O pacto entre o PSD e o PS na justiça, envolvendo o mapa judiciário, a formacão e a nomeacão de juízes, podendo abrir os tribunais superiores a juristas de reconhecido mérito mas com o risco de estarem próximos do poder político, deverá deixar os juízes em polvorosa, denun- ciando o perigo de politização do sistema e atentado contra o princípio da independência dos tribunais. Entretanto, o Ministério Público, mesmo com a nova lei de política criminal a ser apontada desde há meses como um perigo para a sua autonomia, deverá manter os seus poderes no novo quadro da justiça. O pacto entre PS e PSD deverá abranger, também, a escolha do novo PGR.
O pacto entre o PSD e o PS na justiça, envolvendo o mapa judiciário, a formacão e a nomeacão de juízes, podendo abrir os tribunais superiores a juristas de reconhecido mérito mas com o risco de serem “comissários” políticos, deverá deixar os juízes em polvorosa, denunciando o perigo de atentado contra o princípio da independência dos tribunais. Entretanto, o Ministério Público, mesmo com a nova lei de política criminal a ser apontada desde há meses como um perigo para a sua autonomia, deverá manter os seus poderes no novo quadro da justiça. O pacto entre PS e PSD deverá abranger, também, a escolha do novo PGR
O pacto de socialistas e social-democratas terá sido alcançado sobre a égide de Cavaco Silva, tal como divulgava o jornal “Público” na sua edição de ontem. No seu discurso de tomada de posse, há seis meses, o Presidente da República apelou a consensos no campo da justiça. Recentemente, por ocasião da polémica em torno da nomeação do novo PGR e dos consensos inter-partidários que a oposição reclamava e que o governo pareceu rejeitar, o Palácio de Belém voltou a reiterar a necessidade de consensos na Justiça. Recorde-se que há mais de um ano que Marques Mendes propõe ao PS um pacto de regime sobre a Justiça. Entretanto, o pacto deverá envolver, também, um consenso à volta da nomeação do novo PGR, cujo nome será anunciado nas próximas semanas. O actual PGR, Souto Moura, termina o seu mandato em 9 de Outubro.
Os juízes podem, assim, ser o sector profissional da justiça que mais alvo vão ser de mudanças. O novo mapa judiciário deverá acabar com muitas comarcas do país, obrigando a novas colocações e escalonamentos. Na formação de juízes, o Centro de Estudos Judiciários deverá ter o seu funcionamento totalmente revisto, com a intervenção crescente das universidades na gestão de ensino. É, no entanto, no campo da nomeação de juízes que as alterações deverão ser mais profundas, mexendo em todo o edifício de organização e disciplina dos juízes. O que poderá suscitar mais polémica é a chamada lei das carreiras planas, que se traduzirá pela manutenção de muitos juízes nos tribunais de primeira instância, sem grandes possibilidades de progressão na carreira. Isto porque os tribunais superiores, Supremo Tribunal de Justiça e Tribunais de Relação deverão passar a contar com “quotas” para não magistrados, juristas de reconhecido mérito, o que limitará, naturalmente, o acesso dos magistrados. Apesar de esta autêntica “revolução” na progressão das carreiras dos juízes, os escalões remuneratórios não seriam afectados, funcionando o princípio da antiguidade, uma modalidade que pode não ser inocente, parecendo jogar com o conformismo de muitos magistrados.
Face a estas medidas, os juízes têm receios de funcionalização da profissão, ficando gorada a progressão nas carreiras. Por outro lado, há o receio de os juristas de reconhecido mérito, designados por concurso para os tribunais superiores, serem figuras muito próximas do poder político, vindo politizar o sistema judicial, ameaçar a independência do poder judicial e os princípios do Estado de Direito. Esta reforma tem sido, nos tempos mais recentes, muito defendida por sectores políticos próximos do PS e, no campo judicial, por alguns advogados que consideram o poder jurisdicional demasiado crucial para estar só na posse de magistrados de carreira. Recorde-se que estas posições começaram a ser enunciadas na sequência do caso Casa Pia, um processo que conduziu à prisão preventiva de Ferro Rodrigues e que enlameou o nome de alguns dirigentes socialistas.
A Associação Sindical dos Juízes, pela voz o seu presidente, António Martins, fez esta semana saber que este novo processo de carreiras abre caminho à politização da justiça. Também o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Nunes Correia, esta semana recebido por Cavaco Silva, fez questão de contestar o possível novo modelo das carreiras dos juízes. Curiosamente, Jerónimo de Sousa, no seu discurso da “Festa do Avante”, também denunciou o processo de governamentalização da justiça que está em curso. Por sua vez, Saldanha Sanches, sempre muito atento aos temas da justiça, escreveu no passado sábado, no “Expresso”, um artigo onde denuncia a paralisia da investigação criminal no que se refere ao combate contra a corrupção política, bem como o clima de desânimo que se vive nos tribunais, culpando, entre outras medidas, a reducão das férias judiciais e os estrangulamentos que veio criar em vez de contribuir para o melhorar o estado do sector, como responsáveis por esse clima de desânimo. Na verdade, e apesar de os números de processos resolvidos e pendentes já com a redução das férias judiciais em vigor, ainda não terem sido apurados na totalidade ou divulgados, teme-se que a morosidade na justiça tenha aumentado. Há a forte probabilidade, aliás, de o governo utilizar estes números para justificar as medidas tomadas no âmbito do pacto para o sector com os social-democratas, o que se pode revelar uma manobra política muito complicada para os juízes gerirem no quadro da opinião pública. Entretanto, o ambiente que se vive na PJ também está ao rubro, com receios de crescente governamentalização da instituição através da política de nomeações feita pelo governo e pelo director da Polícia Judiciária.
A situação pode ficar insustentável e explodir já em Outubro, quando for escolhido o novo procurador-
-geral da República e for eleito o presidente do Supremo Tribunal de Justiça. No que deverão ser as primeiras “batatas quentes” para os novos detentores do cargo. A figura que substitui Souto Moura deverá ser nomeada ainda este mês ou em princípios de Outubro. O novo presidente do STJ vai ser eleito a 28 de Setembro e tudo indica que será Noronha Nascimento, um juiz que, no tempo da governação de Guterres, quando se levantou a questão de uma nova composição para o Conselho Superior da Magistratura, com mais membros designados ou eleitos pelo poder político, bateu o pé aos socialistas.
Apesar de a autonomia do MP dever ser preservada no pacto de justiça, o facto é que muitos sectores desta magistratura continuam a temer que, na prática, a nova lei de política criminal, que define prioridades para a investigação de crimes, também acabe por funcionalizar o MP. Mesmo o nome do novo PGR continua a suscitar dúvidas e receios, apesar de a circunstância desta nomeação estar abrangida pelo pacto, poder ser uma garantia de que o MP não vai sair a perder no processo. Há meses que o PSD de Marques Mendes afiança à magistratura do MP que a sua autonomia vai ser preservada, de cujo garante o PGR é uma peça fundamental como figura de topo da instituição.