeia (França e Alemanha) estão gripados. A divisão no seio da União é cada vez mais intolerável. O projecto do alargamento da União e da Reforma das Instituições que lhe está associada podem ser, a curto prazo, vítimas da indecisão e da volatilidade que se vive.

Na Guerra do Iraque, o inefável ministro da Informação iraquiano apela à guerra santa e à mobilização de comandos suicidas (a verdadeira e mais eficaz arma de destruição maciça dos regimes fundamentalistas), prometendo-lhes o paraíso e desejando, segundo a boa regra do marketing dos detergentes, que não percam esta última oportunidade.

Do outro lado do conflito, os americanos e os ingleses partilham as “benesses” do pós-guerra, repartem os grandes contratos de reconstrução do Iraque e determinam a nova ordem mundial procurando resistir às principais potências europeias, que não se tendo envolvido na guerra, não aceitam contudo ficar de fora dos benefícios do banquete final.

As pessoas morrem aos milhares, nomeadamente as crianças, e a estas ninguém lhes pergunta se desejam “brincar” numa futura auto-estrada construída pela engenharia francesa ou determinada pela tecnologia americana.

Se alguma coisa, porventura, lhes fosse perguntado apenas reclamariam comida e cuidados de saúde, chegados a tempo e horas.

O Governo português também meteu Portugal nesta “festa”. Não era o insuspeito “Le Monde” que, ainda há pouco tempo, relatava que o nosso primeiro-ministro tinha saído temporariamente de uma reunião importante do PPE, para atender uma chamada urgente do seu amigo (sr. Bush) americano?

Com um bocado de sorte ainda vamos conseguir uma pequena fatia de um pequeno contrato, de uma subempreitada para reconstruir o Iraque.

Só podemos esperar que esse milagre não chegue já demasiado tarde.

O novo paradigma tecnológico e o aniversário do Governopor Rui Teixeira Santos

Qual é a guerra actual? É a guerra digital. O novo paradigma tecnológico, introduzido pela guerra americana, torna inevitável a sua vitória, seja qual for o número de mortos.

Não se trata de uma doutrina. Trata-se de uma realidade, igual àquela que o Homem do Bronze enfrentou quando começou a Idade do Ferro.

Não foi só por audácia que os 300 espartanos, comandados pelo Rei Leónidas, travaram os 260 mil persas de Xerxes. Foi sobretudo porque a tecnologia e o armamento, as lanças de ferro e os escudos maiores dos Espartanos eram invencíveis, perante as espadas de cobre e as defesas dos persas.

Quem não perceber isto, não percebe o que está a acontecer no mundo e será julgado pela história como autor de políticas miseráveis que contribuíram não só para a ruína da Europa, mas para a sua total e definitiva irrelevância a nível internacional.

Fica para sempre provado que são estes políticos e economistas pouco avisados, que nunca foram à guerra e que nada sabem de História da Humanidade, que mataram a Europa e insensatamente a estão a conduzir para um beco de escravidão sem sentido.

O problema dos nossos economistas é que não percebem que as restantes variáveis não são constantes como vem nos livros. Não percebem que quando se dá um salto tecnológico, está-se a dar um salto sociopolítico e económico.

E como a Europa não é mais que um grande Portugal, o mesmo problema só se repete em escala maior. Por amor de Deus, calem o doutor Cavaco Silva, prendam Teodora Cardoso, demitam a Ferreira Leite e não deixem Miguel Beleza falar. A brigada do reumático continua a não perceber o que está a acontecer e na linha dos contabilistas de Bruxelas, como o inacreditável Pedro Solbes, todos os dias se enganam nas suas previsões e com a mesma cara apresentam novas previsões.

Devia haver uma Inquisição para prender as bruxas do nosso tempo. Cavaco e Ferreira Leite conduziram Portugal a uma crise económica porque não percebiam em 1992 nada de política cambial. Agora alegremente agravam a situação de Portugal, porque não percebem nada do efeito da tecnologia na guerra, na economia e, já a seguir, na política monetária, com a moeda digital global.

Cavaco não percebeu

Cavaco Silva não percebeu que tem de haver dinheiro para armas, porque sem armas não há nada mais. Ferreira Leite não percebeu por que é que o Governo ao fim de um ano não fez uma única reforma e o pouco que fez em finanças públicas só contribuiu para aumentar a fuga aos impostos e pesar na recessão e acelerar o aumento do desemprego.

Estamos todos de acordo que são necessárias reformas estruturais e contenção nos gastos públicos e redução das despesas do Estado. Mas, ao contrário do que diz Cavaco e Ferreira Leite, nada disso se faz nesta conjuntura de recessão.

Um bom governo acautelaria que a recessão fosse evitada a todo o custo, que os efeitos em termos de desemprego fossem reduzidos, até por causa dos impactos nas contas da Segurança Social, que nesta conjuntura não se provocasse choques na função pública e perseguições aos empresários, como se o não cumprimento por parte de alguns fosse a matriz do comportamento de todos.

Ferreira Leite não percebeu a tempo a crise que aí vinha e por isso o País paga agora a sua incompetência.

Do mesmo modo que a Europa não percebe, agora, que tem que apoiar o senhor Colin Powell, sob o risco de Dick Cheney e Donald Rumsfeld prosseguirem, sem sequer nos ouvir. E têm toda a razão: porque tem uma superioridade tecnológica, embora lhes falte as boas maneiras.

E nisso erraram os novos falcões do Pentágono. Porque, certos da superioridade do resultado, descuraram a guerra psicológica e o controlo dos media, onde os iraquianos têm estado a ganhar a todos os títulos, acentuando o antiamericanismo que já existia no mundo árabe.

Os ingleses, neste processo, têm sido notáveis, até na moderação dos impulsos imperialistas americanos. Aznar e Barroso surpreendentemente têm estado bem. Já Maquiavel ensinava que mais vale estar dentro do processo do que ser neutral, como quer a esquerda europeia, retrógrada e romântica, sem perceber que a questão não é de belicismo, mas de revolução tecnológica, que necessariamente cria uma nova guerra, uma nova política e um novo contexto económico.

O pilar europeu

Que as opiniões públicas europeias estejam contra a guerra, já era de esperar. Mas, do mesmo modo que o aprofundamento da União Europeia é um imperativo de Segurança e de Defesa, que aliás a América sempre apoiou, na lógica do pilar europeu da Aliança Atlântica, também o claro alinhamento com os EUA nos propósitos de segurança no Médio Oriente têm que ser um objectivo.

A Europa, que não tem uma guerra há muito tempo, está esquecida que quem ganha a guerra tem direito ao saque. Portanto, não vale a pena lágrimas de crocodilo ou orações e missas encomendadas por tal propósito. Os iraquianos terão que pagar o esforço de guerra anglo-americana que, obviamente, vão beneficiar com isso, passando militarmente para a era tecnológica seguinte.

O que lamentamos é que, em Portugal, os nossos generais e almirantes queiram comprar equipamento da Idade da Pedra em segunda-mão aos EUA, não percebendo que, para o esforço de guerra, vale a pena os países endividarem-se, até porque isso beneficiará as gerações futuras.

É, aliás, um debate que costumamos ter em Economia Política.

Uma das grandes vantagens de Portugal, hoje, é ter à frente do Governo um homem da Ciência Política, que esteve nos EUA e que não se deixou contaminar pelas velhas doutrinas conservadoras dos generais que defendem os exércitos pouco flexíveis, enormes e convencionais.

A nova doutrina americana é contrária à europeia tradicional: exércitos profissionais, rápidos e com capacidade de adaptação ao terreno, apostados na precisão da guerra digital, cuja margem de erro é de apenas 2%. Uma margem suficiente para Saddam ter as suas imagens na Al Jezzira, mas insuficiente para colocar em causa a limpeza da ocupação.

Ora isto é algo que Barroso pode entender, mas que, na sua “entourage”, até no seu gabinete, poucos percebem.

Para Cavaco ou Ferreira Leite são verdadeiros símbolos isotéricos de outro mundo.

Perceber a tecnologia é como que “receber a luz”: ou se está nessa, ou não se entende. É esta a lógica dos jovens, mas é também a lógica das novas igrejas. É este o “admirável novo mundo da América”, que a Europa afrancesada ou a Alemanha provinciana desconfiam, porque não percebem.

A cruzada da América

A América neoconservadora assume o direito à sua cruzada. E se a Síria ou o Irão se colocarem a jeito, alimentando a guerra no Iraque, como outros antes fizeram na Coreia, que se desenganem, pois a história terá outro fim, dada a superioridade estratégica da guerra digital americana, e só estarão a acelerar o inevitável processo de controlo e destruição das armas nucleares do Irão e das armas de destruição maciça da Síria.

E de pouco ou nada vale dizer, mesmo Blair a braços com a sua crise de popularidade interna, que não se irá com a América ao Irão ou à Síria, à Líbia ou à Coreia do Norte. Porque a América, até ao próximo ciclo eleitoral (Novembro de 2004), vai ter como prioridade estratégica eliminar os perigos do terrorismo e provavelmente criar as condições económicas para acabar com a economia paralela que financia o terrorismo, a corrupção e o tráfico de armas e de droga.

E, neste momento, se quisermos participar no processo temos que ir em socorro de Powell, em vez de fazermos manifestações. Porque, como disse, à guerra digital se seguirá a moeda digital, muito mais regulamentada, muito mais controlada por um poder central, que será provavelmente o da FED, retirando-nos definitivamente qualquer possibilidade de política monetária, tornando impossível a economia paralela e a fuga ao fisco.

E porque a moeda é uma questão de fidúcia na autoridade que a gere, obviamente o mundo confiará muito mais na América da guerra digital e da vitória, que na Europa das manifestações e do discurso pacifista ou da neutralidade.

Liberal dentro de fronteiras, a América imperial é absolutamente conservadora internacionalmente.

Exactamente ao contrário dos pacifistas europeus, que são conservadores nas contas públicas e nas políticas e depois irresponsavelmente, liberais nas relações internacionais.

O discurso nacionalista

No meio disto, que espaço resta à governação dos países, ameaçados pela recessão, dirigidos por incompetentes contabilistas de segunda classe, e em face da globalização com a sua independência nacional e soberania ameaçadas?

Obviamente, resta o discurso ideológico da afirmação dos valores constantes da história, como referencial cabalístico de uma necessidade, qual desígnio, também ele divino, porque havemos de ser nós, os portugueses, senhores do nosso destino, protegidos pela mãe de Deus, Nossa Senhora e, depois, rainha de Portugal.

Neste período de indecisão e de guerra, vai Durão Barroso a Atoleiros (Fronteira, Portalegre), por ocasião do primeiro aniversário do Governo, celebrar o mito e reafirmar que hão-de os portugueses no mundo governar-se a si mesmos, pois ninguém mais que os próprios lhes garante o bom governo.

Porque, ao fim do ano de governo da Convergência Democrática, a recessão é maior, as falências, o desemprego e a dívida pública dispararam, a confiança e o consumo caíram, as despesas públicas aumentaram, os impostos subiram, mas as receitas fiscais desceram, fazendo subir o défice público, os espanhóis tomaram mais conta dos nossos centros de decisão (até o BCP está sob ameaça do BBVA) e nenhuma das reformas estruturais foi feita (à excepção dos genéricos), a Durão Barroso resta a reafirmação da pátria, e o bom senso aconselharia a que este aniversário passasse despercebido.

Porque a Portugal não sobra margem para posição diversa da espanhola, a Barroso não resta mais espaço que o da afirmação da Nação. O discurso ideológico cobre a realidade, mostrando que Barroso intui o espaço que lhe resta nesta conjuntura difícil, sabendo bem que Portugal só recupera, se os outros recuperarem também.