2023/03/25

A questão dos negócios e das comissões pode marcar o próximo debate

Santana Lopes partiu a meio da semana para a campanha com a consciência que tinha mesmo que recuperar o tempo perdido no último fim-de-semana. A campanha estava dentro do previsto, o debate de quarta-feira e a entrevista de quinta-feira na RTP tinham-lhe corrido bem.

Santana Lopes
partiu para a rua, depois do interregno das férias de Carnaval, que aproveitou para, como primeiro-ministro, ir a Monte Real, anunciar a utilização civil do aeródromo militar. Foi de Falcon, numa viagem que deveria ter feito de carro ou de helicóptero, e acabou por pagar o preço disso. O remendo argumentativo, misturado com a descontraída imagem de estadista com a família, em S. Bento, que passou na terça-feira de Entrudo nas televisões, não foi suficiente para neutralizar o erro da visita, a que Paulo Portas, avisadamente, não compareceu.
Consciente da situação política, o líder do CDS/PP não quis aparecer ao lado de Santana Lopes, como ministro da Defesa a meio da campanha eleitoral. E começou mesmo na quarta-feira seguinte, depois do banho de multidão nos mercados de Aveiro, a responder directamente a Santana Lopes, que no dia anterior havia dito que a campanha de rua e dos sacos de plástico não se adequava a este tempo. O parceiro de coligação do PSD aproveitou para directamente atirar ao primeiro-ministro, dizendo que um político que não se misture com a população está a caminho do desemprego.
Foi este o primeiro sinal claro de que o CDS está, neste momento, mais interessado em aproximar-se do PS, apostando tudo numa vitória de José Sócrates, sem maioria absoluta.

A questão da maioria absoluta

À direita e à esquerda, depois deste Carnaval, a questão política é esta: ou há maioria absoluta do PS, ou então tem que haver uma coligação que garanta um governo estável. A dúvida instalada foi meticulosamente montada pela joga do “Público”, articulada com a campanha socialista, usando a notícia falsa sobre Cavaco Silva. O distanciamento do antigo presidente do PSD da vida partidária foi explorado inteligentemente pela campanha socialista. Ciente que Cavaco Silva não se queria envolver na campanha e que prejudicaria uma acção inteligente, com a teimosia de se manter distante, os socialistas aproveitaram a notícia falsa para relembrar o artigo de Cavaco Silva sobre a má moeda e a necessidade de serem afastados os políticos incompetentes, numa alusão clara do antigo primeiro-ministro à liderança do seu partido. Ainda que Cavaco Silva em comunicado no dia seguinte tenha negado o prognóstico de que seria vantajoso uma maioria absoluta do PS, o certo é que não afirmou claramente a necessidade de uma vitória do centro-direita, o seu espaço político tradicional, e quem lhe deu a maioria em três eleições legislativas consecutivas.
Era o bastante para a questão da maioria absoluta voltar à agenda, depois de, aparentemente, encerrada com o debate entre Sócrates e Santana Lopes, em que o líder socialista não tinha conseguido apresentar-se como alternativa ao actual primeiro-ministro.

A vitimização e a vítima

Santana Lopes perdeu a oportunidade de manter o nível elevado de expectativa do seu lado. Estes três dias de campanha poderão ter sido decisivos, admite-se do lado do PS. Santana Lopes preferiu recuar para a vitimização de novo, acantonando-se num campo que domina e explorando o aspecto familiar, para marcar a diferença com Sócrates. Foi excessivo, porque o assunto já estava esgotado com a questão da vida privada do líder socialista e o debate à volta dos rumores, claramente favorável ao PSD.
E dando este espaço, a campanha socialista aproveitou em pleno. A denúncia das conversas de bastidores com o Bloco de Esquerda poderão ter abortado as negociações para uma coligação de esquerda, ou mesmo para acordos de incidência parlamentar. A questão europeia e de defesa, como aliás Paulo Portas fez questão de lembrar, inviabilizam a maioria de esquerda, e qualquer situação de governo minoritário, embora legítima, é sempre instável. Mesmo que o PS decida, como aconselha Almeida Santos, avançar para um Governo minoritário, caso ganhe as próximas eleições com maioria relativa, a situação não deverá ser sustentável a prazo, pelo que meses depois o Governo socialista deverá cair na Assembleia da Republica, ficando sempre o PS em situação pior que aquela em que se encontra agora.
É neste contexto que os socialistas preferem equacionar já as alternativas à maioria absoluta. E para haver estabilidade elas passarão sempre por um acordo parlamentar ou governativo com o PSD ou com o PP. E, neste contexto, o acordo celebrado entre Portas e Santana Lopes, antes da campanha, inviabiliza esses entendimentos, pelo que acabará sempre por ser colocado de lado. Portas aposta no afastamento de Santana Lopes para dizer que as circunstâncias mudaram e o interesse nacional justifica entendimentos entre o PS e o PP.

PP está a negociar com o PS

Neste momento, há militantes do PS e do PP que já estão a preparar os entendimentos possíveis, soube o SEMANÁRIO. Portas quer a Administração Interna e provavelmente aceita o referendo sobre o aborto e exige o adiamento da co-incineração dos resíduos perigosos, em Coimbra. Mas, à semelhança do que se passou com o partido liberal alemão, um entendimento com os socialistas, com incidência governativa, poderia ter uma componente internacional, ficando Portas com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Mas, do lado do CDS equaciona-se ainda o cenário de Santana Lopes poder ficar à frente do PSD e de não haver condições políticas para entendimentos com incidência governamental. Ou, a haver, o líder fica de fora, mandando eventualmente Nobre Guedes para a coligação. Esse governo manteria alguma continuidade das políticas que vinham de Durão Barroso até que o novo Presidente da República pudesse dissolver o Parlamento e convocasse eleições legislativas antecipadas, podendo nessa altura e em melhores circunstâncias o PSD e o PP aparecerem coligado pré-eleitoralmente, como aconteceu em 1979, a seguir ao governo PS/CDS.
Para o PP é agora que tudo se joga: Portas tem consciência que Santana Lopes lhe deu uma oportunidade para crescer, ele que estava a ser diminuído no Governo de Barroso e quer acabar de vez com a possibilidade do PSD o desfazer. Por isso tudo fará a partir de agora, para que a esquerda vença as eleições e precise do seu apoio parlamentar para governar. É táctico e inteligente para a sobrevivência do PP.
Diante desta estratégia, Santana Lopes tem que lutar sozinho, não podendo contar com os barões do cavaquismo, e aparentemente nem mesmo com o próprio Cavaco Silva, que não disse expressamente desejar a vitória do seu partido e que incompreensivelmente não devolveu o cartão de militante do PSD, como seria normal.

A questão dos negócios do PS

Mas, a partir deste momento, Santana Lopes já não tem espaço para a vitimização. Mais vitimização transforma-o em vítima e autor da sua própria desgraça. Moderado, e ciente da simpatia que detém no eleitorado que gosta dele e que não aprecia Sócrates, o primeiro-ministro tem que apostar nas mulheres e nos jovens. Este é um eleitorado que o PSD ainda não mobilizou e que Portas tem estado a mobilizar. Sem jovens, o PS não tem maioria absoluta. E contra as mulheres, dificilmente a esquerda pode fazer um bom resultado. São dois trunfos do lado do PSD, que Paulo Portas não consegue desmontar com facilidade. E ainda que Portas e Sócrates se entendam melhor que Paulo Portas e Santana Lopes, as questões dos dinheiros das campanhas e da vida financeira dos candidatos pode vir ainda a fazer história, numa campanha onde a parte escura ganhou dianteira ao debate ideológico ou à escolha das medidas para governar o País. Pode ser este ainda um trunfo para o centro-direita?

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