2023/06/01

Arnaldo Matos censurado pela RTP por Garcia Pereira

“Arnaldo Matos censurado pela RTP –
A crise dos miseráveis ou os miseráveis da crise”

Na última 2.ª feira todos teremos começado a assistir – já muito poucos terão conseguido resistir ao sono antes do fim … – ao programa da RTP “Prós e Contras” dedicado ao tema da presente crise económico-financeira.

Na última 2.ª feira todos teremos começado a assistir – já muito poucos terão conseguido resistir ao sono antes do fim … – ao programa da RTP “Prós e Contras” dedicado ao tema da presente crise económico-financeira.

Com um tema aparentemente tão actual quanto interessante, o referido programa revelou-se afinal uma “estucha” monumental, com sete (os seis do estúdio e mais um enviado imperial da Banca, domiciliado em Londres) “irmãos do Santíssimo” glorificando a importância estratégica da Banca privada e proclamando as ideias mentirosas de que afinal “está tudo bem”, “não há problemas graves” e de que, tal como o Executivo de Sócrates logo veio declarar, “os depósitos dos portugueses estão perfeitamente seguros”.

Ao longo daquela monumental estopada laudatória nem uma só voz se ouviu que divergisse daquele coro unanimista e mistificatório, tendo mesmo os cidadãos portugueses – que todos os dias mais e mais têm que apertar o cinto, mesmo quando já nem barriga têm … – que suportar o atentado à sua inteligência de os responsáveis pela crise e os seus principais porta-vozes virem dizer-lhes que não há problemas graves mas que eles, elementos do Povo, têm é de se preparar para ainda maiores sacrifícios !?…

E, todavia, à hora do programa já alguns sabiam que o meu amigo Arnaldo Matos havia sido convidado para ele e que havia aceite o convite. E naturalmente esperavam vê-lo e ouvi-lo, bem sabendo que seria ele o único “contra” ali presente e que representaria a voz divergente do unanimismo oficial, chamaria os bois pelos nomes e diria as verdades que, sobretudo num momento como este, têm que ser ditas.

Mas a verdade é que Arnaldo Matos fora entretanto excluído do dito programa, que assim se realizou sem ele, melhor sendo então que se tivesse chamado apenas de “Prós”…

Esta exclusão censória – cuja consumação se começou a delinear quando os serviços da RTP até à hora do início do programa se recusavam a divulgar os nomes dos convidados – suscitou a justa indignação e o protesto de inúmeros cidadãos, muitos dos quais, estou informado, telefonaram ou dirigiram mails de protesto por aquela miserável exclusão. Que obviamente foi ditada à voz (a RTP) pelo seu dono (os patrões do grande capital financeiro e o seu Governo), incapaz de suportar o impacto que decerto teriam o pensamento, as posições e opiniões do Dr. Arnaldo Matos.

E é então que, depois de fazerem a censura mas incapazes de terem, sequer, a dignidade de assumir a respectiva autoria, os responsáveis do Programa vieram ensaiar a pseudo-explicação, tão tola quanto falsa degradante, de que tudo não passaria afinal de uma pretensa “auscultação que não corresponderia a um convite”, numa demonstração de quão baixo se chegou em Portugal em matéria de Jornalismo. E isto embora depois viessem também invocar – qual rabo escondido com o gato todo de fora – que afinal, e face à curta duração do programa devida à transmissão do jogo de futebol, teriam igualmente feito uma alegada “opção editorial de convidar apenas personalidades directamente ligadas ao mundo económico” (isto, conquanto lá estivessem também professores universitários, por exemplo).

Mas o que é que na verdade se passou afinal?

Tão-somente o seguinte: no passado fim-de-semana um jornalista do referido Programa “Prós e Contras” contactou, por duas vezes, o Dr. Arnaldo Matos para o convidar expressamente para a edição do referido programa da passada 2ª feira.

No segundo desses contactos, tido no sábado à noite, o referido jornalista explicou mesmo ao Dr. Arnaldo Matos que, de acordo com o seu actual figurino, o programa tem 2 grupos, de 3 convidados cada, e que o convite era precisamente para integrar um desses grupos (o que supostamente defenderia medidas por parte do Estado para fazer face à actual crise), havendo mesmo revelado não apenas os nomes dos outros intervenientes como também e inclusive que a RTP estaria com dificuldades em conseguir a confirmação por parte do Prof. Daniel Bessa. Depois, após a aceitação expressa do convite por parte do Dr. Arnaldo Matos, o dito Jornalista perguntou-lhe se sabia onde decorreria o dito programa (Casa do Artista) e indicou-lhe que, desta vez, “deveria ali chegar pelas dez, dez e meia da noite”, pois o “Prós e Contras” desta semana iria começar mais tarde em virtude da transmissão televisiva de um jogo de futebol (Leixões-Benfica). O que aliás bem demonstra que nessa altura já tudo era sabido e tudo estava assente por parte da RTP.

Depois, bem, depois veio a decisão da exclusão de Arnaldo Matos (não passando deste modo as patranhas da “auscultação” e da opção editorial devido ao jogo de futebol de mentiras e mentiras absolutamente cobardes).

Ora, como já tive oportunidade de escrever directamente aos responsáveis do Programa, “tal como no tempo de Ramiro Valadão, a RTP mostra assim a sua verdadeira face de “a voz do dono”. Com uma diferença contudo, e bem significativa. É que os obtusos coronéis do lápis azul, ao menos, tinham a coragem e a dignidade de se assumirem como aquilo que eram: censores…”.

Deste miserável acto censório, que deve ser firmemente repudiado, podem, contudo, e devem extrair-se algumas lições.

A primeira é de que este episódio pôs definitivamente a nu o que é hoje a Comunicação Social portuguesa, ou seja, um mero instrumento de propaganda da ideologia dominante onde, evidentemente, os pontos de vista divergentes não têm lugar. E representou, disso não tenhamos dúvidas, o toque a finados de um programa que se pretendia como de “prós” e de “contras” mas que revelou, em definitivo, ser apenas de “prós”.

A segunda é a de que a actual crise é afinal – e ao invés do que eles dizem – de tal modo grave que o sistema capitalista e os seus ideólogos não suportam, sequer, que no campo da mera discussão das ideias as suas posições e “explicações” possam ser sujeitas ao contraditório e ao fogo da crítica e da argumentação das ideias revolucionárias.

A terceira é a de que os ideólogos do sistema, quer os ligados aos partidos que aspiram a ser Governo (PS e PSD) quer os que, no Parlamento, se pretendem apresentar como estando à esquerda daqueles (a ala do PS liderada por Manuel Alegre, o BE e o PCP) não têm qualquer ideia para combater a crise e o desastre anunciado em que se encontra o nosso país e as medidas que preconizam representarão apenas o agravar da crise e dos problemas que todos os dias afectam quem vive do seu trabalho.

A quarta é a de que tudo quanto se tem vindo a passar demonstra não só que a pseudo Democracia em que vivemos não passa, afinal (e como os marxistas sempre defenderam) de uma verdadeira Ditadura em que só os ricos têm direito a viver e apenas os poderosos podem falar, como também que, uma vez reunidas todas as condições objectivas e subjectivas para tal (que obviamente hoje ainda não estão), será com uma crise destas que o capitalismo um dia será apeado do Poder.

Fácil é, pois, de perceber por que é que, embora seguramente muito interessante do ponto de vista das audiências, a presença e a voz de Arnaldo Matos se revelaram afinal insuportáveis para os primeiros e principais responsáveis pela crise, e que são os verdadeiros donos do País e da(s) Televisão(ões)… Em boa verdade, deixar Arnaldo Matos falar para o País inteiro, para mais num dia de grossas perdas nesses paraísos da especulação financeira que são as Bolsas, não seria deitar um balde de gasolina para um fogo de combustão lenta, seria deitar-lhe para cima uma estação de serviço inteira !

A natureza e dimensões desta crise, a denúncia dos diversos modos de acumulação pela Banca de lucros absolutamente fabulosos à custa de quem vive do seu trabalho, as medidas tomadas pela mesma Banca para repercutir nos cidadãos as primeiras consequências da crise (de que é um significativo exemplo o truque da “alavancagem” das dívidas) e o consequente agravamento drástico desta, a real incapacidade dos Bancos Centrais (passando pela Caixa Geral de Depósitos, não obstante os aumentos de capital e as vendas de acções pelo Estado, e que já representaram a entrada de 940 milhões de euros nos cofres da CGD neste último ano) para fazer face à mesma crise, a explicação da luta de equilíbrio entre dinheiro investido na produção e dinheiro existente na Banca para investir na produção e de como, quando os juros são superiores àquilo que a mesma produção suporta, a crise se torna inevitável, a demonstração de que as nacionalizações – que, como se vê, não se pondo a questão de qual a classe que está no Poder, nenhum problema trazem ao capitalismo e são até uma forma de este superar estas crises – enquanto puderem ser operadas vão aparentemente aguentando a situação mas, implicando dar mais “liquidez” aos Bancos e, logo, mais dinheiro no mercado, vão ter por resultado inevitável o aumento dos preços que, por seu turno, irá dar origem a uma crise de outra natureza, tudo isto se mostra afinal insuportável para os grandes senhores das finanças e os seus representantes que seja abertamente discutido e compreendido pela generalidade dos cidadãos.

E, como é óbvio, a reflexão acerca de como a política seguida e executada pelo Governo de Sócrates – assente, na lógica das “políticas do FMI”, na tríade liberalismo/orçamento não deficitário/prática inexistência de dívida externa – impondo ao nosso país limitações e exigências que não se puseram a outros países, a começar pelos Estados Unidos da América e a terminar na Alemanha, conduz inevitavelmente à falência de Portugal.

Tal como já conhecemos de experiências como as da Suécia no início da década de 90, dos países do Extremo Oriente (os chamados” Tigres da Malásia”) no final dessa mesma década de 90 e sobretudo da Argentina em 2001.

A experiência argentina é aliás algo que nos deve suscitar precisamente a reflexão que os donos do país querem impedir que nós façamos. Por se tratar de uma experiência muito recente, num país rico, com inúmeros recursos (inclusive petróleo) e que, seguindo as “receitas” do FMI, aplicou um sistema de controlo das despesas e finanças públicas igual ao que Sócrates, em obediência ao chamado PEC – Pacto de Estabilidade e Crescimento (e de muita estabilidade e mesmo paralisia e nenhum crescimento), tem aplicado em Portugal. O resultado foi que a Argentina, em vez de progredir, foi destruindo a sua capacidade produtiva, foi parando, parando, entrou em recessão e numa noite o país foi à bancarrota e na manhã seguinte os argentinos tinham perdido todas as poupanças que tinham nos Bancos.

A receita para a recuperação – tal como na Suécia em 1991 – foi então correr com o FMI e aplicar uma política de aumento da produção e de aumento do défice.

Portugal precisa, não de parar e destruir o pouco que nos resta da sua capacidade produtiva para cumprir os limites impostos por Bruxelas de 3% de défice, 2% de inflação e dívida externa de 80% do PIB. O nosso país precisa de grandes investimentos públicos (como os do novo Aeroporto de Lisboa e das estradas e vias férreas) que representem emprego (até porque o desemprego é hoje, claramente, o problema social mais grave) e permitam o desenvolvimento.

É preciso fazer um balanço da nossa participação na União Europeia e de como os milhões que de lá vieram não foram usados para modernizar e reapetrechar a nossa produção mas antes para a destruir! É preciso derrotar o projecto de (não) desenvolvimento imposto pela União Europeia no nosso país, antes que nos aconteça o mesmo que à Argentina.

É preciso lutar por uma unidade de forças para fazer o nosso País sair da crise. E isso só pode ser feito compreendendo que o PS é um partido de direita que tenta resolver os problemas do capitalismo com os métodos do capitalismo (e não um partido de esquerda, com todos os comentadores da ideologia dominante quiseram fazer crer à saída das últimas eleições).

Sócrates vai assim e até às eleições fazer o discurso do medo porque um país com medo vota à direita, e votando o país à direita ou ele ganha de novo a maioria absoluta ou então entende-se com o PSD para uma governação de direita (dita de “bloco central”).

Por seu turno, é preciso ver que os votos que o Povo Português deu à esquerda do PS (na ala de Manuel Alegre, no BE e no PCP) também se revelaram errados porquanto tais forças políticas mostraram e mostram que não têm qualquer proposta para resolver os problemas do Povo português.

Não há, pois, que ter medo, que é aquilo que Sócrates pretende que nós tenhamos.

Há que falar e discutir, discutir aberta e aprofundadamente, e discutir antes das eleições, o que deve ser esse Programa para desenvolver o País, desenvolvê-lo tecnologicamente, criar emprego, aumentar os investimentos e dirigi-los para os sectores produtivos, abrir e diversificar os mercados e fazer sair Portugal da gravíssima crise em que se encontra, e – repito – evitar que nos aconteça o mesmo que sucedeu à Suécia e à Argentina.

E perante tudo isto, não é assim e agora ainda mais evidente por que é que uma voz como a de Arnaldo Matos tinha mesmo de ser amordaçada e impedida de chegar aos portugueses?…

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