2025/09/08

O Antigo Regime acabou este mêspor Rui Teixeira Santos

O que o estrangeirismo do Marquês, uma revolução liberal, a implantação da república e as nacionalizações não conseguiram fazer em dois séculos, acabou por ser feito pelo doutor Barroso, em 2003, com o incêndio de mais de um terço da floresta do País.

De repente, famílias inteiras, que viveram sempre da cortiça, da terra, da vinha, da floresta e dos animais, ficaram sem nada. Se em alguns casos se salvou a casa grande, mais valia que ela tivesse ardido e se tivessem salvo os sobreiros, que levam quarenta anos a crescer. Se os toiros não ficaram carbonizados, onde há agora dinheiro para lhes comprar o pasto?
Se no campo tinham ficado os últimos representantes de uma aristocracia rural, que a tudo, e até ao desenvolvimento, tinha conseguido sobreviver, depois deste fogo tudo ficou consumido. O que do Antigo Regime tinha sobrado, queimou-se agora, seja o modo absentista de fazer agricultura, seja também um certo modo de contrariar os novos formatadores de valores em nome da tradição.
E no drama humano em que o País mergulhou, não ser esperava apenas bombeiros, que não apareceram, nem pagadores de enterros de mortos que não tivemos. Era necessário mais, muito mais. Esta não era a ocasião para férias, nem para vagas propostas de programas económicos de emergência. Esteve mal o Governo, esteve ainda pior a oposição e as superficiais análises de Marcelo na TVI.
Dois dias após o terramoto de 1755, já o Marquês tinha isentado de impostos todo o acesso de materiais de construção à cidade de Lisboa. Não era tempo para reconstruir a cidade velha. Era o momento de fazer uma cidade nova. Na adversidade, surgiu o maior estadista português, dos últimos trezentos anos – o Marquês de Pombal. Porque era competente. Inteligente e bem formado, sabendo o que queria para Portugal, não hesitou em afrontar a velha aristocracia, com casos exemplares. Mais que o mercantilismo, e a substituição das importações, que nos levavam o ouro, com a cerâmica, os têxteis e até a vinha do Douro (com a sua pesada herança agora com as dívidas da Casa do Douro), ou mesmo o rigor autoritário da sua ditadura, o que releva de Sebastião José de Carvalho e Melo foi a capacidade de ter respondido à adversidade, vendo aí a oportunidade para reescrever a História e engrandecer Portugal.
Com uma tragédia da dimensão daquela que agora ocorreu, só a incompetência, a cobardia e a falta de visão da nossa elite política justificam que não se avance de imediato para o verdadeiro plano de reforma fundiária em Portugal. Estamos perante a maior oportunidade que a História nos dá para fazer uma reforma agrária sem dor, que redimensione a propriedade no nosso país e que evite entregar o interior às celuloses. Compete ao Estado criar as condições para que seja feita a reflorestação, com unidades económicas rentáveis. Se for necessária a organização em cooperativas dos produtores, que se faça. Senão, o Estado pode criar mecanismos para uma honesta expropriação por interesse público, sem olhar aos meios necessários para que o Estado respeite as regras do mercado. E, nesse particular, a experiência de expropriações da Brisa, para a construção de auto-estradas, prova bem que não são necessárias irresponsáveis nacionalizações como as de 1975, ou a falta de ética, como nos impostos o ano passado, para que se assegure uma reforma agrária.
O que o Governo tem de decidir é, se quer meter o resto dos agricultores em duas assoalhadas na Amadora ou em Almada, como aconteceu nos últimos quarenta anos, com o fenómeno de urbanização das populações rurais, ou se, ao contrário, queremos povoar o interior do País, dando condições de vida e um modelo agrário viável aos portugueses que queiram sair dos subúrbios e voltar a reconquistar qualidade de vida no interior de Portugal.
É uma oportunidade de ouro, que exige génio, convicção e estadistas à altura. De Trás-os-Montes ao Algarve, arderam mais de duzentos e quinze mil hectares de floresta, provavelmente por causa das condições climatéricas, seguramente porque houve incêndios ateados pelos loucos pirómanos do costume e, também, por alguns interesses menos claros de madeireiros, mas o que é dramático é ver, em face da inexistência de bombeiros competentes, ou de um serviço de protecção civil operacional, um ministro da Administração Interna e um primeiro-ministro a fazerem de bombeiros, em vez de estarem já a planear o novo interior agrícola de Portugal. O que é dramático é que Bagão Félix se preocupe em enterrar os mortos e em pagar funerais e a sobrevivência das vítimas, mas não exista uma palavra para o futuro da floresta em Portugal. O Governo escolhe o mais popular, no curto prazo, e, por isso mesmo, não ficará na história. Repete a velha história de trinta anos de governos anteriores que reforçaram verbas para protecção civil e bombeiros, que, como vimos, só servem quando não há incêndios, nem terramotos, nem grandes acidentes. Ao menos, antes, não se gastava dinheiro nessas coisas, que não servem (não serviram) rigorosamente para nada. Talvez rezar para prevenir, mesmo em Fátima ou na Senhora da Ladeira, fosse política e economicamente mais honesto. Talvez fosse avisado não ficar circunscrito ao fundamentalismo dos economistas oficiais do costume, que, curiosamente, agora, ficaram calados…

Proveito e exemplopor Vítor Dias

No passado domingo, depois de vermos e ouvirmos na TVI esse monumental símbolo de isenção que se dá pelo nome de Marcelo Rebelo de Sousa a fazer o “balanço da oposição” e, neste quadro, a apoucar injustamente o PCP, sentimos que era preciso contar aqui uma breve história de proveito e exemplo.

Essa história pode começar referindo que, em mais uma prova de que os comunistas não percebem nem o País, nem o mundo, nem o tempo em que vivem, o PCP resolveu organizar diversas intervenções públicas no Inverno passado sobre a temática dos incêndios florestais, debaixo do princípio racionalmente inquestionável de que é nessa época, e não quando as chamas já estão a espalhar a destruição, a morte e o desespero, que se devem discutir e aprontar medidas de prevenção.
E foi nesse quadro que, em 16 de Novembro de 2002, Carlos Carvalhas visitou o Centro de Operações e Técnicas Florestais na Lousã e de seguida participou numa iniciativa de debate promovida pelo seu partido sobre “Florestas, fogos florestais e desenvolvimento da Serra”. Acrescente-se porém que tanto a visita como o debate foram olimpicamente ignorados pela imprensa escrita e já a RTP, que até se deslocou à iniciativa, o que transmitiu foi uma resposta dada por Carlos Carvalhas a uma pergunta feita pela RTP sobre qualquer coisa que o PS tinha dito naquele dia.
Provando que não desanima às primeiras, em 17 de Dezembro de 2002, lá estava o PCP a organizar uma visita de Carlos Carvalhas, acompanhado dos deputados Lino de Carvalho e Rodeia Machado, aos Bombeiros Voluntários de Almoçageme (Sintra), tendo a comunicação social sido previamente informada de que, nessa ocasião, o secretário-geral do PCP divulgaria “um conjunto de medidas e de propostas legislativas do PCP sobre prevenção e combate aos fogos florestais”. Acrescente-se agora que, excepção em toda esta história, a RTP deu cobertura a esta visita, mas já a maior parte da imprensa escrita, e desde logo os chamados “jornais de referência”, a ignorou completamente.
E, como elemento final e culminante desta história, a 22 de Janeiro deste ano, por agendamento do PCP, a Assembleia da República foi chamada a debater um projecto de Resolução com um conjunto de recomendações com vista a melhorar as políticas de prevenção e combate aos fogos florestais e um projecto de lei, visando a criação de um programa de rearborização das áreas percorridas por incêndios florestais.
Acrescente-se porém que estas iniciativas e este debate parlamentares provocados pelo PCP foram avassaladoramente ignorados pela generalidade da comunicação social, com as televisões e jornais a darem preferência nos seus critérios de cobertura parlamentar ao tema do notariado ou ao tema da venda dos terrenos da Falagueira.
E isto é tanto mais significativo e revelador quanto até é certo que Lino de Carvalho tinha arrancado com a sua intervenção inicial afirmando que “é possível que nesta sala, desde deputados a jornalistas, se interroguem da razão porque, em pleno Inverno e chovendo a potes, o PCP se lembrou de colocar na agenda o dramático problema dos fogos florestais que, anualmente, lá mais para o Verão, incendiarão o País e farão as manchetes da nossa imprensa e terão honras de abertura dos telejornais. Que diabo, por que não esperar lá para Julho ou Agosto quando é o calendário mediático?”.
Ou seja, o silêncio sepulcral dos “media” sobre este debate na AR veio mostrar que nem mesmo as referências ao “calendário mediático” sobre um problema como os incêndios florestais levaram a comunicação social a, por uma vez que fosse, desmentir o retrato que se fazia dos seus critérios clássicos.
Esta história talvez possa servir para ilustrar como é falacioso que uma comunicação social que sabe ser ela a determinar em grande medida o curso e os temas da vida política e a influenciar brutalmente a apreensão pelos cidadãos da acção das diversas forças políticas, pretenda depois aparecer, fardada de imaculada inocência, a julgar tudo e todos, por vezes com uma sobranceria face a terceiros proporcional à sua própria falta de humildade e de espírito autocrítico.
É claro que esta história não mudará nenhuma opinião de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o PCP. Quando muito, mas ainda assim improvavelmente, se a lesse, talvez o professor desabafasse: “Tem graça, eu tinha uma vaga ideia disso, mas estava convencido que tudo se tinha passado com o Francisco Louçã e com o Bloco de Esquerda.”

Um País frágilpor Pedro Cid

Há algumas injustiças que doem muito, embora todo e qualquer político deva saber que a gratidão é qualquer coisa que não existe nesta actividade, por mais serviços relevantes que se prestem à comunidade.

Os incêndios deste Verão calcinaram o País e geraram um movimento de solidariedade com um impacto notável, que quase nos reconcilia com o tradicional egocentrismo português, a inveja ancestral e tantos outros defeitos colectivos. É, ao mesmo tempo, espantosa a nossa capacidade de nos mobilizarmos para causas e para valores, sem que isso colida com os nossos defeitos estruturais.
É seguramente injusto querer queimar, na praça pública, alguns dos principais dirigentes do Governo, a começar pelo primeiro-ministro. Durão Barroso não foi um líder espalhafatoso – nem as circunstâncias o permitiriam – mas foi um dirigente consistente, determinado, responsável, que respondeu no tempo adequado, a partir do momento em que se ganhou consciência de que estávamos perante uma catástrofe arrasadora. O Governo accionou um programa de emergência, foi buscar dinheiro urgente à dotação provisional e está agora a agir junto da União Europeia para obter auxílios financeiros provenientes do fundo de coesão. Ninguém de boa fé pode acusar o Governo de negligência e certamente todos perceberão que foi feito tudo o que estava ao do Governo para minorar as terríveis provações por que estão a passar as vítimas dos incêndios.
Deve, aliás, salientar-se que a oposição assumiu um comportamento assaz invulgar e que só honra o conjunto da classe política: a hora era de unidade e o apelo do primeiro-ministro para que não se fizesse política em cima destas desgraças foi bem acolhido e aceite por todos os sectores. Esta convergência é também um testemunho silencioso de aprovação tácita das acções que o Governo tomou.
Poucos dias depois do terramoto de 1 de Novembro de 1755, que devastou Lisboa, a História regista uma frase célebre do Marquês de Pombal: “Vamos enterrar os mortos e cuidar dos vivos.” E se na História podemos encontrar verdadeiras lições, aproveitemos a que agora nos bateu à porta: serenados os ânimos, tomadas as medidas adequadas, minorados os sofrimentos, resolvidos, no terreno, os problemas mais urgentes, estaremos em condições de uma reflexão séria, aprofundada e com projecções para o futuro. A política é isso mesmo. O Governo prometeu um Livro Branco sobre o que aconteceu de norte a sul, abrangendo autarquias governadas por social-democratas, por socialistas e por comunistas. Será uma base de trabalho interessante para diagnosticar insuficiências, descuidos, falta de meios, desinteresse de muitos proprietários, deficientes planos de emergência, faltas de coordenação nos diversos escalões de decisão. O Livro Branco pode permitir uma visão de conjunto, nunca antes obtida e que a partir dela se vislumbrem acções, as mais diversas, mas sobretudo de prevenção, que até agora nunca se tinham equacionado. Infelizmente, todas as culpas vão ser minimizadas e, em termos globais, vai poder dizer-se na linha da sabedoria popular, que a culpa morreu solteira. É que, Portugal é, nestas coisas, um País frágil, quase artesanal, tão ao jeito de um certo país de Abril imortalizado por Manuel Alegre. Só agora, com a globalização, com a modernização imperativa por causa da adesão à União Europeia (que tem apenas 20 anos) é que tem havido preocupações, mais rigorosas e tecnicamente desenvolvidas, é que têm estado em cima da mesa preocupações de prevenção do património florestal. Incêndios houve sempre na época do Verão, embora sem a extensão ou a profusão dos últimos anos. E sempre, de um modo ou de outro, os incêndios foram sendo
controlados com limitação dos danos e, sobretudo, sem os dramas humanos que as tragédias deste mês consumaram. Todos tomaram medidas avulso, nos concelhos, mas com pouca eficácia. As alterações recentes que fundiram o Corpo Nacional de Bombeiros com a Protecção Civil não tiveram o tempo suficiente para aplacar divergências e até rivalidades, porque não basta fazer diplomas e determinar orientações, é preciso fazer pedagogia em nome da rentabilização de meios e esta não foi feita ou, pelo menos, não surtiu os efeitos pretendidos.
Culpas? Colectivas, seguramente, acumuladas há décadas e sobretudo nos últimos 25 anos. Governos, autarquias, bombeiros, técnicos florestais, proprietários, etc., etc.
Agora, mais uma vez a sabedoria popular: “Casa roubada, trancas à porta.” Só que desta vez vale a pena, porque é de um país que estamos a falar e porque, apesar da imensa área ardida, há muito mais que não ardeu e as zonas sinistradas podem ser objecto de planos racionais de reflorestação que dentro de um determinado período tornarão o País mais pujante e mais moderno. Por isso, que o Livro Branco se faça e que os técnicos da floresta, ambientalistas, engenheiros, proprietários, agentes políticos, do poder central e do poder local executem como deve ser o seu trabalho no terreno.
Mão pesada para os criminosos? Seguramente. Mas, em paralelo, medidas drásticas para os proprietários que não cuidam das suas florestas. Alguma imaginação pode ser usada – linhas de crédito, com alguns períodos de carência para limpeza de matas, abertura de caminhos, instalação de bocas de incêndio, etc., etc. Um corpo de polícia florestal que não hesite na aplicação da lei e esta pode prever, por exemplo, perdas de propriedade a favor do Estado, quando se entender que a negligência de alguns pode significar o perigo potencial de risco para as comunidades. Ver o Estado como grande proprietário de florestas não é nada que possa repugnar o cidadão comum, desde que o Estado assegure prevenção rigorosa contra incêndios e rentabilidade da floresta a favor do País.
Os incêndios deste Verão contêm várias lições. Com sofrimento e dor ensinaram-nos que não podemos mais ter um país frágil, descoordenado e desprotegido.

Este Governo não é de direitapor Carlos Abreu Amorim

“Quando diz desejar que não se faça política com a
tragédia das pessoas, Durão Barroso está a fazer política com a tragédia das pessoas”

Nos últimos dias, o País parece ter descoberto que este Governo se aproxima perigosamente do seu antecessor no “ranking” da inaptidão. A perplexidade que a actual crise dos fogos florestais levantou não se relaciona com a eventual falta de meios. O problema não está centrado em mais aviões ou na lamentável discussão acerca da melhor ou pior preparação dos bombeiros, voluntários ou profissionais.
Antes de mais, o que se passou nestes trágicos 15 dias serviu para demonstrar, uma vez mais, as imensas lacunas organizativas da nossa Administração. O que se viu foi uma balbúrdia, sem estratégia, nem sentido, uma espécie de “tudo ao monte e muita fé não se sabe bem em quê”. Mas este mal é antigo e de natureza crónica. Não é a este Governo que se devem imputar todas as responsabilidades por uma lógica de actuação administrativa com vícios que incrustaram há décadas. A não ser por tudo continuar cada vez mais na mesma.
Mas o problema maior, inequivocamente constatado, prende-se com a gritante falta de liderança política. A incapacidade em perceber a gravidade do que se estava a passar. Aliado ao esforço boçal de tentar iludir a realidade da tragédia – salientou-se, o Dr. Guilherme Silva, líder parlamentar do PSD, quando afirmou, no passado dia 5 de Agosto, peregrinamente, “que, apesar da extensão das coisas, o número de vítimas foi relativamente restrito e portanto não há dúvida nenhuma que houve uma acção muito eficaz na protecção de vítimas e de bens”. Cedo, porém, foi acompanhado, neste resvalar irreprimível para a falta de senso, pelos ministros da Administração Interna, da Agricultura e do Ambiente. E, claro, do próprio primeiro-ministro. Não por ter proferido qualquer despautério assinalável, mas por manifesta imperícia política e falta de competência do Governo a que preside, para decidir oportuna e meritoriamente. Quando o País necessitava de exemplo e encorajamento, Durão Barroso recitava lugares-comuns, secos e estafados. Quando era preciso chefia e orientação, o primeiro-ministro refugiou-se em declarações inócuas, do tipo daquelas que costumava fazer à saída de reuniões internacionais, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros de Cavaco Silva. Na hora do aperto, quando Portugal queria Governo e um líder, logo percebeu que não tinha nem um, nem outro.
Pela negativa, houve quem comparasse a pose de Durão Barroso com a atitude de Rudolph Giuliani, quando a desgraça do 11 de Setembro aconteceu. Pois é, os grandes homens vêem-se nos grandes momentos; os outros não.
Outra conclusão já é possível, nesta altura. Em regra, este Governo não pauta a sua acção por qualquer parâmetro ideológico. Mas quando o faz, torna-se evidente que prefere as soluções socializantes. Em 31 de Julho, este Governo aprovou uma medida legislativa que dota as Câmaras Municipais de poderes extraordinários para reformar os centros históricos. No fundo, uma verdadeira nacionalização das “Baixas” das cidades.
Na mesma linha, no passado domingo, numa reveladora entrevista, o ministro Sevinate Pinto expôs o seu remédio para resolver os problemas dos fogos florestais: castigar severamente os proprietários. Mais socialista do que qualquer um dos seus predecessores desde os intentos da Reforma Agrária de 1974/75, Sevinate afirmou que as “florestas só poderão melhorar com impostos e limitações à propriedade privada”. Agora percebe-se que este é o verdadeiro “choque fiscal” que estava prometido. O Estado português, sem grandeza para reconhecer o seu lastimoso falhanço na prevenção e no ataque aos incêndios, não hesita em fulminar as principais vítimas: os proprietários privados. Primeiro, promete-lhes subsídios a torto e a direito; depois, ameaça-os com mais impostos e com “limitações” que mais se assemelham a confisco: “O produtor ou adere a bem, ou adere a mal (…), a lei obrigará o interesse privado a ceder à exploração colectiva.» Quase que parece um modelo tipo “Kolkhoz”, gizado por um Governo dito de direita! Afinal, graças às enormes afinidades com o Governo de Guterres, Durão Barroso abeira-se decididamente do mesmo pântano.

Sampaio posto à provapor Rui Teixeira Santos

Nunca um presidente da República foi colocado à prova como Sampaio. Todos olham para ele. Compete-lhe ficar para a história ou simplesmente enterrar de vez Portugal. É parte deste verão quente, que parece que vai aquecer muito mais.

O país já se começa a adaptar à ideia de que não existe oposição. As sondagens estão aí exactamente a provar que os portugueses se vão conformando com a ideia de perpetuar no poder esta maioria. E, quando isto acontece, é evidente que todos, desde os políticos da oposição até aos cidadãos da República, começam a olhar para o presidente da Republica, para que ele assuma exactamente o papel que a oposição não assume.
Durão Barroso, já percebeu isso mesmo. Começou por fazer apelo aos parceiros sociais para retirar espaço à oposição parlamentar e trouxe para a rua o confronto com a oposição, sabendo, de ante mão, que os sindicatos não existem e que a sociedade civil já não tem capacidade crítica para poder contestar, ou mesmo agir, autonomamente. Além disso, basta-lhe amaciar Sampaio.
Politicamente, o resto acabou por ser o Juiz Rui Teixeira e o procurador João Guerra a fazer, com o processo de pedófilia da Casa Pia. A ser verdade, as últimas informações sobre escutas, estamos perante mais um caso de perseguição judicial e de um magistrado insensato. Mas mais que a justiça, com toda a manobra na comunicação social (e com a violação do segredo de justiça sistemático) começa a emergir na opinião pública que as leis não prestam e que a gestão do caso de pedófilia da Casa Pia é política e serve os interesses do Governo.
Socialmente, o resto acabou por ser a recessão económica, provocada pela insensatez de Manuela Ferreira Leite a fazê-lo, empurrando sete por cento dos portugueses para o desemprego, criando a maior crise financeira do Estado, e o ambiente mais económico depressivo. Se a crise já fez o seu caminho, todos sabemos que é falso o discurso oficial da retoma e que, o pior está para vir, logo em Setembro próximo, quando as fábricas não abrirem e o desemprego subir em flecha.

Exército quer a demissão de Paulo Portas

Como se isto não bastasse, Paulo Portas arranjou um problema na Defesa. E, ontem, pela primeira vez na história da República, os generais ex-CEM do Exército (tenhamos noção, com Eanes, Garcia dos Santos e Rocha Vieira à frente) reuniram-se, num jantar, para ouvir o chefe do Estado Maior do Exército demissionário Silva Viegas, e pedir, naturalmente, e mesmo sem palavras, a demissão do ministro da Defesa. A última vez que os militares se reuniram, eram apenas capitães e fizeram um golpe de estado…
Como se isto não bastasse, os juizes, em vez de humildemente reconhecerem que aplicam mal as leis, reagiram corporativamente às criticas e não percebem que não têm rigorosamente poder algum que não venha do povo e que não esteja subordinado ao direito.
O País treme quando começa a conhecer, um a um, os seus magistrados: desde Maria José Morgado, uma soixante huitard sobrevivente, a Conceição Oliveira, que vê lobbies na instância que a nomeia, ou a Rui Teixeira que não tem noção do que é a liberdade dos cidadãos, até aos responsáveis dos tribunais superiores, que têm reacções pouco inteligentes, corporativas e arrogantes.
Diante disto, o governo foge para o Porto, onde, debaixo de protestos legítimos, reúne o Conselho de Ministros para aprovar medidas de emergência contra o desemprego, que em vez de servirem para alguma coisa, vêm apenas complicar o sistema, criar mais excepções, demonstrando que não há um único ministro neste governo que tenha noção do que é uma empresa privada.

O País à espera de Sampaio

Diante disto, o País olha para Belém. Olha para Sampaio, que pede a demissão de Portas e ante a recusa de Barroso não demite o primeiro ministro. Olha para Sampaio, que assiste á “falcatrua” do fundo de pensões dos CTT (ontem decidido no Porto) para maquilhar as contas públicas, e deixa Ferreira Leite sossegada. Olha para Sampaio, que manda reunir à hora do jantar os magistrados da nação, para no fim declarar que está aberta a época de caça aos juizes. Ou seja, que o arguido Paulo Pedroso não pode estar preso, porque dois amigos seus decidiram falar, ao presidente da República, sobre o Procurador Geral de República…
O País olha para Belém. E, de Sampaio vem, apenas, o lamentável tiro de partida para o debate sobre a justiça, na linha aliás do manifesto infeliz de Mário Soares, Leonor Beleza e Jorge Lacão, que pediam a revisão da lei processual penal, no que respeita à prisão preventiva, escutas e segredo de justiça. Eles, como lembrou Marcelo Rebelo de Sousa, que fizeram, com outros (que, agora, curiosamente, andam fugidos, como Almeida Santos e Fernando Nogueira), o Processo Penal de um Estado persecutório, de inspiração alemã, mal feito e incompetente, para já não dizer violador da Constituição e dos Direitos do Homem. Um “processo penal para pobres”, bem ao gosto da moral desta burguesia de retornados e baixas patentes militares que tomou conta do Estado depois do 25-A.

Não se discute a justiça na rua

Tudo insensato, porque não é na rua que se discute a Justiça. Porque não é na televisão que se contestam abusos de direito. Porque não é em jantares em S. Bento, nem em discussões acaloradas com o juiz presidente do Supremo, que os juizes passam a aplicar as leis, respeitando os princípios gerais de direito e os direitos do Homem.
Todo o edifico está errado. Mas não se abata o que existe intempestivamente porque, depois, não sobra nada, o que seria ainda mais inseguro e injusto. Não se pode substituir a “roleta russa” pela “arbitrariedade”, tenhamos noção!
O direito está assim porque se foram fazendo leis, cada vez mais mal feitas, à medida do populismo estúpido e da agenda da comunicação social, em vez de se pensar o sistema coerentemente e com bom senso.

O que mudar nesta justiça

É evidente que a prisão preventiva não é um instrumento de investigação, mas antes um meio de prevenção excepcional, pelo que ninguém deveria poder estar mais de um ou dois dias preso sem culpa formada. Parece ainda evidente que em caso de erro, não só o Estado deveria automaticamente cumprir obrigação de se retractar (eventualmente, com desculpas públicas do Conselho Superior de Magistratura ao inocente) e de pagar ao inocente uma indemnização significativa, ao mesmo tempo que o juiz que ordenou erroneamente a prisão preventiva deveria igualmente sofrer uma pena simultaneamente restritiva da sua liberdade e que afectasse a sua carreira futura. É evidente que não é admissível que um órgão de soberania possa escutar outro, mas também é certo que não pode haver discriminações entre portugueses diante da lei, apenas porque ocupam uma função de Estado. A violação das conversas privadas, as escutas, assim como a do sigilo bancário ou da privacidade dos cidadãos, só pode ser feita excepcionalmente e não deveria ser o principal instrumento de investigação da judiciária. Mas, para que isso aconteça, o executivo tem que alocar à judiciária meios de investigação, ao mesmo tempo que temos que confiar no bom senso da magistratura, que apenas excepcionalmente faz escutas em crimes graves de terrorismo ou redes do seu financiamento e branqueamento dos seus recursos mafiosos. Porque foi para isso que se permitiu alargar o âmbito das escutas e não para um juiz de 32 anos, que gosta de fazer musculação, num ginásio em frente ao seu tribunal, escutar conversas entre o líder da oposição o chefe do grupo parlamentar dos socialistas. É evidente que não faz qualquer sentido a autonomia do Ministério Público que deve depender formal e organicamente do Ministro da Justiça, para que possa cumprir a política criminal do Governo, sufragada pelos portugueses e aprovada na Assembleia da Republica. Não faz sentido que seja o procurador geral da Republica a escolher a política penal portuguesa e, muito menos, podermos ceder ao automatismo da acção penal que, em face de meios, sempre limitados de investigação, transforma a Justiça numa verdadeira “roleta russa”, o que é tão injusto quanto os “casos exemplares” dos regimes totalitários ( que, curiosamente, atingem, também e sempre, os adversários políticos do governo).
É evidente que o segredo de Justiça tem que servir para proteger o arguido e não para o prejudicar, embora, na fase inicial do processo, possa servir para ajudar à investigação. Mas deveria haver sempre um prazo, nunca superior a três meses, em que o investigado fosse obrigatoriamente constituído como arguido e informado que estava a ser investigado e as ponderosas e justificadas razões que levaram o Ministério Público a avaliar da oportunidade da referida investigação, devendo a excepção, (em casos tipificados, como por exemplo o terrorismo ou as redes mafiosas e de crime organizado), ser autorizada por um tribunal superior.
Finalmente, parece evidente que deveríamos, rapidamente, extinguir o Centro de Estudos Judiciários e integrar a formação dos magistrados em Mestrados nas Faculdades de Direito, públicas e privadas, e obrigar a que a carreira comece sempre pelo Ministério Público e que, apenas, possam ser juizes de primeira, magistrados com, pelo menos, dez anos de Ministério Público.
Tudo isto, mas muito mais, é preciso.
É tempo de Portugal passar a ser um Estado de Direito. É tempo do Estado perceber que está ao serviço dos cidadãos e de os olhar como gente de bem, titular de direitos e nomeadamente do poder, que delegadamente os órgãos do Estado exercem.

Os erros dos tecnocratas

O mesmo se passa na economia. O país perplexo assiste a erros de tecnocratas que fazem afirmações insensatas como a do ministro da Saúde, esta semana, que dizia que não queria saber de ideologia, o que interessava é que os serviços funcionassem para o utente.
Já ninguém vai na conversa das culpas do PS e são sempre os mesmos economistas cavaquistas da Universidade Nova (agora acompanhados pelo oportunista Pina Moura) a dizerem que a retoma vem já aí e que a estratégia de Ferreira Leite é correcta.
Não só não é tecnicamente correcta, como, ainda por cima, os resultados estão à vista, estando Portugal a sofrer a maior recessão da Europa, sem que se consiga evitar a derrapagem das contas públicas ou o recurso à cosmética contabilística (forma, aliás, que na mente perversa e limitada de membros do governo até serve para evitar pesar mais sobre os portugueses a necessidade de consolidação orçamental, ao mesmo tempo que nos afasta da mira dos fundamentalistas da Comissão Europeia e convida ao limite no despesismo no Estado).

Governo com “complexo Sousa Franco”

É, ainda por cima, consensual que o governo é muito desigual. O primeiro ministro surpreendeu pela positiva e na Saúde e na Educação até há obra para mostrar. Mas, o resto é muito mau, a começar na má qualidade da legislação produzida, pelas ideias insensatas que levam à pratica e pelo comportamento pessoal de alguns membros do Governo.
Durão Barroso está com o “complexo Sousa Franco”. Acha que, se despedir Ferreira Leite, o Governo entra numa espiral de descrédito igual à que Guterres sofreu quando Sousa Franco saiu do governo socialista. Só que há uma diferença enorme: Sousa Franco era competente e sabia para onde ia. Mais ainda: na altura, havia crescimento económico significativo, optimismo na classe empresarial e confiança no Estado. Hoje, não só estamos em recessão, como, ainda por cima, estamos no nível mais baixo das expectativas dos agentes económicos (conforme os dados de ontem do INE). E, de pouco vale manipular, de hora avante, com ou sem nova administração, os números do INE, para ter índices e estatísticas mais simpáticas para o Governo. Basta ter ido ao Algarve no mês de Julho, para perceber que os portugueses não fizeram férias, como nos anos anteriores. Já nem precisamos de estatísticas para sabermos que Lisboa é uma das cidades mais caras da Europa e que os portugueses são os que recebem salários médios mais baixos.

Estado de pré-insurreição no Exército

Com as Forças Armadas em estado de pré-insubordinação, com a economia assim e o desemprego a explodir, com a justiça no banco dos réus e com a liderança do PS ameaçada por causa do processo da Pedófilia, todo o País olha para o presidente da Republica. E o que vê? Infelizmente nada.
Sampaio limita-se a pedir a demissão de Portas, que Barroso não dá, e, depois, não acontece nada. Sampaio faz presidências abertas e o governo diz que sim senhor, mas não acontece nada, pois Ferreira Leite não tem dinheiro e continua com a mesma política, (dando-se ainda ao luxo, diante da perplexidade dos restantes ministros do actual governo, de fazer análise do cabimento orçamental, mas também da oportunidade política das decisões que competem aos outros ministros, assumindo-se como Ministra de Estado, que também é).
Sampaio pode reunir os supremos magistrados da Pátria, poupando o governo, mas é ao poder legislativo que, em última análise, compete rever a situação e, sejamos lúcidos, a palavra do presidente, um democrata e urbano e civilizado homem de direito, temos que o reconhecer, não pesa na “cabecinha” dos juizes da Nação.
Barroso pode esconder-se com a trapalhada de Portas e de Ferro Rodrigues, esperando assim safar-se do desgaste político de uma crise económica que não tem sabido gerir. Mas, sejamos lúcidos, isto, a continuar assim vai acabar mal, mais pobre e dependente de Espanha.
O Verão vai alto e quente e, antes mesmo que as fábricas não abram, em Setembro, antes que o Juiz Rui Teixeira comece a interrogar todos os dias as 32 crianças da Casa Pia, antes que os militares se revoltem nas casernas, era importante que o presidente da República soubesse o que vai fazer. Este é, talvez, o momento mais delicado de um presidente da Republica, desde o 25 de Novembro.