2025/09/09

A questão dos negócios e das comissões pode marcar o próximo debate

Santana Lopes partiu a meio da semana para a campanha com a consciência que tinha mesmo que recuperar o tempo perdido no último fim-de-semana. A campanha estava dentro do previsto, o debate de quarta-feira e a entrevista de quinta-feira na RTP tinham-lhe corrido bem.

Santana Lopes
partiu para a rua, depois do interregno das férias de Carnaval, que aproveitou para, como primeiro-ministro, ir a Monte Real, anunciar a utilização civil do aeródromo militar. Foi de Falcon, numa viagem que deveria ter feito de carro ou de helicóptero, e acabou por pagar o preço disso. O remendo argumentativo, misturado com a descontraída imagem de estadista com a família, em S. Bento, que passou na terça-feira de Entrudo nas televisões, não foi suficiente para neutralizar o erro da visita, a que Paulo Portas, avisadamente, não compareceu.
Consciente da situação política, o líder do CDS/PP não quis aparecer ao lado de Santana Lopes, como ministro da Defesa a meio da campanha eleitoral. E começou mesmo na quarta-feira seguinte, depois do banho de multidão nos mercados de Aveiro, a responder directamente a Santana Lopes, que no dia anterior havia dito que a campanha de rua e dos sacos de plástico não se adequava a este tempo. O parceiro de coligação do PSD aproveitou para directamente atirar ao primeiro-ministro, dizendo que um político que não se misture com a população está a caminho do desemprego.
Foi este o primeiro sinal claro de que o CDS está, neste momento, mais interessado em aproximar-se do PS, apostando tudo numa vitória de José Sócrates, sem maioria absoluta.

A questão da maioria absoluta

À direita e à esquerda, depois deste Carnaval, a questão política é esta: ou há maioria absoluta do PS, ou então tem que haver uma coligação que garanta um governo estável. A dúvida instalada foi meticulosamente montada pela joga do “Público”, articulada com a campanha socialista, usando a notícia falsa sobre Cavaco Silva. O distanciamento do antigo presidente do PSD da vida partidária foi explorado inteligentemente pela campanha socialista. Ciente que Cavaco Silva não se queria envolver na campanha e que prejudicaria uma acção inteligente, com a teimosia de se manter distante, os socialistas aproveitaram a notícia falsa para relembrar o artigo de Cavaco Silva sobre a má moeda e a necessidade de serem afastados os políticos incompetentes, numa alusão clara do antigo primeiro-ministro à liderança do seu partido. Ainda que Cavaco Silva em comunicado no dia seguinte tenha negado o prognóstico de que seria vantajoso uma maioria absoluta do PS, o certo é que não afirmou claramente a necessidade de uma vitória do centro-direita, o seu espaço político tradicional, e quem lhe deu a maioria em três eleições legislativas consecutivas.
Era o bastante para a questão da maioria absoluta voltar à agenda, depois de, aparentemente, encerrada com o debate entre Sócrates e Santana Lopes, em que o líder socialista não tinha conseguido apresentar-se como alternativa ao actual primeiro-ministro.

A vitimização e a vítima

Santana Lopes perdeu a oportunidade de manter o nível elevado de expectativa do seu lado. Estes três dias de campanha poderão ter sido decisivos, admite-se do lado do PS. Santana Lopes preferiu recuar para a vitimização de novo, acantonando-se num campo que domina e explorando o aspecto familiar, para marcar a diferença com Sócrates. Foi excessivo, porque o assunto já estava esgotado com a questão da vida privada do líder socialista e o debate à volta dos rumores, claramente favorável ao PSD.
E dando este espaço, a campanha socialista aproveitou em pleno. A denúncia das conversas de bastidores com o Bloco de Esquerda poderão ter abortado as negociações para uma coligação de esquerda, ou mesmo para acordos de incidência parlamentar. A questão europeia e de defesa, como aliás Paulo Portas fez questão de lembrar, inviabilizam a maioria de esquerda, e qualquer situação de governo minoritário, embora legítima, é sempre instável. Mesmo que o PS decida, como aconselha Almeida Santos, avançar para um Governo minoritário, caso ganhe as próximas eleições com maioria relativa, a situação não deverá ser sustentável a prazo, pelo que meses depois o Governo socialista deverá cair na Assembleia da Republica, ficando sempre o PS em situação pior que aquela em que se encontra agora.
É neste contexto que os socialistas preferem equacionar já as alternativas à maioria absoluta. E para haver estabilidade elas passarão sempre por um acordo parlamentar ou governativo com o PSD ou com o PP. E, neste contexto, o acordo celebrado entre Portas e Santana Lopes, antes da campanha, inviabiliza esses entendimentos, pelo que acabará sempre por ser colocado de lado. Portas aposta no afastamento de Santana Lopes para dizer que as circunstâncias mudaram e o interesse nacional justifica entendimentos entre o PS e o PP.

PP está a negociar com o PS

Neste momento, há militantes do PS e do PP que já estão a preparar os entendimentos possíveis, soube o SEMANÁRIO. Portas quer a Administração Interna e provavelmente aceita o referendo sobre o aborto e exige o adiamento da co-incineração dos resíduos perigosos, em Coimbra. Mas, à semelhança do que se passou com o partido liberal alemão, um entendimento com os socialistas, com incidência governativa, poderia ter uma componente internacional, ficando Portas com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Mas, do lado do CDS equaciona-se ainda o cenário de Santana Lopes poder ficar à frente do PSD e de não haver condições políticas para entendimentos com incidência governamental. Ou, a haver, o líder fica de fora, mandando eventualmente Nobre Guedes para a coligação. Esse governo manteria alguma continuidade das políticas que vinham de Durão Barroso até que o novo Presidente da República pudesse dissolver o Parlamento e convocasse eleições legislativas antecipadas, podendo nessa altura e em melhores circunstâncias o PSD e o PP aparecerem coligado pré-eleitoralmente, como aconteceu em 1979, a seguir ao governo PS/CDS.
Para o PP é agora que tudo se joga: Portas tem consciência que Santana Lopes lhe deu uma oportunidade para crescer, ele que estava a ser diminuído no Governo de Barroso e quer acabar de vez com a possibilidade do PSD o desfazer. Por isso tudo fará a partir de agora, para que a esquerda vença as eleições e precise do seu apoio parlamentar para governar. É táctico e inteligente para a sobrevivência do PP.
Diante desta estratégia, Santana Lopes tem que lutar sozinho, não podendo contar com os barões do cavaquismo, e aparentemente nem mesmo com o próprio Cavaco Silva, que não disse expressamente desejar a vitória do seu partido e que incompreensivelmente não devolveu o cartão de militante do PSD, como seria normal.

A questão dos negócios do PS

Mas, a partir deste momento, Santana Lopes já não tem espaço para a vitimização. Mais vitimização transforma-o em vítima e autor da sua própria desgraça. Moderado, e ciente da simpatia que detém no eleitorado que gosta dele e que não aprecia Sócrates, o primeiro-ministro tem que apostar nas mulheres e nos jovens. Este é um eleitorado que o PSD ainda não mobilizou e que Portas tem estado a mobilizar. Sem jovens, o PS não tem maioria absoluta. E contra as mulheres, dificilmente a esquerda pode fazer um bom resultado. São dois trunfos do lado do PSD, que Paulo Portas não consegue desmontar com facilidade. E ainda que Portas e Sócrates se entendam melhor que Paulo Portas e Santana Lopes, as questões dos dinheiros das campanhas e da vida financeira dos candidatos pode vir ainda a fazer história, numa campanha onde a parte escura ganhou dianteira ao debate ideológico ou à escolha das medidas para governar o País. Pode ser este ainda um trunfo para o centro-direita?

Campanha de boatos e cartazes está a ser demolidora para socialistas

Um cartaz cor-de-rosa com as figuras sinistras do guterrismo, que querem voltar à ribalta política com Sócrates e o PS depois de 20 de Fevereiro, é o último cartaz da JSD, lembrando aos portugueses em quem não devem votar. A campanha do PSD pode chocar as elites e não ser do agrado dos media

Um cartaz cor-de-rosa com as figuras sinistras do guterrismo, que querem voltar à ribalta política com Sócrates e o PS depois de 20 de Fevereiro, é o último cartaz da JSD, lembrando aos portugueses em quem não devem votar. A campanha do PSD pode chocar as elites e não ser do agrado dos media. Mas é de uma eficácia extraordinária: desde a vitimização de Santana Lopes ao ataque ao carácter oportunista e incompetente do guterrismo e à orientação sexual dos candidatos, tudo está a postos para inverter a tendência e deixar tudo na mesma: o PSD tem tudo para se manter no poder. E, no final, os estrategas da campanha de Santana Lopes não têm dúvidas: as elites, que são sempre “as mais chocadas” e as últimas a mudarem, vão apoiar o PSD, dizem os autores da campanha. Simplesmente porque não querem Sócrates e a família guterrista com o apoio desnecessário de Freitas do Amaral no governo de Portugal. O desespero socialista está patente nas palavras de Jorge Coelho e no posicionamento de António Vitorino para suceder a Sócrates no PS.

A partir do comício de Braga, a onda de boatos fez o seu percurso e acabou por condicionar o discurso político antes do arranque da campanha eleitoral para as legislativas de 20 de Fevereiro. Nas elites políticas, a crítica foi unânime à baixeza dos boatos. Mas no IC 19 e nas baixas classes médias, a vida privada e o carácter dos candidatos está a fazer o seu percurso, de um modo eficaz politicamente e demolidor para a confiança dos políticos. E, nessas circunstâncias, o PSD acaba por sair vencedor, mesmo que não esteja em causa o programa político, nem sequer a composição do próximo Governo.
Nos bastidores do PSD, Santana Lopes não tinha que fazer nada: depois dos “colos”, veladas insinuações dos apoiantes de Braga, Santana Lopes caiu doente e deveria aparecer apenas na noite de ontem, no debate entre os dois candidatos a primeiro-ministro, afirmando que, do lado dele, jamais houve insinuações sobre a vida privada ou os negócios do candidato socialista, e que, bem pelo contrário, o achava nas mesmas condições que ele, Santana, aliás, também divorciado e pai de filhos.
Teria sido uma estratégia demolidora para o líder socialista, conforme pensam os estrategas do PSD apoiados pela escola brasileira. Santana Lopes perde as elites e perde mesmo credibilidade nos meios económicos mais importantes. Mas essas elites nunca elegeram nenhum Governo e nunca fizeram nenhum resultado eleitoral. Esses têm efeito, quando muito, nas votações de Paulo Portas, basicamente com apoios em alguns grupos de interesses e, sobretudo, na gente humilde das feiras, que normalmente não é sensível à orientação sexual dos dirigentes.
Já o mesmo não se passa nas classes médias suburbanas, e que estão na cidade em primeira geração, para quem a homofobia está presente na educação e que rejeita comportamentos liberais e costumes demasiado abertos. É esse eleitorado suburbano que vai decidir as próximas eleições e que, em última análise, vai dizer se tudo continua na mesma, com o PSD a ser o partido mais votado e a maioria parlamentar a ser de direita.
Ao contrário do que a contra-informação dos media, globalmente ao serviço da estratégia do PS, vai fazendo passar, o PSD de Santana Lopes vem de 32% dos votos obtidos por Durão Barroso, nas eleições europeias e de uma vitória tangencial em 2002, que só foi possível porque a campanha eleitoral terminou. A base eleitoral de Barroso estava a desfazer-se diariamente, depois de no início Barroso aparecer nas sondagens com maioria absoluta.

O exemplo de Barroso

Para os estrategas do PSD, José Sócrates está aparecer demasiado como um candidato alternativo, sem consistência e sobretudo sem conteúdo. O PSD tem tido a habilidade de reduzir o debate a “fait divers”, que vão evitando a discussão do passado, situação que o PS acaba por não conseguir contornar: desde o debate nas televisões, em que Sócrates acabou por impor um formato, em que os outros partidos praticamente não passam em canais generalistas (os debates, até ontem, ocorreram em sinal fechado, distribuído pela TV Cabo, na SIC Notícias), o que acaba por facilitar a bipolarização. Por outro lado, depois da marcação dos debates ter anulado o efeito dos programas eleitorais, o debate à volta dos “colos do outro candidato” acabou por dominar as conversas e sobretudo as entrevistas aos líderes dos políticos e a opinião publicada.
Esta semana, na entrevista a Sócrates na RTP e na entrevista a Paulo Portas na TSF, parte significativa do tempo de antena foi gasto a discutir a legitimidade da crítica à vida privada, às insinuações e aos boatos maldosos, como armas políticas nesta campanha eleitoral.
Ora enquanto se discute essas matérias, obviamente acaba por se acentuar os efeitos mais perversos do boato, da difamação ou da simples informação privada, acabando por ter um efeito não desejado por parte da candidatura de José Sócrates.
Para Paulo Portas o universo da política trata da vida pública e não da vida privada, lembrando a expressão de Maria José Nogueira Pinto, que a política não deve espreitar pelo buraco das fechaduras. Essa reserva do CDS/PP leva o partido da direita a defender uma campanha pela positiva, anunciando medidas e temas políticos, e evitando entrar no debate, que anima os grandes partidos. É uma estratégia inteligente para o seu eleitorado, pois Paulo Portas sabendo que o seu partido só entra nas classes altas e nas muito baixas, sabe que o discurso da vida privada não pega no seu eleitorado e aí ele tem apenas que se concentrar em manter a mobilização. Com a abstenção a subir, isso é quanto basta para o PP manter os seus oito por cento ou conseguir mesmo subir até aos dez por cento. Daí que a marcação do PP ao PCP será uma estratégia inteligente e Portas nem tenha perdido tempo com o ataque de Francisco Louçã a propósito da falta de legitimidade para Portas falar sobre a vida e o aborto, ele que nunca teve filhos e por isso não conhece o “sorriso de uma criança”.
A partir de Louçã estavam abertas as portas para os “boatos e insinuações” que iriam enlamear a campanha e o líder socialista, o que acabou por condicionar todo o debate da última semana.

O regresso dos temas económicos e programáticos

Santana Lopes decidiu afastar-se e depois, quando confrontado com as insinuações, desmentiu totalmente o envolvimento do PSD e dele próprio em tal baixeza. Sócrates e o PS estavam então a vitimizar-se de um problema que só os próprios tinham criado e decidido ampliá-lo, exactamente numa estratégia de “demages control”. Mas o tacticismo está a demonstrar-se desastroso para o PS nas classes médias, embora continuasse a limitar o crescimento do PSD e da credibilidade de Santana Lopes nas elites e nas classes altas.
Santana Lopes está particularmente preparado em matérias económicas e de finanças públicas. Tem os números todos na cabeça e acompanhou a elaboração do último Orçamento do Estado, o que lhe dá uma vantagem relativa para debates com o candidato socialista. Só que a sua credibilidade ficou bastante afectada com as “trapalhadas” do Governo e sobretudo com a pouca qualidade do Executivo. A própria decisão de cortar com o barrosismo, por exemplo, esta semana no dossier Galp, foi penosa para o PSD. E como Santana Lopes não teve coragem de deixar de fora os barrosistas que o traíram e permitiu a desordem que se instalou à sua volta, a sua imagem de líder político acabou por sair bastante chamuscada.
Mas o primeiro-ministro não desistiu por isso de marcar pontos nas elites, em particular nas elites económicas, contando neste particular com a ajuda de António Mexia e de alguns líderes de opinião. Esteve esta semana no American Club a falar a empresários e jornalistas sobre política económica, um discurso que interessa à minoria que Santana Lopes quer cativar, mas que o PSD sabe que é irrelevante para os resultados de 20 de Fevereiro.
Sócrates pode levar aí vantagem, mas apenas até ao confronto dos números. É exactamente com isso que Santana Lopes pode jogar. O debate de ontem evidenciou um primeiro-ministro solto e à vontade em matéria económica, muito realista e a prometer aquilo que as classes médias querem ouvir: baixa de impostos e combate ao desemprego. Tudo no âmbito de contas públicas sãs, sem as quais não há desenvolvimento económico sustentável.
O discurso começa a passar, mas sobretudo o PSD não tem ilusões: as elites podem não ser importantes nesta votação, mas vão ser importantes para relançar a economia do País e por isso o primeiro-ministro tem que começar já a olhar para a governação que se segue.
Neste momento o que interessa é que o PS continua, a cerca de duas semanas, à defesa. As insinuações sobre a vida privada de Sócrates acabam por fazer o seu caminho, por infames que sejam, e por ter resultados nas classes médias e médias baixas. Para as elites tudo mudará, logo que comece a haver a percepção que o PS não tem condições para ganhar as eleições e que tudo poderá continuar na mesma. Nestas circunstâncias, o discurso económico, e pela positiva, de Santana Lopes dá o pretexto para as elites oportunisticamente mudarem de campo, como tinham começado a fazer contra Barroso e a favor de Ferro, nas eleições de 2002.

Socialistas preocupados

O desespero começa a tomar conta do lado socialista. O primeiro sinal foi dado pelo próprio líder da campanha socialista, Jorge Coelho, ao gritar contra as “porcarias” que estão a surgir na campanha: “porcarias, porcarias!”; depois foi a vez de Manuel Carrilho anunciar os seus alegados apoios para uma eventual candidatura à Câmara de Lisboa. Carrilho aparece com mais independentes e gente de maior qualidade que as “Novas Fronteiras”, num posicionamento para uma eventual candidatura à liderança do PS, caso as coisas corram mal.
Mas o maior sinal veio mesmo do insuspeito António Vitorino admitindo poder ser candidato a líder do PS, em entrevista ao “Público” e à Renascença.
O antigo comissário percebe que a campanha do PSD pode ser miserável, mas que surte o efeito desejado. Os portugueses podem não quer votar no PSD, mas o que não querem seguramente é Sócrates como primeiro-ministro. O PS, que tinha a oportunidade de voltar agora ao poder, acaba por ser penalizado pelo candidato a primeiro-ministro. Como reserva está António Vitorino: ele sempre disso que, para voltar, tinha primeiro que estar resolvido o problema Sócrates e Jorge Coelho. Parece que estará mais cedo do que todos esperavam…, deixando Sampaio com um problema de consciência difícil: o que fará o Presidente depois de 20 de Fevereiro?

Um desastre nunca vem só

A saída de Durão Barroso para Bruxelas desencadeou uma crise política de que o País ainda está a pagar o respectivo preço. Ao não tomar em Junho a decisão natural, isto é, a convocação de eleições antecipadas, o Presidente da República assumiu a co-autoria política do que se tem passado no País desde então.

A saída de Durão Barroso para Bruxelas desencadeou uma crise política de que o País ainda está a pagar o respectivo preço. Ao não tomar em Junho a decisão natural, isto é, a convocação de eleições antecipadas, o Presidente da República assumiu a co-autoria política do que se tem passado no País desde então. E, como sucede com José Barroso e com a coligação, não fica nada bem nesta fotografia lamentável em que o País está retratado.
Agora, a um mês de eleições, Jorge Sampaio decidiu proclamar publicamente que entende que o País precisa de uma maioria absoluta, deduz-se que de um só partido, pois que o Presidente acaba de dissolver o Parlamento existindo uma coligação com uma maioria absoluta composta por dois partidos.
No actual contexto político, esta afirmação do Presidente tem um significado objectivo de favorecimento do PS, que é o seu partido e do qual, ao contrário de Mário Soares, nunca se desvinculou. Pela simples razão de que parece ser o PS o único partido concorrente às próximas eleições em condições de eventualmente a conseguir.
Nunca Jorge Sampaio se tinha pronunciado até hoje sobre o tema, desta forma clara e enfática. Como nunca se tinha pronunciado sobre a necessidade de reformar o sistema eleitoral para propiciar as maiorias.
Ainda recentemente, o Presidente afirmou sim, que não se podia passar a vida a rever a Constituição. Fica bem a preocupação com a estabilidade legislativa. Mas o problema é que esta Constituição desfasada do País e das necessidades políticas do funcionamento das instituições, não há outro remédio, em atenção ao imobilismo dos partidos em modificá-la.
Agora é legitimo perguntar que razão estará por detrás destas preocupações anunciadas precisamente quando o jogo eleitoral está a meio.
Mais: Jorge Sampaio colocou-se na desconfortável posição de ver a sua posição institucional fortemente diminuída, caso os eleitores não lhe façam a vontade. O que fará o Presidente se o PS não alcançar a tão almejada maioria absoluta? Fará como Ferro Rodrigues, que bem ou mal tirou consequências do desaire político de Junho e demitiu-se, ou fará de conta que não aconteceu nada e prosseguirá imperturbável o caminho do final do seu mandato? Com que credibilidade e prestígio enfrentará o que resta desse mandato em termos de exercício dos poderes presidenciais?
Estamos substantivamente de acordo com o pressuposto da nova posição de Jorge Sampaio: o sistema político está esgotado, precisa de obras de estrutura urgentes e deixou de responder às necessidades do País. O que só se resolve com uma profunda revisão da Constituição ou até com uma nova. Mas as obras necessárias não são o remendo de oportunidade que lhe ouvimos propor. Porque, no essencial, os mandatos de Jorge Sampaio caracterizam-se por não tocarem no essencial do sistema.
E assim, do que temos a certeza, é de que essa revisão necessária não poderá jamais contar com o concurso da influência institucional de Jorge Sampaio.
O esgotamento do sistema é de tal ordem que até a SEDES, instituição central do sistema e normalmente contida nas suas análises, veio esta semana a público alertar para o risco de ingovernabilidade do sistema, reconhecendo que a alternância democrática, que cada vez mais se parece, aliás, com o estéril rotativismo de oitocentos, é claramente insuficiente para as necessidades do País. Pois é.
O problema é identificar onde está o nó do estrangulamento do sistema político para o desatar. Um deles é no sistema de poderes consagrados na Constituição para responder a circunstâncias históricas hoje completamente ultrapassadas, como reconhece neste ponto, bem, Jorge Sampaio.
Enquanto os eleitores sentirem que só são chamados a escolher quem não manda e que não são tidos nem achados para decidir quem é que de facto vai interferir nas suas vidas, a distância entre os cidadãos e a política e as instituições não cessará de aumentar. Solução, existe sim senhor: é o presidencialismo. Mas desta discussão, vá lá saber-se porquê, todos fogem como o diabo foge da cruz.

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A lição política do BCP

Para trás ficaram António de Sousa, João Talone ou António Borges. Nomes que, com Horta Osório, Pina Moura ou Mira Amaral, se teriam sempre posicionado para suceder a Jardim Gonçalves. Mas, o BCP demonstrou que tem uma estratégia e que essa é a razão da sua história de sucesso. Aproveitou o momento da maior fragilidade do poder político para escolher o líder do BCP para os próximos 20 anos.

Para trás ficaram António de Sousa, João Talone ou António Borges. Nomes que, com Horta Osório, Pina Moura ou Mira Amaral, se teriam sempre posicionado para suceder a Jardim Gonçalves. Mas, o BCP demonstrou que tem uma estratégia e que essa é a razão da sua história de sucesso. Aproveitou o momento da maior fragilidade do poder político para escolher o líder do BCP para os próximos 20 anos. O BCP, com Paulo Teixeira Pinto, mantém-se independente do poder político, algo essencial para que o BCP continue a ter uma estratégia ganhadora, sem precisar da crise económica para afastar a concorrência.

Feita a escolha de Paulo Teixeira Pinto, para suceder a Jardim Gonçalves, há mensagens decisivas a colher. Senão vejamos:
A primeira tem a ver com a dignidade das pessoas públicas. Numa altura em que toda a gente diz mal de toda a gente, a escolha de Paulo Teixeira Pinto para suceder a Jardim Gonçalves, em plena crise política, é acolhida como um sinal de confiança pelo mercado e pela generalidade dos comentadores. E, não é, apenas, por causa do peso do BCP na economia dos media e sobretudo no País. Paulo Teixeira Pinto representa várias coisas neste país e, sobretudo, a oportunidade de se dizer bem de alguém. Quando se diz que, agora, qualquer figura pública é atacada ou tem que surgir da TV – chegando ao cúmulo do Presidente da República condecorar em plena campanha eleitoral, Eusébio, apenas, porque é uma figura popular, eis Paulo Teixeira Pinto, uma figura que se evidencia pela competência e da capacidade profissional e de quem toda a gente pode dizer bem.
Mas a escolha de Jardim Gonçalves não é apenas a melhor solução interna e que evitará problemas futuros. Para além de outros atributos, Paulo Teixeira Pinto é a escolha de um homem da Igreja Católica e, sobretudo, de um cristão para gerir o maior banco nacional. Ou seja, o Millennium/BCP mantém os equilíbrios religiosos no sistema financeiro nacional, o que não deixa de ter leitura política.

PTP é melhor que o cavaquismo

Paulo Teixeira Pinto, por outro lado, permite que se diga que é um cavaquista. É, aliás, o único título que aceita, em homenagem à oportunidade que Cavaco Silva lhe deu. E, leal, foi e será sempre a Cavaco Silva. Mas, ainda que modestamente isso permita, Paulo Teixeira Pinto foi e será sempre mais que o cavaquismo, que agora se pretende colar à sua imagem, um pouco anacronicamente e numa altura em que a candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República parece definitivamente afastada. E, aqui, há também um aviso para colher: por mais consensual que seja, Paulo Teixeira Pinto terá o seu rumo e fará as suas escolhas. Ou seja, ele deixará a sua marca no sistema financeiro nacional.
Do ponto de vista do BCP, foi ainda uma opção inteligente e oportuna. É outra lição a tirar da escolha de Jardim Gonçalves e, sobretudo, do “timing” da escolha: ultrapassa-se os problemas de sucessão, com um salto geracional, e, mais importante que isso, assegura-se uma solução interna, à margem das tentações do poder político, escolhendo-se um homem da casa, numa altura em que o poder político está fragilizado. Ou seja, Jardim Gonçalves resolve um problema que dificilmente a classe política nacional resolveria de melhor maneira e que teria sempre custos para a instituição e para a sistema financeiro.
Por outro lado, dificilmente, noutra conjuntura política, a tecnoestrutura do BCP conseguiria encontrar solução mais consensual e eficaz. Neste sentido, Paulo Teixeira Pinto não é, apenas, a solução de equilíbrio, desejada por Jardim Gonçalves, entre Filipe Pinhal e Alípio Dias. Ele é, sobretudo, a garantia que o PSD ou o PS não terão a tentação de colocarem algum homem da política ou dos interesses à frente de uma instituição de peso tão decisiva para o sistema financeiro. Internamente, mas também para fora, a escolha de Paulo Teixeira Pinto é mais que a chegada de uma nova geração, que, apesar de tudo, vem aparecendo (nomeadamente nas empresas e nos partidos políticos), a reforma de gente que soube dar o melhor ao País e que tem que ter a coragem de sair no momento certo, sem rancor e com confiança. (Não deixa de ser curioso que, actualmente, quem mais contribuiu para a depressão nacional são os economistas e os políticos que mais responsabilidade tiveram, nos últimos trinta anos, em Portugal, que não se calam, nem aceitam que os mais jovens são, na conjuntura actual, mais adequados para o desempenho das funções de Estado e de governância da empresas e dos sindicatos e associações patronais.)

A antecipação de Jardim Gonçalves

Basicamente, Jardim Gonçalves antecipa a saída, para adiar a possibilidade do poder político intervir na instituição por ele fundada e liderada há mais de vinte anos.
Actualmente, o presidente do BCP poderia ser escolhido pelo primeiro-ministro. Através da Caixa Geral de Depósitos, a posição do Estado é decisiva no capital do Millennium/BCP e, facilmente, o PSD poderia ser tentado a trazer de volta algum gestor, por exemplo, do Compromisso-Portugal, como João Talone ou António Mexia, podendo colocar em causa a estratégia e até o posicionamento tradicional do maior banco privado do País. Ainda na direita dos interesses haveria sempre outros independentes que desejavam o lugar, como António de Sousa, desempregado da CGD, ou António Borges, que várias vezes se ofereceu a Jardim Gonçalves e que finalmente conseguiu emprego na Fundação de Leonor Beleza (provável destino milionário de outros desempregados da política e da gestão, que vão gastar o dinheiro, deixado por Champalimaud, em bons salários e regalias acima da média nacional).
Do lado do PS, haveria sempre e ainda a tentação de avançar com nomes mais politizados, gestores do partido como Pina Moura, ou mesmo Mira Amaral, que apareceu nas “Novas Fronteiras”, zangado com Santana Lopes. É aliás essa a maior fragilidade deste PS feito de compromissos e regressos indesejados à política nacional.

Uma lição de antecipação

O presidente do BCP podia ter deixado os acontecimentos andarem, mas deu uma lição de estratégia, numa instituição que explica, assim e mais uma vez, porque teve sucesso nos últimos vinte anos. A opção e a iniciativa foram claras e colheu o poder político no momento de maior fragilidade, com Vítor Martins na CGD e Bagão Félix nas Finanças, dois homens com especial sensibilidade ao universo e à cultura do BCP e com bom relacionamento com Filipe Pinhal e Alípio Dias, dois metódicos artesãos de uma estratégia bem definida e que apoiaram militantemente Jardim Gonçalves.
Uma lição de táctica, também, a mostrar que o Sun Tzu está presente na gestão dos maiores grupos financeiros. O BCP não esperou que os políticos tivessem oportunidade de decidir. Apresentaram-lhes uma solução: indiscutivelmente uma solução melhor para o BCP, e por isso para o nosso sistema financeiro, que qualquer solução política. Escolhido Paulo Teixeira Pinto, durante os próximos seis ou dez anos a questão da liderança do BCP está resolvida. O País perdeu um credível candidato à liderança do PSD, mas ganhou um banqueiro, com sentido político e, sobretudo, com capacidade para entender o papel decisivo do banco, como centro autónomo de decisão económica nacional para contrabalançar o próprio poder político.
Esta é a segunda lição de Jardim Gonçalves. A economia e os negócios têm, hoje, muito pouco a ver com a macroeconomia e quase nada com estratégias fora do universo social em que a economia existe. Hoje, as decisões económicas dependem da geopolítica. Não é a “economia de casino”. É verdadeiramente o jogo da política que faz empresas de sucesso irem à falência e empresas aparentemente sem viabilidade a vingarem do universo da competitividade global. Globalização chama-se, hoje, “government affairs”. A governância substituiu a governação e a liderança de um grupo económico nesta época é, sobretudo, uma questão de capacidade política, algo que Paulo Teixeira Pinto tem de sobra.

O fim do tabu da idade

A terceira lição do BCP tem a ver com a barreira da idade: ao escolher Paulo Teixeira Pinto, com 44 anos, o BCP desfez o tabu da idade. Era um falso problema que o regime político nascido do 25 de Abril tinha criado para perpetuar o poder de Mário Soares ou Freitas do Amaral, de Guterres e de Marcelo.
A coincidência de Jardim Gonçalves anunciar, com moderação e sem qualquer tutela, a solução para a sua sucessão no BCP contrasta a todos os títulos com a despudorada tentativa de António Guterres aparecer como arrendatário do PS da “tralha guterrista, a exigir a repetição da maioria absoluta que tinha (com o queijo limiano) e que desprezou quando fugiu à responsabilidade de governar e se demitiu. Guterres apareceu esta semana numa iniciativa das Novas Fronteiras a menorizar Sócrates, o candidato dos socialistaa a primeiro-ministro, e, sobretudo, a dar conselhos publicamente, ele que representa o fracasso do País e que permitiu o desastre da governação de Pina Moura e a demagogia de João Cravinho (o caso escandaloso das Scuts).
O contraste com Jardim Gonçalves é total. Não fez grandes comentários, nem tão pouco esperou por elogios. Ele sabe que Paulo Teixeira Pinto fará o seu caminho e lhe será sempre leal, sem precisar de se constituir como arrendatário ou tutor. Como Botin em Espanha, que passou a presidência do Banco Santander à sua filha, Ana Botin, também na casa dos quarenta, Jardim Gonçalves mostra a confiança que tem no futuro e não está agarrado ao lugar, como infelizmente parece ser o traço comum dos políticos nascidos no 25 de Abril, ou a primeira geração de políticos da Segunda República. É uma lição decisiva para o PS, para Soares e para Guterres, mas também para todos aqueles que se sentem desconfortáveis com a necessidade de renovar e que não acreditam na competência e na qualidade da juventude.
Esta lição é também uma oportunidade e uma responsabilidade: agora e sem alibis Jardim Gonçalves deu o mote: a geração do 25 de Abril e da privatização da banca pode ir descansadamente para a merecida reforma. Do lado de Paulo Teixeira Pinto, ele é a representação de uma geração que chega agora ao poder. Mais que Fernando Ulrich (substituiu Santos Silva no BPI), ou Ricardo Salgado (substituiu Manuel Ricardo no GES), que, apesar de tudo ainda pertencem à geração anterior, mais que António Mexia ou António Carrapatoso que, apesar de tudo, fizeram o caminho pelas empresas públicas, ou pelas empresas estrangeiras, Paulo Teixeira Pinto, com menos três ou quatro anos que eles, representa um percurso único que marca, mais que a entrada de uma nova geração, a reforma da geração anterior. Sem traumas e em continuidade. Sem rupturas nem dramas. Com diálogo intergeracional, como deve ser nos bancos; e como deve ser na política, em Democracia.

Calendário pode precipitar crise política

Depois das eleições regionais, Santana Lopes
poderá avançar com a remodelação do seu governo.
Vários ministros querem sair.
Santana não se deixa aconselhar por ninguém e, apenas, os barrosistas conseguem estar satisfeitos
no Governo. Porém, ontem, depois do debate parlamentar onde Sócrates apareceu pouco preparado e a permitir a vitória ao primeiro-ministro, sem aproveitar a vantagem de já conhecer a estratégia governamental, que precocemente Santana anunciou nos Açores e repetiu na comunicação
ao País, o PSD pode ter recuperado o “élan”.
O calendário prossegue com o debate do OE
para 2005 e com os Congressos do PSD e do PCP.
Talvez, agora que o Governo parece ter nova energia, Santana Lopes possa decidir arrumar a casa e fazer ajustamentos no Governo.

O maior acontecimento político da semana é o próprio calendário político. Santana Lopes está cada vez mais desacreditado, uma palavra do léxico político europeu, mas que ainda não tinha chegado a Lisboa. É ele que tem que justificar porque diverge ou não diverge dos ministros. Os ministros aparecem depois. Ninguém dá o nome por ele. Morais Sarmento restaura paulatinamente o barrosismo (volta Barroso que está perdoado!), enquanto a direita parece enterrar o fantasma santanista em dois meses e meio. Oferecido como bode expiatório, Rui Gomes da Silva, o único contacto do primeiro-ministro com a realidade partidária e seu verdadeiro amigo, poderia ser sacrificado proximamente, depois de um distanciamento imposto pelo primeiro-ministro.

A remodelação depois das regionais?
Santana Lopes inicialmente decidiu substituir os seus amigos tidos por inábeis pelos seus “inimigos competentes”. Tão competentes, que estão a acabar com ele mais rapidamente do que se previa. A ajudar à festa, o próprio primeiro-ministro que não se consegue conter no anúncio de medidas sem justificação aparente.
O Governo é hoje uma confederação de ministros, onde cada um faz o que quer. António Mexia deu cabo, num dia do trabalho, de vinte anos do PSD, que conseguiu virar a seu favor a maioria das câmaras do Algarve. Insensato e irresponsável politicamente, sem a menor noção do que é o interesse público e, sobretudo, do que representa estar na política, António Mexia (o mesmo que queria encerrar as refinarias da Galp e retirar a petrolífera nacional da exploração de petróleo, para nos tornar mais dependentes das vendas espanholas e italianas), dando assim comissões aos intermediários habituais, ao anunciar, a sete meses das eleições autárquicas, as portagens na Via do Infante, no âmbito do fim das Scuts, deu cabo ou prejudicou bastante o PSD no Algarve. Como um disparate não vem só, depois do ataque à Galp, feito por Nobre Guedes, este ministro do PSD parece não ter o menor senso político e ideia nenhuma de oportunidade: agora, numa altura em que se está a vender os quartos e os golfes do Algarve, o ministro vem falar em restrições de água, um cenário aliás que só em condições extraordinárias poderia acontecer, no Algarve, como em Espanha ou na Grécia. Acontece que os destinos concorrentes do Algarve não têm um insensato como ministro a dizer que não há água para golfes, ou se houver, não há água para a população, o que é irresponsável economicamente e estúpido socialmente.
Do ministro da Economia, que, aliás, até gosta de jogar golfe e do ministro do Turismo já não há palavra perante tamanho disparate.
No debate de ontem, Santana Lopes defendeu a verdade como método da sua política e veio anunciar a velocidade de crescimento dos encargos com a política de enganos feita pelos socialistas, atirando os encargos para as gerações futuras.

A falta de credibilidade da política
económica
Autista, também, Bagão Félix prossegue solitário o seu caminho de ataque à classe média. Dá o dito por não dito no novo orçamento para 2005. Inventa um crescimento fictício de 2,5%, uma irresponsabilidade que vai acabar, também, por prejudicar as empresas privadas, que terão que seguir os aumentos salariais do Estado. Vai avançar com a redução das taxas de IRS, abandonando a promessa de baixar o IRC. No final, obviamente, Bagão Félix acabará por se demitir, dizendo ter feito o possível e que a culpa até é do primeiro-ministro, que fala antes do tempo. Foi assim que fez na Segurança Social, com um Código do Trabalho, duas vezes declarado inconstitucional e que agora foi multado por Bruxelas, e com o buraco de cerca de 400 milhões que ninguém responde.
Discretamente, Paulo Portas eclipsou-se: para o ministro de Estado e da Defesa interessa desaparecer agora. A questão política para o CDS agora é se Sócrates vai ter uma maioria absoluta, ficando refém da esquerda do PS, como aconteceu a Guterres que se entregou na mãos de Pina Moura, Santos Silva e Ferro Rodrigues, ou se o PS tem uma maioria relativa e precisará do CDS para formar Governo, assegurando pelo menos dois mandatos de estabilidade política.
Agora o CDS nem quer falar. O novo vice-presidente já começou a marcar o terreno: o Plano B prevê uma solução futura de continuidade governativa para o CDS, um cenário que o barrosismo nunca equacionou e que Santana Lopes não contava antes da eleição de José Sócrates. Por outro lado, Portas percebe que a jogada de Morais Sarmento e Santana de valorizarem Bagão Félix contra ele, o líder do partido, acabou por lhes sair pela culatra. Bagão não só não tem preparação técnica para estar à frente das Finanças Públicas, como ainda por cima, sendo um católico de esquerda, fará sempre uma perseguição à classe média sem perceber o alcance político e, ainda por cima, como Portas bem sabe, nunca assumirá culpas ou responsabilidades. Bagão joga dos dois lados: cai aturando Santana Lopes e o PSD, mas como Paulo Portas já percebeu também que o futuro pode passar por um acordo de incidência governamental com o PS de José Sócrates. E neste caso convém não assumir publicamente muitos compromissos.
Quem Paulo Portas não controla é o ministro do Ambiente, Nobre Guedes: inconsistente e sem capacidade política, Nobre Guedes soube rodear-se do melhor que o sector tem para se aconselhar. Tecnicamente não dirá nunca disparates, mas politicamente já se espalhou duas vezes, sem que Portas ou o ministro da Economia, o seu amigo Álvaro Barreto, lhe pudessem chamar a atenção.

O episódio de Marcelo
Depois do episódio de Marcelo Rebelo de Sousa, o Governo entrou em desregulação total, como se tivesse culpas no cartório. Em vez de desvalorizar a ocorrência, Santana Lopes saiu a terreiro a reivindicar transparência de comportamento. Bastava ler a imprensa e ouvir as televisões para ninguém ter dúvidas sobre o facto de em Portugal não existir censura, ou de fracassar qualquer tentativa por parte de qualquer Governo. Nunca um primeiro-ministro foi tão desmentido, desautorizado e até desrespeitado pelos media, como durante esta semana em Portugal. Nem mesmo Vasco Gonçalves foi tão desautorizado, o que coloca Santana Lopes numa situação difícil. O primeiro-ministro, contido, não soube ler os sinais que lhes estavam a ser enviados. Não tomou nenhuma iniciativa e prosseguiu em frente como se nada se tivesse passado, sem perceber que cada anúncio que fazia ainda o prejudicava e descreditava mais. A questão não era Gomes da Silva ou sequer Sarmento, cujo gabinete de comunicação parece mesmo funcionar contra Santana Lopes (ainda que Santana tenha para já chamado a si o controlo da Central de Informação do Governo). Tudo corre mal: há aqueles períodos na vida de uma pessoa em que tudo o que se faz parecer correr mal e talvez por isso Santana Lopes tivesse que se resguardar.
Como contraponto, o Presidente da República também não se calava: primeiro, vinha à comunicação social justificar porque estava a receber Marcelo Rebelo de Sousa, como se o Presidente da República, eleito por todos os portugueses para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, tivesse que justificar nos jornais porque recebia alguém em audiência. Mas o ridículo ia mais longe, na pressão sobre os acontecimentos, quando, concorrendo com o silêncio de Marcelo Rebelo de Sousa, a que Mário Soares chamaria de “cobarde”, o Presidente da República falava em Espanha que devia ficar calado, quando Saramago propunha que reeditasse D. Afonso Henriques.

O pior já passou
O pior já tinha passado. Já não temos a depressão do tempo de Barroso, a sensação que tudo está perdido e acabado e que todos os dias isto fica um pouco pior. Agora é mais interessante, mais divertido. Uma “opereta bufa”, onde os portugueses ficam sempre mais pobres, onde o Estado não funciona e onde os ministros não sabem o que é o interesse de Estado e o Presidente da República não sabe qual é a sua posição institucional. Mas interessante é com certeza.
Nos Açores, o primeiro-ministro não se conteve e anunciou as medidas do Orçamento do Estado. O autismo evidente do primeiro-ministro cercado pelos tapetes encarnados, pelas mordomias e pelos acontecimentos internacionais não anularam esse seu gosto pelas boas notícias. Depois, no dia seguinte, já em Lisboa, marcava um tempo de antena para a RTP e RDP, que acabou por sair uma hora antes na SIC e na TVI, dando a ideia de falta de profissionalismo e competência. O Governo parecia não saber o que eram assessores de imagem. Santana estava mal enterrado numa cadeira maior que ele, com os retratos dos filhos e do Papa com flores cor-de-laranja e um quadro para esquecer de Resende ou de Noronha da Costa. Tudo muito mau e com muito mau gosto, a pesar no ambiente pesado de um primeiro-ministro a falar doze minutos ao País, sem ter nada de novo para dizer. O erro político estava à vista. Para mais, Santana estava a dar trunfos ao inimigo: Sócrates passaria a contar com três dias para preparar o confronto de ontem no Parlamento. O primeiro debate parlamentar com Santana a não ter grandes novidades e Sócrates a ter do seu lado a credibilidade das organizações internacionais, que não acreditam nas taxas de crescimento para 2005 inventadas por Bagão Félix. Calado o governador do Banco de Portugal, não diz nada: não fala sobre as taxas de juro, sobre a evolução do euro e do dólar, sobre o preço do petróleo e o consumo privado. Enfim, daquilo que os portugueses, as empresas gostavam de ouvir para saber o que fazer no próximo ano, à falta de credibilidade do Governo e em face da ausência significativa do ministro da Economia. Ninguém sabe o que vai acontecer e ninguém acredita no que diz o Governo, uma situação que já não pode ser invertida antes das eleições regionais, onde tudo ficará na mesma.
Percebendo o erro, Santana voa para a Madeira, para aparecer ao lado de Jardim, reivindicando para o PSD uma vitória, já que Sócrates parece ter tudo do seu lado, iniciando a sua liderança com a vitória nos Açores, depois do PSD ter estado quase à frente nas sondagens. Mas a emenda foi pior que o soneto: João Jardim apresentou a factura a Santana Lopes do apoio, e o próximo OE vai reflectir o ajustamento desta semana, feito no Funchal. Um negócio que dá aos madeirenses mais crédito e que ainda limita mais o nosso OE.
Chegado a Lisboa, a grande discussão. O PSD está em pé de guerra: com eleições locais à porta, os ministros parecem baratas tontas concorrendo para destruir, ou pelo menos dificultar as maiorias social-democratas. São os próprios autarcas do PSD os mais críticos. Filipe Menezes faz o papel do psiquiatra: também Sá Carneiro teve o psiquiatra que mereceu e acabou esquecido. Gomes da Silva, o contacto do partido com o líder, estava em queda e a discussão com o primeiro-ministro era inevitável. Até Nuno Morais Sarmento que, depois do encontro de Barroso com Santana, apareceu soberano na Madeira, ao lado do primeiro-ministro, como se fosse o único com lugar garantido no futuro. Combinara chamar a atenção do primeiro-ministro para os erros da governação, mas, à última da hora, traía o acordo e fazia-se de desentendido. Santana ficava mais isolado, com alguns dos seus mais próximos a ponderarem sair do Governo, na primeira oportunidade, logo depois das eleições regionais.

O calendário para o congresso
Esta semana, o barrosismo volta ao PSD, com a eleição dos delegados para o congresso de 12 de Novembro. Será o Congresso de Pedro Santana Lopes, ainda que o Presidente da República, aparentemente, esteja a dramatizar a situação para poder provocar eleições antecipadas. Foi, aliás, para isso que, ontem, Sócrates chamou a atenção do Parlamento.
Toda a gente tem consciência que Santana Lopes e o PSD estão a destruir a oportunidade política que Sampaio lhes deu. Até parece que Barroso e Sampaio combinaram destruir Santana Lopes, o fantasma de todos os líderes da direita desde 1995, e o campeão que ganha eleições à esquerda, como aconteceu na Figueira e em Lisboa. Acabar com ele, parece o propósito e, daí, Sampaio a dizer que não diz e Morais Sarmento e Arnaut, sempre próximos, a marcarem-lhe o passo.
Santana não acredita, e sabe que o próximo Congresso do PSD será seu, ainda que essa vitória possa ser de “Pirro”. No momento ocorrer-lhe-á outra melhor. Para já hesita: se remodelar, será que Sampaio não precipita os acontecimentos e as eleições são marcadas já para Janeiro?. A vitória, ontem no Parlamento, no debate mensal, dá-lhe contudo uma nova margem que na terça-feira nem o próprio previa.|