2025/09/09

Portugal fica mais espanhol

“- Chamem o Vitorino. Ele que faça o negócio da Galp e da EDP com os italianos e os espanhóis, mesmo sabendo que eles estão concertados!” – É já voz corrente, a propósito do cerco que os espanhóis conseguiram montar a Portugal. Lisboa parece um bazar oriental, mesmo antes do encerramento. Vende-se tudo por baixo preço. Já não há mais “bluff” para fazer. Duzentos dias depois de Sócrates tomar o Poder, Portugal vê comprometidos, em toda a linha, os trunfos que tinha. Os espanhóis compram, contratam e corrompem empresários, políticos e até parecem contar com o apoio institucional do Estado. Já controlam o sector da cerâmica nacional, estão a entrar na construção, no turismo, no imobiliário, nas finanças e na energia. O problema português não se resolve negociando estatutos autonómicos, como acontece com a Catalunha ou o País Basco. O problema português, dizem os espanhóis, resolve-se comprando. Por isso, vender aos espanhóis é hoje o maior problema estratégico e de segurança nacional que o Governo Sócrates tem para resolver.

Nos duzentos dias de Governo socialista falou-se de muitos negócios e de algumas reformas. O aumento das despesas com o Governo socialista obrigou a novo agravamento dos impostos, e o buraco orçamental que subiu para 6,8%, levou mesmo Bruxelas a levantar a Portugal um procedimento por défice excessivo. Com essa estratégia a situação económica agravou-se para níveis recessivos e ainda mais empresas decidiram abandonar Portugal. Esta semana foi a vez da Yahoo sair de Portugal por causa do IVA, a seis por cento acima dos países mais competitivos da Europa comunitária.
Politicamente, o Governo dividiu a legislatura em duas partes. Primeiro, tomou medidas duras para fazer reduzir os custos com a saúde e as reformas e, sobretudo, atreveu-se a afrontar os “lobbies” dos funcionários e as poderosas classes profissionais que sempre afrontaram o poder político, desde os militares aos polícias e magistrados judiciais e do Ministério Público. A onda de protestos alimentou o Verão e entra, agora, pelo Outono dentro. Sócrates aproveita os últimos dias de Sampaio para fazer os confrontos que tem a fazer nesta legislatura, sobretudo porque prevê que Cavaco Silva será o Presidente da República depois de Janeiro.
A preparação do próximo Orçamento do Estado conta exactamente com esse arrefecimento. “Sócrates necessita de fazer algo para reanimar o País”, comenta-se nos meios socialistas. Mas o Governo tem poucas saídas. Só os empresários podem criar emprego. Porém aí, não há renovação possível. Finalmente, o País percebe que nos próximos anos os empresários que estão são os que ficam e, de novo, apenas virão estrangeiros. Nos próximos dez anos o País vai pagar o ganho ilusório decorrente do euro, em que aderimos com um escudo muito valorizado. A súbita riqueza está agora a ser paga, com moderação salarial. Nos últimos dois anos os trabalhadores perderam 5% do poder de compra. Para os trinta por cento que artificialmente os proprietários e banqueiros ganharam em 2000, com a conversão do escudo em euros, a economia nacional vai pagar, a este ritmo, com este marasmo pelo menos durante os próximos oito a dez anos, parece ser um cenário realista. Talvez por isso muitos se empenham nos negócios com Espanha, pois pensam que dez anos é uma eternidade.

A capitulação a Espanha

Ao fim de 200 dias de Governo socialista o traço mais marcante é o do agravamento das condições económicas e de confiança em Portugal. Mas, sobretudo, é no Governo Sócrates que se repercutem decisões antes tomadas. Dentro de pouco mais de trinta dias, os italianos da ENI ficam praticamente com o controlo da Galp. Bruxelas, provavelmente manipulada pelos espanhóis, chumbou o negócio do gás com a EDP. Exactamente ao contrário do que os espanhóis estão a fazer propondo a fusão da Gas Natural com a Endesa, que libertará ainda activos de mais de 9 mil milhões de euros, que permitirá o aumento da capacidade crítica da Iberdrola. Portugal, relegado para uma periferia, tem como caminho aceitar o negócio de Pina Moura com os italianos, quando deveria recomprar, e finalmente pedir ajuda à Iberdrola, para governar o seu próprio mercado. Iberdrola, que agora, pasme-se, tem como representante em Portugal o mesmo Pina Moura.
Mas, a história não se fica por aí, com o Governo, pela mão do infeliz ministro da Economia, ainda por cima a ser humilhado pelo ministro espanhol da Economia, que veio no sexta-feira a Lisboa para dizer na cara do ministro: Portugal não pode comprar a União Fenosa (energia da Galiza) e não é conveniente que participe no “split” final da Endesa. A Espanha perdeu a vergonha. Dita as ordens a Portugal de acordo com os seus interesses, humilha o Governo português em Lisboa e no seu próprio gabinete, onde a cortesia obrigava à boa educação. E para retirar veleidades ao Governo de Sócrates, o Santander, antes de mais pressões nacionais, vende ao presidente do Real Madrid, Peres, a posição que detinha na Fenosa com algumas Caixas.

Três humilhações espanholas

Esta era apenas a terceira humilhação de Portugal em menos de 200 dias. A primeira foi com o TGV, tendo Portugal que aceitar o traçado e os “timings” impostos por Madrid. Mas não se fica por aí. A Espanha impões a construção, a tecnologia e o pacote financeiro a ser pago com o Orçamento de Portugal e os fundos estruturais que deveriam servir para o desenvolvimento do País.
Como se isso não bastasse, até na água, em ano de seca, os portugueses viram os seus direitos legais, aliás, consagrados por tratados internacionais, violados pela Espanha. Portugal não reagiu aos transvasos do rio Douro e acabou por dar a água do Alqueva, paga com dinheiros de Portugal e sem qualquer retorno, à Andaluzia, sem que nada chegue sequer ao Alentejo que se desertifica por fala de ligações que leve para os montes a água que de lá é escoada para o lago do Alqueva.
O último ataque espanhol, facilitado pelos contactos dos Governos de Madrid e Lisboa, conforme João Van Zeller contou esta semana o Parlamento, é já de cariz ideológico. Madrid avança para a compra de uma bomba atómica ideológica, adquirindo o controlo da maior estação de televisão nacional, com o apoio do Governo português a total incapacidade de resposta dos meios políticos. Tudo aparece reduzido à esfera de um negócio privado. Mas todos sabem do embuste: a TVI adquirida pela Prisa é a mais eficaz arma ideológica do partido espanhol em Portugal.
Subitamente, o País, humilhado pela Espanha, descobre que não tem margem de manobra. Os empresários descrentes nas manobras de Governos sucessivos e de políticos sem escrúpulos que se passaram para Espanha, acompanhando o movimento de uma burguesia empresarial, que não hesitou em vender as suas empresas para realizar mais-valias antes que o ciclo da Europa terminasse, não investem no País. Portugal confronta-se com falta de activos para investir, numa altura em que os constrangimentos do Pacto de Estabilidade e Crescimento colocam a nu as fragilidades de uma economia que é inviável, sem solução externa. E a solução externa que seriam o investimento estrangeiro e as exportações estão comprometidos, por falta de visão do Governo e por má imagem do País.

O investimento estrangeiro abandona Portugal

Esta semana, o Governo perdeu mais uma batalha em que se tinha envolvido: o SUV da Volkswagen não vai ser produzido em Palmela. Portugal ainda não percebeu que precisa de investir no capital das empresas investidoras para conseguir canalizar os investimentos estratégicos para o nosso país. Mas neste momento uma política dessas seria imediatamente denunciada pela Espanha, que tem agentes infiltrados e pagos nos mais altos lugares do País. Ainda esta semana, o “Diário Económico”, também comprado pelos espanhóis a Miguel Paes do Amaral, dava conta que um ex-secretário da Energia português, Nuno Ribeiro da Silva, desta vez do PSD, poderia vir a ser contratado pela Endesa.
Como aconteceu ainda antes de 1580, esgotado o ciclo da pimenta e da Índia, por causa da corrupção e dos ataques holandeses, a burguesia de Lisboa e, sobretudo, a alta nobreza logo começou a olhar para Espanha como a solução. Começando pelas megalomanias de um homem rico, D. Manuel I de Portugal que, ao casar com uma filha dos reis católicos, se considera em condições de assumir a coroa de Espanha, até Filipe II, filho de Carlos V e de Isabel de Portugal, que impôs pela força das armas do Duque de Alba os direitos que tinha ao Reino, pois que os castelhanos já o haviam comprado.

Os últimos anos de Macau

A traição e a facultação de informações e elementos estratégicos a potências estrangeiras são crime em Portugal, mesmo em época de globalização, mas a Procuradoria-Geral da República mostra-se totalmente incapaz de agir nessa matéria, assoberbada que está com os processos de corrupção, que avassalam a política e o desporto nacional, e com o crime violento que, subitamente, irrompe em Portugal com o agravamento da criminalidade organizada ou não, em particular no Algarve e em Lisboa, onde a onda de assaltos a residências e património está a aumentar para números verdadeiramente assustadores.
Com esta sensação de capitulação os principais intermediários do poder organizaram-se aparentemente para o saque final. Enquanto o País definha, a começar no Porto – condenado à periferia da Europa, irrelevante e sem dinheiro – e a acabar no Algarve – onde nenhum espanhol compra sequer uma casa, mas onde os maiores projectos imobiliários, como a Lusotur, de Vilamoura, já estão nas suas mãos -, Lisboa parece um “bazar oriental”, onde se faz a liquidação de última hora, antes do mercado encerrar. Faz lembrar os últimos anos de Macau, onde, para se ganhar mais uma “comissão”, facturar mais uns “favores”, se adjudicaram obras megalómanas, se aceleraram os últimos negócios e se fizeram fortunas, “com corrupção e manha”, tudo em nome da herança portuguesa no Oriente.
O mesmo espírito da “árvore das patacas”, do enriquecimento fácil de última hora, aparece, quando subitamente o Governo tira da cartola a construção do aeroporto da Ota, o segundo aeroporto para Lisboa ainda ontem era anunciado para os “low costs”, ou quando se inverte toda a política do medicamento, até agora orientada para os genéricos, e se opta por facilitar a vida à indústria, por sinal maioritariamente estrangeira.

Os negócios de última hora

A cereja é a compra de novos 14 Airbus anunciados para a TAP e cujo negócio pode mesmo estar encerrado nas próximas semanas, dando comissões superiores à da compra dos submarinos alemães no tempo de Durão Barroso.
A decisão, apesar de ser da TAP, acaba por passar pelo Governo, que detém o controlo accionista da empresa gerida pelo prudente e hábil brasileiro Fernando Pinto. Destruídas as contas de exploração com a subida do preço internacional dos combustíveis refinados, o destino da TAP autónoma parece estar cada vez mais comprometido, sendo o negócio da integração da TAP na Ibéria um velho projecto pensado no tempo do Governo Guterres, que acabou por não ir avante por causa do interesse nacional manifestado numa companhia nacional de bandeira. Mas sendo um mercado com grande volatilidade, a ver pelas falências da Swissair e da Delta Airlines, é de admitir que o projecto possa voltar. Talvez por isso o processo de compra de 14 Airbus para a TAP foi acelerado, pela actual administração, a pedido do Governo socialista. A TAP falhou a tentativa e crescer para a América do Sul com a aquisição da Varig, e avançando para a compra de novos aviões na actual conjuntura pode ficar ainda mais exposta à necessidade de novas alianças, sobretudo, sabendo que o Governo nacional não pode dar ajudas directas às empresas por causa das leis comunitárias sobre a livre concorrência e que a Caixa Geral de Depósitos não terá grande capacidade para fazer aportes de capital. A situação de pré-falência das companhias privadas nacionais, em particular da Portugália, sustentada artificialmente pelo Grupo Espírito Santo, também não permite antever soluções alternativas à da integração ibérica, comenta-se nos meios da aeronáutica. E, finalmente, o ataque das companhias de “low cost” a Lisboa, a começar pela Air Luxor, acaba por ser uma machadada decisiva nas ambições da transportadora aérea nacional.

Ainda é possível a fusão BCP/BPI?

Finalmente, o sector financeiro, onde os espanhóis poderão ainda atacar o BPI, mas onde a privatização da Caixa Geral de Depósitos parece estar afastada para já. Esta semana o mercado antecipou a possibilidade de uma fusão entre o BPI e o BCP; como alternativa à tomada de controlo por parte da Caixa de Barcelona no BPI e, sobretudo, porque esse reforço no capital do BCP criaria melhores condições para o BCP comprar o maior banco romeno, actualmente em fase de negociação. O BCP tem vindo a reforçar os seus meios próprios, através da realização de mais-valias, para se concentrar na internacionalização, evitando assim a necessidade de novos aumentos de capital, mas uma fusão com o BPI poderia ser uma tentativa de travar a invasão espanhola na Banca nacional.
Tal como nos combustíveis, onde a Repsol quer ter 25% do mercado nacional, também, na banca, o Santander, que comprou, na semana passada, 50% do Interbanco, de João Pereira Coutinho, já caminha para os 20% do mercado nacional, sendo o banco mais eficiente do País, devido à transferência de todo o “back-office” para Espanha, o que lhe fez reduzir cerca de 30% os custos de exploração. O aumento da dimensão pode ser a resposta para ganhos adicionais do BCP na área da produtividade, a única resposta possível para evitar uma OPA hostil de algum banco espanhol sobre a maior empresa nacional. Ao fim de 200 dias de Governo socialista, o País parece mais espanhol, mas ainda há sectores dispostos a reagir, apesar das dificuldades da conjuntura.

Cavaco vai a Belém mas não reage a Mário Soares

O debate sobre a presidencialização do Regime e, sobretudo, a discussão do modelo Europeu
e dos problemas dos défice podem tomar conta
do debate presidencial. Mas, do lado de Cavaco Silva, a candidatura de Soares é tudo menos certa.
Para já, Cavaco Silva está calado, embora marque os espaço mediático, nomeadamente em Belém
enquanto Soares vai tentando marcar a agenda.

Para os apoiantes de Cavaco Silva as primeiras movimentações de Mário Soares parecem ainda não abrir todo o jogo. Se para muitos parece clara a intenção do ex-Presidente avançar, para a maioria, Mário Soares pode ser apenas um trunfo socialista para marcar, agora, o terreno e desmoralizar a candidatura eventual de Cavaco Silva, para, depois, poder aparecer o candidato de José Sócrates, Freitas do Amaral.
Soares teria sido, nesse contexto, usado para afastar e calar Manuel Alegre, sobre o qual já haveria expectativas criadas e compromissos assumidos.
Mas, o jogo de José Sócrates poderia ser ainda mais sofisticado. Percebendo que Jorge Coelho estava a marcar as cartas e a criar um cerco à volta do PS, explorando as fragilidades do primeiro-ministro e, sobretudo, questões de liderança no seio do Governo, e pressentindo que o coordenador da permanente do PS iria inteligentemente usar os meios aos seu alcance, para condicionar a estratégia do líder, o primeiro-ministro decide recuar, avançando com o apoio a Soares.
O jogo é maquiavélico neste cenário: Sócrates sabe que Mário Soares não tem idade para ser candidato, mas que não se importará de emprestar o seu nome para uma candidatura. Por outro lado, tira argumentos a Jorge Coelho que poderia, como Manuel Alegre, começar a criticar a escolha de Freitas do Amaral para candidato da esquerda.
É neste contexto que pressionado pela demissão do ministro das Finanças e fragilizado pela exploração que se fez das palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros, na entrevista dada ao Diário de Notícias, Sócrates avança com a disponibilidade do apoio a Soares.
Entre o almoço de Jorge Coelho para empurrar Mário Soares – que antes já havia sido instado, mas que sempre havia negado qualquer interesse na recandidatura presidencial – e as palavras de José Sócrates ao JN, onde o primeiro-ministro diz, expressamente, que se o antigo Presidente for candidato terá o apoio dos portugueses e do PS, toda a estratégia delineada pelo núcleo duro do primeiro-ministro teve que ser refeita.
Sócrates perde iniciativa, cercado pelo PS e Soares emite um comunicado dizendo que está a reflectir. Para Manuel Alegre e para a sua candidatura o desespero é total. Alegre, mais uma vez, tal como aconteceu por teimosia sua, quando foi candidato contra José Sócrates no PS, escrevia no passado fim-de-semana a rendição e o lamento, num artigo publicado no Expresso onde amargurado se assumia isolado no seu “quadrado”.
Morto politicamente Alegre, o avanço de Soares era também um balde de água fria para a eventual candidatura de Freitas do Amaral, antes, combinada com o primeiro-ministro José Sócrates.

Soares Pondera

A ponderação de Mário Soares parece sincera contudo, na área do aparelho socialista, onde se dá por adquirido que Soares é candidato e, sobretudo, se começa a acreditar que Soares possa mesmo ganhar a corrida presidencial.
No núcleo de poder soarista, contudo, todos são mais cautelosos e o primeiro-ministro não falou mais, seguindo para férias, no Quénia, sem abrir o jogo.
Conta com dois aliados: de um lado a própria avaliação que Mário Soares faça das suas condições pessoais. João Soares nunca daria a entrevista que deu ao SEMANÁRIO abrindo espaço a Freitas do Amaral, já depois da entrevista ao DN, se não fosse com o aval do primeiro líder do PS. Por outro lado, a disponibilidade de Mário Soares para ponderar a candidatura teve como efeito, desestabilizar a direita e, sobretudo, travar aventuras perdedoras e complicadas que poderia aparecer à esquerda.
De algum modo, Soares tem noção que o legado de solidariedade social que quer deixar pode ser incompatível com a governação e que está nos antípodas do pragmatismo centrista de José Sócrates. O seu discurso político poderia igualmente ser complicado no quadro das relações internacionais. E,finalmente, sendo o maior problema nacional o da competitividade e o da consolidação orçamental, Cavaco Silva leva necessariamente vantagem.
Neste quadro, até, Soares percebe isso, Cavaco Silva poderia ser o melhor candidato para o primeiro-ministro José Sócrates. A única alternativa seria um candidato que não fizesse sombra ao primeiro-ministro e que não constituísse um grupo de pressão sobre o Governo socialista. E, nesse contexto, Freitas do Amaral poderia ser o preferido de José Sócrates.

Esquerda contra Freitas

Só que a reacção da esquerda a Freitas do Amaral foi de tal modo violenta, até porque coincidiu com a estratégia de afastamento a que José Sócrates votou Jorge Coelho e da tentativa de Coelho refazer a sua influência no partido e no Governo, que Soares teve que avançar para cobrir o jogo – segundo algumas análises. Porém, daí não decorre que Soares vá até ao fim e que Freitas do Amaral não se venha ainda a posicionar como o candidato do PS, num jogo de influências em que Sócrates acaba por recuperar os soaristas e dar a Mário Soares o seu lugar na Historia e no País, ao mesmo tempo que o usa para arrumar de vez com Jorge Coelho.
A marcação a Jorge Coelho começa a ser evidente e diária em todas as decisões do Governo. O pior que pode acontecer ao PS de José Sócrates é que Coelho sobreviva às autárquicas. Sem afastar a Maçonaria – e os homens de Josrge Coelho, por essa via – a nova administração da Caixa Geral de Depósitos acaba por dar a primazia aos homens de Sócrates e do guterrismo moderado, nas nomeações desta semana. Foram afastados todos os gestores social-democratas do CGD mas, em contrapartida, não foi nomeado nenhum administrador próximo de Coelho, mas sim Carlos Santos Ferreira e Armando Vara (este último responsável no tempo de Guterres pela colocação de alguns “boys” socialistas em institutos e fundações concorrentes do aparelho socialista de Coelho) ambos próximos do primeiro-ministro e de Luís Patrão, que foi antes chefe de gabinete de Guterres e que agora é, decididamente, o mais influente e competente dos estrategas do gabinete de José Sócrates.

O novo discurso do centro

Outra das preocupações que começa a marcar o espaço mediático é o da afirmação ideológica em face das posturas nacionais que se espera das candidaturas presidenciais.
Do lado de Cavaco Silva, Fernando Lima está a organizar um grupo de lançamento da candidatura do antigo primeiro-ministro.
Já do lado do PS, embora não exista nenhuma estrutura, praticamente Mário Soares tem o apoio da sua Fundação e do amigo leal Vítor Ramalho, para alem da disponibilidade empenhada de Jorge Coelho, que, por si, garantirá a campanha.
O que está a preocupar os socialistas neste período de férias é o discurso possível em face das fragilidades políticas e económicas do Governo, o aparente fracasso da política financeira e a consciência que o País se está a transformar numa autonomia da Espanha, sem que verdadeiramente os portugueses possam definir o seu destino.

Os conflitos no Governo

Os conflitos aparentes no seio do executivo, a falta de afinação nos discursos do Governo, aliás, objecto de critica mordaz por parte de Marcelo Rebelo de Sousa no passado domingo na RTP, e os erros clamorosos, primeiro, do antigo ministro das Finanças Campos e Cunha e, agora, da “vedeta do disparate”, o ministro dos Transportes, Mário Lino, fazem com que a questão da governação possa ser central no discurso dos candidatos presidenciais.
De um modo geral está a criar-se na área socialista a convicção que o próximo Presidente da Republica possa ser tentado a presidencializar o Regime, sobretudo porque em face do desgaste acelerado do primeiro-ministro e a sua queda de popularidade, a única maneira de aguentar o PS no Governo será presidencializando o regime, ou seja, dando mais protagonismo e responsabilidade ao Presidente da República na condução de políticas executivas, como acontece por exemplo em França, por contraposição ao actual presidencialismo de primeiro-ministro em que em boa verdade o responsável pelo executivo é o primeiro-ministro e o Presidente tem apenas poder moderador e de influencia, podendo, contudo, exercer constitucionalmente esses poderes, exactamente para evitar os riscos do parlamentarismo, bem conhecidos da Primeira República.
Mas, o acentuar do pendor presidencialista, comenta-se no PS, não assenta nem a Cavaco Silva, que é um legalista – que até despedia os ministros quando eles faziam diplomas que chumbavam por inconstitucionalidade – nem a Mário Soares, que teria seguramente a consciência que a Presidência da República não pode ser o acesso do grupo de Macau o Governo, nem que o País ganhe com aventuras presidenciais, que o próprio, aliás, rejeitou quando foi Presidente da República com Cavaco Silva a primeiro-ministro.

Presidencialismo e crise económica

A experiência presidencialista está, aliás, a mostrar-se desastrosa, no resto do mundo. À excepção dos Estados Unidos da América, em que o poder na federação é presidencial, em todos os países onde se exportou o modelo americano, a crise económica é patente e os abusos aos direitos também. Isso aconteceu, comenta-se no PS, com a propensão para as ditaduras na América Latina. As nossas aventuras presidencialistas, aliás, também conduziram à ditadura, como aconteceu com Sidónio, o que acabou mal, com o seu assassinato. Curiosamente, nos países asiáticos, apenas a Indonésia e as Filipinas não recuperaram das crises financeiras de 1998-2001. Ora, precisamente são os únicos países que adoptaram o modelo político americano, em vez do parlamentarismo britânico, do semi-presidencialismo ou ainda da Monarquia Constitucional Parlamentar. A ligação entre o presidencialismo e a crise económica é aliás explicável em países onde é forte a presença do Estado na economia, pois, o poder tende a esmagar a iniciativa privada, que não tem instância de recurso.
A Ciência Política mostra aliás que os interesses e os grupos de influência tendem a actuar junto do poder mais frágil, no gabinete, no parlamento ou junto do Presidente da República, para conseguirem os contratos e a articulação dos seus interesses. Ou seja, a existência de dois poderes na área executiva tem servido exactamente como amortecedor de tensões económicas e sociais e para gerir interesses, sobretudo, quando a presença do Estado é esmagadora na Economia como acontece, cada vez mais, em Portugal, com o aumento dos impostos e a utilização das “golden shares”.
Colocada de lado a questão da presidencialização do regime, mesmo diante do descrédito do Governo e, sobretudo, nos primeiros seis meses, enquanto o Presidente da República não tiver poderes constitucionais para dissolver o Parlamento, a questão que ainda sobra, contando que a União Europeia e euro não entrem em crise e que seja aprovado o Quadro Comunitário de Apoio para 2007-20013, ou as perspectivas financeiras da União Europeia a médio prazo, a questão do modelo económico.
Cavaco Silva é considerado o arauto do modelo americano. Os socialista vão identifica-lo com as políticas de consolidação orçamental que estão a colocar em causa o modelo social europeu. A questão da competitividade e da consolidação orçamental podem vir a ficar na história das próximas presidenciais como a grande discussão em que PS, mais interessado no debate político e PSD, mais interessado no debate económico, vão fazer.

A virtualidades do modelo europeu

Para os socialistas “estamos longe de considerar esgotado o modelo social europeu”. A esquerda de António Guterres, Mário Soares e Freitas do Amaral afastou-se do marxismo e do socialismo, adoptando do capitalismo a sua maior virtude: a do respeito pela iniciativa privada e deste modo evitando a asfixia da iniciativa privada, motor do emprego, do desenvolvimento e do crescimento económico.
Mas por outro lado o capitalismo, no modelo americano adoptado pelos governos de centro direita europeus estão a criar desemprego, precaridade nas relações laborais e, sobretudo não conseguem aumentar a competitividade europeia. Ou sejam aumentam a desigualdade social e não favorecem o desemprego. Este c entro social-democrata que Sócrates e o seu candidato presidencial pretendem ocupar, acaba por ser o mesmo que Cavaco Silva também defende, quando constata que a Europa desde 2003 que ultrapassou os Estados Unidos da América em termos de dimensão do PIB. Por outro lado a sustentabilidade da economia europeia é muito superior à americana, que cresce apenas à custa do endividamento das famílias (a crise de 1992 foi superada com o aumento do consumo dos particulares com a massificação dos cartões de creédito ao consumo e com o crédito imobiliário a mais de 50 anos) e com o duplo défice: o défice orçamental e o défice externo. O primeiro manteve a procura alta e o emprego na estratégica da indústria do armamento e de defesa, e o défice externo permitiu que a Ásia pudesse recuperar rapidamente das crises e 1998-2001, evitando as tensões políticas que, por exemplo, o mundo experimenta, agora, com a Coreia do Norte (a questão nuclear). Mas América paga o preço com assimetrias sociais, pobreza e total fracasso no seu sistema de ensino básico e secundário.
Por outro lado, o aumento do endividamento obriga agora a América a pagar com a alienação da sua capacidade produtiva e sobretudo com a fragilidade da sua moeda apenas garantida com a dimensão do seu exército e, sobretudo, com a falta de liderança na Europa.
Nem no sistema de educação, mas sobretudo na área da pobreza e da saúde (a taxa de mortalidade nos recém nascidos é maior na América e a longevidade dos europeus é maior que a dos americanos), o modelo Americano perde para o modelo social europeu. E, mesmo assim, a Europa tem, actualmente, um Produto Interno Bruto superior, desde 2003, ao americano, e, sobretudo, só a Alemanha, um único país dos 25 que fazem parte da EU, exporta mais do que a América ou o Japão, demonstrando as potencialidades do modelo europeu.
O debate está lançado. O PS caso tudo se mantenha como até agora vai tentar colar Cavaco aos americanos e vai tentar explorar as virtualidades da Europa. Está tudo em aberto.|

Crise total no PS

Os santanistas são os primeiros a pedir a cabeça do Presidente da República,e presidenciais antecipadas, cavalgando sobre a crise no Governo e no PS e neutralizando a oposição partidária. Mas, a luta no seio do PS está longe de estar resolvida. Ou Sócrates cede ao aparelho e a Coelho, ou perde o Poder e o Governo pode cair já em Novembro.
No PS já se fala em substituir Sócrates por Vitorino por altura do próximo Orçamento do Estado, numa espécie de limpeza dos moderados. Mas, do lado de José Sócrates é a disponibilidade de enfrentar os opositores. Freitas do Amaral é, com Sócrates, o “ticket” que o Governo quer vencedor contra o Aparelho, que aposta em Mário Soares ou em Manuel Alegre e ameaça com o boicote ao primeiro-ministro, depois da derrota socialista nas autárquicas. No primeiro “round” quem perdeu foi mesmo o primeiro-ministro que já teve que sacrificar o seu ministro das Finanças.
Teixeira dos Santos, um honesto e prudente economista, substituiu, ontem, Campos e Cunha, levando consigo para o Governo um excelente técnico, como secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Carlos Pina. Os homens de Sousa Franco voltam às Finanças.

É o grande confronto: o confronto pelo poder. Desde a queda da ponte de Entre-os-Rios, com a saída de Jorge Coelho do Governo socialista de Guterres, que este ajuste de contas estava para ser feito. Guterres não duraria muito mais, cercado pelo aparelho guterrista e pelos ex-comunistas com destaque para Pina Moura, entretanto corrido do Governo em ruptura com o centrista católico António Guterres. Sucederam-se os Governos das coligações de direita.
No PS, a solução Ferro Rodrigues era construída por Sampaio e levava o selo de Coelho. Tinha sido o próprio Aparelho a inventar Ferro como solução. Depois, o desgastante processo da Casa Pia arrumaria de vez com os sampaístas do PS, eliminando um grupo que, como o apoio do Presidente da República, poderia fazer frente ao aparelho guterrista.
No que poderia ser negociado, era com Jorge Coelho que se negociava, revelou, ao SEMANÁRIO, uma fonte do Governo de Santana Lopes. Mas os juízes começavam a assumir um surpreendente protagonismo justicialista, na esteira do populismo que o próprio Governo inspirava e numa altura em que dois ou três empresários e banqueiros se assumiam como arrendatários do regime em colaboração com alguns intermediários e traficantes de influências.
O desequilíbrio das contas públicas e as pressões de Bruxelas, com a saída de Durão Barroso, haveriam de precipitar os acontecimentos, ficando Santana Lopes, aparentemente, apenas o tempo necessário para o PS substituir Ferro Rodrigues por José Sócrates, numa manobra obviamente coberta por Jorge Coelho e que contaria com a conivência de Belém, que, numa leitura generosa dos poderes presidenciais, acabaria por demitir Santana Lopes e antecipar as eleições legislativas.

Jorge Coelho de fora

Depois da vitória do PS, surpreendendo o próprio PS, Jorge Coelho ficaria, por razões de saúde, de fora do Governo de José Sócrates, tal como António Vitorino, que, entretanto, se dedicaria à advogacia.
Sócrates formaria um Governo, indo buscar ao centro figuras como Freitas do Amaral e Campos e Cunha, que recebiam o aval dos cavaquistas críticos e Santana Lopes e Paulo Portas e davam garantia de manter as prioridades nacionais, nos termos que Durão Barroso e Ferreira Leite os tinham definido, nomeadamente no que respeita ao alinhamento com o Ocidente e os EUA em matéria de terrorismo e sobretudo em matéria de consolidação orçamental.
Até aqui nada de novo. As funções de soberania tinham sido dadas a independentes, a Maçonaria ficava com a Justiça, Costa ia para as polícias (onde acabaria por tirar aos juízes o monopólio das escutas telefónicas, criando o caldo legislativo próprio da devassa pública que aí vem).
Nas Obras Públicas e na energia ficavam homens tidos por próximos de Pina Moura, o poderoso representante da Iberdrola em Portugal, e, para a Economia, Sócrates ia buscar um homem dos Estados Gerais, Manuel Pinho, inicialmente tido como futuro ministro das Finanças e que seria o autor do plano keynesiano de Sócrates.
Basicamente, o primeiro-ministro daria no início do Governo cobertura à estratégia de Campos e Cunha de utilizar o início do mandato para tomar um conjunto de medidas difíceis, para poder conter o défice público, sem reduzir a despesa pública, de modo a não agravar ainda mais a procura pública, já em queda e por essa via a recessão, que se instalou há cerca de um ano em Portugal.

Mau ambiente económico

Campos e Cunha aumentou os impostos, em particular o IVA, com especial impacto no consumo privado e que se transformou num verdadeiro incentivo à evasão fiscal. Mas pior que isso, a publicação dos dados fiscais na internet e, finalmente, a devassa possível às contas bancárias com o fim do sigilo bancário provocou um novo surto de fuga de capitais em Portugal, que agravou ainda mais a situação interna. As empresas entraram rapidamente em colapso e a situação económica agravou-se substancialmente com a entrada do Governo socialista.
Como se isto não bastasse, o Ministério Público desencadeou um conjunto de investigações orientadas a combater a corrupção, fazendo buscas a casas e escritórios ligadas ao Grupo Espírito Santo e atacando directamente os empreiteiros e os autarcas socialistas e social-democratas e chegando eventualmente a alguns políticos e dirigentes nacionais dos principais partidos, como aconteceu com Nobre Guedes do CDS e ministro do Ambiente a propósito da Portucale.
Neste ambiente, havia que tomar medidas para contrariar o desespero do País em particular, criando um novo ambiente de confiança dos empresários. O investimento estrangeiro estava perdido por falta de competitividade da nossa legislação laboral e fiscal, e dificilmente Sócrates poderia fazer alguma coisa no curto prazo e as PME estavam estranguladas sem crédito e incapazes de vender os seus produtos com a procura interna a cair e as exportações pela primeira vez a não conseguirem aguentar.
O pacote de Manuel Pinho era a solução. Pinho, um economista competente, tem consciência que não há dinheiro para investimentos públicos adicionais, mas optou por explorar inteligentemente os projectos que estavam no Ministério, considerando todos aqueles grandes projectos que já estavam estudados e que até poderiam ter verbas dos fundos comunitários, considerando-os como projectos prioritários industriais.
Fazia assim uma aliança com os ex-comunistas, que acham que o investimento público é a única maneira de manter o emprego e, por outro lado, acabava por justificar a estratégia política do primeiro-ministro, que na campanha eleitoral afirmou que a prioridade seria sempre o emprego e o crescimento económico, sendo as contas públicas instrumentais.

As culpas de Vítor Constâncio

Vítor Constâncio faria também a sua parte. Entrou no jogo político da encenação do défice, com o célebre estudo do Banco de Portugal sobre o défice para 2005, que apontava para números falaciosos de 6,8% de défice, para permitir aumentar os impostos, mas depois foi crítico no facto de Campos e Cunha não ter conseguido cortar na despesa, em vez de aumentar impostos. Esse seria o mote para a queda do ministro das Finanças esta semana. O fracasso total de Campos e Cunha e as críiticas dentro do PS fragilizaram de tal modo o ministro das Finanças, já com pouco espaço político depois da questão dos seus vencimentos e reformas e, sobretudo, depois do erro nas contas do Orçamento do Estado Rectificativo e na divergência de números entre o Programa de Estabilidade e Crescimento e o OE Rectificativo. Farto, Campos e Cunha escreve o seu testamento final e presta-se ao sacrifício, fazendo publicar um artigo de opinião no “Público”, de que dá conhecimento ao primeiro-ministro que não pode concordar com a estratégia de Manuel Pinho ou de Mário Lino, relativamente à Ota e ao TGV. Era uma desautorização. Não podia continuar. Estaria no Governo apenas mais 48 horas.
Cansado e atacado pela oposição, sem apoio do governador do Banco de Portugal e sobretudo desmentido por Manuel Pinho e por Mário Ruivo, o ministro das Finanças acaba por se demitir numa altura em que a expectativa de uma derrota do PS nas autárquicas põe particularmente agitados os militantes e o aparelho do PS, que culpa o Governo de não facilitar a vida aos autarcas. Entrava na quinta-feira para o seu lugar Teixeira dos Santos, o presidente da CMVM, um homem componente e sério, e que logo ontem adiantou à comunicação social, que Portugal ia manter os compromissos internacionais com a Comissão Europeia em matéria de Programa de Estabilidade e Crescimento e que, por outro lado, deveriam ser feitos os investimentos públicos na Ota e do TGV, enquadrados nas disponibilidades das finanças públicas nacionais e sem recursos a novos impostos.
Teixeira dos Santos, o homem da bolsa e da confiança, muda assim o registo, sendo mais consentâneo com a necessidade de mudar o ambiente psicológico de cerco aos empresários e às classes médias, que está a afectar a confiança em Portugal, até do investimento estrangeiro.

Acabar com adversários nas autárquicas

As autárquicas acabam por ser o segundo plano deste grande choque de culturas entre o PS dos anos oitenta e o PS dos anos noventa. Sócrates deixou que Jorge Coelho reunisse todos os adversários do primeiro-ministro nas listas para Lisboa e autarquias próximas. Os grandes adversários do primeiro-ministro acabaram por ingenuamente aceitar a luta autárquica, não percebendo que essa era uma manobra inteligente do primeiro-ministro para acabar com eles. De Manuel Maria Carrilho a João Soares, de Francisco Assis a Jorge Coelho, a derrota do PS em Lisboa, Porto e Sintra poderia ser o mote para uma mudança no aparelho socialista.

Investigação acelera crise no PS?

E à boa maneira portuguesa o Ministério Publico entrou também em acção, respeitando a velha máxima de José Narciso Cunha Rodrigues: no Poder não se mexe. E, portanto, os visados acabaram por ser Isaltino Morais e agora esta semana o presidente da Câmara da Amadora, numa investigação que pode colocar em causa ex-ministros de Guterres e de Durão Barroso, que se deixaram envolver com os empreiteiros da construção civil, tendo, ao que o SEMANÁRIO pôde apurar, sido já constituídos cerca de 11 arguidos e feitas buscas em escritórios e casas particulares de personalidades envolvidas, e esperando-se que novas buscas possam ser feitas proximamente.
Esta investigação terá acelerado o confronto dentro do PS. Quem tem poder não é visado e quem o não tem pode cair nas malhas da lei. É uma guerra para uns de sobrevivência e para outros de manutenção do poder. Percebendo o cerco, o primeiro-ministro não se fez rogado e aceitou o confronto. Freitas do Amaral abre hostilidades, aceitando ser candidato presidencial, numa entrevista em que falava de corrupção e em má comunicação das medidas tomadas pelo ministro das Finanças.
Era de mais a ousadia de Sócrates para o Aparelho socialista, que percebia, finalmente, que Sócrates estava a desvalorizar as autárquicas, para não sobrarem consequências políticas para o Governo das humilhantes derrotas do PS e, sobretudo, começava a ser claro que, nas próximas autárquicas, os putativos adversários de José Sócrates dentro do PS poderiam ser destruídos.
Havia, portanto, que passar rapidamente para o contra-ataque. Manuel Alegre queria ser candidato presidencial e Mário Soares estava à espera dos acontecimentos. Poderiam avançar contra Sócrates. Ou então obrigavam o primeiro-ministro a ceder-lhes o controlo de negócios públicos, como a energia e as obras públicas e sobretudo as finanças das autarquias locais, para recuperar algum espaço já nas autárquicas.
O jogo está feito, e os próximos dias vão esclarecer quem ganhará. Se Sócrates perder, provavelmente este Governo cairá e eventualmente no fim do mandato, o Presidente da República ainda dará posse a um Governo socialista presidido por António Vitorino, o antigo comissário europeu que, avisadamente, se colocou de fora do primeiro Governo do PS.
O Aparelho socialista sempre preferiu António Vitorino a José Sócrates e, do lado da oposição, para a candidatura de Cavaco Silva a única maneira de travar a candidatura de Freitas do Amaral é mesmo deitar abaixo este Governo e, sobretudo, o primeiro-ministro José Sócrates.

Santanistas pedem presidenciais
antecipadas e renúncia de Sampaio

A oposição não esteve à altura para explorar a crise política e apenas chamou a atenção para o facto do Governo estar sem coordenação. O dramático para o regime é que esta crise política e o choque entre o primeiro-ministro e a sua tropa à esquerda, fazendo lembrar a crise do Governo de Santana Lopes, acabam por deixar a nu o erro da interrupção do anterior mandato legislativo.
Santana Lopes vê chegar o seu momento também. Nesta crise política, no fim do mandato do Presidente Jorge Sampaio e 130 dias de Governo Sócrates, emerge a figura do Presidente da República e as críticas dos apoiantes de Santana Lopes. Ainda ontem, Rui Gomes da Silva chamava a atenção para o facto do Presidente da República ter demitido Santana Lopes por causa da demissão do ministro do Desporto e nada fazer agora, que se demite um ministro de Estado e das Finanças. O Presidente da República, diz Rui Gomes da Silva, “deveria demitir este Governo, e uma vez que o não pode fazer, pois está em fim de mandato e não tem poderes constitucionais para isso, obviamente deveria apresentar a sua renúncia imediata e antecipar as eleições presidenciais”.

Borges trava lista ao Conselho Nacional mas mantém moção

António Borges, da Fundação Champalimaud, ainda pode avançar para a liderança neste Congresso de Pombal, mesmo não querendo e tendo travado a sua lista ao Conselho Nacional. É que o partido “cai-lhe no colo” se, diante da vitória da sua moção, Marques Mendes recuar.

António Borges, da Fundação Champalimaud, ainda pode avançar para a liderança neste Congresso de Pombal, mesmo não querendo e tendo travado a sua lista ao Conselho Nacional. É que o partido “cai-lhe no colo” se, diante da vitória da sua moção, Marques Mendes recuar. Por outro lado, a questão presidencial, que todos querem evitar, pode bem passar a ser a questão central deste congresso, com Santana Lopes a marcar o terreno. O Congresso do PSD em Pombal é, pelo menos, imprevisível.
É como o maior espectáculo do mundo. Como um circo. Não haverá surpresas, apesar das manobras. Luís Marques Mendes deverá ser o próximo líder do PSD e, como o próprio vai dizendo, “já tem apoios a mais”.
Santana Lopes foi abandonado. Está só e até os mais próximos o traíram. Para regressar, terá que fazer o percurso de regresso sozinho e sem o apoio de ninguém. Mas o que resta do santanismo joga as últimas cartadas num jogo em que nada tem a perder.
Luís Filipe Menezes assume as dores de um PSD liberal, sulista e elitista, desfeito em nome da candidatura presidencial de Cavaco Silva. E, é, contudo, este pequeno pormenor que pode fazer toda a diferença e alterar o jogo. À entrada do Congresso, os que vão com fama de líderes podem sair derrotados . A terceira via pode ser obrigada a ir a jogo. Mesmo não querendo, António Borges pode ter que ir a jogo ocupar o espaço de Cavaco Silva. Ferreira Leite será a próxima presidente da mesa do Congresso, substituindo Dias Loureiro.
Durão Barroso não gosta de António Borges. Santana Lopes também não e Marques Mendes não o quer por perto. Mas o novo político da Fundação Champalimaud tem apoios importantes, que vão de Marcelo a Manuela Ferreira Leite, de Leonor Beleza a Rui Rio, de Silveira Botelho a Aguiar Branco. Quem protesta contra ele é Nuno Morais Sarmento, o ainda vice de Santana Lopes, que, com Miguel Relvas e José Luís Arnaut, são mal vistos na Fundação.

Tudo em aberto?

Nestes termos, pode estar tudo em aberto, hoje à entrada do Conclave laranja, que deverá eleger o sucessor de Pedro Santana Lopes. Estrategicamente, quer os mendistas, quer António Borges, estão a tentar encurralar Santana Lopes, limitando qualquer hipótese de este poder ainda ser recandidato á Câmara de Lisboa. Um erro, que pode justificar o contra-ataque do antigo primeiro-ministro.
Ao mesmo tempo, tentam entendimentos com santanistas. Mendes vai integrar alguns nomes do anterior Conselho Nacional, como José Matos Correia. Do lado de Luís Filipe Menezes encara-se a hipótese, ante o recuo da lista afecta à Fundação Champalimaud, de integrar alguns nomes que apoiam a moção de António Borges.
Os almoços multiplicam-se em Lisboa. Definitivamente, apenas Marques Mendes, com Pedro Passos Coelho e Azevedo Soares, está disposto a ir até ao fim.
Com os barrosistas de fora, os santanistas acabam por dar corpo ao espaço de Luis Filipe Menezes, com as colaborações de Duarte Lima (muito ligado a Silveira Botelho) e de Rui Gomes da Silva. Até à ultima hora, o entendimento com Borges pode fazer sentido, caso o economista da Fundação Champalimaud decida avançar, admitem algumas fontes, contudo, António Borges pode ficar mesmo com o partido ao colo, caso a sua moção ganhe e Marques Mendes se veja obrigado a retirar.

Do seu lado, com os apoios expressos, Marcelo, Ferreira Leite, Rui Rio e Aguiar Branco, António Borges dá instruções para que não se faça nada. Nem candidatura, nem lista ao Conselho Nacional. Apenas a moção para fragilizar Marques Mendes, que lhes ficará nas mãos até ao dia em que decidam avançar. É esta a primeira tensão previsível deste congresso.

O plano da Fundação Champalimaud

A Fundação tem um plano para o centro-direita em Portugal. Mas é para daqui a dois ou três anos. Para os meios da Fundação Champalimaud, a questão é simples: quem estiver agora, não estará depois e a eleição de Marques Mendes como líder, com a votação maioritária da moção de Borges, torna inevitável a instabilidade do novo líder: ninguém pode assumir a liderança com a estratégia de outro.
Nos bastidores, esta estratégia garante que, a qualquer momento, se poderá questionar a legitimidade do líder e substitui-lo a tempo das próximas legislativas.
Por outro lado, António Borges e Ferreira Leite já recuaram no propósito de avançar já com o nome da Cavaco Silva, como candidato do PSD às presidenciais: isso limitaria a candidatura presidencial de Cavaco Silva e, sobretudo, dava espaço para Santana Lopes, já neste congresso, aparecer como vítima e criar problemas claros ao apoio eventual do PSD a Cavaco. Esta é a segunda tensão previsível.
A estratégia seguida foi a contrária: por um lado, vão dizendo que Santana Lopes está morto e que não tem condições para voltar à Câmara Municipal de Lisboa. Aliás, a meio da semana, o presidente da Câmara de Lisboa foi mesmo confrontado com declarações de Carmona Rodrigues, seu vice, a dizer que tinha melhores condições que Santana Lopes para ser candidato, em Outubro próximo.

Ainda uma candidatura presidencial de Santana

Traído o homem que o trouxe para a política, Carmona aparece como solução que barra Santana Lopes. Mas, o ainda líder do PSD tem também a progressão da sua carreira profissional travada pelo executivo de José Sócrates, que não está disposto a dar-lhe nada, como retaliação pela campanha eleitoral.
Cercado, Santana Lopes, ou desiste, ou vai à luta que lhe resta, como defendem alguns santanistas: o anúncio de uma candidatura presidencial, que Santana Lopes excluiu objectivamente, ainda no passado sábado, volta a estar em cima da mesa e a ser ponderada. Em política, nunca há nunca.
É um perigo novo: Santana Lopes sabe que ninguém tem “pachorra” para depressões ou vitimizações: agora, é luta política ou nada. E, o facto de o terem empurrado para aí faz com que não tenha nada a perder. Pode ser bem esta a história do Congresso de Pombal, admite-se nos bastidores do PSD.
Com os barrosistas excluídos e acusados, com Marques Mendes no terreno, já praticamente com a passadeira colocada, mas manietado pela muito provável vitória da moção de António Borges, o espaço para a manobra das presidenciais, afinal a questão que logo de seguida se coloca, depois de ter sido uma das razões da sua demissão, acaba por deixar de novo Santana Lopes livre e com razões.
A questão presidencial, que todos querem afastar deste Congresso de Pombal, pode voltar a ser a questão central do mesmo. É um cenário destes que pode obrigar, em pleno congresso, a mudar todas as estratégias, alianças, objectivos, ou seja, tudo.
A hipótese dos santanistas votarem a moção de António Borges está praticamente assegurada, para limitarem o poder de Marques Mendes. Mas, num cenário de maior confronto, em matéria de presidenciais, podem vir a verificar-se novas aproximações. Em matéria de presidenciais, e caso Santana queira trazer o assunto ao congresso, o silêncio de Cavaco poder-lhe-á ter sido fatal. Nos bastidores do PSD, mas sobretudo para Santana Lopes não há duvidas: ou essas novas alianças se fazem no Congresso ou depois dele.

Borges ainda pode ser obrigado a avançar

Cavaco Silva foi até agora considerado como um dado adquirido. Quase um dogma. Tudo se manterá, a menos que exista grande confusão no Congresso e que Santana Lopes se apresente com disponibilidade para ser o candidato do PSD. Nesse caso, mesmo que o PSD não vá a votos nesta questão, o assunto fica lançado e fará, depois, o seu percurso.
Fruto da novidade da sua ambição política e com o espaço de Cavaco atacado, António Borges pode ter que retirar a sua moção ou então avançar com uma candidatura a todos os órgãos do partido, já amanhã. Porque se o grupo cavaquista e marcelista o não fizer, nessas circunstâncias, será possível o prematuro recuo de Cavaco Silva, desinteressado por causa da confusão criada no PSD e, finalmente, haver espaço para outras candidaturas presidenciais.
O grande objectivo dos santanistas é obviamente condicionar as presidencais. À Fundação Champalimaud compete o propósito de garantir que o próximo líder será apenas a prazo e, embora façam a corte ao incontornável Cavaco Silva, todos têm a consciência que, com Cavaco Silva em Belém, as coisas podem ficar bem mais difíceis para a liderança do PSD. Será ele a mandar.
Os Congressos do PSD começam a ser cada vez mais como os Conclaves no Vaticano: ou seja, imprevisíveis.

As três derrotas de Barroso

José Sócrates elogiou, ontem, José Manuel Durão Barroso e o seu desempenho à frente da Comissão Europeia. Não admira. Durão Barroso cumpriu o primeiro acto do doloroso papel para que foi eleito. A Comissão deixou de ter poderes para intervir automaticamente com procedimentos administrativos sobre países incumpridores dos quadros de referência do Pacto de Estabilidade e Crescimento, em matéria de finanças públicas, ou seja, que o défice do Estado não passe os 3% do PIB e que a dívida pública não vá além dos 60% do PIB.

José Sócrates elogiou,
ontem, José Manuel Durão Barroso e o seu desempenho à frente da Comissão Europeia. Não admira. Durão Barroso cumpriu o primeiro acto do doloroso papel para que foi eleito. A Comissão deixou de ter poderes para intervir automaticamente com procedimentos administrativos sobre países incumpridores dos quadros de referência do Pacto de Estabilidade e Crescimento, em matéria de finanças públicas, ou seja, que o défice do Estado não passe os 3% do PIB e que a dívida pública não vá além dos 60% do PIB.
A segunda derrota da Comissão foi na directiva que previa a liberalização dos serviços, com o adiamento da directiva Bolkenstein. Os sindicatos já se manifestaram contra o facto de poderem ser exportados “quase-escravos” (leia-se mão-de-obra barata) lituanos, romenos ou polacos para a Alemanha e França, colocando em causa o Estado social e os direitos adquiridos em nome da competitividade. (Subitamente, Marx volta a ter razão!)

Keynes na Defesa e nos Transportes

O caminho contra a competitividade da China vai fazer-se à boa maneira tradicional, com quotas ou impedimentos administrativos à entrada de produtos chineses. Nos Estados Unidos, nos primeiros dois meses o impacto da liberalização do comércio têxtil com a China foi de cerca de 1000%, o que torna a relação comercial insustentável e já levou à visita da secretária de Estado americana, esta semana, ao extremo asiático. A Europa vai necessariamente enterrar o seu liberalismo e a sua bandeira do livre comércio para se defender, tal como sempre fazem os EUA.
E, para além disso, resta-lhe apenas repetir a receita de George Bush e do seu modelo de desenvolvimento assente no keynesianismo militar e no sector dos transportes. É a única maneira dos Estados controlarem o efeito multiplicador do aumento da despesa pública, já que, de outro modo, o esforço dos contribuintes europeus apenas serve para aumentar a procura de bens importados e, portanto, acaba por estar a desenvolver (a criar empregos) a China e a América, em vez de ter um efeito multiplicador no investimento e crescimento do emprego na Europa. Foi isto mesmo que escrevi em 1996, pouco depois de Guterres tomar posse e, na altura, Pina Moura limitou-se a anunciar o “cluster da Defesa”, mas não entendeu o alcance deste “keynesianismo conservador”. É um assunto que, agora, franceses e alemães não vão descurar e que, naturalmente, é decisivo no pacote para o relançamento da Europa. É por isso mesmo que os investimentos em Defesa são atenuantes para o incumprimento do PEC e faria mesmo sentido que isso fosse restringido aos investimentos militares adquiridos a empresas europeias, naturalmente. É, por isso, que a CP vai comprar a Bombardier.

O chumbo da Constituição Europeia em França

A terceira guerra que Durão Barroso vai perder é a do Tratado Constitucional, com o “não” da França, tornando, depois disso, incontornável a rejeição deste modelo europeu.
E, o que é mais chocante, é que esta Europa da Constituição vai ser chumbada, porque os europeus estão em crise económica e, sem isso resolvido, é escusado encontrar outras saídas. Ainda culpamos os imigrantes, dentro de pouco tempo os europeus começarão a culpar a Europa.
E, ainda por cima, têm boas razões para isso. Depois das hiperinflações dos anos setenta, criou-se o mito e a moda dos bancos centrais independentes, que conduziriam as políticas monetárias. O véu monetário deveria ser neutro e nem tiveram a consciência que a moeda é também referência e sobretudo reserva e refúgio. Mas desde os anos trinta que tínhamos da pior maneira aprendido como a moeda e a sua liquidez eram fundamentais para o crescimento económico. A crise bolsista de 1987 está aí para provar o que bancos centrais competentes podem fazer. Infelizmente não temos um Banco Central Europeu, nem inteligente, nem sequer competente. E, portanto, os talibans do fundamentalismo monetarista aí estão autistas e insensíveis às pessoas e à economia, velando pela vaca sagrada do templo: a inflação mítica em redor dos dois por cento. Porquê? Por razão nenhuma, mera crença: uma questão de fé estúpida. Não admira por isso que o nosso Constâncio, no meio da recessão, venha propor aumento dos impostos indirectos e que Campos e Cunha nem perceba aquilo em que está metido. É gente preparada num registo pós-anos sessenta, que conhece muito pouco da história e não tem a menor sensibilidade política. É da pior maneira que a Europa está a descobrir a insensatez dos economistas monetaristas, que tiveram o seu tempo, e está a tentar reeditar o keynesianismo, tentando evitar o erro dramático de François Mitterrand que, quando nos anos oitenta lançou o seu plano keynesiano, agravou os desequilíbrios externos da economia francesa e apenas permitiu o crescimento acelerado da Alemanha.

O conflito entre os políticos e o BCE

Agora, a Europa volta atrás. Começa por tirar poderes à Comissão. Depois tirará poder ao Banco Central Europeu ou, em alternativa, passará a nomear políticos para o “board” do Banco Central e acabar com os tecnocratas irresponsáveis que governam a política monetária europeia. Percebendo esse inevitável caminho, o senhor Jean-Claude Trichet, presidente do BCE, ameaçou o Conselho Europeu com o aumento da taxa de juros do euro, caso este adoptasse medidas de flexibilização do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Vai dar-se mal, porque o Conselho ratificou a decisão do Ecofin e abriu mesmo a porta para ir mais longe.

BCE contra conselho europeu

O Banco Central Europeu ainda nem percebeu que, se há inflação na Europa, ela apenas se deve ao aumento do preço das matérias-primas e não devido ao aumento do consumo ou dos salários. Os europeus com medo do futuro estão a poupar. Os bancos, por causa das “estúpidas” regras prudenciais das novas normas internacionais de contabilidade, estão a estrangular todas as pequenas e médias empresas da Europa, e, obviamente como sempre em Portugal, o efeito é aplicado, começando o País a sentir exactamente a partir deste mês, porque os bancos não querem reduzir os lucros com provisões. O que o BCE não percebe é que se o duplo défice americano e a estratégia de confronto inevitável com a China coloca em causa o dólar, o fanatismo prudencial na gestão do euro está a destruir a economia europeia e torna portanto insustentável esta moeda. É por isso que o dólar vai desvalorizar. E, por isso, faço uma nova profecia que os mercados vão começar a rejeitar o euro.
Há muito que os mercados começaram a antecipar este choque inevitável, entre esta concepção monetarista dos bancos centrais e as necessidades de reeditar políticas keynesianas, para relançar as economias europeias e sustentar o emprego. E, isto, obviamente, desacredita as moedas. Desacredita o euro. Ora, nunca houve, nos mercados internacionais, tanta liquidez como agora. E, esse dinheiro tem que ir para algum lado. Obviamente, não se podendo refugiar na moeda, pois ela não é credível, e não podemos manter as nossas poupanças em algo em que não acreditamos, é prudente, para já, começar a diversificar as aplicações.

Investidores fogem do dólar e do euro

É por isso que o preço do petróleo está a subir, só o Banco Central Europeu é que não percebeu. Apenas, por especulação e não por aumento da procura. Bem pelo contrário, cada vez se descobrem mais reservas de petróleo (os últimos dados apontam para, ao consumo actual, termos reservas para mais de 100 anos) e cada vez os países e as empresas têm menos stocks de segurança. Ora, este aumento da oferta deveria induzir uma queda do preços do crude, mas, pelo contrário, o que assistimos é que o dinheiro está cada vez mais a refugiar-se em “commodities”, exactamente porque os investidores cada vez acreditam menos no dólar e no euro. É isso que são os problemas da inflação na Europa. É o Banco Central Europeu, com a sua política estúpida, que está a arruinar a Europa, que é responsável pela subida dos preços das matérias-primas, pois os investidores não acreditam nesta Europa de desempregados e invadida por “escravos de leste” e produtos manufacturados chineses.

Regras prudenciais da contabilidade dos bancos agrava crise nas PME

Ao limite, e seguindo este irresponsável caminho de confronto entre o Conselho Europeu e o Banco Central Europeu, iremos assistir a um verdadeiro descrédito no euro. Sem a Constituição para dar consistência política à Europa, em recessão e com a estúpida argumentação dos fundamentalistas do BCE, é muito provável que estejamos perto dos europeus rejeitarem o euro e voltarem à economia de troca ou a moedas privadas, como aconteceu na Argentina na crise dos anos noventa, ou aos cigarros na Rússia de Ieltsin. Moeda haverá, poderá é não ser a do senhor Jean-Claude Trichet ou a do senhor José Manuel Barroso.
É demasiado grave o que está a acontecer à Europa e ao mundo neste momento, para se encarar com a leviandade dos últimos tempos as questões económicas e sobretudo as questões financeiras. Não vai haver procura externa para ajudar ao nosso crescimento económico. Por outro lado, o aumento do consumo só agrava os nossos desequilíbrios externos. Usar a margem orçamental com a flexibilidade do Pacto pode permitir atenuar o impacto das regras prudenciais da nova contabilidade dos bancos, e eventualmente permitirá manter a ilusão até às autárquicas. Mas o Governo socialista já não vai conseguir manter a ilusão até às presidenciais. E quem vai pagar é sempre o contribuinte, até que um dia se encontre, de novo, uma solução externa para a nossa crónica inviabilidade económica.