2025/07/06

O ultimato à Alemanhapor Rui Teixeira Santos

A carta de sete líderes europeus, chamando à responsabilidade o Conselho de Segurança das Nações Unidas, é muito mais que uma declaração de apoio às posições americanas sobre o Iraque.

É verdadeiramente um ultimato à Alemanha e sobretudo marca o fim desta Europa construída a partir dos equilíbrios da guerra fria. Portugal volta ao seu destino atlantista, depois da oportunista opção continental, que nos valeu milhões de contos em fundos e transferências ao abrigo da adesão e em nome da coesão.

Depois da China e da Rússia terem dado o seu apoio aos EUA, se porventura a França e a Alemanha votassem no Conselho de Segurança contra o mandato aos EUA para invadir o Iraque, estariam não só a excluir-se do saque que se seguirá, mas sobretudo acabariam de vez com as Nações Unidas e com a ideia da existência de um direito internacional, acima dos Estados e que limitaria o poder do império.

É claro, desde o início deste processo, que a América está disponível para assumir o papel de “imperador no mundo”, levando isso às últimas consequências. E o que mais surpreende é que a Europa continental não perceba que, com a sua oposição, só prejudica a sua relevância no mundo e nas relações internacionais.

A América, ao imergir como uma única potência mundial, após a guerra fria, é da sua própria natureza, teria sempre que tentar os limites, na defesa dos seus interesses estratégicos e de segurança. Dizer não à América pode, num primeiro momento, servir para negociar contrapartidas.

Dizer não definitivamente significava enterrar o “nado morto” que são as Nações Unidas que, mal ou bem, vão sendo um fórum para resolver e gerir os conflitos menores na comunidade internacional.

Seja qual for a posição da Alemanha, ela já perdeu, sem ter saboreado o gosto da desforra de três guerras em que foi humilhada. Se votar a favor da América no Conselho de Segurança dá o dito por não dito e aparece desacreditada politicamente, mas se votar contra, passa a ser irrelevante, porque a América vai mesmo para a guerra e modificará para sempre o mapa do mundo. Deve ser desesperante ser alemão e nunca ter tido razão, desde o fim do Sacro-Império.

O nacionalismo prussiano e a sua pax continental nunca resultaram na Europa. Foram sempre as potências marítimas que lograram levar vantagem. E, agora, que a Alemanha estava quase a conseguir, com a “Europa do Directório”, e o euro forte, que só valoriza a sua ourivesaria industrial e obriga a sua indústria intermédia a colonizar a sua quinta no leste europeu, a América vem colocar tudo em causa.

Consciente que o ultimato, mais do que sobre o Iraque é mesmo sobre a Europa, e consciente que a Europa está nesta situação de dependência porque, em vez de se armar e de ter uma política de defesa e segurança, preferiu andar a sustentar o inviável Estado social, com pensões e sistemas de Segurança Social, saúde e educação que a América jamais terá, a França, qual aldeia gaulesa, já se prepara para contemporizar, pedindo apenas que existam provas, que a América as mostre.

O pragmatismo latino dos franceses é uma herança gaulesa, que Júlio César já havia observado.

O alinhamento português com a potência marítima dominante é talvez a maior constante da nossa história diplomática. E esgotado o saque à Europa da União Europeia era normal que a nossa diplomacia voltasse à lógica tradicional, independentemente de Barroso vir de Georgetown, de Martins da Cruz ser um iberista e de Paulo Portas ser um produto da herança pró-americana da “escola SEMANÁRIO”.

Proposta cultural

Mas, porque o papel da Europa é sobretudo necessário após a intervenção, a nossa resposta deveria ser uma resposta cultural. Pode não se gostar de Manuel Maria Carrilho, mas, esta semana, na RTP2, o ex-ministro da Cultura de António Guterres, mesmo sem preocupação de enquadramento, deu a resposta adequada, quando disse que Portugal deveria aproveitar a popularidade de Lula da Silva, e reunir nesta altura o consenso dos países da CPLP.

Mas a resposta cultural pode bem ser a ideologia do pós-Iraque, para a reconstrução do “mare nostrum”, como área de paz e cooperação, que mil anos de Império Romano asseguraram.

Há um património cultural de afirmação do direito e da personalidade humana, que se traduz na herança greco-latina e que está incorporado também no ecumenismo e na tolerância judaico-cristã, que pode servir de base a um novo entendimento euro-mediterrânico, eventualmente com o alargamento da União Europeia aos países árabes, ou, pelo menos, com um acordo inicial de livre comércio e circulação, que deve a ser a base para controlar a inevitável explosão de ódio antiocidental no mundo islâmico, a sucessão de quedas de regimes moderados, a fazer lembrar o colapso da ex-União Soviética.

Vai ser necessária a Coca-Cola e o Mac, como o foi na Rússia, e também a ajuda económica e os medicamentos, para além da liberdade, que George Bush, místico, proclama ser uma dádiva de Deus.

Só quando a Europa foi germânica e eslava, só quando o Sacro-Império controlava a cristandade é que o integrismo católico levou à intolerância e às cruzadas, de que o último exemplo foi o louco rei D. Sebastião, morto em Alcácer Quibir, como mártir da cristandade, em luta contra o grande turco e louvado, na literatura alemã do século XVI, como o exemplo máximo da devoção cristã.

Pela terceira vez, agora, a América vem ajudar a Europa a colocar a Alemanha no seu sítio. Mais uma dívida, depois de duas guerras mundiais. Ainda, há duas semanas, a Alemanha alimentava o senho imperial de Bismark. A obstinação prussiana desfez o sonho e reconduz a Alemanha ao seu isolamento tradicional.

Agradecemos todos não ser necessário dividir o saque com eles…

O regresso da política

A segunda reflexão, que é urgente, tem a ver com a natureza deste conflito. É evidente que, sejam qual forem as provas que Collin Powell apresente, elas serão sempre “evidentes e suficientes” para justificar o que à partida está justificado. Não faz sentido, portanto, a argumentação de Freitas do Amaral, como se verá na próxima semana.

É uma questão de marketing político e necessidade dos Aliados, condição de sobrevivência dos equilíbrios mundiais, apesar de tudo, a primeira razão do Direito Internacional.

O problema da esquerda pacifista é que não percebe que o que está em causa não é a paz ou a guerra, mas sim a inacção ou a acção contra o Iraque. O Iraque não é uma guerra privada da família Bush. É, sobretudo, um Estado hostil ao império, que preventivamente se defende e que aproveita para redesenhar o Mapa do Petróleo, arma decisiva para controlar os mercados gigantescos da Ásia e do Pacífico, vitais para a América, mas também para o Ocidente.

Independentemente das razões de Durão Barroso, que em três dias conseguiu ter três posições diferentes sobre o mesmo assunto, variando aparentemente consoante a latitude, a posição final do governo português é aquela que é mais adequada para Portugal.

O país começava a ficar asfixiado com esta Europa de contabilistas medíocres e de recrutas prussianos. O fim dela é uma boa notícia. Ferreira Leite e o Pacto de Estabilidade e Crescimento acabam com ela. Regressa a política e com ela a tolerância latina.

Graças a Deus e à América de Bush…

A esperança venceu o medopor Ilda Figueiredo

Foi neste novo Brasil, onde a esperança venceu o medo e o Governo de Lula dá os seus primeiros passos, que se realizou, pelo terceiro ano consecutivo, o Fórum Social Mundial.

Foi neste novo Brasil, onde a esperança venceu o medo e o Governo de Lula dá os seus primeiros passos, que se realizou, pelo terceiro ano consecutivo, o Fórum Social Mundial, a que estão agregados outros eventos, designadamente o Fórum Parlamentar Mundial, em que tenho participado desde o início.

Como se sentiu bem durante todas as actividades em Porto Alegre, o triunfo de Lula representa para milhões de homens e mulheres do Brasil, da América Latina e do mundo, a esperança de se concretizar um novo modelo de governo e de desenvolvimento económico e social que prioriza a inclusão social, como ficou bem claro na forma como dezenas de milhares de pessoas reagiram ao discurso que proferiu no gigantesco auditório ao ar livre, perante muitas dezenas de milhares de pessoas, onde também explicou as razões da sua ida a Davos, dando igualmente destaque à mobilização na luta pela defesa da paz, contra a guerra.

Registe-se que este terceiro Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, no estado brasileiro do Rio Grande do Sul, que agrega muitos outros fóruns, foi o mais participado, reunindo na manifestação de abertura mais de 140 mil pessoas, de 121 países, com grande destaque para a juventude, em cujo acampamento estavam cerca de 30 mil jovens.

Neste espaço aberto e de encontro para o aprofundamento da reflexão e debate democrático de ideias, realizaram-se trocas de experiências e formularam-se propostas de articulação de acções eficazes de entidades e movimentos que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital financeiro e por qualquer forma de imperialismo.

Partindo do princípio de que um outro mundo é possível, o objectivo é trabalhar para a construção de uma sociedade humanizada, que dê prioridade às pessoas, ao respeito dos direitos humanos universais, ao desenvolvimento sustentado, apoiado em sistemas e instituições democráticas, ao serviço da justiça social, da igualdade, da soberania dos povos e da paz.

A luta contra a guerra teve destaque privilegiado neste terceiro fórum, incluindo no que reuniu deputados de dezenas de países. Como se diz na resolução sobre a rede parlamentar internacional e suas actividades, que tive a honra de apresentar, a primeira urgência é agir sem demora para evitar a guerra no Iraque e pôr fim à ocupação israelita nos territórios palestinianos.

Foi neste contexto que se propôs apelar à mobilização das manifestações de 15 de Fevereiro e formar diferentes delegações parlamentares que viajem ao Iraque, dentro das próximas semanas, com base numa oposição radical à guerra e solidariedade ao povo iraquiano, vítima do bloqueio económico e da ameaça militar da Administração americana, sem que isso signifique qualquer apoio ao regime do Iraque.

Uma delegação de deputados do Parlamento Europeu, nos quais se incluem os dois deputados comunistas portugueses, partirá para o Iraque no próximo dia 2 de Fevereiro. É preciso parar a guerra antes que comece.

Nova investigação de Camarate

A investigação ao Fundo de Defesa do Ultramar verificará se as Forças Armadas Portuguesas faziam tráfico de droga. Por que é que Paulo Portas não entrega os documentos da investigação dos Serviços Secretos Militares sobre o atentado de Camarate?

A investigação do Fundo de Defesa do Ultramar (250 caixas de documentos guardados no Ministério da Defesa, de um total de 9000 dossiers com registos desde 1950) poderá provar que as Forças Armadas Portuguesas estavam envolvidas no tráfico de cocaína, para financiar operações clandestinas dos serviços secretos ocidentais, contra o fundamentalismo islâmico. Mas não servem para provar nada relativamente a Camarate.

Sobre Camarate, Paulo Portas tem que autorizar o acesso aos ficheiros secretos dos Serviços de Informação Militar que, por força da lei, fizeram uma investigação competente ao acidente que vitimou Sá Carneiro, Amaro da Costa, Snu Abecassis e António Patrício Gouveia. Tudo parece indicar que não se matam primeiros-ministros, e que, a ter havido atentado, ele destinava-se ao ministro da Defesa, Amaro da Costa.

Portugal sempre foi um país de traficantes. De traficantes do tráfico do Atlântico. Desde as especiarias, ao ouro, aos escravos e à cana-de-açúcar. Era, aliás, uma prerrogativa do duque de Aveiro, o exclusivo do contrabando com Marrocos, reconhecido pelo monarca.

No século XX o grande contrabando no Atlântico foi sobretudo o do tabaco, que acabaria por reconverter as famílias “mafiosas” nacionais em distribuidores de tabaco sem impostos dos principais fabricantes internacionais, suspeitando as autoridades, que são sobretudo as fábricas da Roménia e da Turquia que abastecem esse mercado.

Mas actualmente a principal linha de tráfico do Atlântico é a droga, sobretudo a cocaína, onde as “famílias” galegas, com fortes ligações à América do Sul, têm ganho preponderância. Mas, nos anos setenta, há fortes indícios que parte significativa do tráfico de cocaína era feito com recurso ao transporte militar das Forças Armadas Portuguesas.

Suspeitas que os militares, cumprindo ordens superiores, faziam o despacho e transporte de droga, com guias de marcha e registos burocráticos, como se se tratasse de um transporte regular e normal.

Com o bloqueio a Portugal, decretado pelas Nações Unidas, o Fundo de Defesa do Ultramar serviria alegadamente para Portugal furar o embargo, numa manobra típica de um Estado pária na comunidade internacional, como é hoje o Iraque. Esse fundo seria alegadamente financiado por actividades clandestinas do Estado e por transferências do Orçamento do Estado. Algumas suspeitas que o regime usava o tráfico de droga para financiar o esforço de guerra colonial nunca passaram disso mesmo.

O Fundo de Defesa do Ultramar deveria ter sido extinto após o 25 de Abril, uma vez que as suas actividades clandestinas já não se justificariam. Porém, o Conselho da Revolução deixa-o continuar, na dependência dos militares de formação americana que integravam as chefias da revolução, e alegadamente passa a integrar o financiamento de actividades clandestinas das Forças Armadas, nomeadamente no âmbito da NATO, com particular destaque, segundo algumas teses, para o financiamento da actividade anti-islamita, tendo o auge sido atingido na operação conjunta entre a CIA e as Forças Armadas Portuguesas na desestabilização do Irão após a queda do Xá Reza Palevi, operação que levaria o nome de “Iran Contras”.

De notar que o fundo era antes gerido pelo estado-maior, cujo chefe era Costa Gomes, que viria a assumir a Presidência da República, depois do 28 de Setembro.

Nesta altura, circula em certos meios militares, o fundo era claramente financiado pelo tráfico de droga, alegadamente organizado pelas forças de contra-espionagem americana, que não tinham autorização do Congresso dos Estados Unidos para levar a cabo a política do Departamento de Estado. Portugal, com o pré-cônsul americano Frank Carlucci em Lisboa, estava no centro do Mundo.

Desta época, garantiram esta semana, ao SEMANÀRIO, fontes militares, é provável que existam nos serviços secretos militares documentos sobre as operações, mesmo que os balanços reais não constem da documentação oficial do Fundo de Defesa do Ultramar.

Alegadamente, toda esta operação de tráfico de droga, que financiava as eventuais operações clandestinas em defesa do Ocidente seria alegadamente comandada por oficiais portugueses tidos por próximos dos Estados Unidos da América ou mesmo contratados como agentes da CIA e de outros serviços secretos militares estrangeiros.

Estas operações seriam alegadamente do conhecimento dos militares que integravam os gabinetes dos ministros da Defesa sucessivos, após a revolução do 25 de Abril. Algo que nunca chegou a ser apurado até hoje, porque os ficheiros secretos do Serviço de Informação Militar das nossas Forças Armadas nunca foram investigados.

No seio da AD, após a morte de Sá Carneiro, corria o rumor que o chefe de gabinete de Amaro da Costa, Hugo Rocha, poderia ter conhecido a alegada operação de tráfico de droga e que só mais tarde é que o ministro viria a tomar conhecimento do assunto. Estamos no ano seguinte ao da queda de Somoza na Nicarágua, no tempo do tráfico de Estado.

Uma das versões nunca confirmada em todas as investigações aponta, aliás, que alegadamente Amaro da Costa teria feito chegar ao primeiro-ministro Sá Carneiro um memorando sobre o tráfico de droga através do Fundo de Defesa do Ultramar e que teria a intenção de vir a usar a informação para atacar o Conselho de Revolução.

A tese conspirativa, que não tem suporte documental até agora, para além das suspeitas e dos rumores dentro da classe política e na magistratura, admite mesmo que este poderia ser o alegado móbil do crime que vitimaria Amaro da Costa e, acidentalmente, o primeiro-ministro de Portugal, Francisco Sá Carneiro.

Com efeito, Sá Carneiro não deveria ter seguido no avião de Amaro da Costa para o comício, programado no Porto, de encerramento da campanha eleitoral em 4 de Dezembro de 1980.

Mas a tese tem algumas contradições, muito embora, nessa altura, os americanos estivessem mais ligados aos militares de esquerda e ao partido socialista, e Amaro da Costa, com ligações aos movimentos nacionalistas europeus, alimentasse o antiamericanismo tradicional na direita portuguesa salazarista, que não perdoava o facto da América patrocinar os movimentos de libertação nas ex-colónias portuguesas.

E a principal das contradições é que, pretendendo a AD estabilizar o regime democrático, a embaixada americana era e continuava a ser um dos principais apoios das forças democráticas.

Era, porém, evidente o conflito entre o Governo e o Presidente da República Ramalho Eanes. No almoço do Tavares, que antecedeu a fatídica viagem de Sá Carneiro, a 4 de Dezembro de 1980, e no qual estiveram presentes Soares Carneiro, o candidato presidencial da maioria governamental, Victor da Cunha Rego, Freitas do Amaral e Cavaco Silva, poderia não estar em cima da mesa o orçamento das Forças Armadas, mas estava seguramente a decisão de Sá Carneiro se demitir do Governo, no caso da vitória previsível de Ramalho Eanes, nas eleições presidenciais.

A dramatização era total e Sá Carneiro tinha ainda o trunfo, a lançar no comício dessa noite, do fundo gerido por Canto e Castro, exilado em Londres e casado com a sul-americana Joanita Valdera, e outros militares próximos dos socialistas e da embaixada dos EUA e tidos como próximos de Belém.

E o que é mais curioso é que Sá Carneiro acordou com os seus comensais que seria Eurico de Melo o novo primeiro-ministro de Portugal, podendo eventualmente, e já nessa altura, Cavaco Silva assumir uma pasta de Estado, ele que, no mês anterior, tinha pensado apresentar a sua demissão a Sá Carneiro e abandonar a AD.

Próximo dos americanos e não, seguramente, por causa do tráfico alegadamente monopólio do Fundo de Defesa do Ultramar, Francisco Pinto Balsemão não esteve no referido almoço do Tavares, alegadamente convocado para discutir os últimos pormenores da campanha do general Soares Carneiro, mas voaria para o Porto, onde aguardaria na gare do aeroporto das Pedras Rubras (hoje, aeroporto Sá Carneiro) pela chegada do primeiro-ministro e que horas depois, sem nunca ter abandonado o aeroporto, reembarcaria, no mesmo avião, para Lisboa para assumir a liderança do Governo como primeiro-ministro, contrariamente ao que o próprio Sá Carneiro desejaria, conforme testemunhos que o SEMANÁRIO recolheu de Cunha Rego, ainda em vida, e que nos foram mais tarde confirmados por Freitas do Amaral.

As investigações da Judiciária são rápidas e Freitas do Amaral chega mesmo a admitir como mais provável a tese do acidente em Camarate. Agora, já como ministro da Defesa da segunda AD, Freitas continuava a não ter a tutela dos serviços de informações militares, devido à autonomia das Forças Armadas, que dependiam do Conselho da Revolução, que tinha competência praticamente exclusiva sobre questões de Defesa.

Freitas do Amaral haveria, anos mais tarde, ante a evidência de algumas suspeitas, de vir a corrigir a sua interpretação sobre Camarate.

Freitas do Amaral distanciara-se de Balsemão e, intempestivamente, abandona o Governo, provocando as eleições de 1983, que abririam, depois, espaço ao bloco central, já com Mota Pinto na liderança do PSD.

Ficava, entretanto, como ministro da Defesa Interino, Ricardo Baião Horta, e no Bloco Central emergiam Jaime Gama e Ângelo Correia, na área da Defesa Nacional.

A tese do acidente tinha ganho na opinião pública e o assunto ficava arquivado nos tribunais, apesar da família das vítimas e alguns amigos continuarem a dizer que se tratou de acidente.

Eurico de Melo assume a Defesa com Cavaco Silva, mas a alegada história do desaparecimento de documentos da NATO, que viriam depois a ser encontrados nas mãos de um travesti em Almada e que alegadamente teria conduzido à sua demissão do executivo do PSD, parece uma história demasiado mal contada, segundo elementos do Ministério Público, que o SEMANÁRIO contactou.

Na magistratura, Eurico foi vítima alegadamente de uma conspiração que visava afastá-lo da Defesa e que teria surtido o seu efeito. Sucederia o homem do Bloco Central, Fernando Nogueira, que acabaria por vir a ser o número dois do aparelho laranja e a impor a sua liderança ao PSD, logo a seguir à decisão de Cavaco Silva de não se recandidatar.

A questão de Camarate morre por essa altura e só volta a emergir, já no governo socialista, com a notícia da prescrição do crime. Novas investigações são tentadas e como único documento aparece, apenas, o registo da entrada de Lee Rodrigues e José Esteves, alegadamente envolvidos no atentado, no Aeroporto da Portela, no dia do acidente.

Entretanto, António Vitorino, que viria depois a seguir para Bruxelas como comissário europeu e que, a semana passada, era indigitado como um dos mais fortes candidatos a secretários-gerais da NATO, depois de Robertson e com o apoio dos EUA, assumia a pasta da Defesa do Governo de Guterres e, como primeira decisão, liquidava com as relações de poder estabelecidas dentro do alegado tráfico e venda de armas nas Forças Armadas, que vinham desde o tempo do Bloco Central e concentraria as indústrias de Defesa Nacional no IPE, debaixo da tutela de Rui Neves, de sua confiança.

Uma situação que provocaria a falência, em série, de alguns dos conhecidos “dealers” de armas portuguesas.

Com Paulo Portas restabelecem-se os equilíbrios anteriores a António Vitorino e a indústria de Defesa volta para a esfera do Ministério da Defesa.

O revisionismo tem o seu momento. A polémica ganha novos contornos com o próprio primeiro-ministro de então, Francisco Pinto Balsemão, a admitir que Camarate não foi um acidente mas um atentado. Os livros de Inês Serra Lopes e de Sá Fernandes são “best-sellers” e a história do atentado avança mesmo para a película, com a realização do filme de Luís Filipe Rocha.

Vinte e três anos depois, a Comissão Parlamentar de Inquérito pede, pela primeira vez, a abertura dos ficheiros do Fundo de Defesa do Ultramar. O ministro da Defesa, Paulo Portas, autoriza que um grupo de auditores do Ministério das Finanças investigue as contas. Na berlinda ficam sobretudo militares ou ex-militares, afirma-se nos meios militares.

O que dá jeito a Portas, que fica com eles nas mãos, eles que são homens da América, tal como o primeiro-ministro Durão Barroso, convidado de Georgetown, a universidade jesuíta, que alegadamente forma agentes para a CIA.

Eurico de Melo afastou-se, com Durão Barroso no Poder, da política, definitivamente, mas não falta quem, alegadamente, o queira envolver em histórias do quotidiano, na intriga política-judiciária de Lisboa.
Não podendo haver julgamento judicial, poderá ainda haver julgamento político.

Mas nos meios da magistratura, o acto de Portas de dar acesso ao Fundo de Defesa do Ultramar a auditores das Finanças tem mais a ver com ajustamentos internos, que propriamente com Camarate, cuja comissão parlamentar é presidida pelo centrista Rui Melo.

Porque ao mesmo tempo que correu a investigação judicial, que nada concluiu e até chegou ao cúmulo de destruir ou negligenciar provas, o certo é que decorreu, por imposição da lei, uma outra investigação, também dos Serviços de Informação Militares. Serviços controlados pela esquerda, mas totalmente operacionais naquela época e que herdaram a competência do tempo do Exército Colonial, profissional e bem preparado, embora enfraquecido moralmente.

São esses papéis que Paulo Portas não deixou ver. São esses os papéis, os ficheiros secretos onde tudo deverá estar registado, que estão à guarda das Forças Armadas e que, no dia em que forem abertos, poderão revelar a dimensão da conspiração que poderá ter conduzido ao crime de Camarate.

Ausência da distrital marca iniciativa do PSD/Castro Marim

A ausência da presidente do PSD/Algarve marcou o jantar de “ano novo” organizado pela concelhia de Castro Marim, que conseguiu mobilizar mais de 500 militantes, e inúmeros dirigentes de todo o Algarve. Durante o encontro laranja, Marques Mendes comprometeu-se junto de José Estevéns a dar o seu apoio para desbloquear alguns investimentos turísticos para o concelho.

Apesar da grande mobilização que a concelhia social democrata de Castro Marim conseguiu, juntando cerca de 500 pessoas num jantar partidário, numa altura em que não se vislumbram eleições nem qualquer tipo de combates partidários, e que atraiu ainda dirigentes do PSD de Alcoutim a Vila do Bispo, a estrutura liderada por Vítor Madeira teve a mesma falha que a de Albufeira uma semana antes: não conseguiu convencer a presidente da comissão política distrital a estar presente.

Embora em termos oficiais ninguém tenha comentado a falta de comparência de Isabel Soares, o certo é que a sua ausência provocou um “burburinho” na sala, já que os militantes de base ficaram nitidamente descontentes.

Ao que o Algarve Região pode apurar, a líder do PSD/Algarve voltou a “ignorar” as actividades das concelhias, desta vez por compromissos de ordem pessoal inadiáveis, tendo alertado no próprio dia que não iria poder estar presente.

Mas esta não foi a única ausência da noite, visto que o antecessor de Isabel Soares na distrital e actual secretário de estado da Saúde, também não compareceu. No entanto a ausência de Carlos Martins foi justificada publicamente aos militantes presentes no jantar, por motivos de saúde, sendo de destacar, que não foi feita qualquer referência à distrital.

O ministro dos Assuntos Parlamentares que esteve presente na condição de dirigente partidário fez questão em assinalar a presença de uma moldura humana tão significativa na iniciativa. Na opinião de Marques Mendes, “por mais importantes que sejam os dirigentes, no PSD há os notórios e os notáveis.

Os notórios são aqueles que dão mais nas vistas e que aparecem mais nas televisões. Mas os notáveis neste partido, são os militantes e simpatizantes anónimos que não pedem nada ao partido, mas dão tudo por ele, e tudo por Portugal”.

Depois de ouvir as dificuldades que o presidente da autarquia local, José Estevéns, tinha enunciado minutos antes em ver aprovados alguns projectos de empreendimentos turísticos, o membro do governo respondeu ao repto que lhe tinha sido lançado, garantindo que vai utilizar a sua influência.

“Sempre que precisar da minha colaboração ou junto de algum colega de governo, não para fazer favor nenhum, mas para ajudar a resolver problemas de Castro Marim, eu ajudarei com todo o gosto”, disse, já que na sua óptica não faz razão que investimentos turísticos sejam “emperrados”, visto que são estratégicos para que o nosso país se consolide economicamente.

De acordo com José Estevéns, a autarquia está com dificuldades em ver aprovados projectos turísticos que representam grandes investimentos de capital estrangeiro no interior do concelho, por motivos ambientais.

É nesta situação que estão os empreendimentos projectados para Verde Lago, Almada de Ouro e Corte Velho, que na opinião do autarca são “de altíssima qualidade e promovem o ambiente”
Assim sendo, pede responsabilidades aos ambientalistas, visto que “não podemos permitir que defendam coisas que não conhecem”.

São estas dificuldades que o levaram a apelar ao ministro, bem como aos dois deputados do PSD eleitos pelo Algarve, presentes – Patinha Antão e Luís Gomes – para que utilizassem a sua influência, recordando que Castro Marim “não está a pedir ao estado dinheiro, apenas que retire dificuldades aos projectos”.

Na mesma ocasião, o presidente da concelhia social democrata acusou os dirigentes locais do PS de serem “fundamentalistas” e de “quererem transformar Castro Marim numa reserva de índios”.

Tudo porque votaram contra um empreendimento urbanístico, que na óptica de Vítor Madeira, garante a requalificação da Retur.

Mas “os vereadores do PS não só votaram contra, como ainda dando a ideia de gente pouco crescida, pouco madura, foram apresentar queixas à IGAT (Inspecção Geral da Administração do Território) e ao ministro das Cidades e do Ordenamento do Território”.

Aproveitando a realização do jantar de “ano novo”, Vítor Madeira teve ainda tempo para dar a conhecer os novos 20 militantes que entretanto aderiram ao partido, dando cobro a uma promessa feita aquando da sua eleição para líder da concelhia, em que se comprometeu a rejuvenescer e a aumentar a estrutura local do PSD.

PS “omite” crime em São Brás

As eleições autárquicas em São Brás de Alportel podem ter sido “manipuladas”, já que o relatório da IGAT que dá conta do crime de peculato cometido pela vereadora Nídia Amaro, foi entregue inicialmente incompleto a um mês das eleições, pois faltavam precisamente as páginas que davam conta desta ilegalidade.

O PSD teme que esta tenha sido uma manobra do PS para não perder a câmara, e já pediu explicações ao governo. Mas uma coisa é certa, ou foi a própria autarquia que retirou as páginas, ou foi a IGAT tutelada na altura por José Sócrates.

O relatório parcial da Inspecção Geral da Administração do Território (IGAT) entregue um mês antes das eleições autárquicas de 2002, não continha as páginas que davam conta do crime de peculato praticado pela vereadora e então candidata pelo PS Nídia Amaro.

O PSD acredita que a omissão possa ter sido propositada, e já pediu esclarecimento ao governo de quem é a responsabilidade: da câmara, ou da IGAT então tutelada por José Sócrates.

O PSD quer esclarecer e apurar responsabilidades, já que o relatório da IGAT que chegou à câmara de São Brás de Alportel um mês antes das eleições, era igual ao relatório definitivo, mas faltavam as páginas que davam conta de algumas das irregularidades mais gravosas, nomeadamente o crime de peculato praticado pela vereadora Nídia Amaro.

Recorde-se que a vice-presidente da câmara, já pediu a suspensão do mandato, por ter sido apurado que usou para benefício de familiares, a sua influência de autarca, para desfrutar de electricidade de uma escola do concelho, paga pelo erário público.

O caso torna-se tão ou mais grave que o próprio crime então detectado, visto que o dito relatório chegou apenas um mês antes das eleições, e mesmo que ao abrigo do segredo de justiça, caso fosse violado, poderia ter influenciado a eleição local, já que o PSD ficou a apenas 100 votos do PS, que voltou a ganhar a câmara.

O assunto já foi levado pelo PSD à assembleia municipal, só que o assunto não foi discutido com a profundidade que os sociais democratas pretendiam, visto que “não se encontrava na ordem de trabalhos, e porque a principal visada não se encontrava presente”.

No entanto, tiveram a garantia do presidente da autarquia, de que o relatório já tinha chegado à câmara “daquela forma”.

E o que é certo, é que o próprio relatório solicitava à autarquia que prestasse os seus esclarecimentos à IGAT, “excepto folhas 23, 24, 25, 36, 64, 65,66, 77 e 78”. Ou seja, aquelas que entre outros, davam conta do crime de peculato.

No entanto é de referir que Nídia Amaro prestou esclarecimentos aos inspectores sobre o alegado crime de peculato, o que prova que a autarquia alegadamente tinha conhecimento da denuncia que foi feita, e que já foi entregue ao Tribunal Judicial de Faro por ordem do actual ministro que tutela a IGAT, Isaltino Morais.

E foi precisamente ao ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente que o PSD local já escreveu a pedir esclarecimentos, por forma a apurar o que sucedeu, conforme nos confirma Tomás Nunes, actual vice-presidente da concelhia social democrata.

“Queremos ver a situação esclarecida, porque houve autarcas eleitos a que a informação não foi entregue e queremos apurar as responsabilidades de quem escondeu a informação”.

É que na sua opinião, o sucedido é um grave precedente, que não pode ficar impune. “É uma situação grave que revela por parte de alguém que não consigo apontar, uma tentativa de factos graves que ocorreram na câmara municipal, e que era de todo conveniente que se soubesse antes das eleições, e que o PS temia que virassem os resultados eleitorais ao contrário”.

Mas apesar da gravidade da situação, Tomás Nunes prefere ser cauteloso, e não acusar desde já os socialistas, preferindo aguardar pelos esclarecimentos de Isaltino Morais. “Considero que se o PS teve intervenção neste processo, foi uma atitude desesperada para manter o poder”.

Ao que conseguimos apurar, os sociais democratas estão convictos de que a omissão do crime de peculato foi “propositada”, já que o anterior executivo duvidava que os eleitos pelo PSD mantivessem o sigilo a que estavam obrigados enquanto não estivesse finalizado o relatório da IGAT, uma vez que as eleições estava a ser bastante disputadas, e este poderia ser um “trunfo” importante.

Ainda para mais, os então vereadores laranjas não se estavam a recandidatar à presidência da câmara.

Desta forma corre a convicção nos bastidores sociais democratas de que “ou foi a câmara, ou foi a IGAT que omitiu propositadamente o crime”, havendo mesmo quem afirme a coberto do anonimato, que este caso “possa ter envolvido a cúpula socialista, por forma a manter o poder”.

A nossa fonte acredita portanto que o ministro que tutelava na altura o IGAT, José Sócrates, “possa estar envolvido”, e que caso o PSD não tivesse ganho as eleições legislativas de Março de 2002, o caso poderia ter sido “abafado definitivamente”.

O SEMANÁRIO tentou em vão obter esclarecimento junto do ministério, autarquia e de José Sócrates, visto que até ao nosso fecho de edição não obtivemos qualquer resposta.