Nunca um presidente da República foi colocado à prova como Sampaio. Todos olham para ele. Compete-lhe ficar para a história ou simplesmente enterrar de vez Portugal. É parte deste verão quente, que parece que vai aquecer muito mais.
O país já se começa a adaptar à ideia de que não existe oposição. As sondagens estão aí exactamente a provar que os portugueses se vão conformando com a ideia de perpetuar no poder esta maioria. E, quando isto acontece, é evidente que todos, desde os políticos da oposição até aos cidadãos da República, começam a olhar para o presidente da Republica, para que ele assuma exactamente o papel que a oposição não assume.
Durão Barroso, já percebeu isso mesmo. Começou por fazer apelo aos parceiros sociais para retirar espaço à oposição parlamentar e trouxe para a rua o confronto com a oposição, sabendo, de ante mão, que os sindicatos não existem e que a sociedade civil já não tem capacidade crítica para poder contestar, ou mesmo agir, autonomamente. Além disso, basta-lhe amaciar Sampaio.
Politicamente, o resto acabou por ser o Juiz Rui Teixeira e o procurador João Guerra a fazer, com o processo de pedófilia da Casa Pia. A ser verdade, as últimas informações sobre escutas, estamos perante mais um caso de perseguição judicial e de um magistrado insensato. Mas mais que a justiça, com toda a manobra na comunicação social (e com a violação do segredo de justiça sistemático) começa a emergir na opinião pública que as leis não prestam e que a gestão do caso de pedófilia da Casa Pia é política e serve os interesses do Governo.
Socialmente, o resto acabou por ser a recessão económica, provocada pela insensatez de Manuela Ferreira Leite a fazê-lo, empurrando sete por cento dos portugueses para o desemprego, criando a maior crise financeira do Estado, e o ambiente mais económico depressivo. Se a crise já fez o seu caminho, todos sabemos que é falso o discurso oficial da retoma e que, o pior está para vir, logo em Setembro próximo, quando as fábricas não abrirem e o desemprego subir em flecha.
Exército quer a demissão de Paulo Portas
Como se isto não bastasse, Paulo Portas arranjou um problema na Defesa. E, ontem, pela primeira vez na história da República, os generais ex-CEM do Exército (tenhamos noção, com Eanes, Garcia dos Santos e Rocha Vieira à frente) reuniram-se, num jantar, para ouvir o chefe do Estado Maior do Exército demissionário Silva Viegas, e pedir, naturalmente, e mesmo sem palavras, a demissão do ministro da Defesa. A última vez que os militares se reuniram, eram apenas capitães e fizeram um golpe de estado…
Como se isto não bastasse, os juizes, em vez de humildemente reconhecerem que aplicam mal as leis, reagiram corporativamente às criticas e não percebem que não têm rigorosamente poder algum que não venha do povo e que não esteja subordinado ao direito.
O País treme quando começa a conhecer, um a um, os seus magistrados: desde Maria José Morgado, uma soixante huitard sobrevivente, a Conceição Oliveira, que vê lobbies na instância que a nomeia, ou a Rui Teixeira que não tem noção do que é a liberdade dos cidadãos, até aos responsáveis dos tribunais superiores, que têm reacções pouco inteligentes, corporativas e arrogantes.
Diante disto, o governo foge para o Porto, onde, debaixo de protestos legítimos, reúne o Conselho de Ministros para aprovar medidas de emergência contra o desemprego, que em vez de servirem para alguma coisa, vêm apenas complicar o sistema, criar mais excepções, demonstrando que não há um único ministro neste governo que tenha noção do que é uma empresa privada.
O País à espera de Sampaio
Diante disto, o País olha para Belém. Olha para Sampaio, que pede a demissão de Portas e ante a recusa de Barroso não demite o primeiro ministro. Olha para Sampaio, que assiste á “falcatrua” do fundo de pensões dos CTT (ontem decidido no Porto) para maquilhar as contas públicas, e deixa Ferreira Leite sossegada. Olha para Sampaio, que manda reunir à hora do jantar os magistrados da nação, para no fim declarar que está aberta a época de caça aos juizes. Ou seja, que o arguido Paulo Pedroso não pode estar preso, porque dois amigos seus decidiram falar, ao presidente da República, sobre o Procurador Geral de República…
O País olha para Belém. E, de Sampaio vem, apenas, o lamentável tiro de partida para o debate sobre a justiça, na linha aliás do manifesto infeliz de Mário Soares, Leonor Beleza e Jorge Lacão, que pediam a revisão da lei processual penal, no que respeita à prisão preventiva, escutas e segredo de justiça. Eles, como lembrou Marcelo Rebelo de Sousa, que fizeram, com outros (que, agora, curiosamente, andam fugidos, como Almeida Santos e Fernando Nogueira), o Processo Penal de um Estado persecutório, de inspiração alemã, mal feito e incompetente, para já não dizer violador da Constituição e dos Direitos do Homem. Um “processo penal para pobres”, bem ao gosto da moral desta burguesia de retornados e baixas patentes militares que tomou conta do Estado depois do 25-A.
Não se discute a justiça na rua
Tudo insensato, porque não é na rua que se discute a Justiça. Porque não é na televisão que se contestam abusos de direito. Porque não é em jantares em S. Bento, nem em discussões acaloradas com o juiz presidente do Supremo, que os juizes passam a aplicar as leis, respeitando os princípios gerais de direito e os direitos do Homem.
Todo o edifico está errado. Mas não se abata o que existe intempestivamente porque, depois, não sobra nada, o que seria ainda mais inseguro e injusto. Não se pode substituir a “roleta russa” pela “arbitrariedade”, tenhamos noção!
O direito está assim porque se foram fazendo leis, cada vez mais mal feitas, à medida do populismo estúpido e da agenda da comunicação social, em vez de se pensar o sistema coerentemente e com bom senso.
O que mudar nesta justiça
É evidente que a prisão preventiva não é um instrumento de investigação, mas antes um meio de prevenção excepcional, pelo que ninguém deveria poder estar mais de um ou dois dias preso sem culpa formada. Parece ainda evidente que em caso de erro, não só o Estado deveria automaticamente cumprir obrigação de se retractar (eventualmente, com desculpas públicas do Conselho Superior de Magistratura ao inocente) e de pagar ao inocente uma indemnização significativa, ao mesmo tempo que o juiz que ordenou erroneamente a prisão preventiva deveria igualmente sofrer uma pena simultaneamente restritiva da sua liberdade e que afectasse a sua carreira futura. É evidente que não é admissível que um órgão de soberania possa escutar outro, mas também é certo que não pode haver discriminações entre portugueses diante da lei, apenas porque ocupam uma função de Estado. A violação das conversas privadas, as escutas, assim como a do sigilo bancário ou da privacidade dos cidadãos, só pode ser feita excepcionalmente e não deveria ser o principal instrumento de investigação da judiciária. Mas, para que isso aconteça, o executivo tem que alocar à judiciária meios de investigação, ao mesmo tempo que temos que confiar no bom senso da magistratura, que apenas excepcionalmente faz escutas em crimes graves de terrorismo ou redes do seu financiamento e branqueamento dos seus recursos mafiosos. Porque foi para isso que se permitiu alargar o âmbito das escutas e não para um juiz de 32 anos, que gosta de fazer musculação, num ginásio em frente ao seu tribunal, escutar conversas entre o líder da oposição o chefe do grupo parlamentar dos socialistas. É evidente que não faz qualquer sentido a autonomia do Ministério Público que deve depender formal e organicamente do Ministro da Justiça, para que possa cumprir a política criminal do Governo, sufragada pelos portugueses e aprovada na Assembleia da Republica. Não faz sentido que seja o procurador geral da Republica a escolher a política penal portuguesa e, muito menos, podermos ceder ao automatismo da acção penal que, em face de meios, sempre limitados de investigação, transforma a Justiça numa verdadeira “roleta russa”, o que é tão injusto quanto os “casos exemplares” dos regimes totalitários ( que, curiosamente, atingem, também e sempre, os adversários políticos do governo).
É evidente que o segredo de Justiça tem que servir para proteger o arguido e não para o prejudicar, embora, na fase inicial do processo, possa servir para ajudar à investigação. Mas deveria haver sempre um prazo, nunca superior a três meses, em que o investigado fosse obrigatoriamente constituído como arguido e informado que estava a ser investigado e as ponderosas e justificadas razões que levaram o Ministério Público a avaliar da oportunidade da referida investigação, devendo a excepção, (em casos tipificados, como por exemplo o terrorismo ou as redes mafiosas e de crime organizado), ser autorizada por um tribunal superior.
Finalmente, parece evidente que deveríamos, rapidamente, extinguir o Centro de Estudos Judiciários e integrar a formação dos magistrados em Mestrados nas Faculdades de Direito, públicas e privadas, e obrigar a que a carreira comece sempre pelo Ministério Público e que, apenas, possam ser juizes de primeira, magistrados com, pelo menos, dez anos de Ministério Público.
Tudo isto, mas muito mais, é preciso.
É tempo de Portugal passar a ser um Estado de Direito. É tempo do Estado perceber que está ao serviço dos cidadãos e de os olhar como gente de bem, titular de direitos e nomeadamente do poder, que delegadamente os órgãos do Estado exercem.
Os erros dos tecnocratas
O mesmo se passa na economia. O país perplexo assiste a erros de tecnocratas que fazem afirmações insensatas como a do ministro da Saúde, esta semana, que dizia que não queria saber de ideologia, o que interessava é que os serviços funcionassem para o utente.
Já ninguém vai na conversa das culpas do PS e são sempre os mesmos economistas cavaquistas da Universidade Nova (agora acompanhados pelo oportunista Pina Moura) a dizerem que a retoma vem já aí e que a estratégia de Ferreira Leite é correcta.
Não só não é tecnicamente correcta, como, ainda por cima, os resultados estão à vista, estando Portugal a sofrer a maior recessão da Europa, sem que se consiga evitar a derrapagem das contas públicas ou o recurso à cosmética contabilística (forma, aliás, que na mente perversa e limitada de membros do governo até serve para evitar pesar mais sobre os portugueses a necessidade de consolidação orçamental, ao mesmo tempo que nos afasta da mira dos fundamentalistas da Comissão Europeia e convida ao limite no despesismo no Estado).
Governo com “complexo Sousa Franco”
É, ainda por cima, consensual que o governo é muito desigual. O primeiro ministro surpreendeu pela positiva e na Saúde e na Educação até há obra para mostrar. Mas, o resto é muito mau, a começar na má qualidade da legislação produzida, pelas ideias insensatas que levam à pratica e pelo comportamento pessoal de alguns membros do Governo.
Durão Barroso está com o “complexo Sousa Franco”. Acha que, se despedir Ferreira Leite, o Governo entra numa espiral de descrédito igual à que Guterres sofreu quando Sousa Franco saiu do governo socialista. Só que há uma diferença enorme: Sousa Franco era competente e sabia para onde ia. Mais ainda: na altura, havia crescimento económico significativo, optimismo na classe empresarial e confiança no Estado. Hoje, não só estamos em recessão, como, ainda por cima, estamos no nível mais baixo das expectativas dos agentes económicos (conforme os dados de ontem do INE). E, de pouco vale manipular, de hora avante, com ou sem nova administração, os números do INE, para ter índices e estatísticas mais simpáticas para o Governo. Basta ter ido ao Algarve no mês de Julho, para perceber que os portugueses não fizeram férias, como nos anos anteriores. Já nem precisamos de estatísticas para sabermos que Lisboa é uma das cidades mais caras da Europa e que os portugueses são os que recebem salários médios mais baixos.
Estado de pré-insurreição no Exército
Com as Forças Armadas em estado de pré-insubordinação, com a economia assim e o desemprego a explodir, com a justiça no banco dos réus e com a liderança do PS ameaçada por causa do processo da Pedófilia, todo o País olha para o presidente da Republica. E o que vê? Infelizmente nada.
Sampaio limita-se a pedir a demissão de Portas, que Barroso não dá, e, depois, não acontece nada. Sampaio faz presidências abertas e o governo diz que sim senhor, mas não acontece nada, pois Ferreira Leite não tem dinheiro e continua com a mesma política, (dando-se ainda ao luxo, diante da perplexidade dos restantes ministros do actual governo, de fazer análise do cabimento orçamental, mas também da oportunidade política das decisões que competem aos outros ministros, assumindo-se como Ministra de Estado, que também é).
Sampaio pode reunir os supremos magistrados da Pátria, poupando o governo, mas é ao poder legislativo que, em última análise, compete rever a situação e, sejamos lúcidos, a palavra do presidente, um democrata e urbano e civilizado homem de direito, temos que o reconhecer, não pesa na “cabecinha” dos juizes da Nação.
Barroso pode esconder-se com a trapalhada de Portas e de Ferro Rodrigues, esperando assim safar-se do desgaste político de uma crise económica que não tem sabido gerir. Mas, sejamos lúcidos, isto, a continuar assim vai acabar mal, mais pobre e dependente de Espanha.
O Verão vai alto e quente e, antes mesmo que as fábricas não abram, em Setembro, antes que o Juiz Rui Teixeira comece a interrogar todos os dias as 32 crianças da Casa Pia, antes que os militares se revoltem nas casernas, era importante que o presidente da República soubesse o que vai fazer. Este é, talvez, o momento mais delicado de um presidente da Republica, desde o 25 de Novembro.