2023/06/01

António Galamba, Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PS

“A dispersão que possa haver, como aconteceu nas eleições europeias, será lesiva para a governabilidade e criará dificuldades de governação ao País num momento que é extremamente complexo”

“O casamento entre pessoas do mesmo sexo só será aprovado se o PS ganhar”
António Galamba, deputado socialista desde 1995, diz que há um ambiente geral de “degradação do debate político e da forma como os parlamentares se dirigem uns aos outros”. Sobre as legislativas, avança que os portugueses terão de optar entre uma solução de direita CDS/PSD ou darem condições ao PS para voltar a governar, “naturalmente com outros protagonistas e com outras propostas políticas”, apelando ao voto da esquerda: “o casamento entre pessoas do mesmo sexo só será aprovado se o PS ganhar”.

No final da legislatura é hábito fazer-se um balanço do mandato do Governo que cessa funções. Deste há a ideia que começou bem mas que termina mal. Concorda?
Há um conjunto de marcas deste Governo que são incontornáveis e que se mantêm. Recordo-lhe as marcas no plano social, como o complemento solidário de idosos, o programa PARES e o alargamento da rede de equipamentos, o abono pré-natal… Marcas que distinguem este Governo e este mandato. E também várias reformas que foram feitas ao nível da Administração Pública, com a desburocratização, reorganização do Estado. Mas claro que há aspectos que correram mal.

As reformas que foram anunciadas no início da legislatura foram efectivamente cumpridas?
Há reformas na área da Administração Pública, da saúde, da própria educação que foram concretizadas. Obviamente que há um aspecto ou outro que não pode ser concretizado nesta legislatura, mas julgo que este mandato tem uma marca reformista que perdurará. Por isso, acho muito difícil que o PSD, se ganhar as eleições, consiga rasgar todas as reformas feitas pelo Executivo socialista.
Há a ideia que, nos últimos tempos, nada corre bem ao Governo. Poderá haver alguma desorientação e nervosismo?
Não. Há sempre episódios que acontecem mas, no essencial, o Governo mantém o seu rumo. Voltando outra vez às marcas, algumas ainda estão a ser concretizadas e claramente afirmadas em termos do seu desenvolvimento. Por exemplo, no Plano Tecnológico existem iniciativas que estão em curso e que estão a ser desenvolvidas; há medidas que têm por objectivo responder aos problemas criados pela crise económica internacional. O Governo mantém o seu rumo e um ou outro episódio que possa acontecer não desvia a atenção do essencial: o apoio às famílias e a defesa do emprego. É absolutamente espantoso ver que os partidos da oposição em Portugal atribuem toda a responsabilidade pela crise ao Governo do PS, coisa que não acontece em mais lado nenhum.

O País não tem problemas estruturais que este Governo não resolveu?
O País tem um conjunto de problemas estruturais que se arrastam há vários anos, alguns deles começaram a ser resolvidos por este Governo. Manifestamente, em quatro anos, não se consegue fazer tudo. E no futuro há que ter condições de governabilidade para poder concretizar medidas e alterações que têm que ver com problemas estruturais que o País tem.

Há pouco falou em respostas à crise internacional. O Governo, ao adiar os investimentos públicos que tinha previsto, não está a dar um passo a trás?
O Governo tem defendido a importância do investimento público na criação de oportunidades para as empresas, na criação de postos de trabalho e na dinamização da economia. Alguns dos investimentos que não serão concretizados nesta legislatura prejudicam manifestamente esse rumo. Mas compreende-se que, por razões de calendário, sejam suscitadas dúvidas. Mas não posso aceitar que o PSD e a sua líder acusem o Governo de querer concretizar a “auto-estrada cor-de-rosa”, que tem, nomeadamente, um troço que integra vários municípios do Distrito de Leiria, e que na apresentação dos candidatos do Distrito não tenha a coragem de fazer essas críticas. Não tem a coragem, a verdade e a frontalidade de dizer em Leiria o que diz em Lisboa. Isto diz muito desta oposição…

Voltando ao PS… Posso concluir, portanto, que não acredita na ideia de um fim de ciclo de José Sócrates?
Não, de todo. Há um ambiente, em termos globais, de degradação do debate político e da vivência democrática. Mas nada disso tem que ver com finais de ciclo. Há um desgaste grande do Governo porque foram concretizadas medidas que afrontaram interesses instalados, que terão sempre a perspectiva de se reunificarem e de tentarem inverter as situações. Mas tudo isto não corresponde a uma lógica de fim de ciclo, corresponde a um período que tem de ser superado de forma a que haja governabilidade para se concretizarem projectos políticos.

Como é que ouviu as críticas duras de António Costa a Mário Lino, um ministro do Governo socialista?
São críticas nas quais não me revejo. Há que encontrar os canais próprios para tentar resolver este tipo de problemas. Julgo que não será através de intervenções na opinião pública que se conseguem superar este tipo de situações, que podem suscitar uma maior ponderação. Faz algum sentido que uma autarquia com a importância de Lisboa possa ter representação numa entidade que tem relevância para a vida dos lisboetas e do município.

António Costa, com as responsabilidades e o peso político que tem dentro do PS, vir para a praça pública criticar o Governo transparece a ideia de indícios de crise interna no partido.
Foi uma opção pessoal, que eu não teria.

Acha que José Sócrates resolveu bem o caso Manuel Pinho?
Julgo que sim, face a uma situação que do ponto de vista da vivência democrática e da lógica parlamentar não faz qualquer sentido. As questões de educação não me suscitam qualquer tipo de debate. A forma como foi superada esta situação foi a adequada.

Não houve algum excesso no pedido de demissão? Recordo as palavras que o deputado do PSD José Eduardo Martins dirigiu ao deputado Afonso Candal do PS, que foram bem mais gravas
Quem está desde 1995 na Assembleia da República, como eu, tem a percepção que tem havido uma degradação do nível do debate parlamentar e da forma como os deputados se dirigem uns aos outros, independentemente da argumentação que estão a utilizar. Esse é um esforço em que todos nós temos de dar um contributo porque a degradação do nível do debate parlamentar depois tem impactos na própria vivência democrática entre os cidadãos quando estão a defender propostas de um ou outro partido.

Como é que justifica a degradação do debate político?
Tem que ver com a crispação que se tem criado no debate parlamentar, que não tem muito sentido. Não é preciso aumentar os decibéis ou endurecer a linguagem para fazer valer os nossos argumentos. É perfeitamente injustificada esta degradação do debate parlamentar, mas esse é um esforço que todos terão de fazer no futuro.
O Estudo da SEDES, que foi recentemente publicado, é um espelho dessa realidade quando conclui que a maioria dos portugueses está pouco ou nada satisfeita com a sua democracia, tem má opinião dos políticos…?
Nestas matérias todos temos de dar o nosso contributo – não só os políticos. Os cidadãos também têm de dar o seu contributo através da participação, de estarem mais atentos ao que são as manobras de diversão em termos do que deve ser a informação que tem de estar ao seu dispor para poderem ter opções políticas. Temos de inverter a lógica de que o cidadão só participa quando há eleições, e muitas vezes pouco. Há um esforço global que tem de ser feito. E, manifestamente, a Assembleia da República acaba por ser refém de ser provavelmente a instituição democrática mais transparente e mais avaliada.

A reforma do sistema político seria uma boa bandeira para o PS trazer para a campanha das legislativas?

Penso que há aspectos da reforma do sistema político que seria interessante discuti-los. Mas tenho sempre grandes dúvidas sobre as questões relacionadas com o sistema eleitoral, que é sempre o grande debate. Nesse aspecto, não deixa de ser curioso que países onde existem sistemas uninominais ponderem actualmente adoptar um sistema da mesma natureza que o nosso. Naturalmente que há necessidade de aprofundar o debate, por exemplo, em aspectos relacionados com a atitude de titulares de cargos políticos e a sua ética, princípios, valores…

Em sua opinião, que grandes desígnios deve o PS trazer para a campanha eleitoral? Tirando a promessa de estágios na Administração Pública ainda não ouvimos José Sócrates falar em medidas para a próxima legislatura.
O Partido Socialista está a preparar o seu programa eleitoral e até ao final do mês apresentará as suas propostas, algumas numa linha de continuidade e outras numa afirmação de novos objectivos. Há necessidade de encontrarmos novas respostas sociais para novos problemas que surgiram e que o esforço que foi feito pelo Governo ainda não conseguiu corresponder. Depois, há todo um conjunto de questões relacionadas com novos temas, como as alterações climáticas ou a eficiência energética, que têm de ter propostas concretas no programa eleitoral. Julgo, também, que ao nível da educação têm de ser apresentadas propostas no sentido de dar agora uma outra dinâmica ao conteúdo e às matérias que são dadas nas escolas. Depois de termos tratado das questões relacionadas com os equipamentos, com uma melhoria manifesta dos equipamentos escolares, é chegado o momento de nos debruçarmos sobre as matérias em concreto e sobre a forma como as nossas crianças aprendem na escola.

E as chamadas questões fracturantes?

Não há necessidade de haver a apresentação daquilo que se designa por causas fracturantes. Há situações de desigualdade que à luz da Constituição da República não são aceitáveis e têm que ser resolvidas, nomeadamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Será facilmente percebido que só se o PS ganhar essa situação será resolvida.

O PS, para ganhar, tem de abrir à esquerda e aí conquistar eleitorado?

O PS, para ganhar, tem de recuperar alguma da confiança que foi perdida por parte dos eleitores, à esquerda, centro ou direita. Os portugueses serão chamados a pronunciar-se sobre uma solução de governabilidade e a dispersão que possa haver, como aconteceu nas eleições europeias, será lesiva dessa governabilidade e criará dificuldades de governação ao País num momento que é extremamente complexo, com grandes problemas e desafios, que exige estabilidade.

A direita parece responder à necessidade de governabilidade e de estabilidade com uma nova AD. À esquerda, onde ninguém se parece entender, o que é que se está a perfilar?
Os portugueses têm que perceber que há uma lógica de aliança pós-eleitoral entre o CDS e o PSD. Por outro lado, vemos à esquerda do Partido Socialista o PCP e o BE afirmarem que não estarão disponíveis para qualquer solução de Governo. Portanto, nessa perspectiva, os portugueses terão de optar entre uma solução de direita CDS/PSD ou darem condições ao PS para voltar a governar, naturalmente com outros protagonistas e com outras propostas políticas. Mas no retomar de um ciclo político em que a estabilidade esteja assegurada.

Mas partindo da ideia da impossibilidade de renovação da maioria absoluta, basta olhar para o resultado das europeias e para as várias sondagens que têm sido feitas, não há governabilidade à esquerda.
Os portugueses terão que se pronunciar sobre essa matéria. Devo dizer que acho muito estranho sempre que se tenta antecipar cenários e, de algum modo, fazê-lo com base em eleições anteriores. Os portugueses serão chamados a pronunciar-se e na formulação da sua vontade eleitoral terão que ter em conta que há necessidade do País ter uma solução de governação: à direita com o PSD/CDS ou à esquerda com o Partido Socialista.

Concorda com a proibição das candidaturas duplas dentro do PS?
Estas questões que têm que ver com princípios e questões éticas devem ser definidas com transparência. E julgo que teria sido preferível que o partido tivesse definido esta norma antes de iniciar o ciclo eleitoral, antes das europeias. Teria sido mais adequado. Há muitos camaradas meus, também deputados, que estão travar combates muito complicados e em que a vitória é difícil e poderia haver a necessidade de salvaguardar algumas situações. O princípio é positivo mas o timing poderia ter sido outro.

O Presidente da República tem beneficiado, nos últimos tempos, o PSD?
É manifesto o contraste entre o início do mandato do Presidente da República e esta fase mais recente. No início do mandato remetia-se frequentemente ao silêncio e, nesta fase, manifesta-se praticamente sobre todos os temas da sociedade e da realidade portuguesa. Há que sublinhar que há alguma sintonia entre o que é dito pelo Presidente da república e o que é dito pelo PSD, para além de haver alguns protagonistas que estiveram na Presidência da República e agora estão a dar um contributo ao PSD.

E essa coincidência de discursos tem que objectivo?
Não quero acreditar que o Presidente da República venha a fazer com o PS aquilo que criticou no passado. Portanto, custa-me a acreditar que, tendo sido tão crítico daquilo que se designou em tempos de “forças de bloqueio”, possa agora ser o agente prático dessa doutrina. Mas os factos estão aí e são objectivos. Digamos que a ciclovia do Presidente da república e de Manuela Ferreira Leite, por vezes, é a mesma.

Este Verão vai conseguir tirar férias?

Acho muito difícil…

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