Depois das eleições regionais, Santana Lopes
poderá avançar com a remodelação do seu governo.
Vários ministros querem sair.
Santana não se deixa aconselhar por ninguém e, apenas, os barrosistas conseguem estar satisfeitos
no Governo. Porém, ontem, depois do debate parlamentar onde Sócrates apareceu pouco preparado e a permitir a vitória ao primeiro-ministro, sem aproveitar a vantagem de já conhecer a estratégia governamental, que precocemente Santana anunciou nos Açores e repetiu na comunicação
ao País, o PSD pode ter recuperado o “élan”.
O calendário prossegue com o debate do OE
para 2005 e com os Congressos do PSD e do PCP.
Talvez, agora que o Governo parece ter nova energia, Santana Lopes possa decidir arrumar a casa e fazer ajustamentos no Governo.
O maior acontecimento político da semana é o próprio calendário político. Santana Lopes está cada vez mais desacreditado, uma palavra do léxico político europeu, mas que ainda não tinha chegado a Lisboa. É ele que tem que justificar porque diverge ou não diverge dos ministros. Os ministros aparecem depois. Ninguém dá o nome por ele. Morais Sarmento restaura paulatinamente o barrosismo (volta Barroso que está perdoado!), enquanto a direita parece enterrar o fantasma santanista em dois meses e meio. Oferecido como bode expiatório, Rui Gomes da Silva, o único contacto do primeiro-ministro com a realidade partidária e seu verdadeiro amigo, poderia ser sacrificado proximamente, depois de um distanciamento imposto pelo primeiro-ministro.
A remodelação depois das regionais?
Santana Lopes inicialmente decidiu substituir os seus amigos tidos por inábeis pelos seus “inimigos competentes”. Tão competentes, que estão a acabar com ele mais rapidamente do que se previa. A ajudar à festa, o próprio primeiro-ministro que não se consegue conter no anúncio de medidas sem justificação aparente.
O Governo é hoje uma confederação de ministros, onde cada um faz o que quer. António Mexia deu cabo, num dia do trabalho, de vinte anos do PSD, que conseguiu virar a seu favor a maioria das câmaras do Algarve. Insensato e irresponsável politicamente, sem a menor noção do que é o interesse público e, sobretudo, do que representa estar na política, António Mexia (o mesmo que queria encerrar as refinarias da Galp e retirar a petrolífera nacional da exploração de petróleo, para nos tornar mais dependentes das vendas espanholas e italianas), dando assim comissões aos intermediários habituais, ao anunciar, a sete meses das eleições autárquicas, as portagens na Via do Infante, no âmbito do fim das Scuts, deu cabo ou prejudicou bastante o PSD no Algarve. Como um disparate não vem só, depois do ataque à Galp, feito por Nobre Guedes, este ministro do PSD parece não ter o menor senso político e ideia nenhuma de oportunidade: agora, numa altura em que se está a vender os quartos e os golfes do Algarve, o ministro vem falar em restrições de água, um cenário aliás que só em condições extraordinárias poderia acontecer, no Algarve, como em Espanha ou na Grécia. Acontece que os destinos concorrentes do Algarve não têm um insensato como ministro a dizer que não há água para golfes, ou se houver, não há água para a população, o que é irresponsável economicamente e estúpido socialmente.
Do ministro da Economia, que, aliás, até gosta de jogar golfe e do ministro do Turismo já não há palavra perante tamanho disparate.
No debate de ontem, Santana Lopes defendeu a verdade como método da sua política e veio anunciar a velocidade de crescimento dos encargos com a política de enganos feita pelos socialistas, atirando os encargos para as gerações futuras.
A falta de credibilidade da política
económica
Autista, também, Bagão Félix prossegue solitário o seu caminho de ataque à classe média. Dá o dito por não dito no novo orçamento para 2005. Inventa um crescimento fictício de 2,5%, uma irresponsabilidade que vai acabar, também, por prejudicar as empresas privadas, que terão que seguir os aumentos salariais do Estado. Vai avançar com a redução das taxas de IRS, abandonando a promessa de baixar o IRC. No final, obviamente, Bagão Félix acabará por se demitir, dizendo ter feito o possível e que a culpa até é do primeiro-ministro, que fala antes do tempo. Foi assim que fez na Segurança Social, com um Código do Trabalho, duas vezes declarado inconstitucional e que agora foi multado por Bruxelas, e com o buraco de cerca de 400 milhões que ninguém responde.
Discretamente, Paulo Portas eclipsou-se: para o ministro de Estado e da Defesa interessa desaparecer agora. A questão política para o CDS agora é se Sócrates vai ter uma maioria absoluta, ficando refém da esquerda do PS, como aconteceu a Guterres que se entregou na mãos de Pina Moura, Santos Silva e Ferro Rodrigues, ou se o PS tem uma maioria relativa e precisará do CDS para formar Governo, assegurando pelo menos dois mandatos de estabilidade política.
Agora o CDS nem quer falar. O novo vice-presidente já começou a marcar o terreno: o Plano B prevê uma solução futura de continuidade governativa para o CDS, um cenário que o barrosismo nunca equacionou e que Santana Lopes não contava antes da eleição de José Sócrates. Por outro lado, Portas percebe que a jogada de Morais Sarmento e Santana de valorizarem Bagão Félix contra ele, o líder do partido, acabou por lhes sair pela culatra. Bagão não só não tem preparação técnica para estar à frente das Finanças Públicas, como ainda por cima, sendo um católico de esquerda, fará sempre uma perseguição à classe média sem perceber o alcance político e, ainda por cima, como Portas bem sabe, nunca assumirá culpas ou responsabilidades. Bagão joga dos dois lados: cai aturando Santana Lopes e o PSD, mas como Paulo Portas já percebeu também que o futuro pode passar por um acordo de incidência governamental com o PS de José Sócrates. E neste caso convém não assumir publicamente muitos compromissos.
Quem Paulo Portas não controla é o ministro do Ambiente, Nobre Guedes: inconsistente e sem capacidade política, Nobre Guedes soube rodear-se do melhor que o sector tem para se aconselhar. Tecnicamente não dirá nunca disparates, mas politicamente já se espalhou duas vezes, sem que Portas ou o ministro da Economia, o seu amigo Álvaro Barreto, lhe pudessem chamar a atenção.
O episódio de Marcelo
Depois do episódio de Marcelo Rebelo de Sousa, o Governo entrou em desregulação total, como se tivesse culpas no cartório. Em vez de desvalorizar a ocorrência, Santana Lopes saiu a terreiro a reivindicar transparência de comportamento. Bastava ler a imprensa e ouvir as televisões para ninguém ter dúvidas sobre o facto de em Portugal não existir censura, ou de fracassar qualquer tentativa por parte de qualquer Governo. Nunca um primeiro-ministro foi tão desmentido, desautorizado e até desrespeitado pelos media, como durante esta semana em Portugal. Nem mesmo Vasco Gonçalves foi tão desautorizado, o que coloca Santana Lopes numa situação difícil. O primeiro-ministro, contido, não soube ler os sinais que lhes estavam a ser enviados. Não tomou nenhuma iniciativa e prosseguiu em frente como se nada se tivesse passado, sem perceber que cada anúncio que fazia ainda o prejudicava e descreditava mais. A questão não era Gomes da Silva ou sequer Sarmento, cujo gabinete de comunicação parece mesmo funcionar contra Santana Lopes (ainda que Santana tenha para já chamado a si o controlo da Central de Informação do Governo). Tudo corre mal: há aqueles períodos na vida de uma pessoa em que tudo o que se faz parecer correr mal e talvez por isso Santana Lopes tivesse que se resguardar.
Como contraponto, o Presidente da República também não se calava: primeiro, vinha à comunicação social justificar porque estava a receber Marcelo Rebelo de Sousa, como se o Presidente da República, eleito por todos os portugueses para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, tivesse que justificar nos jornais porque recebia alguém em audiência. Mas o ridículo ia mais longe, na pressão sobre os acontecimentos, quando, concorrendo com o silêncio de Marcelo Rebelo de Sousa, a que Mário Soares chamaria de “cobarde”, o Presidente da República falava em Espanha que devia ficar calado, quando Saramago propunha que reeditasse D. Afonso Henriques.
O pior já passou
O pior já tinha passado. Já não temos a depressão do tempo de Barroso, a sensação que tudo está perdido e acabado e que todos os dias isto fica um pouco pior. Agora é mais interessante, mais divertido. Uma “opereta bufa”, onde os portugueses ficam sempre mais pobres, onde o Estado não funciona e onde os ministros não sabem o que é o interesse de Estado e o Presidente da República não sabe qual é a sua posição institucional. Mas interessante é com certeza.
Nos Açores, o primeiro-ministro não se conteve e anunciou as medidas do Orçamento do Estado. O autismo evidente do primeiro-ministro cercado pelos tapetes encarnados, pelas mordomias e pelos acontecimentos internacionais não anularam esse seu gosto pelas boas notícias. Depois, no dia seguinte, já em Lisboa, marcava um tempo de antena para a RTP e RDP, que acabou por sair uma hora antes na SIC e na TVI, dando a ideia de falta de profissionalismo e competência. O Governo parecia não saber o que eram assessores de imagem. Santana estava mal enterrado numa cadeira maior que ele, com os retratos dos filhos e do Papa com flores cor-de-laranja e um quadro para esquecer de Resende ou de Noronha da Costa. Tudo muito mau e com muito mau gosto, a pesar no ambiente pesado de um primeiro-ministro a falar doze minutos ao País, sem ter nada de novo para dizer. O erro político estava à vista. Para mais, Santana estava a dar trunfos ao inimigo: Sócrates passaria a contar com três dias para preparar o confronto de ontem no Parlamento. O primeiro debate parlamentar com Santana a não ter grandes novidades e Sócrates a ter do seu lado a credibilidade das organizações internacionais, que não acreditam nas taxas de crescimento para 2005 inventadas por Bagão Félix. Calado o governador do Banco de Portugal, não diz nada: não fala sobre as taxas de juro, sobre a evolução do euro e do dólar, sobre o preço do petróleo e o consumo privado. Enfim, daquilo que os portugueses, as empresas gostavam de ouvir para saber o que fazer no próximo ano, à falta de credibilidade do Governo e em face da ausência significativa do ministro da Economia. Ninguém sabe o que vai acontecer e ninguém acredita no que diz o Governo, uma situação que já não pode ser invertida antes das eleições regionais, onde tudo ficará na mesma.
Percebendo o erro, Santana voa para a Madeira, para aparecer ao lado de Jardim, reivindicando para o PSD uma vitória, já que Sócrates parece ter tudo do seu lado, iniciando a sua liderança com a vitória nos Açores, depois do PSD ter estado quase à frente nas sondagens. Mas a emenda foi pior que o soneto: João Jardim apresentou a factura a Santana Lopes do apoio, e o próximo OE vai reflectir o ajustamento desta semana, feito no Funchal. Um negócio que dá aos madeirenses mais crédito e que ainda limita mais o nosso OE.
Chegado a Lisboa, a grande discussão. O PSD está em pé de guerra: com eleições locais à porta, os ministros parecem baratas tontas concorrendo para destruir, ou pelo menos dificultar as maiorias social-democratas. São os próprios autarcas do PSD os mais críticos. Filipe Menezes faz o papel do psiquiatra: também Sá Carneiro teve o psiquiatra que mereceu e acabou esquecido. Gomes da Silva, o contacto do partido com o líder, estava em queda e a discussão com o primeiro-ministro era inevitável. Até Nuno Morais Sarmento que, depois do encontro de Barroso com Santana, apareceu soberano na Madeira, ao lado do primeiro-ministro, como se fosse o único com lugar garantido no futuro. Combinara chamar a atenção do primeiro-ministro para os erros da governação, mas, à última da hora, traía o acordo e fazia-se de desentendido. Santana ficava mais isolado, com alguns dos seus mais próximos a ponderarem sair do Governo, na primeira oportunidade, logo depois das eleições regionais.
O calendário para o congresso
Esta semana, o barrosismo volta ao PSD, com a eleição dos delegados para o congresso de 12 de Novembro. Será o Congresso de Pedro Santana Lopes, ainda que o Presidente da República, aparentemente, esteja a dramatizar a situação para poder provocar eleições antecipadas. Foi, aliás, para isso que, ontem, Sócrates chamou a atenção do Parlamento.
Toda a gente tem consciência que Santana Lopes e o PSD estão a destruir a oportunidade política que Sampaio lhes deu. Até parece que Barroso e Sampaio combinaram destruir Santana Lopes, o fantasma de todos os líderes da direita desde 1995, e o campeão que ganha eleições à esquerda, como aconteceu na Figueira e em Lisboa. Acabar com ele, parece o propósito e, daí, Sampaio a dizer que não diz e Morais Sarmento e Arnaut, sempre próximos, a marcarem-lhe o passo.
Santana não acredita, e sabe que o próximo Congresso do PSD será seu, ainda que essa vitória possa ser de “Pirro”. No momento ocorrer-lhe-á outra melhor. Para já hesita: se remodelar, será que Sampaio não precipita os acontecimentos e as eleições são marcadas já para Janeiro?. A vitória, ontem no Parlamento, no debate mensal, dá-lhe contudo uma nova margem que na terça-feira nem o próprio previa.|