A carta de sete líderes europeus, chamando à responsabilidade o Conselho de Segurança das Nações Unidas, é muito mais que uma declaração de apoio às posições americanas sobre o Iraque.
É verdadeiramente um ultimato à Alemanha e sobretudo marca o fim desta Europa construída a partir dos equilíbrios da guerra fria. Portugal volta ao seu destino atlantista, depois da oportunista opção continental, que nos valeu milhões de contos em fundos e transferências ao abrigo da adesão e em nome da coesão.
Depois da China e da Rússia terem dado o seu apoio aos EUA, se porventura a França e a Alemanha votassem no Conselho de Segurança contra o mandato aos EUA para invadir o Iraque, estariam não só a excluir-se do saque que se seguirá, mas sobretudo acabariam de vez com as Nações Unidas e com a ideia da existência de um direito internacional, acima dos Estados e que limitaria o poder do império.
É claro, desde o início deste processo, que a América está disponível para assumir o papel de “imperador no mundo”, levando isso às últimas consequências. E o que mais surpreende é que a Europa continental não perceba que, com a sua oposição, só prejudica a sua relevância no mundo e nas relações internacionais.
A América, ao imergir como uma única potência mundial, após a guerra fria, é da sua própria natureza, teria sempre que tentar os limites, na defesa dos seus interesses estratégicos e de segurança. Dizer não à América pode, num primeiro momento, servir para negociar contrapartidas.
Dizer não definitivamente significava enterrar o “nado morto” que são as Nações Unidas que, mal ou bem, vão sendo um fórum para resolver e gerir os conflitos menores na comunidade internacional.
Seja qual for a posição da Alemanha, ela já perdeu, sem ter saboreado o gosto da desforra de três guerras em que foi humilhada. Se votar a favor da América no Conselho de Segurança dá o dito por não dito e aparece desacreditada politicamente, mas se votar contra, passa a ser irrelevante, porque a América vai mesmo para a guerra e modificará para sempre o mapa do mundo. Deve ser desesperante ser alemão e nunca ter tido razão, desde o fim do Sacro-Império.
O nacionalismo prussiano e a sua pax continental nunca resultaram na Europa. Foram sempre as potências marítimas que lograram levar vantagem. E, agora, que a Alemanha estava quase a conseguir, com a “Europa do Directório”, e o euro forte, que só valoriza a sua ourivesaria industrial e obriga a sua indústria intermédia a colonizar a sua quinta no leste europeu, a América vem colocar tudo em causa.
Consciente que o ultimato, mais do que sobre o Iraque é mesmo sobre a Europa, e consciente que a Europa está nesta situação de dependência porque, em vez de se armar e de ter uma política de defesa e segurança, preferiu andar a sustentar o inviável Estado social, com pensões e sistemas de Segurança Social, saúde e educação que a América jamais terá, a França, qual aldeia gaulesa, já se prepara para contemporizar, pedindo apenas que existam provas, que a América as mostre.
O pragmatismo latino dos franceses é uma herança gaulesa, que Júlio César já havia observado.
O alinhamento português com a potência marítima dominante é talvez a maior constante da nossa história diplomática. E esgotado o saque à Europa da União Europeia era normal que a nossa diplomacia voltasse à lógica tradicional, independentemente de Barroso vir de Georgetown, de Martins da Cruz ser um iberista e de Paulo Portas ser um produto da herança pró-americana da “escola SEMANÁRIO”.
Proposta cultural
Mas, porque o papel da Europa é sobretudo necessário após a intervenção, a nossa resposta deveria ser uma resposta cultural. Pode não se gostar de Manuel Maria Carrilho, mas, esta semana, na RTP2, o ex-ministro da Cultura de António Guterres, mesmo sem preocupação de enquadramento, deu a resposta adequada, quando disse que Portugal deveria aproveitar a popularidade de Lula da Silva, e reunir nesta altura o consenso dos países da CPLP.
Mas a resposta cultural pode bem ser a ideologia do pós-Iraque, para a reconstrução do “mare nostrum”, como área de paz e cooperação, que mil anos de Império Romano asseguraram.
Há um património cultural de afirmação do direito e da personalidade humana, que se traduz na herança greco-latina e que está incorporado também no ecumenismo e na tolerância judaico-cristã, que pode servir de base a um novo entendimento euro-mediterrânico, eventualmente com o alargamento da União Europeia aos países árabes, ou, pelo menos, com um acordo inicial de livre comércio e circulação, que deve a ser a base para controlar a inevitável explosão de ódio antiocidental no mundo islâmico, a sucessão de quedas de regimes moderados, a fazer lembrar o colapso da ex-União Soviética.
Vai ser necessária a Coca-Cola e o Mac, como o foi na Rússia, e também a ajuda económica e os medicamentos, para além da liberdade, que George Bush, místico, proclama ser uma dádiva de Deus.
Só quando a Europa foi germânica e eslava, só quando o Sacro-Império controlava a cristandade é que o integrismo católico levou à intolerância e às cruzadas, de que o último exemplo foi o louco rei D. Sebastião, morto em Alcácer Quibir, como mártir da cristandade, em luta contra o grande turco e louvado, na literatura alemã do século XVI, como o exemplo máximo da devoção cristã.
Pela terceira vez, agora, a América vem ajudar a Europa a colocar a Alemanha no seu sítio. Mais uma dívida, depois de duas guerras mundiais. Ainda, há duas semanas, a Alemanha alimentava o senho imperial de Bismark. A obstinação prussiana desfez o sonho e reconduz a Alemanha ao seu isolamento tradicional.
Agradecemos todos não ser necessário dividir o saque com eles…
O regresso da política
A segunda reflexão, que é urgente, tem a ver com a natureza deste conflito. É evidente que, sejam qual forem as provas que Collin Powell apresente, elas serão sempre “evidentes e suficientes” para justificar o que à partida está justificado. Não faz sentido, portanto, a argumentação de Freitas do Amaral, como se verá na próxima semana.
É uma questão de marketing político e necessidade dos Aliados, condição de sobrevivência dos equilíbrios mundiais, apesar de tudo, a primeira razão do Direito Internacional.
O problema da esquerda pacifista é que não percebe que o que está em causa não é a paz ou a guerra, mas sim a inacção ou a acção contra o Iraque. O Iraque não é uma guerra privada da família Bush. É, sobretudo, um Estado hostil ao império, que preventivamente se defende e que aproveita para redesenhar o Mapa do Petróleo, arma decisiva para controlar os mercados gigantescos da Ásia e do Pacífico, vitais para a América, mas também para o Ocidente.
Independentemente das razões de Durão Barroso, que em três dias conseguiu ter três posições diferentes sobre o mesmo assunto, variando aparentemente consoante a latitude, a posição final do governo português é aquela que é mais adequada para Portugal.
O país começava a ficar asfixiado com esta Europa de contabilistas medíocres e de recrutas prussianos. O fim dela é uma boa notícia. Ferreira Leite e o Pacto de Estabilidade e Crescimento acabam com ela. Regressa a política e com ela a tolerância latina.
Graças a Deus e à América de Bush…