2025/06/25

Carlos Encarnação: “Se fosse o PM não falava mais com Ferro”

Carlos Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, comenta em entrevista ao SEMANÁRIO a afirmação de Ferro Rodrigues de que conversas futuras com Durão Barroso só com testemunhas: “Se eu fosse ao primeiro-ministro, não teria mais conversas com ele”.

São os últimos desenvolvimentos da quebra de confiança entre Ferro e Durão, provocada pela reforma do sistema político. Em entrevista ao SEMANÁRIO, o autarca de Coimbra analisa outros temas da actualidade, designadamente o discurso de Sampaio no 25 de Abril.

O discurso de Sampaio no 25 de Abril foi muito crítico para o Governo?

Só esperava que a exigência do senhor Presidente da República tivesse começado pelo menos cinco anos antes.

Com os Governos do PS…

Certamente. Nessa altura, o caminho para o descalabro era mais do que evidente. Recordo-me de terem sido consultados economistas que confirmaram esse cenário e o resultado foi zero em termos de intervenção presidencial.

Acha, então, que os Governos do PS mereceriam mais críticas por parte do PR do que o actual Governo?

Tratava-se de uma questão de oportunidade, de actuar antes que o mal crescesse. Não é o caso de serem Governos deste ou daquele partido, foi antes o caso de Governos que encaminharam o País para o desastre.

Mas o Presidente da República criticou, agora, a obsessão do Governo pelo défice…

Se o PS tivesse tido mais precaução e maior preocupação pelo equilíbrio das contas públicas, não seria necessário um tratamento de choque…

Nem as palavras do PR…

Sim, não seria necessário o senhor Presidente da República preocupar-se tanto agora.

Mas não acha que o Governo exagera um pouco com o défice, que, como disse o PR, há vida para além do Orçamento?

Há vida para além do Orçamento e também há País para além do descontrolo das Finanças Públicas. Isto é, o País não é para durar só um ano ou dois, nem só um mandato. É para além disso. É preciso dar garantias para o futuro. Não é possível um Governo governar sem quaisquer limitações, o primeiro-ministro ir-se embora e depois pedir que tratem do problema que deixou.

O PR criticou, no entanto, toda a política económica deste Governo…

Há uma coisa que sei que é necessária. É garantir a disciplina das contas públicas e actuar com os únicos mecanismos que, nesta altura, temos, depois de termos entrado no Euro, para corrigir a situação. Toda a gente sabe que esta actuação é a mais dolorosa.

Diz-se que o Governo, para citar Maquiavel, está a fazer o mal de uma só vez, para depois fazer o bem aos poucos?

Não acho correcta essa crítica nesta altura.

Recordo-lhe, no entanto, que Ferro Rodrigues, na entrevista que concedeu à Rádio Renascença/Público, e referindo-se ao Governo, utilizou a expressão, fazer o mal…

Mas é preciso que o dr. Ferro Rodrigues explique uma coisa: ou ele diz que o Governo está a actuar mal e que o fim da sua actuação é o mal ou, então, o dr. Ferro Rodrigues está a dizer que ele está actuar mal, para depois tudo acabar bem. O dr. Ferro Rodrigues é que tem de se explicar melhor.

Mostrou-se concordante com a política económica deste Governo, mas, por certo, não viu com muitos bons olhos a reforma do património…

Eu vi com muitos bons olhos a reforma da tributação do património. É uma atitude de grande coragem e que vai no caminho certo.

O que é preciso é que Estado central e autarquias actuem sempre na pressuposição de não haver desconfianças recíprocas. Se o Governo pensa que é possível resultar diminuição da receita orçamental pelas autarquias, deve providenciar um mecanismo de garantia. Foi sempre só o que eu disse.

Mas, segundo li, disse também que iria responsabilizar o Executivo pelas obras que se deixassem fazer no concelho de Coimbra, devido à quebra de receitas…

O que eu referi foi o seguinte: se tenho um Orçamento aprovado e um qualquer Governo decide cortar nas receitas que penso receber, certamente que é a essa decisão que se deve imputar o corte correspondente na despesa. A maneira de evitar essa situação foi a que propus.

E o Governo deu-lhe ouvidos?

Segundo entendi, o senhor primeiro-ministro terá oferecido a garantia de ressarcir os municípios, caso existisse diminuição da receita da Sisa.

Mas não teria sido preferível ouvir primeiro a Associação Nacional dos Municípios, antes de se ter feito a reforma? Há já quem fale na política de ziguezague do Governo, que, como sabe, era a maior crítica que o PSD fazia a Guterres…

Sim, mas há uma diferença substancial. O anterior Governo prometia e não fazia nada. Este Governo toma uma medida que o que o precedeu sempre anunciou, mas que nunca foi capaz de pôr em prática.

Ou seja, a alteração da Sisa.

Exacto.

Diz-se que foi a revolta dos autarcas que impediu a reforma do sistema político?

Esse é um argumento para quem não quer fazer a reforma do sistema político.

Nisto das reformas, é um pouco como preso por ter cão preso por não ter. Se não se reforma, o Governo nada faz, se se reforma, aqui d’El-rei, cai o Carmo e a Trindade…

É preferível cair o Carmo e a Trindade.

Para que tudo não fique na mesma?

Exactamente.

Mas as divergências na reforma do sistema político, com a quebra de confiança entre Durão e Ferro, não auguram nada de bom…

Sempre achei muito difícil que o dr. Ferro Rodrigues estivesse disposto a aceitar as condições que o dr. Durão Barroso colocasse. Já acompanhei negociações deste tipo há muitos anos.

Como deputado e vice-presidente do grupo parlamentar do PSD?

Exacto.

Acha bem que as conversas telefónicas entre Durão Barroso e Ferro Rodrigues sejam trazidas para a praça pública?

Isso é de um primarismo absoluto.

Explique melhor o que entende por primarismo absoluto.

Uma reacção absolutamente inadmissível num líder político partidário, com a responsabilidade que o dr. Ferro Rodrigues tem.

Ele diz que conversas futuras com Durão Barroso só com testemunhas…

Eu se fosse ao primeiro-ministro, não teria mais conversas com o dr. Ferro Rodrigues.

E a reforma do sistema político? Fica comprometida?

Espero bem que não. Se quer que lhe diga o que penso, o dr. Ferro Rodrigues, daqui a uns dias, cai em si, e reconhece que o procedimento dele não pode ser este.

É a favor da reforma do sistema político?

Com certeza que sou.

E identifica-se totalmente com os pontos de vista do seu partido?

Sim, sim, várias vezes os defendi.

“Não há razão para Portas se demitir”


Como vê a acção do Governo na sua globalidade?

Tem sido positiva. Não sou eu apenas que o reconheço. A maioria dos comentadores assim o tem entendido.

Mas o caso Moderna poderá, segundo se diz, estar a desgastar o Governo?

O dr. Miguel Sousa Tavares já explicou, melhor do que ninguém, o que é o chamado caso Moderna.

Não há assim razão para Paulo Portas se demitir?

Não. O que nós estamos a assistir, e penso que toda a gente já percebeu, é a utilização, para efeitos de alcançar objectivos políticos determinados, designadamente a intenção da oposição de diminuir politicamente o Governo, de uma forma de pressão.

Julga que poderia haver coligação sem Paulo Portas?

Acho que esse problema não se põe.

Porquê?

Porque, nesta altura, não há nenhuma base para colocar em causa a coligação.

As sondagens dão, no entanto, dez pontos de avanço ao PS.

Se um Governo se preocupar em governar para as sondagens, quando o estado do País é crítico, o resultado é o País ficar em estado ainda mais crítico…

Crê, então, que a coligação PSD/PP vai cumprir a legislatura?

Espero bem que sim.

Mas há quem fale em eleições antecipadas…

Haverá sempre.

Como viu o caso Isaltino Morais?

Vi-o como um caso muito penoso pela admiração que tenho pelo dr. Isaltino Morais como autarca.

Acha que ele tomou a atitude que deveria ter tomado, ou seja, demitir-se?

Tomou a atitude que entendeu dever tomar.

Mas, do seu ponto de vista, terá sido a mais correcta?

Certamente.

As distritais do PSD estão em guerra por causa da protecção civil. Querem a cabeça do ministro Figueiredo Lopes…

Não tenho acompanhado esse problema, pelo que não me posso pronunciar.

Em relação às próximas eleições presidenciais, que candidato do PSD preferiria? Santana Lopes, Cavaco Silva ou Mota Amaral?

O candidato que estiver melhor colocado para retratar na Presidência da República uma posição que não seja a mera consequência da vinculação político-partidária, e garanta a independência das funções do Presidente da República. Portanto, um candidato que acrescente e não que concentre.

Mas não me quer dizer qual deles prefere?

Não, porque, colocada a esse nível, a pergunta é extemporânea.

Ainda é cedo para Belém…

Claro.

E sobre as eleições autárquicas de 2005? Tenciona recandidatar-se em Coimbra?

Já disse várias vezes que só me recandidatarei, se entender que é útil para Coimbra fazê-lo.

Está satisfeito com o seu trabalho, com a sua obra?

Primeiro estou de consciência tranquila, e, em segundo, estou satisfeito.

Coimbra Capital da Cultura em 2003. Está a tudo a correr conforme o previsto?

Coimbra Capital da Cultura é uma iniciativa, na qual a Câmara Municipal de Coimbra é apenas parceira, com programação própria e de grande qualidade. O conjunto da programação vai continuar a ser muito diversificado e crescentemente atractivo.

Para bem de Coimbra.

Exacto. Para bem de Coimbra.

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