A derrapagem das contas públicas e a incapacidade do Governo avançar com medidas concretas para reanimar a economia nacional e fazer frente à verdadeira colonização espanhola, particularmente no sector bancário nacional, foi objecto de uma troca de palavras entre o antigo primeiro-ministro e a actual ministra das Finanças, advertindo Cavaco, que Ferreira Leite vai ficar com as culpas todas do que está a acontecer no País.
Ferreira Leite vai ficar com as culpas da situação económica se o Governo não inverter rapidamente a situação, advertiu, segundo fontes próximas, Cavaco Silva à sua antiga colaboradora e actualmente a chefiar a política financeira de Barroso.
Cavaco Silva, que é apontado cada vez mais como o candidato presidencial natural do PSD, pressentiu já que tem sido o próprio primeiro-ministro a moderar o discurso de Ferreira Leite, mas as suas críticas vão, sobretudo, para o facto do Governo não estar a conseguir travar o verdadeiro cerco espanhol a Lisboa, nem a conseguir atrair investimento estrangeiro ao nosso país, condição essencial para o desenvolvimento económico.
Dentro do Governo, aliás, já se notou também que Durão Barroso já está num registo diverso da ministra das Finanças, começando a admitir que o fundamentalismo contabilístico não deverá ser a melhor solução para o País, sobretudo em face da falta de iniciativas na área económica.
Ontem, no Parlamento, Durão Barroso foi obrigado a patrocinar medidas tímidas e perfeitamente ineficazes propostas pelo ministro da Economia, o terceiro pacote de relançamento económico, depois do total falhanço das iniciativas anteriores e das 40 medidas da economia que, apenas, agravaram a situação das empresas portuguesas e facilitaram a invasão económica espanhola.
A crítica de Bruxelas
Do lado de Ferreira Leite, o objectivo era controlar o défice, mesmo com recurso a aumentos de impostos e receitas extraordinárias. Em Bruxelas, esta semana o comissário Solbes advertia o Governo português para a excepcionalidade do processo e para o perigo de derrapagem nas contas públicas em 2003, dado que a despesa pública continua a aumentar enquanto as receitas fiscais estão a diminuir.
A derrapagem nas contas públicas e o previsível buraco orçamental não só desacredita a ministra das Finanças e a política do Governo, mas sobretudo coloca em causa a própria credibilidade do que se tem andado a fazer.
Sem perceber o efeito empresarial da política económica, o governo de Barroso, que não tem nenhuma experiência empresarial anda em verdadeiro ziguezague, entre o autismo da ministra das Finanças, agarrada ao purismo do equilíbrio orçamental, e um primeiro-ministro que, apesar de tudo, mais sensível à realidade económica e social, vê a política orçamental como instrumental e não como um objectivo em si mesmo.
Até agora Durão Barroso andou embrenhado na política externa e era Morais Sarmento quem verdadeiramente com Ferreira Leite coordenavam a política económica, com Carlos Tavares, acantonado em construções académicas e na escolha de nomes, mais preocupado em sobreviver dentro do Governo que propriamente apostado em resultados.
E a estratégia de Tavares foi logo no início de não contrariar a ministra das Finanças, em ascensão dentro do governo de Barroso, onde grandes figuras nacionais não existiam. O governo de combate de Durão Barroso acabava sendo o governo da obstinação de Ferreira Leite.
E os resultados estavam à vista com o agravamento da crise económica, a recessão e o desemprego provocados pela insensatez do Governo, que agravou as condições económicas que vinham do tempo dos socialistas.
O pacote Tavares
Para se defender do caos em que sentia a economia, Carlos Tavares optou por uma estratégia de nomeações de figuras com peso público, como João Talone, Líbano Monteiro e Miguel Cadilhe, que, em boa verdade, até ao momento, ainda não puderam fazer rigorosamente mais do que gastar o Orçamento do Estado.
Por exemplo, a imagem de Portugal no estrangeiro continua a não existir, o investimento estrangeiro está a sair de Portugal e os empresários portugueses cada vez desconfiam mais da política económica e da situação interna. De novo, Carlos Tavares avança no seu novo pacote com mais um nome: agora Daniel Bessa, outro nome do Porto, sem dúvida competente e sobretudo bom para fazer a ponte com alguns meios empresariais do Norte do País, que se sentem mais abandonados pelo Governo.
A pouco cuidada campanha de Ferreira Leite à volta do perdão fiscal sem revogação do crime, tendo a administração fiscal aproveitado para identificar os criminosos através daqueles que, ao engano, foram pagar de boa fé os impostos, veio colocar em risco a relação de confiança entre governantes e governados.
Barroso, pressentindo-o, decidiu seguir o conselho de Marcelo Rebelo de Sousa e suspender o pagamento de impostos por conta, outra verdadeira fraude para não dizer roubo por parte do Fisco, que pretenderia cobrar antecipadamente impostos sobre receitas que ninguém sabe se as obterá.
A falta de seriedade nesta matéria e alguma desorientação está ainda patente no recuo em matéria da falências. Ainda a semana passada, o Fisco votou a falência da maior empresa de construção civil, a ECOP, salva em última instância pelos restantes credores que votaram a sua viabilização no Tribunal do Comércio.
Agora, o Governo dispõe-se a avançar até 50% em capital, numa solução de nacionalização parcial do capital social das empresas privadas em dificuldade, mas que é justificada pela desesperante situação social que o País atravessa.
Espanholização e culpa
Mas ao que as nossas fontes puderam confirmar, Cavaco Silva advertiu a ministra das Finanças que, mau grado a sua intervenção na contenção das despesas públicas, o certo é que o facto da crise se estar a arrastar e da recessão ser uma realidade há pelo menos três trimestres, vai transformar a ministra das Finanças na principal culpada política pela situação económica, fazendo esquecer as culpas da governação socialista e até a impreparação de outros ministros.
Ferreira Leite entra para o Governo com um capital político importante e surpreendentemente não tem conseguido gerir o capital político da liderança que claramente assumiu no executivo de Barroso, onde seguramente é a ministra das Finanças com mais poder desde sempre, dentro de um governo.
O que está a acontecer é que os ministros técnicos passam para a opinião pública a imagem que mais não fazem, porque a ministra das Finanças não deixa e o primeiro-ministro aparece apenas em fóruns internacionais. Para Ferreira Leite fica a obsessiva determinação no controlo das contas, o aumento dos impostos, mas também a taxa de desemprego, a fuga do investimento estrangeiro, a subida dos impostos e a derrapagem orçamental que o próprio Barroso não esconde vai verificar-se em 2003.
Remodelação adiada
Neste contexto, a remodelação do Governo volta a estar em cima da mesa, estando contudo condicionada segundo fontes governamentais à vontade de alguns ministros. Barroso não faz da permanência dos ministros no Governo nenhum tabu, mas gostaria de não mexer na sua equipa governamental senão ao fim de dois anos.
Só isso implica que Isaltino Morais renuncie ao mandato em Oeiras, algo que deverá fazer no próximo mês, segundo confirmou o próprio ao SEMANÁRIO. Deste modo, as saídas do executivo ficam adiadas. Celeste Cardona sabe bem que vai ser o preço de troca do PP, para uma remodelação, em 2004, que incidirá sobretudo sobre ministros do PSD.
Manuela Ferreira Leite deverá abandonar nessa altura o Ministério para assumir a presidência da Caixa Geral de Depósitos (Março de 2004) e Valente de Oliveira e Isaltino Morais poderão nessa altura abandonar também o executivo. Cansado com o desgaste poderá Morais Sarmento também ponderar a sua saída, mas sempre depois de ter conseguido provar a bondade da sua política de comunicação social.
Consciente que é o bombeiro de serviço, Morais Sarmento está permanentemente debaixo de fogo e a ausência sistemática do primeiro-ministro, mais envolvido em questões externas e de José Luís Arnault virado para o Aparelho e para a fiscalização das nomeações no Estado, só agrava a situação.
O súbito vedetismo de José Miguel Júdice está também a colocar entraves à governação, pois o bastonário mete-se em todas as questões, com uma forte intervenção mediática, fazendo, com Santana Lopes, uma dupla de pressão, que acaba por disputar o poder a Morais Sarmento e ocupar o espaço deixado vago pela liderança do primeiro-ministro.